9.11.19

Espanha: sondagem divulgada em Andorra



Com dados de 08.11.2019.

(Fonte)
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09.11.1975 – «O povo é sereno, é apenas fumaça!»



Há 44 anos, a pouco mais de duas semanas do 25 de Novembro, os ânimos andavam bem exaltados e o centrão estava bem alinhado.

PS e PPD, secundados por CDS, PPM e PCP de P-ML, convocaram uma manifestação de apoio ao VI Governo Provisório e ao primeiro-ministro, com o lema: «Pinheiro, em frente, tens aqui a tua gente!». O Terreiro do Paço encheu-se mas ninguém recordaria hoje o facto (todos os espaços se enchiam, dia sim dia sim…) sem as granadas de fumo e de gás lacrimogéneo (mais alguns tiros) que deflagraram durante o discurso de Pinheiro de Azevedo contra as forças à esquerda do PS. Iniciativa de autoria não muito clara e objecto de acusações cruzadas, mas que foi um enorme susto para muitos e gáudio para a esquerda da esquerda que viu a cena em casa, em directo televisivo (as paredes da sala em que estou ainda devem guardar o eco das gargalhadas).

«O povo é sereno, é apenas fumaça!», gritou o então primeiro-ministro, numa tirada que ficou para a pequena história dos últimos dias do PREC.

Três dias depois, operários da construção civil iniciaram o chamado «Cerco à Constituinte» que durou até ao fim da manhã do dia 13. Declarações de Pinheiro de Azevedo quando, nesse dia, saiu do Parlamento:


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Lula: o que disse quando saiu da prisão



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Planetas, planetas anões e satélites



José Pacheco Pereira no Público de hoje:

«Vários micropartidos chegaram à Assembleia. Não é tão novidade quanto se diz, mas revelam tendências de voto que são relevantes para a análise eleitoral, tanto mais que acompanham o encolhimento dos grandes partidos PS e PSD, que no seu conjunto estão a ficar longe do peso eleitoral que, em percentagem, tinham no passado, e acentuam o papel da ideologia nas escolhas, diminuindo o chamado “voto útil”. Todos os partidos de poder, o PS, o PSD e o CDS, e mesmo o BE e o PCP sofreram essas consequências. Mas convém lembrar que não é assim tão difícil eleger um deputado, desde que o voto esteja muito concentrado, por exemplo em Lisboa. Veja-se o caso muito esquecido do PSN de Manuel Sérgio. Isto acentua o enorme falhanço da Aliança que, nesta ecologia eleitoral, tinha, à partida, algumas vantagens e perdeu tudo à chegada. O Chega é outra coisa, falaremos disso depois.

Se quisermos usar uma metáfora astronómica, deixamos de ter na Assembleia os planetas gigantes, que são gasosos e estão a perder muito gás e a aproximar-se dos seus núcleos sólidos, temos planetas propriamente ditos, temos planetas anões e temos satélites. Alguns planetas estão a passar a planetas anões, caso do CDS, e pode ser que alguns dos actuais anões passem uns a cometas e outros subam de categoria para planetas propriamente ditos. Esta legislatura vai ser decisiva para a sorte dos pequenos partidos.

De qualquer modo, como se verificou com o despromovido Plutão, que passou de planeta a anão, mas apesar disso, quando o podemos ver de perto, revelou-se muito mais interessante do ponto de vista científico do que se imaginava. Até um coração tem.

Os Verdes rodeados pela “acção climática” por todo o lado

Os Verdes nunca tiveram a oportunidade de serem “verdes”, nem o quiseram, nem o podiam. Criados pelo PCP, e dependentes do PCP para poderem estar nas listas da CDU, com a conta exacta para duplicar o número de grupos parlamentares de que os comunistas dispunham, nunca concorreram a eleições sozinhos. Foram de facto pioneiros em algumas questões ambientais, com a solitária companhia do PSD numa sua fase também pioneira, mas a sua voz nunca se ouviu como uma voz independente.

Agora é tarde. Com partidos que rapidamente se moldaram às modas da “acção climática”, sem grande tradição ambientalista como o BE e mesmo o PAN cujo “animalismo” rapidamente se cobriu de ecologia, o PEV não tem chance de emancipação.

O Livre e o problema de Joacine

Eu não quero saber das saias do assessor para nada, nem da bandeira da Guiné (e a da União Europeia nos outros?), mas quero saber de duas coisas que estão cada vez mais interligadas, a radicalização do Livre e a politização da gaguez de Joacine, à direita e à esquerda. A radicalização do Livre não se mede apenas pelas suas propostas programáticas, mas também pela forma como o estilo da campanha e as escolhas das pessoas fazem uma mutação invisível nessas propostas. O estilo, no caso do Livre, é hoje mais revelador do que as propostas e o estilo, que tem a empatia da imagem, vale de facto mais do que mil palavras.

