9.6.18

Dica (769)



The Portuguese Myth (Catarina Príncipe) 

«Portugal’s Socialist-led government looks like an exception to the decline of European social democracy. But its record in fighting austerity is less clear.»
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Raça, o Dia da Raça




Já lá vão 10 anos. E ainda há quem diga que não progredimos!
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Pela nossa saúde




Uma grande entrevista a Constantino Sakellarides.

«Numa altura em que se vai discutir uma nova Lei de Bases da Saúde, em que profissionais continuam a abandonar o SNS, critica a ausência de uma governação moderna na saúde e diz haver uma razão para os políticos se sentirem incomodados com uma nova lei de bases: vão ter de escolher o SNS que querem.»
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A nossa cocaína caseira



José Pacheco Pereira no Público de hoje:

O que se segue são excertos do artigo da Wikipédia sobre a cocaína. Como este não é um artigo científico, posso citar a Wikipédia à vontade:

“A cocaína (...) é um alcalóide, estimulante, com efeitos anestésicos, utilizada fundamentalmente como uma droga recreativa. Pode ser aspirada, fumada ou injectada. Os efeitos mentais podem incluir perda de contacto com a realidade, um intenso sentimento de felicidade ou agitação. Os sintomas podem envolver aceleração do ritmo cardíaco, transpiração e dilatação das pupilas. Quando consumido em doses elevadas, pode provocar hipertensão arterial ou hipertermia. Os efeitos têm início alguns segundos ou minutos após a sua utilização e duram entre cinco e noventa minutos. (...) A cocaína é muito viciante, graças aos efeitos provocados (...) no cérebro. Existe um sério risco de dependência, mesmo se consumida por um curto período de tempo. A sua utilização aumenta ainda o risco de acidente vascular cerebral, infarto do miocárdio, problemas pulmonares em pessoas que a fumam, infecções sanguíneas e paragem cardiorrespiratória súbita. (...) No seguimento de administração repetida das doses, a pessoa pode ver diminuída a sua capacidade de sentir prazer e fisicamente sentir-se muito cansada.”

Interessante esta descrição, porque se aplica que nem um fato de latex — dizer que “nem uma luva” é antiquado — ao que se vai passar nos próximos meses. Aliás, ao que se passa já há vários anos, mas que agora conhece o ritmo galopante de uma epidemia, melhor, de uma pandemia: a pandemia do futebol. Tudo serve de pretexto para encher televisões — ainda o meio de comunicação mais importante —, em conjunto com toda a outra comunicação social, para termos uma overdose maciça de futebol, de droga, de cocaína. O que se passa nas chamadas “redes sociais” só consigo imaginar, visto que não ando por todos os locais mal frequentados, só alguns.

As escassas notícias que ainda conseguem penetrar entre os Brunos e as claques, os Vieiras e os “directores” e os “assessores jurídicos” e os porta-vozes, as fraudes e os pagamentos a árbitros e jogadores, os jogos manipulados, os negócios com as apostas, com a publicidade com os produtos do merchandising, as extorsões e espancamentos, são abafadas e mesmo assim parecem ser de mais. A fronteira que já não existe entre canais noticiosos e desportivos tornou-se uma competição para ver quem é que mais fala da bola. E as “audiências” viciam-se. Oh, se se viciam!

O futebol é a coisa mais parecida com a máfia que existe em Portugal — ou melhor, é a nossa máfia lusitana. Eles produzem a cocaína, muitas vezes em sentido literal, mas a rede de distribuição é a comunicação social. Como o negócio antigo das notícias não vende, o negócio moderno é tornar o futebol, como agora se diz, “incontornável”, ou seja, as pessoas não podem fugir dele, como os distribuidores de droga nas escolas, e ficam tão “agarrados” que já não sabem ver, ouvir e ler outra coisa. O efeito é um círculo vicioso: só se tem audiências, ou seja, publicidade e negócios, se se passa futebol, senão as “audiências” circulam de canal em canal atrás da imagem do circo leonino, ou da sombra da prisão por cima dos encarnados, ou das memórias agora mais calmas do Apito Dourado, do Macaco e do “café com leite”.

É por isso que se pode reescrever o artigo da Wikipédia sobre a cocaína:

“O futebol é um estimulante, com efeitos anestésicos, utilizado fundamentalmente como uma droga recreativa, muito útil quando há pouco pão, para que haja muito circo. Pode ser visto, ouvido, lido, aspirado, fumado ou injectado. Os efeitos mentais podem incluir perda de contacto com a realidade, um intenso sentimento de felicidade ou de violenta agitação. Os sintomas podem envolver aceleração do ritmo cardíaco, transpiração e dilatação das pupilas, grunhidos, gestos obscenos, pinturas de guerra e porte de cornos na cabeça. Quando consumido em doses elevadas, pode provocar hipertensão arterial ou hipertermia ou definhamento da inteligência em geral. Os efeitos têm início dentro de alguns segundos ou minutos após a sua utilização e duram entre cinco e noventa minutos, pelo que é necessário estar sempre a ver televisão, a ouvir rádio, a ler jornais, a falar de futebol nos cafés, a discutir no emprego, em doses cada vez maiores. O futebol é muito viciante, graças aos efeitos provocados no cérebro, que assume cada vez mais a forma de uma bola. Existe um sério risco de dependência, mesmo se consumido por um curto período de tempo. A sua utilização aumenta ainda o risco de acidente vascular cerebral, infarto do miocárdio, problemas pulmonares em pessoas que o fumam, infecções sanguíneas e paragem cardiorrespiratória súbita, violência doméstica, homofobia e outras filias. No seguimento de administração repetida das doses, a pessoa pode ver diminuída a sua capacidade de sentir prazer e fisicamente sentir-se muito cansada, e ter várias formas de impotência, a começar por cima e a acabar em baixo.”

