21.10.17
Manifestem-se, mas…
Estão convocadas para esta tarde manifestações com o lema «PORTUGAL CONTRA OS INCÊNDIOS». Acontece que, «contra os incêndios», estamos certamente todos os que não somos incendiários.
Que todos os que vão responder à convocatória tenham coragem de gritar que são CONTRA O GOVERNO, porque é disso que se trata e isso, sim, tem pés para andar e toda a legitimidade em democracia. Espero ouvir logo, numa televisão perto de mim, «Costa, Costa, fora daqui!», como eu própria tantas vezes gritei, por essas ruas e calçadas, com outro nome numa frase semelhante.
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Seria um crime desperdiçar esta oportunidade
«Todas as catástrofes são lamentáveis. E todas exigem uma liderança determinada por parte dos dirigentes, para uma rápida adopção de medidas para minimizar os danos humanos e materiais. Mas as catástrofes são também, sempre, oportunidades para reconstruir. E para reconstruir de forma tanto mais radical quanto mais destrutivos tiverem sido os seus efeitos. Porque as grandes destruições obrigam a fazer tudo de novo e porque a determinação de todos em encontrar soluções que permitam evitar uma futura catástrofe é tanto maior quanto mais destrutivo tiver sido o efeito da última.
É por isso que, depois dos incêndios dos últimos dias e dos últimos meses e do seu macabro balanço, é o momento de exigir do Estado — do Governo, das autarquias, dos organismos do Estado — que ponha em prática todas as medidas necessárias para evitar que esta tragédia se volte a repetir. Não apenas para evitar que uma vaga de incêndios se salde de novo por este número elevadíssimo de mortos mas, de forma mais radical, para evitar que uma vaga de incêndios desta dimensão possa ocorrer de novo.
Hoje, depois de Pedrógão e depois do 15 de Outubro, existe uma consciência alargada de que algo de muito errado ocorreu em Portugal nas últimas décadas em termos de ordenamento do território, de política florestal, de gestão das florestas, de organização da protecção civil, de prevenção e combate aos incêndios, de fiscalização das florestas, de combate à desertificação do interior, de transferência de conhecimento para os decisores políticos, de formação profissional em todas estas áreas, etc.
Sabemos que todos permitimos que, em todos estes domínios, a situação se degradasse para além do aceitável. E sabemos que não é possível adiar por mais tempo a adopção das medidas necessárias nem a aplicação no terreno dessas medidas. Como sabemos que muitas dessas medidas serão difíceis de pôr em prática e que muitas afectarão interesses particulares. Hoje, os cidadãos portugueses sentem que fomos longe de mais no desleixo e na cedência a interesses ilegítimos e sabem que é necessário fazer alguma coisa.
Seria criminoso que o Governo desperdiçasse esta oportunidade. Seria imperdoável que todas estas vidas perdidas não pudessem pelo menos servir para evitar outras mortes e para resgatar outras vidas. O que a tragédia dos incêndios de 2017 já fez, pela sua dimensão, foi passar uma clara procuração ao Governo para resolver o buraco em que estamos. Uma procuração com carta-branca.
Hoje, depois de Pedrógão e depois do 15 de Outubro, depois de cem mortos e de um país em cinzas, o Governo possui mais do que o necessário apoio popular para tomar medidas radicais eficazes. Hoje não há desculpas para não tomar todas as medidas necessárias para prevenir os fogos, para preservar a floresta, para defender as vidas e o sustento das populações. Pode-se tomar medidas compulsivas de emparcelamento ou fraccionamento onde elas se revelem necessárias, expropriar terrenos onde isso for necessário para criar as infra-estruturas de prevenção e combate aos fogos, pode-se mandar cortar as árvores que se devem cortar, impor a diversificação das espécies onde ela seja aconselhável, restaurar os Serviços Florestais e repor os guardas florestais que faltam, pode-se ordenar o envolvimento das Forças Armadas na vigilância e combate a incêndios, pode lançar-se um programa de envolvimento das populações para a prevenção e combate aos fogos, podem aplicar-se as sanções necessárias a todos os prevaricadores, podem criar-se os corpos de sapadores florestais e de bombeiros profissionais, podem lançar-se medidas fiscais que incentivem a correcta gestão da floresta, podem impor-se responsabilidades de limpeza das matas, podem incluir-se de novo no Estado as responsabilidades que foram criminosamente negligenciadas quando saíram da sua alçada. Não há dinheiro? Até Bruxelas aceirará esse acréscimo ao défice... e sai mais barato que os incêndios.
