Eu sei que é provável que o actual presidente fique em Belém mais cinco anos. Mas era capaz de contribuir com uma taxa ou taxinha para assistir a uma campanha eleitoral com debates entre Marcelo, Ana Gomes, André Ventura e Francisco Louçã (ou Marisa Matias). De uma coisa estou certa: haveria discussões políticas a sério.
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25.1.20
Coronavírus
O que seria se o coronavírus tivesse começado a atacar num país europeu, com a mobilidade e o turismo existentes (ou o que será se vier a espalhar-se dramaticamente)? Quantos meses levariam os responsáveis pelas quintinhas que compõem esta manta de retalhos a chegarem a um acordo musculado? E qual? Fechavam-se países?
Últimas notícias:
«Pelo menos 17 cidades estão agora isoladas na China, colocando mais de 50 milhões de pessoas de quarentena. Os transportes para dentro e para fora dessas cidades estão bloqueados: ninguém sai, nem entra. E há neste momento dois hospitais em construção, destinados exclusivamente ao tratamento destes doentes, que já ascendem no país a mais de 1300, dos quais 41 morreram.»
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A moral, as virgens ofendidas e os donos disto
«Somos de tal forma um país de virgens ofendidas que em poucas línguas a expressão é tão popular como entre nós. Talvez esta seja, aliás, a melhor forma de descrever as reações às revelações do Luanda Leaks. Não é que estas não sejam relevantes e ilustrativas, só que têm ajudado a expor uma tremenda hipocrisia.
Pormenores à parte (que tenderão a ser mais relevantes judicialmente em Angola do que por cá), no essencial, a história já era sobejamente conhecida. Bastava, na verdade, que, a título de exemplo, se tivesse prestado atenção a um pequeno livro publicado em 2014 (já lá vão, portanto, seis longos anos), por Jorge Costa, João Teixeira Lopes e Francisco Louçã. Em “Os Donos Angolanos de Portugal” fica exposta com clareza — e sem grandes interpretações subjetivas — a extensão e a teia de cumplicidades entre capital angolano e empresas portuguesas.
De forma circunstanciada, é demonstrado que há uma linha direta entre o processo de acumulação primitiva em Angola e as transformações recentes do capitalismo português. Não deixa, aliás, de existir uma certa ironia sinistra na forma como a elite angolana, ilustrando a sua formação marxista, resgatou o conceito a “O Capital”, de Marx, para legitimar a cleptocracia.
Se há uma justificação funcional para o roubo em Angola, há também uma convergência de interesses objetivos entre a nova elite angolana e o nosso depauperado capitalismo. Do lado de Angola, o nosso país oferece uma oportunidade para investir em sectores estratégicos, com pouca ou nenhuma regulação, permitindo a legitimação de negócios e escancarando a porta para os mercados europeus; do lado português, Angola assegura os fundos de que as empresas portuguesas necessitam para ultrapassar o défice crónico de capitais. Que ninguém, por isso, se comporte como virgem ofendida.
A metáfora dos donos disto tudo é, de facto, exata. À imagem do que aconteceu aquando da introdução do primeiro pesticida moderno, o DDT, o surto de investimento em Portugal com capitais angolanos foi eficiente no curto prazo, mas a longo prazo os efeitos serão muito prejudiciais para a nossa economia e para a própria ideia moral que o país faz de si próprio.
Para já, arranjam-se uns bodes expiatórios e uma tragédia absoluta. Mas a questão será sempre mais profunda. Depois de termos perdido a PT, o BES, a Cimpor, o país pode dar-se ao luxo de, desta feita, perder a Efacec? E, mais dramático, o que tudo isto nos diz sobre as nossas debilidades: os reguladores que não regularam, os auditores que nada viram, os empresários que se acocoraram no beija-mão, as sociedades de advogados que a tudo se prestaram e os políticos que foram complacentes na exigência moral.»
Pedro Adão e Silva
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24.1.20
Proíbam tudo
…mas mesmo tudo! E depois fechem as portas e apaguem as luzes.
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Luanda Leaks - efeitos colaterais
Será que a EFACEC (e não só) não vai acabar na mira do Estado Chinês, com Isabel dos Santos a recuperar para ela o dinheiro que o Estado Angolano lhe deu para comprar?
P.S. às 22h25: Chineses estão a comprar bancos angolanos em Portugal.
P.S. às 22h25: Chineses estão a comprar bancos angolanos em Portugal.
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França em greve
Flash-Mob de mulheres (Attac), esta manhã na Gare de l'Est, antes de se juntarem à manifestação na Concorde.
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O sorriso de Isabel dos Santos
«A propósito do dilúvio de notícias sobre Isabel dos Santos, empresária que graças à relação de parentesco com um discreto ex-ditador de uma antiga colónia portuguesa construiu um império e se tornou mundialmente conhecida por antonomásia como “A Mulher Mais Rica de África” ou, nos circuitos angolanos, “a Princesa”, lembrei-me de uma frase de Honoré de Balzac dita por uma das suas personagens, Vautrin, no Tio Goriot: “O segredo das grandes fortunas sem causa evidente é um crime esquecido, por ter sido cometido como deve ser.” Uma versão reduzida da frase, e a mais conhecida e divulgada, diz que “por trás de uma grande fortuna esconde-se sempre um crime.”