Há muitas coisas que ajudam a estupidificar o país. Mas, nos dias de hoje, a mais eficaz é o futebol. Vamos todos para Moscovo de bandeirinha.»
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8.6.18

Dica (768)



Making China Great Again (Evan Osnos) 

«In an unfamiliar moment, China’s pursuit of a larger role in the world coincides with America’s pursuit of a smaller one.»
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Querida RTP


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Carlucci, essa criatura «cínica»



Francisco Seixas da Costa divulgou no Facebook o texto de um artigo publicado hoje no JN. Mas já que este jornal é useiro e vezeiro em não respeitar links (quantos textos de Manuel António Pina eu não perdi…), copio aqui na íntegra.

Carlucci

Há dias, uma televisão convidou-me a dar um testemunho, por ocasião da morte de Frank Carlucci, o embaixador que os americanos enviaram para Portugal, alguns meses depois do 25 de abril. Agradeci, mas não aceitei.

Faço parte de uma geração que, por algum tempo, viveu com a imagem regular de Carlucci na nossa (à época única) televisão. Aquela figura de rictus estranho, com umas patilhas de forcado, foi então uma espécie de vedeta nacional. Eu já era diplomata e tenho bem presente a sua importância na sociedade política portuguesa.

Segundo alguns historiadores, Carlucci terá convencido o chefe da diplomacia do presidente Nixon, Henry Kissinger, de que a deriva revolucionária portuguesa, subsequente ao 25 de abril, não condenava necessariamente o país a converter-se numa república socialista radical, que este via como uma espécie inevitável de "vacina" para a Europa ocidental. Para o embaixador, havia a opção de apoiar os líderes dos partidos moderados, tentando, com a ajuda de regimes pluralistas europeus, promover a instauração da democracia no país. O facto de isso ter assim sucedido é tido por muitos a crédito de Carlucci.

Por este facto, Carlucci transformou-se, aos olhos de alguns, num "herói" da democracia portuguesa, uma espécie de "santo padroeiro" do 25 de novembro. E os descendentes políticos dessa gratidão apresentaram, na Assembleia da República, votos (diferenciados) de pesar pelo passamento do político americano. Esse voto tem de ser respeitado. Quero, porém, deixar aqui claro que, se acaso fosse deputado, não me teria associado a ele, abstendo-me ou saindo da sala. Porquê? Porque não aplaudo cínicos.

Frank Carlucci apoiou os democratas portugueses, não pelo sentido humanista decorrente de uma opção a favor da vida política em liberdade no nosso país, mas exclusivamente porque esse era o interesse geoestratégico americano de ocasião. Mas não será isto um preconceito? Não creio. Em outras ocasiões, a História prova que o mesmo Frank Carlucci deu apoio, claro e deliberado, a golpes políticos conducentes à instauração de ditaduras e regimes opressivos noutras partes do Mundo. Com orgulho declarado e sem o menor remorso.

Aliás, não é necessário ir muito longe para constatar essa duplicidade: a mesma administração americana que enviou Carlucci, para substituir um diplomata que não tinha "visto chegar" a Revolução cujas consequências pretendia combater, era precisamente o mesmo que até então se mostrara plenamente confortável com o regime ditatorial de Marcelo Caetano. Desejo assim que Carlucci descanse em paz. Nada mais.
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Entrevista com Deus - Especial Dia Mundial do Ambiente



«Negócios: Esta semana, festejámos o Dia Mundial do Ambiente, bem como o Dia Mundial dos Oceanos, por isso nada como entrevistarmos aquele que é o criador disto tudo. Olá, Deus. Lembra-se de ter tido a ideia de criar o universo?

Deus: Olá, é um prazer estar aqui e em todo o lado ao mesmo tempo. Por acaso, lembro-me. Estava sem nada para fazer e dei por mim a pensar: olha, deixa-me cá ir à net. Mas não havia net. Pensei: ui, tu queres ver que me cortaram a net. Mas não. Era eu que ainda não tinha inventado nada. Por isso, decidi criar um universo, a ver o que acontecia.

Neg: E foi assim tão fácil?

Deus: Sim. Quer dizer, ainda fui ver se havia subsídios para quem quer criar universos, mas nada. Tive de fazer tudo do meu bolso. E depois a malta da agropecuária ainda se queixa.

Neg: E foi rápido?

Deus: Levei para aí uma semana. Podia ter levado menos tempo, mas no princípio havia uma escuridão enorme sobre todas as coisas, por isso tive de trabalhar à base das apalpadelas. Foi então que percebi que faltava a luz.

Neg: Foi quando inventou a luz?

Deus: Exacto. Fiz a luz e as rendas da EDP! Quando a luz veio, foi uma surpresa. Não fazia ideia de que o universo era um T3 e, finalmente, encontrei as meias que me tinham desaparecido. Vocês têm de perceber que isto de fazer o universo é bastante semelhante a fazer obras em casa. A primeira coisa é a electricidade. Sem luz, não dá para instalar os aparelhos, etc.

Neg: Mas não ficou por aí.

Deus: Não. Comecei a ficar com a síndrome do autarca. Já só me apetecia fazer mais obras e resolvi pôr um firmamento. Era para ter posto um firmamento todo em porcelana, mas o orçamento era uma loucura. Pouca gente sabe que aquilo é tudo em contraplacado. Daqui por mais oito biliões de anos, por causa das águas e da humidade, o firmamento vai começar a ficar baço e a dar de si, mas não dava para tudo.