António Costa pode fazer hoje na floresta o que o marquês de Pombal fez na Baixa e até poderia redesenhar a régua e esquadro as manchas florestais se o quisesse. Nunca voltará a haver outra oportunidade como esta. Seria criminoso (e estúpido) não a aproveitar para desenvolver o país.»
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20.10.17
Dica (646)
A desonra de Padre António Vieira (Fernanda Câncio)
«A estátua erguida em 2017 a Vieira podia ter sido encomendada por Salazar. Não surpreende que tenha sido defendida pela extrema-direita. Surpresa é que tenha sido aprovada pelos poderes da democracia sem suscitar escândalo.»
. Estes fogos que nos descarnam...
«Não julguemos, porém, que Portugal tem ignorado o seu território. Acontece é que só tem olhado para o urbano. E tem-no usado intensamente. Como mina a céu aberto. E criou todos os meios para isso. Nuns pares de anos, há poucas décadas, fizeram-se mais de 300 Planos Diretores Municipais, milhares de instrumentos de planeamento territorial inframunicipais, chamados planos de pormenor e planos de urbanização. (…) Ninguém falou de escassez. Todos promoveram a abundância e chafurdaram nela. Câmaras municipais, promotores imobiliários e construtores civis, bancos e profissões técnicas extraíram todas as rendas fundiárias urbanas que havia para extrair. Ninguém ignorou o território. Não faltaram meios nem fins. (…)
Estes fogos apenas descarnaram o país esquelético que fomos criando. Mataram os mais indefesos.»
Estes fogos apenas descarnaram o país esquelético que fomos criando. Mataram os mais indefesos.»
José Reis
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Frase Charlie
«Foi uma semana politicamente intensa, se é que alguma coisa pode ter intensidade depois de termos visto mais um incêndio gigantesco e quase meia centena de mortos.
A ministra da Administração Interna, Constança Urbano de Sousa, finalmente, demitiu-se. A frase: "Para mim, pessoalmente, seria o caminho mais fácil. Eu ia-me embora, ia ter as férias que não tive" teve mais peso que todas as tragédias. Houvesse um SIRESP, a funcionar, que alertasse para frases fatais e as sirenes teriam soado bem alto. Enquanto a ministra não teve férias, muitas pessoas ficaram sem trabalho porque as fábricas, em que trabalhavam, arderam. Morreram mais de 100 pessoas, acho que, por mais férias que a ministra tire, nunca mais vai dormir em condições.
Se a ministra esteve mal, Costa esteve pior. Quando, a meio da noite, se esperava que o PM surgisse a pedir desculpa pelo que estava a acontecer e que mostrasse a sua dor e solidariedade para com os que estavam a sofrer, apareceu o António Costa em formato aparelho socialista. Arrogante, desdenhoso. Aliás, eu já estava à espera há algumas horas que o PM aparecesse, até comentei: se calhar, está na altura de aparecer alguém do Governo a dizer qualquer coisa. Se fosse o Marquês de Pombal, já tinha aparecido. Nem que fosse por razões políticas. Ainda aparece a Assunção Cristas a combater o fogo em Gouveia e está ganho.
Depois lá apareceu o PM e Costa parecia aquela boca de incêndio que não deitava água. O discurso de António Costa foi como aquele indivíduo que veio cá arranjar o esquentador, mas nem lhe tocou: "vocês dão cabo destes esquentadores. Deve ser o 'chip', mas depois vem cá um colega ver". v
O PM veio dizer que era infantil pedir a demissão do MAI. A seguir ao discurso do PR, a ministra da Administração Interna abandonou o cargo, na sequência dos incêndios, segundo um comunicado do conselho de ministros. A esta hora, está o Costa a ver o Canal Panda.
Acho que as sondagens estão a fazer mal a Costa. Está demasiado relaxado. No meio de uma tragédia, vir dizer "habituem-se", passar parte da culpa para a população e falar da resiliência que é necessária, é todo um novo conceito de Estado. Ainda vão dizer que os populares têm de aprender a defender o paiol de Tancos com ancinhos, etc. A seguir, vamos às urgências com uma apendicite e dão-nos um serrote, agulha e linha. O Estado fica numa postura tipo IKEA, mas nem nos dá o material, e só nos dá as instruções se a TV não estiver a dar bola e o SIRESP funcionar. Por mim, tudo bem, mas ao fim-de-semana vamos todos para a piscina da residência oficial do PM.»