Embora o sentido seja semelhante, há diferenças. Vautrin fala de grandes fortunas sem causa evidente — e não de qualquer fortuna. E acrescenta que o crime cai no esquecimento porque é cometido com arte e engenho. A nós, pobres mortais pobres, alegra-nos a versão popular porque não poupa nenhuma fortuna à suspeita de que na sua origem esteve um crime e somos confortados pela ideia de que todo o dinheiro a sério, não os trocos que levamos nos bolsos ou os míseros saldos das nossas contas bancárias, é sujo, tem a mácula de um pecado original.
Desconheço a sensação de ser possuidor de uma fortuna, lícita ou ilícita, mas desconfio que o homem ou a mulher de fortuna extraia mais gozo, mais prazer sensual, de uma fortuna acumulada através de jogadas e lances obscuros e de moralidade duvidosa do que de milhões conquistados pelo suor do rosto à luz do dia.
Veja-se o sorriso de Isabel dos Santos. Até há pouco tempo um traço fisionómico luminoso e hoje transformado num ricto tenso de fase de inquérito, na sua rasgada e económica horizontalidade que jamais se abastardava no descontrolo obsceno da gargalhada, o sorriso da primogénita de José Eduardo dos Santos tornou-nos cúmplices de todos os seus hipotéticos atos de gestão danosa, de todas as suas eventuais malfeitorias. Tinha inscrito em cada pequeníssima ruga de esforço a branda malícia daqueles que se sabem favorecidos pelo acaso, pela astúcia e, quando estes não chegam, por advogados peritos em alçapões legais, gestores fiéis e disponíveis para a imolação e redes clientelares de amigos de negócios. (Se repararem, em virtude do lugar secundário que ocupam na cadeia alimentar, os sorrisos destes são geralmente mais amplos, mais genuínos, mais desavergonhados).
Ao contrário do sorriso da impunidade, que é arrogante e desafiador, o de Isabel dos Santos denotava uma certa bonomia, uma jovialidade sedutora. Mesmo quando desfilava com ares de imperatriz por uma Lisboa ajoelhada pela crise, e se resguardava tanto quanto a sua posição lho permitia num silêncio esfíngico que inspirava temor, como se a qualquer momento, qual Salomé, pudesse exigir a cabeça dos inimigos em salvas de prata, o sorrisinho malandro, mais caluanda do que King’s College, onde se licenciou, nunca desaparecia. Era o sorriso do prazer físico proporcionado pelo dinheiro e pelo poder. Desconfio que Isabel dos Santos queria que fôssemos testemunhas desse prazer por saber que a quantidade de dinheiro em que navegava a tornava imune à inveja popular.
O pobre, meus amigos, não inveja quem tem 50 milhões de euros ou dois mil milhões de euros, abstrações inconcebíveis para a sua cabeça remediada, mas o vizinho que tem mais 50 euros do que ele. É essa quantia irrisória que o atormenta — e não os 300 mil euros que Isabel dos Santos pagou para remodelar um apartamento de quatro milhões. Por isso vê-se mais indignação por causa de um bilhete de autocarro do que pelos milhões que terão sido desviados por Isabel dos Santos.
Como todos os coletivos, o “martirizado povo angolano”, a vítima de que a nossa indignação necessita para condenar com alguma veemência “a princesa”, é outra abstração. Um povo inteiro não tem rosto. Eis a razão pela qual a indignação contra os corruptos nasce de um esforço racional, de civismo forçado, enquanto a indignação contra o ladrão de galinhas vem das vísceras, de um sentimento urgente, epidérmico, de injustiça.
Apartamentos de 50 milhões de euros no Mónaco são uma ficção, uma galinha roubada é real. O “povo angolano” é uma ficção, o proprietário da galinha é real. Isabel dos Santos, que diz ter começado a vender ovos nas ruas de Luanda, deve saber uma ou duas coisas sobre galinhas, ovos e abstrações, sobre os pequenos delitos que nos agravam e os crimes que toleramos mesmo que estejam na origem de fortunas faraónicas. Só quem sabe sorri daquela maneira.»
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23.1.20
Jeanne Moreau chegaria hoje aos 92
Jeanne Moreau morreu em 31 de Julho de 2017. Com uma carreira muito longa de actriz, realizadora e cantora, iniciada em 1950, e uma filmografia impressionante com cerca de 130 nomes listados, trabalhou com uma lista notável de realizadores, entre os quais Luis Buñuel, Wim Wenders, Michelangelo Antonioni, Orson Welles, François Truffaut, Louis Malle, etc., etc. (Há muita informação disponível na sua página oficial.)
A recordar a sua participação em Gebo et l’Ombre, de Manoel de Oliveira (2012), onde faz o papel de Candidinha.