Neg: Mas também entretanto, nós temos ajudado a estragar um bocado o nosso planeta. Enchemos os oceanos de plástico, poluímos o ar.

Deus: Sim, é verdade. Mas o vosso planeta já não era grande coisa. Aqui para nós, eu tinha um orçamento muito reduzido e gastei quase tudo a fazer Neptuno.

Neg: Como assim?

Deus: Por exemplo, para o vosso planeta ficar bem feito, eu precisava de ter terraplanado tudo e depois é que mandava pôr as placas tectónicas, com uns caixilhos em alumínio. Ficava mais feio, mas evitava que andassem a bater umas nas outras e a fazer terramotos. A terra precisava de uma marquise em alumínio.

Neg: Se pudesse voltar atrás, o que é que mudava no mundo?

Deus: Nada. Fazer universos é uma chatice porque não dá para fazer dois iguais, ou levas uma talhada da SPA. No fundo, Deus é uma espécie de Walt Disney. Cada universo que crio é um parque temático. Vocês não imaginam um universo que eu fiz com pão ralado. Não façam esse ar de superioridade. É um mundo muito melhor do que o vosso. As pessoas de Pão Ralado são felizes. Só quem já foi panado sabe do que estou a falar.»

João Quadros
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7.6.18

Dica (767)



Italy’s Crisis: Democracy And The Euro (Andrea Lorenzo Capussela) 

«So, to state the obvious conclusion, the main roots of Italy’s malaise are domestic. The country may have met the Maastricht criteria for joining the euro but it failed to shift onto a fairer and more efficient equilibrium. Hence her need to see political alternatives better than the present ones arise.
These observations invite one last remark on those confident critiques, rapidly relayed across the web. Italy’s stability hangs on the delicate balance of powerful opposing forces. It can be compared to a china shop with too few customers, whose bankruptcy could ruin the whole neighbourhood. The elephants that entered it last Monday might, upon reflection, have spoken more advisedly.»
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Sporting



Mesmo que não se queira, o Sporting «invade-nos».
Parece que Mário Machado, (ex-líder da Frente Nacional e que está agora numa coisa chamada «Nova Ordem Social»), quer substituir alguém que dá pelo nome de Mustafá. Ainda bem que moro no outro extremo da segunda circular. 
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China: quase um Portugal para entrar nas universidades




Cerca de 9,75 milhões de estudantes devem participar do exame para se candidatarem às vagas nas universidades. Dentro de poucos anos, serão, pelo menos, dez vezes mais.
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O “bloco central da agonia"



Conjecturas sobre o nosso futuro próximo, com as quais apenas concordo parcialmente, mas que ajudam a pensar.

«1. Parece claro que o PS não sofreu o mesmo destino dos seus congéneres da Europa do Sul. Ao contrário do Pasok grego, do PSOE espanhol, do PSF francês e do centro-esquerda italiano, o PS continua de boa saúde e recomenda-se. As explicações dividem-se entre a tese do “pedro-nunismo” (deve-se à “gerigonça” de António Costa) e de Vital Moreira (foi a direita a aplicar o programa de ajustamento e o PS conseguiu descolar da bancarrota de 2011). Creio que ambos têm razão. Se tomarmos os 20% do PSOE nas últimas sondagens (antes dos acontecimentos da semana passada), podemos sugerir que a diferença entre esses 20% e os 32% das legislativas de 2015 é o “efeito austeridade” (em muito devido à estratégia de António José Seguro, que, muito provavelmente, salvou o PS do declínio e a quem o partido insiste em não agradecer) e dos 32% de 2015 aos cerca de 40% das sondagens atuais temos o “efeito geringonça” (tenho muitas dúvidas que o PS passe dos dois milhões de votos em 2019, se isso são 40% ou menos, depende da abstenção; pode até gerar uma maioria absoluta de mandatos, caso haja um enorme aumento da abstenção acompanhado de uma assinalável dispersão de votos em brancos, nulos e pequenos partidos sem representação parlamentar).

2. António Costa é o hábil estratego do "efeito geringonça”. Se o PS tivesse dado ouvidos a Assis, Sousa Pinto e outros, hoje seria uma muleta da direita e dificilmente estaria agora nos 40%. Muito provavelmente estaria mais perto dos 20% do PSOE. Evidentemente que a solução encontrada permitiu a Costa ser primeiro-ministro. Mas, para além do óbvio interesse pessoal, há um elemento estratégico fundamental. Como disse ao Expresso uns dias depois das eleições de 2015, “só engolido o BE, o PS pode ganhar eleições”. E acrescentava: “Há diversas formas de engolir: ou os 500 mil [votos] voltam para o PS, ou fazem uma coligação, ou este traz o BE para dentro, à semelhança do que o SPD fez na Alemanha com os Verdes.” E foi o que Costa fez.

3. Com a experiência da “geringonça”, e pela sua própria sobrevivência, o PS não pode dispensar o BE. Ou melhor: poder, pode. Mas arrisca-se a que o BE se torne um Syriza ou um Podemos, comendo uma enorme fatia do eleitorado socialista, que, por exemplo, não compra a nova campanha do ADN anticorrupção e da transparência. Uma (muito improvável) maioria absoluta do PS seria um horizonte de crescimento para o BE a prazo. E, sem maioria absoluta, o PS não pode trocar o BE pelo “bloco central dos interesses” sem arriscar uma “pasokização” quase imediata.