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19.10.17
Nádia Piazza
Ontem, foi transmitida uma verdadeira «Grande Entrevista» da RTP3 a Nádia Piazza que preside à associação das vítimas de Pedrógão. A não perder.
Já pode ser vista AQUI.
, 19.10.2012 – Dia em que Manuel António Pina se foi embora
Manuel António Pina morreu em 19 de Outubro de 2012 e a memória do que representou, com tudo o que lhe devemos, mantém-se intacta. E como nos fazem falta as suas crónicas, de Segunda a Sexta-Feira!
Tive algum contacto pessoal com ele, em troca de mails, que guardo como tesouros. Eram sempre muito longos, naquilo que o próprio confessava ser uma espécie de «desforra» do espartilho imposto pela limitação do número de caracteres nos textos a serem publicados em jornais. Falava sempre dos gatos e tinha um magnífico sentido de humor. Um dia comentou uma «enorme calinada» que não tinha conseguido corrigir a tempo no texto que enviara umas horas antes para o jornal: «Troquei a Sierra Maestra pela Sierra Madre. Confundi Fidel com Pancho Villa (por quem aliás, tenho, apesar de tudo, mais simpatia do que por Fidel). O dr. Freud teria aqui motivo para um parágrafo na "Psicopatologia da vida quotidiana", eu só tenho vontade para, como quando era miúdo, meter a cabeça debaixo dos cobertores e passar assim o fim-de-semana.»
A ler: uma entrevista que Anabela Mota Ribeiro fez quando MAP tinha 65 anos.
A ver ou rever: o trailer de um excelente filme de Ricardo Espírito Santo.
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E agora, António?
«Quando a política não sabe falar, não sabe decidir. O descrédito da política é o da palavra e da sua utilização sem critério e sem responsabilidade. Quando as palavras não comprometem quem as pronuncia, não podem convencer quem as escuta.
E, sem palavras, não há diálogo. Foi isto que separou Marcelo Rebelo de Sousa de António Costa. Marcelo fez o discurso que António Costa deveria ter feito. Mas este escolheu o Excel da estratégia política, um erro que, como o céu de Astérix, lhe caiu em cima. Como se deveria ter aprendido com o FMI, o Excel é muito bonito no papel, mas um país tem pessoas e sentimentos. Foi isso que António Costa não intuiu. O que não deixa de ser estranho, porque foi isso que fez toda a diferença do seu Governo face ao de Passos Coelho: ele trouxe esperança, enquanto o antigo primeiro-ministro só garantia austeridade e culpa. Não foi a catástrofe de Pedrógão Grande que mudou tudo. Foi o caos generalizado a que se assistiu no domingo que tudo transformou. António Costa não percebeu isso: o sentimento das pessoas alterou-se. Não foi dor: foi a revolta que sobrou de metade do país incinerado. Por isso, o seu discurso foi um erro: tinha de ter oferecido um horizonte em vez de impor um critério e umas medidas vagas à boleia de um relatório.
Portugal ficou farto da ambiguidade que substituiu a claridade. E da ocultação e confusão que pôs em causa a visão e a responsabilidade. Por isso, a situação tornou-se insuportável, como percebeu Marcelo. Daí ter dado prazos, ter indicado o caminho de saída a Constança Urbano de Sousa, ter colocado o Governo nas mãos do Parlamento. Agora António Costa tem de falar. Porque quem não fala perde-se no tempo. Esta é a época de rupturas. Tem de se avançar para a despartidarização da Protecção Civil, para a profissionalização dos bombeiros, para uma política de florestas e ambiente credível. Não há mais desculpas. É tempo de perceber que o OE, a dívida, o défice e o funcionalismo público não são o país. Este é feito de pessoas que têm sentimentos. António Costa ou percebe isso, ou não.»
Fernando Sobral
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18.10.17
Que grande dia!
Chove, terminou a saga da demissão da ministra, apareceram as armas de Tancos, foi vendido o Novo Banco. Só falta que o Benfica ganhe ao Mancher United!
. Demissão inevitável
Abri esta manhã a televisão com a convicção firme de que ia ouvir o pedido de demissão da ministra e assim foi. Fez bem, era desde ontem inevitável e já há algum tempo que se previa que seria imposto por Marcelo. Com esta carta, ela acabou por sair «bem», dentro do possível, e por deixar Costa «mal» por não ter permitido que partisse antes (e não só).