Momentos inesquecíveis? Entre outros, Le Tourbillon, em Jules et Jim de François Truffaut:
Aqui, num belíssimo duo com Maria Betânia:
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José Eduardo Agualusa
A ver vamos, a ver vamos!...
OE, o Borda d’Água do Governo
«O OE é o Borda d’Água do Governo. Nele apresentam-se prognósticos para o ano, previsões para as colheitas de impostos e informações sobre as mezinhas que vão ser utilizadas para contentar os portugueses e, sobretudo, os partidos da maioria. O OE transforma-se, assim, numa muito adocicada mousse de chocolate. Mas, lamentavelmente, e ao contrário do Borda d’Água, o OE não traz provérbios, conselhos astrológicos ou dados credíveis sobre as marés e as fases da Lua. O que o torna mais pobre. Talvez por isso o texto do OE é acusado de ser a melhor obra de ficção literária que, a cada ano, se publica em Portugal. Todos fingem lê-lo. Mas poucos, por certo, conseguem ler um romance tão desinteressante que a cada ano o sr. Mário Centeno entrega ao sr. Ferro Rodrigues. No entanto, ambos surgem saltitantes e sorridentes, com ar de quem acabou de receber o derradeiro “best-seller” do sr. José Rodrigues dos Santos, que conhecem do Telejornal, e que está em pulgas para o folhear.
Não é caso para tanto. A primeira frase do OE de 2020, numa prosa assinada pelo sr. Centeno, é a seguinte: “O Orçamento do Estado (OE) para 2020 é o primeiro exercício orçamental da responsabilidade do XXII Governo Constitucional.” Palavras de sábio. Não é o último, nem o penúltimo. Mas convém reforçar a ideia, não vá os portugueses esquecerem a coisa. Mas, como o sr. Centeno citou Fernando Pessoa na sua aula diante do Parlamento, pode ser que o OE esteja a caminho de se tornar poesia minimal repetitiva. Ou de o sr. Centeno se tornar um heterónino do poeta. Ou mesmo um heterónimo de ministro.
Seja como for, a mousse de chocolate está pronta a ser distribuída na especialidade. Terminada, pelo menos como imagem redentora, a “geringonça”, resta-nos a memória. Escutando um velho tema da Banda do Casaco, chamado exactamente “Geringonça”, de 1977, alguns percebem porquê: “Estávamos nós a contar ai as patas às ovelhas/A ver se faltava alguma/Quando aquela geringonça ai desceu lá do alto/E poisou entre molhos de caruma/Ai aquilo era coisa ai do outro mundo era”. Era, mas acabou, como se fosse o ET do filme do sr. Spielberg.
Vivem-se tempos de mudança de estação, como explicaria o Borda d’Água. Épocas de semear outras culturas. Neste contexto de mudança é estimulante ler o romance de John Williams, “Augusto”, de 1973, e editado no final do ano passado em Portugal. De forma ficcionada seguimos a vida do jovem Octavius nos tempos conturbados que se seguiram ao assassinato de Júlio César. Até que se tornou César Augusto, o imperador. Durante mais de quatro décadas estabeleceu a nova ordem. Mortos António e Cleópatra, Augusto pode espalhar a sua paz por todo o império.
Após ter visto Júlio César ser assassinado, tinha a certeza que a aparência é sempre mais importante do que a realidade. E assim foi imperador sem parecê-lo. Isso evitou que fosse assassinado. Percebeu as maquinações do poder (que não se exercitam só a nível político). Foi mestre na arte da manipulação da informação, ajudado por Gaio Mecenas (o “mecenato” nasceu dele), milionário confidente de Augusto, que atraiu muitos poetas ao círculo do poder, em particular Virgílio. Deu-lhes estabilidade financeira, tal como a Horácio. Estes criaram um mito. Tácito falou depois da podridão que se instalou com o imperador: “Augusto conquistou os soldados com presentes, a populaça com milho barato e todos os homens com as delícias do repouso, e assim se engrandeceu por etapas, enquanto concentrava em si mesmo as funções do Senado, dos magistrados e das leis.” Ganho o poder, vencida a luta das ideias, proscritos os críticos, Augusto desenhou a sua paz.
Hoje, mais comedidos, os governantes julgam que a paz dos povos se conquista com Orçamentos com superávite. E com discursos áridos. O sr. Centeno poderia sonhar ser o César Augusto destes tempos. Não o será. O Borda d’Água explica tudo: as estações sucedem-se. Há a época das sementeiras. A do crescimento. A das colheitas. E a da chuva e do vento, que prepara o renascimento. Contra este ciclo, nem César Augusto venceu.»
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22.1.20
22.01.1961 – O assalto ao Santa Maria
Em 22 de Janeiro de 1961, algures no mar das Caraíbas, doze portugueses e onze espanhóis, comandados por Henrique Galvão, assaltaram um navio em que viajavam cerca de 1.000 pessoas, entre passageiros e tripulantes, e protagonizaram aquela que foi, muito provavelmente, a mais espectacular das acções contra a ditadura de Salazar.