4. A relação entre o PS e o BE é agora, pois, absolutamente umbilical. Já a relação com o PCP não é. Primeiro, até ao momento, não há constância de grandes transferências de votos do PS para o PCP (a existirem, foram em sentido contrário, como parece ter sido o caso nas autárquicas). Segundo, o PCP não pode integrar um Governo, sob pena de se diluir e sofrer o destino dos eurocomunistas (não por acaso, o PCP não sofreu o destino dos comunistas espanhóis, franceses e italianos). Logo, a quebra da ligação entre o PS e o PCP é provável e até desejável do ponto de vista de ambos. A transformação do BE num Verdes alemão também facilita um Governo PS/BE sem o temor do PCP, como já vemos na autarquia de Lisboa.

5. Mas, se o PS não pode largar o BE, também não pode largar o PSD e Rui Rio. Porque, quando um cair, cai o outro. O PSOE afundou-se, mas o PP também. No novo sistema partidário espanhol, segundo as sondagens, ambos vão ser partidos secundários (por isso, fogem de eleições). O PSF desapareceu, mas o LR está a ponto de entrar em colapso. Ambos são agora atores muito pouco relevantes num novo sistema dominado pelo partido de Macron, FN e La France Insoumise. Na Itália, o centro-esquerda e o centro-direita estão a minguar para o M5S e Lega Nord, respetivamente. Mesmo na Grécia, onde a implosão do Pasok não contagiou (ainda) a Nova Democracia, temos de recordar dois aspetos cruciais. A reorganização do centro em curso (Kinima Allagis, ao qual se juntou o To Potami e os restos do Pasok) pode prejudicar seriamente a Nova Democracia nas próximas eleições. E a própria Nova Democracia, após crise interna do seu baronato profundamente corrupto, foi buscar Samaras em 2009, um personagem sempre pouco amado no partido e com um percurso muito curioso (fundou o seu próprio partido, Politiki Anixi, onde militou entre 1993 e 2004). Este trouxe consigo uma nova geração que, de alguma forma, refundou o partido.

PUB 6. A solução para esta geometria é complexa. O PS e o PSD não podem amarrar-se um ao outro, porque isso leva ao crescimento dos extremos, deixando o BE à solta (em muito menor medida, o CDS, pois, não acredito que consiga mobilizar abstencionistas). Mas o PS e o PSD dependem um do outro para manter o atual sistema partidário intacto, coisa única na Europa do Sul (quase mesmo em toda a Europa). Resta o “bloco central da agonia”: um PS que finge que governa enquanto faz a espargata entre o PSD e o BE. Veremos se aguenta toda a próxima legislatura assim.»

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6.6.18

Votos de pesar por Frank Carlucci



Foram aprovados estes três votos. Registe-se que partidos votaram o quê. 

Os textos dos votos podem ser lidos a partir DAQUI.
Nesta notícia, mais informação.

Vale a pena ler esta declaração de um dos dois deputados da bancada do PS, que se abstiveram nas três votações: Trigo Pereira sobre Carlucci: "Os fins não justificam os meios".
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Espanha: não há leis para quotas por género?




11 mulheres e 4 homens???.
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Alô, Lola



Esqueça a robot Sophia, vem aí a Lola!

Que bela escolha de nome! Os humoristas exultarão.
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06.06.1968 – Maurice Béjart em Lisboa: concerto e expulsão



Foi exactamente há 50 anos, mas está tão presente na minha memória como se tivesse sido há 24 horas.

«Em 6 de Junho morreu Robert Kennedy, vítima de um atentado que tivera lugar dois dias antes. Nessa mesma noite, em Lisboa, Maurice Béjart apresentou o seu «Ballet du XXe. Siècle», no Coliseu dos Recreios absolutamente repleto. Assistimos a um magnífico «Romeu e Julieta». Durante a última cena, ouviu-se gritar, repetidamente, "Façam amor, não façam guerra!". Simultaneamente e em várias línguas, eram lidas notícias sobre lutas, revoltas e injustiças. Foi arrepiante a emoção vivida na sala que se levantou em aplauso prolongado. Béjart veio então ao palco para afirmar que Robert Kennedy fora “vítima de violência e de fascismo” e para pedir um minuto de silêncio “contra todas as formas de violência e de ditadura”. Com a maior parte dos espectadores de pé, renovaram-se os aplausos, com mais força e com mais entusiasmo.

Informado do sucedido, Salazar proibiu os espectáculos seguintes e ordenou que Béjart saísse imediatamente de Portugal. Franco Nogueira cita uma nota distribuída à imprensa pelo Secretariado Nacional de Informação:

“Foram dirigidas à juventude exortações derrotistas e tomadas atitudes de especulação política inteiramente estranhas ao próprio espectáculo. Perante a luta que teremos que manter em defesa da integridade nacional, não pode consentir-se que uma companhia estrangeira aproveite, abusivamente, um palco português para contrariar objectivos nacionais.”

Béjart nunca se referiu a Portugal. Mas Salazar era bom entendedor e bastava-lhe menos de meia palavra para perceber – como nós – que Béjart quisera deixar um sinal de solidariedade aos antifascistas portugueses.

Momentos raros como este funcionavam para nós como bálsamo e como estímulo. Ajudavam-nos a não desanimar.» (*)

(*) Joana Lopes, Entre as Brumas da Memória. Os católicos portugueses e a ditadura, Âmbar, 2007, pp. 118-119.