Agora, para a frente é que é o caminho. A maioria parlamentar deverá sair mais coesa desta crise. Com um PS talvez um pouco mais humilde.
(O pedido de demissão na íntegra.)
. 18.10.1936 - A caminho do Tarrafal
Foi nesse dia que os primeiros presos saíram de Lisboa, no paquete Luanda, com destino ao que viria a ser o «Campo da Morte Lenta», na ilha de Santiago, em Cabo Verde. O Luanda era normalmente usado para transporte de gado proveniente das colónias e os porões habitualmente utilizados para esse efeito foram transformados em camaratas.
Depois de uma escala no Funchal e de uma outra em Angra do Heroísmo, para recolher mais alguns detidos e / ou largar os menos perigosos, e no fim de uma viagem em condições degradantes, foram 152 os que desembarcaram, no dia 29, em fila indiana, antes de percorrerem os 2,5 quilómetros que os separavam do destino final.
Edmundo Pedro é hoje o último sobrevivente deste primeiro grupo que construiu e viveu (durante nove anos, no seu caso) neste campo de concentração. No primeiro volume das suas Memórias, dedica longas páginas à descrição do que foi essa terrível viagem que durou onze dias. (*) O início e o fim:
«E na noite de 18 de Outubro, de madrugada, reuniram-nos em camionetes da GNR. Estas dirigiram-se para o cais de embarque, em Alcântara... No caminho, apesar das ameaças dos soldados, demos largas ao nosso protesto. O nosso vibrante grito de revolta ecoou, ao longo de todo o percurso, nas ruas, desertas, daquela madrugada lisboeta. Cantámos, a plenos pulmões, todas as canções do nosso vasto cancioneiro revolucionário... (...)
A 29 de Outubro de 1936, onze dias depois de termos partido de Lisboa, o velho Luanda fundeou, ao princípio da tarde, na pequena e aprazível baía do Tarrafal. Pouco depois, começou a descarregar a "mercadoria" que transportava nos seus porões... Alguns prisioneiros tinham chegado a um tal estado de fraqueza que só puderam abandonar o barco apoiados nos seus camaradas...»
Depois, foi o que se sabe: histórias de terror, 32 pessoas por lá morreram e o Campo durou até 1954. Foi reactivado em 1961, como «Campo de Trabalho do Chão Bom», para receber prisioneiros oriundos das colónias portuguesas (o ministro do Ultramar era então Adriano Moreira e foi ele que assinou a respectiva portaria) e durou até 1974.
(*) Edmundo Pedro, Memórias, Um Combate pela Liberdade, Âncora Editora, 2007, pp. 350-359.
. 17.10.17
E a Catalunha continua no seu labirinto
«El Ejecutivo catalán adelanta que no atenderá el requerimiento del Gobierno para que revoque la supuesta declaración de independencia de la semana pasada o aclare que no se proclamó antes del jueves, cuando vence el ultimátum para aplicar medidas extraordinarias de intervención en la región en aplicación del artículo 155 de la Constitución.»
. Dica (645)
Não pode ficar tudo na mesma (Mariana Mortágua)
«No próximo dia 21 haverá um Conselho de Ministros extraordinário, marcado para analisar os incêndios de Pedrógão. O que se exige ao Governo neste momento é que faça mais que mudar nomes, e que, para além do apoio às vítimas, apresente um plano de reestruturação do próprio dispositivo nacional de combate e prevenção de incêndios.
Não pode ficar tudo na mesma, e as mudanças têm de ser tão estruturais como os problemas e deficiências que as justificam. É isso que deve ser exigido ao Governo. E em tempos de discussão orçamental, é de esperar que estas escolhas tenham o seu reflexo na distribuição dos meios financeiros do Estado.»
. Manifestações contra incêndios?
Há várias, convocadas por aí, em vários locais do país, e chamadas «Silenciosas». Só falta que se digam de «Maioria» (também) Silenciosa».
(Regressa, Spínola, estão a chamar-te.)