Mesmo sem atingirem os objectivos definidos – chegar a Luanda, dominar Angola e aí instalar um governo provisório que acabasse por derrubar as ditaduras na península ibérica – conseguiram chamar a atenção do mundo inteiro que noticiou, com estrondo, a primeira captura de um navio por razões políticas, no século XX. (Em Portugal, julgo que as primeiras notícias só foram publicadas no dia 24!)
Os aliados da NATO não reagiram como Salazar pretendia ao acto de «pirataria» e só cinco dias mais tarde é que a esquadra naval americana localizou o navio. Depois de várias peripécias e negociações, o Santa Maria chegou ao Recife em 2 de Fevereiro e os revolucionários receberam asilo político.
Volto à questão da repercussão internacional, que foi muito grande, porque a vivi pessoalmente. Estudava então em Lovaina, na Bélgica, e acordaram-me às primeiras horas da manhã para me dizerem que um navio português tinha sido assaltado por piratas, em pleno alto mar. Entre a perplexidade generalizada e o gozo («ces portugais!…»), os poucos portugueses que então lá estudávamos passámos horas colados a roufenhos aparelhos de rádio, sem conseguirmos perceber, durante parte do dia, o que estava concretamente em jogo, já que não eram identificados os piratas nem explicados os motivos da aparatosa aventura. Quando, já bem tarde, foi referido o nome de Henrique Galvão, e descrito o carácter político dos factos, respirámos fundo e pudemos finalmente dar explicações aos nossos colegas das mais variadas nacionalidades. Houve festa e brindou-se à queda da ditadura em Portugal – para nós iminente a partir daquele momento, sem qualquer espaço para dúvidas...
A ditadura não caiu mas levou um abanão. O assalto ao Santa Maria foi o pontapé de saída de um annus horribilis para Salazar, ano que iria terminar com a anexação de Goa, Damão e Diu. (Pelo meio, em Fevereiro, começou a guerra colonial...)
Vivemos hoje numa outra galáxia, tudo isto parece quixotesco e irreal? Mas não foi.: Henrique Galvão, Camilo Mortágua e companheiros foram «os nossos heróis» daquele início da década de 60.
A ler: O desvio do Santa Maria e o princípio da Guerra do Ultramar.
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O dominó angolano ainda mal começou a cair
«O dominó começou a cair e nunca foi difícil adivinhar que viria o tempo. Durante quase quarenta anos à frente de Angola, o presidente José Eduardo dos Santos constituiu uma oligarquia que se alimentou fartamente dos recursos nacionais, mas o inevitável esgotamento do consulado, as contradições entre cleptocratas ou a pressão popular para a democracia acabaram por se impor. João Lourenço teve de afirmar o seu poder protegendo-se do clã Dos Santos, a desesperante falta de recursos em tempos de petróleo barato obrigou ao esforço de recuperação de capitais, o povo exigia medidas contra o saque e, assim, o dominó desabou. Mas, ao desfazer-se, desencadeou uma curiosa valsa de justificações em Portugal.
Com aquele gosto florentino que tem aprimorado, o ministro dos Negócios Estrangeiros, falando de si próprio na terceira pessoa, na boa tradição literária de um treinador de futebol, explicou que “talvez agora se perceba melhor a insistência do ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal - desde pelo menos dezembro de 2015 - de manter o melhor relacionamento possível com as autoridades angolanas; de manter o nível de relacionamento entre os dois Estados no mais alto dos patamares”. Maravilha da diplomacia, este “melhor relacionamento possível” foi estabelecido desde finais de 2015 mas não antes, ou seja, desde a nomeação do próprio, com a “autoridade angolana” do “mais alto dos patamares”, ou seja o próprio José Eduardo dos Santos, eventualmente na presunção futurista de que aquele seria substituído por alguém que o pusesse em causa. Nisto, o governante só peca por um menosprezo injusto pelos que estiveram nas Necessidades antes dele e que, aliás, fizeram exatamente o mesmo, o “melhor relacionamento possível” com esse “mais alto dos patamares”.
Esse “relacionamento” resume-se a uma guarda pretoriana que foi recrutada em Portugal para proteger os assaltantes de Angola. Os banqueiros (no BCP, no BPI), os empresários (Amorim primeiro que todos, depois a Sonae, José de Mello e tantos outros) e os governos multiplicaram-se em vénias para atrair esses capitais e as suas alianças. O Banco de Portugal fechou os olhos às investidas de personalidades “politicamente expostas” e, salvo ter evitado na 25ª hora que Isabel dos Santos viesse a ser administradora do BIC, não opôs qualquer reserva a nenhuma das suas outras funções nem sequer à compra em saldo deste último banco.
Assim, protegida por alguma imprensa que a apresentava como a rainha do glamour, por uma câmara municipal que oferecia ao marido a medalha de ouro da cidade a troco de uma inútil promessa de um museu, pelo deslumbramento dos políticos e pela ganância dos capitais, Isabel dos Santos instalou uma rede de conivências em Portugal, com que pretendeu abrir caminhos para o reconhecimento internacional.