Alguns minutos de «Romeu e Julieta»:


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5.6.18

Dica (766)




«António Costa abriu o Congresso a puxar pelos galões de Esquerda do PS e fechou-o jurando combater a precariedade. Dois dias depois era apresentado um acordo com os patrões que deixa quase tudo na mesma na legislação laboral. (…)
Para quem se governa? É esta escolha - e não os discursos identitários -, que define a latitude de um partido político no espectro ideológico. No seu discurso, António Costa respondeu também a quem se perguntava sobre o novo compromisso do PS com uma governação à Esquerda: "Estamos onde sempre estivemos e estaremos exatamente onde estamos". Que pena.»
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Portugal no mapa



Em muitos murais do Facebook, e até em noticiários de TV, vejo gente indignada com títulos como este, escolhido por vários jornais porque é bem bombástico. Decidi ir ler rapidamente alguns textos e cheguei às seguintes conclusões.

Na prova de aferição de História e Geografia, 2º ciclo, 2017, os resultados até foram muito bons. Mas verificou-se que «os pontos cardeais não são um conhecimento consolidado e 23% dos alunos trocaram oeste com este. Na mesma lógica, 16% trocaram sudoeste com sudeste e noroeste com nordeste.» (cfr. Observador). Ora o que era pedido aos alunos de 10/11 anos era que situassem Portugal em relação ao continente europeu utilizando os pontos colaterais da rosa-dos-ventos. Ou seja: não conseguiram localizar o país no sudoeste da Europa. Grave? Talvez, mas não é bem a mesma coisa, para uma criança, do que olhar para um mapa da Europa e não saber localizar Portugal.

Além disso: os meus netos (que têm mais ou menos estas idades, embora não tenham feito esta prova), sabem muito mais de geografia do que eu sabia com a idade deles (embora eu tenha aprendido estações e apeadeiros da linha do Norte de Portugal, na escola primária, em Moçambique, o que me foi utilíssimo, como se imagina...). E, para eles, que já nasceram na era do GPS, a Rosa dos Ventos tem tanta utilidade prática como para mim o ábaco (embora até tenha um e já tenha sabido manipulá-lo em tempos).

Se todos os problemas da educação fossem esses…
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100.000 lagostins???




«“Estes lagostins foram já previamente preparados para o consumo na China. Após chegados aos estabelecimentos de consumo, basta aquecer por 5 minutos para servir à mesa”, disse Cai Xin, presidente do China National Agricultural and Development Group, a empresa responsável pelo envio. Devido aos diferentes paladares em todo o mundo, Cai Xin, refere que os lagostins foram preparados com diversas quantidades de picante e de condimentos, de modo a satisfazer uma base alargada de consumidores.»
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Enfim, uma geringonça!



«Ao formarem governo, os socialistas espanhóis deram pretexto a uma comparação, agora bastante repetida entre nós: eis outra geringonça! Comparação errada, se é que se quis dizer que o PSOE conseguiu o mesmo que o PS português. Um partido governar não tendo maioria no Parlamento seria analogia melhor. Mas não é essa a que tem sido usada porque a simples circunstância - governar sem deputados suficientes para fazer sozinho maioria (o PSOE tem 84 eleitos, no total de 350 no Congresso dos Deputados) - já acontecera outras vezes, tanto em Espanha como em Portugal.

Porém, lançar a ideia de "geringonça à espanhola" pode vir a dar aos adversários do governo de António Costa uma vantagem: Pedro Sánchez tem fortes probabilidades de cair antes de acabar a legislatura portuguesa. E, então, lá se recordará daqui a pouco: a dos vizinhos já foi, agora só falta a nossa... Assim, a atual exportação do termo permitirá a chicana política que se pretendia que tivesse a invenção da "geringonça" por cá, mas nunca teve, ao ponto de os protagonistas dela, o PS, o PCP e o BE, a assumirem como uma alcunha simpática.

A palavra, lembro, foi inventada por um cronista, Vasco Pulido Valente, tão bom de frases límpidas quanto é desacertado em batizar políticas e políticos. Um dia, ele chamou a António Guterres "picareta falante". Ora, a imagem daquele que viria a ser secretário-geral da ONU indiciou sempre mais um político de falar cauteloso, aborrecido até, do que o violento e incisivo que a ideia de picareta fazia supor. Também foi de Vasco Pulido Valente o cunhar da "geringonça" para o governo PS, apoiado pelos comunistas e bloquistas. Ora, geringonça é aquilo que é mal-amanhado e precário. A imagem foi lançada logo a seguir a Costa ter chegado a São Bento e só aí poderia ter algum sentido, como previsão. O tempo tornou-a tola. Porque ela durou (provavelmente pela legislatura toda); e sobretudo pelo evidente benefício político que a geringonça trouxe ao país. Obrigou dois partidos, PCP e BE, que tinham sequestrado o voto de um terço dos portugueses, a responsabilizarem-se pelo governar e não só a dar bitates...

Outra coisa é o governo do PSOE, um remedeio, não mais, para Sánchez chegar ao poder. Ele foi só possível com o apoio de forças centrífugas e independentistas, do País Basco e da Catalunha, e vai ser curto. Em Espanha, sim, está a acontecer uma geringonça, coisa mal--amanhada e precária.»

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4.6.18

Tiananmen, com humor...



«Queria muito indignar-me com mais um aniversário do massacre de Tiananmen, mas tenho sempre medo de ficar sem luz em casa.»

Pedro Vieira no Facebook (Imagem e texto)
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Frank Carlucci



Fui buscar à estante e creio que é boa leitura para o dia de hoje.