. Venha um superministério para combater o fogo
«Em guerra não se limpam as espingardas e em tempo de combate ao fogo o que é preciso é apagá-lo. As jogadas para aproveitar a catástrofe são por isso prova de ruindade, como antes o fora a invenção dos “suicidados” de Pedrógrão Grande. A ministra tem de concluir as operações contra os fogos em mais esta semana trágica e não tem sentido mudar de responsável no meio do rescaldo. Mas mal vai o governo se pensa que a questão se resolve na costumeira contraposição a uma direita à procura de pretexto, à ex-ministra da agricultura que encerrou os serviços florestais ou ao vindouro chefe do (PPD-)PSD. Se o governo fosse por esse caminho, melhor faria em compreender que estes incêndios são a prova de que tudo o que estava mal continuou pior em pelo menos duas áreas cruciais.
Primeiro, a resposta ao fogo. O combate ao incêndio em Pedrógrão Grande foi frágil demais nas suas primeiras horas: a conclusão é do relatório da Comissão Técnica Independente e é bastante óbvia. Nem existe uma estrutura de pessoal especializado e com carreira profissional na protecção civil, nem existem os recursos para responder a muitos fogos graves em simultâneo. Houve certamente “fenómenos extremos de vorticidade e de projeção de material incandescente” (p.10 do relatório), a lei que impõe a defesa das povoações com uma faixa de segurança sem floresta não é cumprida (idem), tudo certo, mas houve também descoordenação e incapacidade de chegar às pessoas para as orientar e proteger (idem). Ora, se agora se pode dizer que 30 graus em meados de outubro é também inabitual, o facto é o facto e a redução do dispositivo de combate a incêndios no final de setembro foi imprevidente e tornou mais difícil responder a tantas centenas de ignições. Mais valia ter havido prudência (e Portugal tem seis vezes mais ignições que Espanha e 19 vezes do que a Grécia, diz-nos o relatório).
Segundo, falta fôlego à reforma da floresta. Será sempre demorado, como é evidente e o primeiro-ministro tem sublinhado. Mas o problema não é só se é demorado, é se começa algum dia. Somando as reservas dos reaccionários defensores de uma micro propriedade florestal que não tem viabilidade e que será sempre pasto de chamas, com os interesses do lobby eucaliptocrata que mobiliza o poder do capital e das instituições, Portugal arrisca-se a continuar a ser uma pilha incendiária. Diz por isso o relatório que haver “manchas contínuas de misturas das duas espécies, pinheiro e eucalipto, infelizmente comuns em situações de gestão deficiente, é a receita, mais cedo ou mais tarde, para o desastre” (p.163). O desastre tem sido mais cedo do que mais tarde. Com uma área de eucalipto que só é, em termos absolutos, superada por quatro países continente (Brasil, China, Austrália, Índia), Portugal será sempre a pira da Europa.
Se Portugal quer responder a estes perigos que são certezas, precisamos de deseucaliptar, de alterar a regra da irresponsabilidade na propriedade da floresta, de criar meios dimensionados para ao combate ao fogo e de criar uma coordenação eficaz. Sugiro por isso a criação de um superministério da agricultura, das florestas e do combate aos incêndios, que inclua a protecção civil no que diz respeito aos meios para evitar e apagar os fogos, e que se responsabilize por uma reforma da floresta que tenha a ambição de nacionalizar a terra abandonada que constitua perigo para os vizinhos, de defender os pequenos proprietários, as aldeias e comunidades locais, e de promover uma floresta com espécies que sejam económica e ambientalmente sustentáveis.
O governo, que reúne este fim de semana, terá tempo para considerar se quer continuar este susto ou se quer ter a grandeza de mudar a página dos fogos em Portugal. Não vai ser fácil, mas não vejo tarefa mais importante nestes dias de funerais.»
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16.10.17
A solidariedade das vítimas de Pedrógão
«Pedir ainda perdão às vítimas e familiares das vítimas mortais e feridos! Perdão, por termos sido demasiados brandos, perdão por não termos feito nada mudar ou fazer mudar para que se precavesse novas desgraças sobretudo no que à proteção e socorro dizem respeito desde Pedrógão Grande. Por Portugal continuar a arder, ardendo montes, aldeias, vilas e agora até cidades, apesar dos avisos, das nossas convicções e preocupações reiteradamente feitas às estruturas governativas locais e nacionais.»
. 16.10.1982 - Adriano morreu num 16 de Outubro
Adriano tinha apenas 40 anos e morreu há 35, num 16 de Outubro.
Estudante de Direito em Coimbra, aderiu ao PCP na década de 60, foi activista na crise académica de 1962 e participou num elevado número de actividades culturais, sobretudo naquela cidade universitária.