É cruel lembrar, mas não deixa de ser verdade, que estas aplicações do dinheiro extorquido de Angola eram barradas noutros países europeus. Nada que demovesse um ex-presidente do PSD, ex-ministros de várias cores, um ex-governador do Banco de Portugal, um ex-deputado do PS e tantos outros de trabalharem para esta rede de interesses da constelação Dos Santos e, em particular, de Isabel. Ser pago em dinheiro angolano passou a ser uma das etiquetas de muita da elite portuguesa.
E tudo se sabia. Pepetela, que conhecia cada uma dos personagens desta clique, retratou-as em vários romances em que apresenta a sua desilusão e raiva contra a corrupção e o seu regime. Rafael Marques denunciou durante anos muitos destes esquemas, com dados detalhados. O livro que Jorge Costa, João Teixeira Lopes e eu publicámos em 2014, “Os Donos Angolanos de Portugal”, resumindo muito do que nos anos anteriores já tínhamos investigado e escrito sobre a cleptocracia luandense e os seus aliados portugueses, chegou a milhares de pessoas em Angola e por cá. Incluímos nomes e gráficos com as ligações das diversas empresas. Contamos a história e revelamos de onde vinha o dinheiro. O general Kangamba alegou o direito de resposta e respondeu-me na imprensa portuguesa, não era de menos o que dele contamos no livro, as investigações judiciais internacionais sobre redes de prostituição ou automóveis com malas de dinheiro a circular pela Europa.
O “Jornal de Angola” dedicou-nos editoriais e insultos. Luaty Beirão e os seus camaradas puseram todas as denúncias na rua. Como Rafael Marques, foram presos, enquanto no Parlamento português, confrontados com votos pela liberdade de imprensa e de opinião contra a repressão pelo regime de Luanda, o PS, o PSD, o CDS e o PCP alinhavam na recusa sobranceira, com José Eduardo dos Santos ninguém se mete.
Nos congressos do MPLA desfilava uma procissão de políticos portugueses a tecer loas ao cônsul. Mesmo sendo membro da Internacional Socialista e parceiro do PS, o partido do poder procurava aliados em quase todos os quadrantes. Em 2016, de 17 a 20 de agosto, em mais um congresso de consagração de Dos Santos (e no período em que o nosso atual ministro já cuidava do “melhor relacionamento possível” com o “mais alto dos patamares”), o PS fez-se representar pela secretária-geral adjunta, Ana Catarina Mendes, e pelo presidente, Carlos César, que enfaticamente brindou os anfitriões com um “o MPLA e o PS têm trilhado um caminho comum, um continuado diálogo político e uma colaboração concreta em áreas de interesse mútuo, incluindo no âmbito da nossa família política no seio da Internacional Socialista. Estou convencido que esse caminho de proximidade será cada vez mais produtivo e a nossa presença neste congresso e a nossa saudação neste congresso é justamente para aqui testemunhar a garantia desse caminho novo de proximidade, de afetividade, de colaboração e de luta comum”.
Diz o DN, que assistiu ao congresso, que César acrescentou que “o líder do MPLA e Presidente de Angola, José Eduardo dos Santos, é uma figura referencial da história angolana e da emancipação africana”. Helder Amaral, em nome do CDS (Paulo Portas estava também, mas como “convidado pessoal”, e não falou), explicou que o seu partido estaria mais próximo do MPLA, com “muitos mais pontos em comum”, desejando “fortalecer essa relação”. Dois vice-presidentes do PSD, Teresa Leal Coelho e Marco António Costa, abrilhantaram a cerimónia, bem como Rui Fernandes, membro da comissão política do PCP.
Pois é. O que ninguém pode agora dizer é que não se sabia de nada. Mais se vai descobrir, mas surpresa é que não será. Foi roubo e não foi o mordomo.»
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21.1.20
Espancada porque filha se esqueceu do passe
São muitos os textos que, entretanto, vão aparecendo sobre este caso que ainda fará correr muita tinta. Fica aqui ESTE, sem comentários.
Uns segundos com imagens que falam por si:
Regina Duarte
(Folha de S. Paulo)
E montagem com a novela «Tudo por amor» que esteve em reprise na TVGlobo.
Ler Lima Duarte: "É Sinhozinho Malta na Presidência e Viúva Porcina na Cultura".
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Quem sabe que políticas funcionam em Portugal?
«Para que serve esta política? E funciona? Experimente fazer estas duas perguntas sobre uma qualquer política pública a alguém que, em princípio, deveria saber responder. Pergunte a governantes, deputados, especialistas, académicos, auditores, inspectores, directores-gerais, técnicos superiores do Estado, gestores de fundos europeus. Verá que poucos darão uma resposta clara àquelas duas questões, que parecem tão simples. É este o estado da avaliação de políticas públicas em Portugal.