(Marcelo: Cristalinamente viperino aqui.)
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4 de Junho rima com Tiananmen



4 de Junho de 1989 marcou o fim de quase dois meses de protestos na Praça da Paz Celestial, em Pequim, quando os tanques avançaram brutalmente sobre os manifestantes. Os factos são conhecidos, mas é sempre bom tê-los presentes – sobretudo em imagens, que falam por si e substituem, quase sempre com vantagem, muitas palavras.




Ao longo dos últimos anos, tudo tem sido recordado recordado, sobretudo por alguns protagonistas de 1989 ou pelas suas famílias.






Hoje mesmo, The Guardian publica um texto sobre o tema: #Tankman2018: hero of Tiananmen protest remembered across globe.

E não resisto a transcrever o que escrevi neste blogue, quando estive em Pequim há pouco mais de um mês: «Regressei, com prazer à Praça Tiananmen, o mausoléu de Mao, o Palácio dos Congressos e tudo o resto estão nos mesmos sítios, o que mudou foi que a vi praticamente vazia em 2004 e com magotes e mais magotes de gentes várias desta vez. E retive o silêncio da simpática guia que nos acompanhava com explicações em espanhol: várias vezes interrogada, foi dizendo que dos acontecimentos de 1989 "nada sabia", que nasceu e vivia então na Manchúria, que nada viu, que não se aprende na escola, que há muitos milhões de chineses que nunca ouviram falar desse não assunto. "Não sei nada, não posso saber, não insistam, por favor".» Comentários para quê...
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Racismo? Sim, até na Feira do Livro



Amplamente divulgada no Facebook, é bom que a notícia chegue também aos jornais. Com um comentário meu: quando, desde há alguns anos, a Feira do Livro passou a utilizar «voluntários», recrutados por anúncios divulgados publicamente e sem lhes pagar um cêntimo, está-se à espera de quê?


Transcrevo, na íntegra, o que Bárbara Bulhosa publicou ontem no Facebook:

«Desde 2006 que a tinta-da-china participa na Feira do Livro de Lisboa. Todos os anos organizamos vários eventos, de lançamentos de livros, a debates e sessões de autógrafos. Sempre tivemos uma boa relação, de respeito mútuo, com a APEL, responsável pela organização desta festa da cidade.

Pois bem, ontem às 14h, fizemos um debate na Praça Laranja, a propósito do livro "Racismo no país do brancos costumes", de Joana Gorjão Henriques. O tema do debate era activismo, a que um dos capítulos do livro se dedica. Convidámos Beatriz Dias, Mamadou Ba, Ana Tica e Raquel Rodrigues. Sabíamos que tínhamos 50 mn. Que às 15h haveria outro evento na Praça.

A voluntária "contratada" pela APEL, passou o debate a gesticular e mandar bocas a dizer que não concordava nada com o que estava a ser dito, "esta gente", repetiu várias vezes. Eu, que estava na primeira fila, ignorei os seus comentários, que para além de serem de uma enorme indelicadeza (estava vestida com a camisola da APEL), revelavam de forma inequívoca o que pensa sobre o racismo e o que diz "esta gente".

O problema surgiu quando às 14h49, começou a mandar calar directamente os intervenientes. Aproximou-se do palco e disse ao Mamadou Ba, que estava a falar: "Vê lá se te despachas!" O Mamadou Ba, apanhado de surpresa, calou-se e a Joana Gorjão Henriques terminou a sessão imediatamente.

O caldo entornou. Eu saltei da primeira fila e abordei a senhora voluntária dizendo-lhe peremptoriamente que não podia mandar calar um convidado que estava a falar para uma plateia cheia. Que não funcionava assim. Que não pode tratar por tu um desconhecido, que em 12 anos de Feira do Livro nunca tal me tinha acontecido. Já atrasámos várias vezes, é verdade, mas não era o caso e quando tal aconteceu nunca ninguém da APEL cortou a palavra ao orador.

Parecia encomendado. Uma performance racista, num debate contra o racismo. Estava boquiaberta. Mas a senhora, Beatriz Reis, a quem pedi identificação para apresentar queixa, foi mais longe. Desatou num chorrilho de insultos "com a tinta-da-china é sempre isto", "quem julgam que são?", etc.

De imediato, telefonei ao Carlos Beirão, responsável da APEL, encarregado da feira há anos, e contei-lhe o que se tinha passado, dizendo-lhe que não queria mais ali aquela senhora. Respondeu-me que iria substituir. Ainda lhe disse que iria tornar este acontecimento público, ao que me respondeu: "Não me ameaces". Sem mais. Não me veio pedir desculpas pelo sucedido, nem à autora e convidados. Aliás, ninguém me disse nada da APEL. Achei muito estranho. Pagamos para estar ali, a Feira sempre foi um espaço de liberdade e o que aconteceu ontem mostrou-me que nem sempre estamos à altura das nossas responsabilidades. Pela minha parte, pedi desculpas a todos os intervenientes no debate e farei queixa, desta vez por escrito, ao presidente da APEL.

Curiosamente, mais tarde, fiz o lançamento do livro do Gustavo Pacheco com o Ricardo Araújo Pereira, terminámos 10 mn depois da hora e para além de não estar presente nenhum elemento da APEL, ninguém nos mandou calar.»
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Crise política em Itália: o fim anunciado do euro?