«Trova do vento que passa», com poema de Manuel Alegre, gravado no seu primeiro EP em 1963, viria a tornar-se uma espécie de hino da resistência dos estudantes à ditadura. Por razões bem diferentes, com o país a arder, talvez hoje seja um dia adequado para lembrar isto: «Pergunto ao vento que passa / notícias do meu país / e o vento cala a desgraça / o vento nada me diz.»
Muitos outros temas se juntaram, de um dos nossos mais célebres cantores de intervenção, antes e depois do 25 de Abril.
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Um país a arder
Queria manter-me me silêncio, mas não sou capaz. Não é dia de espetar dedos a culpados e não serei eu a fazê-lo, quando acabo de ler que o número de mortos já terá subido para 27.
Mas há uma dúvida que não me sai da cabeça: porquê toda esta tragédia junta ontem, quando há muitos dias (semanas…) as temperaturas tinham sido anormalmente altas? Ainda não encontrei nenhuma explicação cabal para este facto, embora o vento tenha sido um factor importante.
. 15.10.17
E a Somália lá tão longe
Se houvesse 10% deste número de vítimas num país europeu, tínhamos horas e horas de televisão sobre o caso. Assim… who cares? O telejornal das 20:00, na RTP1, dedicou um minuto ao acontecimento.
. A onda liberal e o Estado
«Vivemos numa época em que os políticos são os elos mais fracos da sociedade: tudo parece ser culpa deles. Não deixa de ser curioso que isto suceda numa época em que muita da elite económica se diz liberal.
O choque frontal entre a política (e o Estado) e a ordem económica está novamente a desenhar-se. No meio de tudo isto é interessante recordar as palavras de Adam Smith que, na "Riqueza das Nações", escrevia: "O comércio e as manufacturas não podem florescer muito tempo num Estado que não disponha de uma ordenada administração da justiça, onde o povo não se sinta seguro na posse da sua propriedade, em que não se sustente e proteja, por imperativo legal, a honradez nos contratos, e que não se dê por certo que a autoridade do governo se esforça em promover os pagamentos dos débitos por quem se encontra em condições de satisfazer as suas dívidas. Numa palavra, o comércio e as manufacturas só podem florescer num Estado em que exista certo grau de confiança na justiça e no governo". É tudo isso que tem sido posto em causa. Sendo assim, quando não existir ninguém a tomar conta das ocorrências, a quem se recorrerá para garantir a confiança?
Evoluiu-se com os tempos para um sistema em que quanto mais bem-estar possuísse um cidadão mais útil seria para a economia em geral e para a sociedade. Porque funcionaria como o elemento que alimenta o sistema. Olhando para a nossa época, sobretudo depois da sangria da austeridade, pareceu começar a ser hegemónica uma outra ideia: o Estado e a classe média passaram a ser vistos como dispensáveis. O modelo económico que se tentou implementar em Portugal no tempo de Passos Coelho bebia nesta ideia.
O certo é que, na sequência deste princípio, se a classe média deixar de ter acesso ao bem-estar, torna-se uma classe inútil. Algo que é perigoso, porque ela é o sustentáculo das democracias. Vivemos, num mundo em que empresas de plataforma fogem ao controlo, e criam a sua própria força global, a tentações perigosas. O patriotismo está a transformar-se em nacionalismo e isso está a conduzir as franjas da antiga classe média para lógicas mais radicais. A economia "low cost", como se viu com a falência da Monarch e com os problemas da Ryanair, tem em si vírus do caos. Há poucos anos Josef Ackermann, que foi CEO do Deutsche Bank, disse: "Eu já não acredito no poder auto-regulador do mercado". Era um sinal, depois de Reagan nos ter dito que as palavras mais terríficas da língua inglesa eram: "eu sou do governo e estou aqui para ajudar". Essa teoria está agora a ser desenvolvida por Donald Trump até ao extremo: o caos começa a estar instalado na administração norte-americana. E muita da sua política, como se vê de uma forma maquiavélica nas questões do meio-ambiente (retirando-se de acordos internacionais e fechando agências americanas dedicadas ao tema) apenas serve para uma outra estratégia. São os bancos americanos que agora estão a investir, face à fuga do Estado, no meio ambiente. Para garantirem lucros, como é evidente. Se isso será bom ou mau só o futuro o dirá. Mas o que tudo isto torna evidente é que estamos a surfar uma onda que está a começar a cair. Veremos quem sofrerá os danos colaterais (ou totais) de tudo isso.»
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