Não é que não se avaliem políticas neste país. Por obrigação dos regulamentos comunitários, todos os programas apoiados por fundos estruturais da UE são sujeitos a avaliação. Desde há muito que as autoridades portuguesas decidiram estender os estudos de avaliação para lá das exigências regulamentares. No âmbito do Portugal 2020, que enquadra a aplicação dos fundos estruturais no período 2014-2020, estão previstas mais de 40 avaliações (de acordo com a mais recente revisão do Plano Global de Avaliação, o PGA PT2020). É uma prática comum desde os primeiros quadros comunitários de apoio, em particular do QCA III (2000-2006) e do QREN (2007-2013).
A prática instituída de avaliação de políticas no âmbito dos fundos da UE não é pouco importante, dada a enorme variedade de domínios envolvidos. Incluem-se aqui os apoios às empresas, à ciência e tecnologia, ao ensino e formação profissional, à empregabilidade, ao combate à exclusão social, ao tratamento de águas e resíduos, à descarbonização, à protecção do litoral, à modernização administrativa, às infra-estruturas de transportes, a equipamentos culturais e desportivos, ao desenvolvimento local e rural, entre outros. Em todos estes domínios os programas e políticas financiadas por fundos da UE estão sujeitos a avaliações - antes, durante e após a sua implementação.
Mas não é só no âmbito dos apoios comunitários que se faz avaliação. Embora com menor frequência e diversidade, é possível encontrar exemplos de políticas sujeitas a escrutínio em vários outros domínios, desenvolvidas por entidades tão diversas como os gabinetes de estudos ou as inspecções-gerais dos ministérios, o Tribunal de Contas e outras entidades públicas.
Não é, pois, por ausência de avaliações que se sabe tão pouco sobre os propósitos e a eficácia das políticas implementadas em Portugal (ainda que um relatório recente da Comissão Europeia dê conta de algum atraso na realização das avaliações previstas). Quatro outros factores ajudam a explicar o pouco que se sabe: a ausência de uma cultura de avaliação, a qualidade dos estudos realizados, a pouca visibilidade dos resultados obtidos e a falta de clareza sobre quem faz o quê (ou deveria fazer) na avaliação de políticas públicas em Portugal. Os quatro factores estão relacionados.
O primeiro motivo para este aparente paradoxo - a escassez de conhecimento face à abundância de estudos - é a simples falta de hábito na sociedade portuguesa de fazer as perguntas em causa. Dedicamos bastante tempo a discutir quais são os problemas, menos tempo a debater eventuais respostas e quase nenhum a perguntar se as políticas adoptadas funcionaram. Podemos encontrar diferentes explicações para esta falta de hábito, desde as mais abstractas (por exemplo, alguma imaturidade democrática), a outras mais concretas (como a escassez de recursos no Estado, na comunicação social ou na sociedade civil para dedicar a este tema), mas é difícil negar que poucos têm por hábito fazer aquela pergunta - e exigir a devida resposta.
O problema também reside no tipo de avaliações que são feitas. Durante muitos anos o principal papel dos avaliadores era sistematizar informação que as agências públicas não tinham condições para recolher e tratar. O desenvolvimento dos sistemas de informação tornaram este papel menos relevante, mas muitas avaliações mantêm aí o seu foco. Em qualquer caso, são poucos os estudos que se propõem responder à questão: a política funciona? Entre os que o fazem, alguns estudos adoptam um discurso vago e pouco fundamentado, o que não contribuiu para a valorização social das avaliações.
Mesmo quando as avaliações produzem respostas claras e fundamentadas, elas não chegam sempre a um público alargado. Seja por receio das implicações ou pela falta de investimento das agências responsáveis pela publicitação dos resultados, muitos estudos válidos não são conhecidos pelos interessados.
Vários destes problemas poderiam ser resolvidos se existisse em Portugal uma entidade pública com responsabilidades específicas de avaliação, dotada de recursos e de autonomia de acção. Não é o caso, ao contrário do que acontece noutros países (como em França, nos EUA ou na Irlanda, para referir apenas alguns exemplos).
Se for bem feita, a avaliação de políticas públicas pode cumprir várias funções relevantes na sociedade e na democracia portuguesa: aumentar a transparência das opções de governo, melhorar as bases para a prestação de contas, contribuir para decisões mais acertadas, ajudar as entidades envolvidas a melhorar o seu desempenho, mobilizar os intervenientes na persecução dos objectivos e legitimar a intervenção pública.
Muito do que há a fazer para melhorar a avaliação de políticas em Portugal depende das autoridades. Mas há uma coisa que cada um de nós pode e deve fazer amiúde - perguntar a quem de direito: Para que serve esta política? Cumpre os objectivos? E não nos contentarmos com respostas frouxas ou pouco convincentes.»
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20.1.20
Paulo Pedroso
Algum espanto? Nenhum, era mais do que expectável.
«Fez um refresh nas redes sociais nas últimas semanas ao mesmo tempo que passou a expor opiniões cada vez mais críticas ao Governo de António Costa ou a socialistas, na sua coluna de opinião no Diário de Notícias, na TSF e também nas redes sociais.» (Vai também sair do Banco Mundial.)