«Nas últimas duas semanas quase pareceu um regresso ao passado – à crise do euro de 2010-2012 – com as taxas de juro da dívida pública de Itália a subir abruptamente na sequência do processo de nomeação do novo governo italiano. O BCE deve ter ’ajudado à missa’ ao não intervir nos mercados em defesa da Itália e também Vítor Constâncio deu o seu ’contributo’, numa boa entrevista à Spiegel (em que abordou também outros questões importantes), ao relembrar a Itália as regras do programa OMT (“Outright Monetary Transactions”, ou compras permanentes de dívida pública de países membros) que permite, em teoria, resgates do BCE a países em crise, desde que acompanhados por programas de ajustamento (i.e., austeridade), mensagem certamente muito bem recebida na Alemanha.

PUB Em Outubro de 2015, Cavaco Silva recusou-se inicialmente a aceitar a proposta de António Costa de constituição de um governo socialista com o apoio parlamentar do PCP-Verdes-BE e empossou o XX Governo Constitucional, liderado por Passos Coelho. Só após a proposta de governo minoritário PSD-CDS ter sido rejeitada por uma maioria de deputados da Assembleia da República, a 10 de Novembro de 2015, o então Presidente da República deu posse a 26 de Novembro de 2015 ao XXI Governo Constitucional e a António Costa como primeiro-ministro. O compasso de espera até à nomeação do governo socialista durou quase dois meses numa altura em que o acesso de Portugal ao financiamento do Eurosistema estava dependente da avaliação de apenas uma agência de rating. E o novo Governo foi imediatamente confrontado com decisões importantes em relação à banca. De facto, a corrida aos depósitos no Banif após notícia da TVI a 13 de Dezembro de 2015 da sua iminente resolução, a resolução deste banco e a passagem retroactiva de dívida sénior do Novo Banco para o BES ocorrem entre 14 e 29 de Dezembro de 2015, menos de um mês depois da tomada de posse do Governo. Tivemos sorte, mas é evidente que nessa altura um desfecho desfavorável não era desejado pelas autoridades europeias, nomeadamente pelo BCE. Também é claro que António Costa tinha assegurado aos parceiros europeus que o seu governo iria cumprir as regras europeias.

Em Itália, o Presidente da República, Sergio Mattarella, que não é eleito por sufrágio universal ao contrário do que ocorre em Portugal, parece ter feito pior ao recusar dar posse a um governo porque o ministro das finanças proposto, Paolo Savona, antigo ministro da “indústria, comércio e artesanato” de Itália em 1993-94 e figura do ‘establishment’ com inúmeras funções públicas e institucionais no seu curriculum, era manifestamente anti-euro, tendo sido, em 2015, co-autor de uma apresentação de 80 slides em que propunha um ‘plano B’ que implicaria a saída da Itália da zona euro.

Daniel Gros numa análise muito crítica dos pontos chave desse ‘plano B’ de Savona et al.argumenta que o objectivo do ‘plano B’ é servir como instrumento dissuasor para as negociações com os parceiros europeias. A dívida pública seria redenominada numa ‘nova lira’, que inicialmente teria paridade de 1-para-1 com o euro, mas que se depreciaria posteriormente entre 15% e 25%. A dívida pública seria reestruturada de forma a que o peso da dívida pública caísse dos actuais 132% do PIB para 60% a 80%, mas para Gros a proposta é omissa e inconsistente em vários detalhes importantes e não explicita como seria feita a reestruturação de dívida. Ainda segundo Gros, parece que se pretendia com o ‘plano B’ impor perdas a não residentes, preservando o património dos italianos mais ricos mas, por via de uma enorme desvalorização, prejudicando a classe trabalhadora. Contudo, é evidente que o plano teria também um impacto muito negativo no património dos italianos mais ricos por via do seu efeito tanto no valor dos depósitos bancários como no valor da dívida pública.



3.6.18

Expo’98?



Há 20 anos, houve quem quebrasse o "consenso" instalado no meio cultural português acerca da Expo'98. Vale a pena reler este artigo escrito em Abril de 1998 por João Martins Pereira, no Público.


A propósito, transcrevo para qui o que comentei no Facebook, onde nenhuma discussão é pacífica:

Eu era muito, muito jovem quando passei dias e dias na Expo de 1958 em Bruxelas. Foi, para mim, uma verdadeira revolução, acabada de chegar à Bélgica do Portugal de Salazar. Aprendi mais sobre o mundo do que pela leitura de muitos de livros, voltei sempre para Lovaina com quilos de prospectos, cartazes e livros de países de acesso longínquo ou proibido para nós. A televisão era paupérrima, não havia internet, conhecia-se muito mal o mundo, eu nunca tinha visto ou falado com um colombiano, um russo ou um tailandês. Maravilhei-me.

40 anos depois, esse mundo era outro (e eu também). Tudo o que me chegava sobre o que se passava na Expo era folclore, uma espécie de grande Feira do Artesanato.

Nada a ver contra Portugal, passei por Sevilha em 1992 e não entrei na Exposição lá do sítio e, em 2006, levaram-me a outra no Japão e não descansei enquanto não me vim embora: trivialidade e filas intermináveis para o que podia ter algum interesse (robôs que tocavam violino…).

O mundo muda depressa…
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Da série «Grandes Capas»


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Querido futebol…



Nem sonho quem possa ser Al-Hilal, mas parece-me muito suspeito que a Igreja queira fechar qualquer contrato com alguém que tem um nome destes! 

(Já que não podemos exterminá-los, brinquemos...).
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As descobertas de Oluale Kossola



«Ordenaram-lhe que se despisse. Disseram-lhe que lá para onde ia — lá para onde o levavam e que ele, se nem sabia de que porto partia, menos sabia a que terra haveria de chegar — havia muita roupa adequada à sua nova vida. Assim chegou, nu, depois da viagem terrível, porque a sede e a fome eram muitas, depois da viagem assustadora, porque toda aquela água, água a toda a volta, um oceano, portanto, era coisa que nunca vira, poderoso ao ponto de rodear o barco e de o manipular até não se perceber onde era o céu e onde era o mar.

Longuíssimos dias viajou com os amigos, os que vinham de antes e os que passaram a sê-lo por partilharem a mesma língua e o mesmo espaço exíguo. Não lhe deram a roupa prometida quando desembarcou. Nunca se sentira tão envergonhado, tão humilhado. Nu desceu do barco para ver dedos apontados e vozes erguerem-se com espanto e escárnio — “selvagem”, chamaram-lhe.

Tudo podia ter sido diferente. Teria sido diferente se ele tivesse ficado em terra em vez de chamar os seus segundos captores, que quase se esqueciam dele no meio da fuga apressada aos que primeiro o capturaram — mas os seus amigos estavam a ser levados e ele estava em terra desconhecida, sozinho e assustado. Teria sido diferente se a sua cidade não tivesse sido atacada à traição enquanto todos dormiam, triste madrugada aquela em que viu cabeças decepadas, corpos cortados com catanas ou crivados de balas, em que se viu e viu os seus agrilhoados e o seu rei decapitado por recusar a submissão. Mas não foi diferente. Foi como havia sido com tantos e tantas ao longo de tantos, demasiados, anos.

Obrigaram-no então a descer e ouviu rostos diferentes exclamarem numa língua estranha: “Selvagens!” Viu como aqueles que lhe chamavam selvagem eram eles mesmos selvagens destituídos de honra, fazendo estalar chicotes nas costas de todos, e os homens aguentavam, mas não aguentaram quando o chicote tocou a pele de uma das mulheres. Lembra-se de explodirem nesse momento, de imobilizarem o selvagem, de lhe roubarem o chicote, de estalarem o chicote nas suas costas. Lembra-se dessa pequena vitória.

Cudjo Lewis, foi esse o nome que ganhou naquela terra. Nela trabalhou de sol a sol durante vários anos, alombando com as mercadorias que os barcos levavam pelos rios por toda a extensão daquele território desconhecido. Trabalhou enquanto chegavam aos seus ouvidos histórias de uma guerra feroz, uma guerra que, dizia-se, um dos lados combatia para libertá-lo a ele e a todos os que haviam sofrido o mesmo destino.

Muito tempo depois, uma mulher tocou à porta da casa que Cudjo Lewis construíra. Ouvira falar dele e queria registar a sua história. Ele contou-a desde o início. As correrias e as escaladas às palmeiras, as preparações para se tornar soldado, a guerra traiçoeira em que não teve tempo para ser soldado, apenas cativo. As barracas em que mantiveram os prisioneiros até chegarem estrangeiros que os viram, um a um, escolhendo quem levariam para longe, sobre o mar. Contou-lhe da viagem e da sede insuportável que sentiu, do trabalho de sol a sol, dos soldados que acenaram do outro lado do rio, anunciando-lhes que eram livres. Contou como ele e os seus planearam trabalhar para pagar uma viagem de barco de volta a casa, como perceberam que nunca conseguiriam reunir dinheiro suficiente para o fazer. Como decidiram, então, fazer daquele pedaço de terra estranha o seu lar.

Escolheram como líder um dos nobres da nação que atacara a cidade de Cudjo, ele próprio tornado cativo. Quando o homem que os obrigara a trabalhar gratuitamente durante anos se recusou a ceder-lhes um terreno para se instalarem, trabalharam até reunirem dinheiro para o comprarem. Nesse terreno construíram casas, construíram uma escola e uma igreja. Chamaram a uma dessas casas “Casa Grande” — deixaram-na vazia: seria para qualquer família que passasse por dificuldades e precisasse de um tecto.

A escritora ouviu e registou tudo. Ouviu Cudjo Lewis falar da mulher que viera parar àquela terra da mesma forma que ele, e dos seis filhos que ali tiveram. Ouviu Cudjo Lewis dizer-lhe o nome com que nascera, Oluale Kossola, na esperança de que o seu relato chegasse a casa e alguém lá se lembrasse dele ainda. Ouviu Oluale confessar-lhe que desejava morrer a sonhar com a mãe que nunca mais vira desde o dia em que foi acordado pelo ataque da nação vizinha, manchada na honra e manchada de sangue, mas enriquecida pela venda dos seres humanos que capturava a outros humanos que os levavam mar fora.

Conta-se que Timothy Meaher, de Mobile, Alabama, tinha decidido comprar escravos por causa de uma aposta, pondo assim em marcha toda a engrenagem que alcançou a costa africana a milhares de quilómetros de distância. Apostou que conseguiria contornar a proibição de tráfico humano inscrita em lei e trazer uns quantos seres humanos de África para escravizar nos Estados Unidos. Meaher ganhou a aposta. Já Oluale Kossola, nascido no que é hoje o Benim, ganhou as suas descobertas.

Quando Zora Neale Hurston o entrevistou para criar Barracoon, obra cuja edição foi recusada no seu tempo e que surge agora, por fim, cinco décadas após a morte da sua autora, estávamos em 1930. Em 1930 nascia a minha avó. O meu avô era uma criança de cinco anos. A vida de Oluale Kossola, o último sobrevivente do último barco negreiro, não foi há muito tempo. Foi ontem. Corrijo: é hoje.»

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