(Expresso, 20.01.2020)
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Quatro anos sem Nuno Teotónio Pereira
O Nuno morreu em 20 de Janeiro de 2016 - o tempo passa depressa... Retomo um texto que publiquei por ocasião dos seus 90 anos, com um brevíssimo resumo da sua biografia e um vídeo com a intervenção que fez um ano antes.
Nasceu em 30 de Janeiro de 1922, numa família burguesa, monárquica, católica e afecta ao salazarismo, facto que viria a marcá-lo profundamente na primeira parte da vida.
Arquitecto de mérito reconhecidíssimo, mestre de gerações que com ele colaboraram num quase mítico atelier de Lisboa, publicamente louvado e premiado em sessenta anos de actividade profissional dedicada à «arquitectura e cidadania»; a partir do fim dos anos 50, também militante incansável na oposição à ditadura, preso mais do que uma vez pela PIDE, torturado e libertado de Caxias no dia seguinte à revolução de Abril – é esta a pessoa de Nuno Teotónio Pereira, que importa hoje referir, embora muito resumidamente, sobretudo para os mais novos e para os que não se cruzaram com ele na sua longa vida.
O seu percurso foi muito especial e pouco comum. Com 14 anos, viveu entusiasticamente a criação da Mocidade Portuguesa, nela fez uma carreira fulgurante, envergou orgulhosamente a farda em desfiles na Avenida da Liberdade e não evitou a saudação fascista – faz questão de não o esconder. Nesse mesmo ano de 1936, seguiu apaixonadamente o avanço das tropas franquistas no início da Guerra Civil de Espanha e envolveu-se na organização de uma grande coluna de camiões que levou até Sevilha mantimentos para as mesmas.
A grande viragem sem retorno começou durante a II Guerra Mundial, por influência do pai, profundamente anglófilo, mas viria a concretizar-se, decisivamente, durante a campanha de Humberto Delgado, em 1958. Não só por todo o ambiente criado em torno desta, mas também por uma grande influência de sua mulher Natália e de Francisco Lino Neto, a quem Nuno Teotónio Pereira afirma ter ficado a dever a sua «conversão». E é já com entusiasmo que segue a vitória de Fidel de Castro, em Cuba, em 1959…
A partir de então, e até ao fim da ditadura, foram anos de uma militância intensíssima, sobretudo nos diversos campos de actividade dos que vieram a ser designados como «católicos progressistas». Desde os primeiros anos da década de 60 e até ao 25 de Abril, a oposição dos católicos ao regime político e à guerra colonial, e a revolta crescente que manifestaram em relação às posições oficiais da Igreja portuguesa, deram origem a plataformas de luta que adoptaram estruturas diversas, mais ou menos maleáveis conforme os casos, mas que envolveram, directa ou indirectamente, milhares de pessoas. Nessa teia de iniciativas e instituições, houve quem tivesse um papel especial na dinamização e agilização de contactos e na concretização de acções conjuntas. Vários nomes podiam ser citados, mas, se fosse necessário escolher apenas um, seria sem dúvida o de Nuno Teotónio Pereira. Com a sua simplicidade desconcertante, tenacidade férrea e pragmatismo à prova de fogo, deitava as sementes, estabelecia todas as pontes possíveis e acompanhava detalhadamente as realizações.
Qualquer lista de iniciativas peca por (grande) defeito, mas citem-se, a título de meros exemplos, a criação do primeiro jornal clandestino que difundiu notícias sobre a guerra colonial (Direito à Informação, 1963), a fundação da cooperativa Pragma (1964), o papel preponderante nas vigílias pela paz (igreja de S. Domingos, 1969, e capela do Rato, 1972), os cadernos GEDOC (1969), a participação na Comissão Nacional de Socorro aos Presos Políticos (1970), o Boletim Anti-Colonial (1972). E muitas, muitas outras realizações que, sem ele, nunca teriam existido ou ficariam aquém da amplitude que tiveram.
Em finais de 1973, foi preso pela última vez, durissimamente torturado pela PIDE e só o 25 de Abril o restituiu à liberdade. Foi depois um dos fundadores do MES, nele se manteve até à sua extinção e nunca deixou de ter, desde então, uma participação cívica muito activa, nomeadamente a nível da cidade de Lisboa.
Há pouco menos de três anos, a vida deu-lhe um golpe cruel: cegou, mais ou menos repentinamente. Mas continuou preocupado com tudo e com todos.
Há cerca de um ano, a pretexto do lançamento de um livro sobre uma cooperativa lançada no Porto nos anos 60 (a Confronto), um grupo de amigos decidiu prestar-lhe uma espécie de homenagem e foi sem surpresa que viram encher-se um auditório com várias centenas de pessoas. Para todas elas, o Nuno foi – e é – uma referência, um marco de vida e objecto de uma enorme gratidão.
A encerrar a referida sessão afirmou: «Estou velho, estou a chegar aos 90 anos. Há órgãos que me estão a falhar. Um deles é a memória, que se está a desfazer como pó, o que me causa um certo sofrimento. (…) Além da perda da visão. Estou emocionado, mas estou muito contente, porque esta sessão, tendo sido anunciada como de homenagem à minha pessoa e não deixando de o ser, fez também justiça a todos aqueles que eu conheci na luta contra a ditadura, naqueles anos difíceis. (…) Os dias de hoje, e porventura os de amanhã, vão exigir acções múltiplas, fortes, convictas. e por vezes decisivas, para que o mundo seja melhor para todos. (…) Muito obrigado.»
Neste vídeo, a sua intervenção na íntegra:
P.S. - Post republicado por:
* Centro Nacional de Cultura
* Forum Abel Varzim
* Esquerda.net
* Não Apaguem a Memória!
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19.1.20
19.01.1942 - Nara Leão
Nara Leão faria hoje 78 anos e morreu, em 1989, com apenas 47. Estreou-se em 1963, mas a sua verdadeira consagração deu-se depois do golpe militar de 1964, em «Opinião», um espectáculo de crítica à repressão policial. Foi passando de musa da Bossa Nova a cantora de protesto.
Canções? Muitas, com destaque para «O Barquinho», «Com Açúcar e com Afecto» e a inesquecível interpretação de «A Banda» com Chico Buarque da Holanda.
E em 1966: ainda hoje como se fosse ontem.
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Este país não é para velhos!
«A Ponte Choluteca, nas Honduras, tem por baixo um leito seco e ao lado corre o rio com o mesmo nome, desviado durante o furacão Mitch. Esta é a imagem da inadequação do nosso sistema de saúde para tratar os nossos idosos, particularmente os mais frágeis e com múltiplas doenças crónicas. Estes doentes, que são os grandes utilizadores dos sistemas de saúde, representam cerca de 5% da população mas 40% a 50% das despesas em saúde. Este silver tsunami, como é apelidado na literatura internacional, é particularmente avassalador em Portugal, porque temos uma esperança de vida superior à média europeia, somos dos países com menor número de anos de vida saudável depois dos 65 anos (6,7 anos para as mulheres e 7,9 para os homens, em 2017) e também porque somos dos países, a nível mundial, onde a esperança de vida mais vai crescer.
Encontrar respostas para este problema tem sido uma prioridade da Organização Mundial da Saúde e de muitos países, no entanto, Portugal continua a ignorá-lo.
Estes doentes são complexos, a resposta é complexa e ninguém tem a solução milagrosa. Passará seguramente por mais prevenção, mais literacia, pela modificação dos comportamentos de risco, por melhores condições económicas, mas também por mudar o modelo atual de cuidados. Os hospitais que temos, fragmentados em silos dedicados a órgãos ou sistemas, já não servem, precisamos de modelos departamentais geridos por internistas que assumam a coordenação dos cuidados a estes doentes. O apoio que lhes é dado, quando são internados nos serviços cirúrgicos, é reativo e geralmente tardio; deveríamos ter equipas de internistas sediadas nos serviços cirúrgicos que os tratassem de uma forma proativa, preventiva e atempada. As enfermarias, onde prevalece a praga das infeções hospitalares, são inseguras e um ambiente adverso para os idosos. Necessitamos de programas de hospitalização domiciliária que conservem os doentes na sua casa ou nos lares. Os cuidados que estamos a prestar a esta população são fragmentados, episódicos, através das urgências hospitalares e com programas centrados em doenças. É urgente mudar este paradigma e prestar cuidados integrados e centrados nas pessoas. Esta resposta tem de ser multidisciplinar e de natureza sociossanitária, envolvendo também os recursos da comunidade, porque é cada vez mais difícil separar os problemas de saúde dos problemas sociais. Algumas destas mudanças já começaram em alguns hospitais do SNS.
Também a nossa formação médica é inadequada: fomos treinados para diagnosticar, não para avaliar a cognição, a capacidade funcional ou o risco de queda. Ensinaram-nos a prescrever, mas os idosos precisam que lhes simplifiquemos a medicação, fomos educados para tratar, mas precisamos aprender a cuidar e a aliviar o sofrimento, aprendemos a reanimar, mas temos de saber respeitar a dignidade da morte, e, sobretudo, temos de conhecer os doentes, quais as suas preocupações e prioridades, em vez de nos limitarmos a catalogá-los por doenças.
Finalmente, uma das mais graves e mais ignoradas discriminações de género, que é a das mulheres na velhice: as mulheres vivem mais seis anos que os homens, em muitos casos são mais novas que os maridos, têm menos um ano de vida saudável depois dos 65 anos e auferem pensões inferiores em cerca de 30% às dos homens. Muitas mulheres são as cuidadoras da família, às vezes abandonando precocemente os seus empregos. Mas quem cuida das mulheres quando ficam sozinhas? Quem as apoia quando têm de ser cuidadoras? A formação e a remuneração dos cuidadores, que são, na sua grande maioria, mulheres, poderia amenizar esta discriminação. Urge que os partidos e os decisores políticos elejam a resposta aos doentes idosos, crónicos e complexos como uma prioridade!»
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