A politização da gaguez vem em pacote com o estilo e ameaça ocultar qualquer discurso racional, se ele se tornar deliberadamente inaudível. Não há nenhuma razão para que um deputado eleito não seja mudo e “fale” apenas em linguagem gestual. Essa linguagem terá que ser traduzida por um intérprete, e isso não muda nada de essencial no estatuto e função do deputado. Uma solução próxima para Joacine, com alguém a ler as intervenções da deputada, deixando para o discurso directo os debates e as discussões, diminuiria o ruído e o papel da gaguez. Mas isso depende, como é obvio, da vontade da deputada. Só que o Livre e a sua representante parlamentar têm que ter consciência de que essa escolha tem implicações políticas.

A Iniciativa Liberal e o voto dos pobres

A tese da Iniciativa Liberal de que “a pobreza de muitos é aquilo que segura o PS no poder” e que, por isso, o PS não combate eficazmente uma força que o mantém no poder, é um absurdo. Se tivesse dito “a riqueza de alguns é aquilo que segura o PS no poder” estaria mais certo.

O Chega e a eficácia

A primeira tentativa da direita radical de ter um partido na competição eleitoral foi o PNR. Mas o PNR nunca conseguiu ter uma componente populista que fosse o instrumento de que essa direita precisava. Durante os anos da troika, a necessidade de ter uma expressão política para a direita radical foi resolvida pela aliança do PSD-CDS, traduzida no governo de Passos e Portas. Esta direita é fortemente pragmática, ou melhor, alguns dos seus mentores são pragmáticos, querem é resultados. Não precisava de procurar votos por si, o PSD dava-lhos para as políticas que precisava. Nunca teve tanto poder, no limite do afrontamento constitucional, com o apoio da troika e da União Europeia, e a flacidez do PS, daí a enorme orfandade quando Lopes perdeu perante Rio.

Por circunstâncias que combinam, como sempre na história, intenção e acaso, o Chega chegou e tornou-se o pólo de atracção populista que nunca existiu autonomamente desde o 25 de Abril. Fez uma excelente campanha eleitoral, começou a servir de magneto para toda a direita radical, desde os saudosos do salazarismo, aos nacionalistas e aos identitários, absorveu parte do PNR, parte dos lesados do BES, os proto-gilets jaunes, penetrou na polícia e na GNR, e começou a crescer no terreno fértil que vai das redes sociais à rua. Com um tribuno capaz na Assembleia, com o treino dos debates do futebol, tem todas as condições para crescer. É apenas um começo…»
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8.11.19

Lula - Sim? SIM!


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As camisolas de Paddy Cosgrave



Parolice tecnológica? Sim, mas, sobretudo, Money, Money…

A ler: Nos souvenirs do Web Summit, há uma camisola de lã que custa 850 euros.
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Alemanha, um muro caiu e outro ergue-se



«Trinta anos após a queda do Muro de Berlim, o que então era um sinal de abertura hoje é um sinal de fechamento, como disse ao PÚBLICO Jacques Rupnik. A utopia da economia de mercado, a imitação a leste do modelo ocidental, nem reinventou a economia nem a democracia. A Alemanha de 2019 está a perder os seus complexos quanto ao passado nazi. A Turíngia é o melhor exemplo. A Alternativa para a Alemanha (AfD) conseguiu 23% dos votos nas eleições regionais do mês passado, graças a Björn Höcke, o mais radical dos seus dirigentes, e ultrapassou a CDU de Merkel.

Num estado onde o campo de concentração de Buchenwald se situa a pouca distância de Erfurt, a capital, sondagens revelam que 18% dos inquiridos consideram que o nazismo teve aspectos positivos e que 58% acredita que a imigração faz com que a Alemanha esteja a deixar de ser alemã. Desde 1949 que um partido parlamentar não desfilava ao lado de grupos neonazis. Mesmo assim, ou por causa disso mesmo, membros da CDU desafiam os valores da democracia cristã e admitem, sem o expressar directamente, a hipótese de aliança com a AfD.

Esta extrema-direita afirma-se como antidemocrata, antipluralista e recorre à violência e ao ódio para combater os seus adversários: Claudia Roth, vice-presidente do parlamento alemão, e Cem Özdemir, ex-líder dos ecologistas, foram alvo de ameaças de morte. Não faltam exemplos recentes para enquadrar este clima odioso: o ataque à sinagoga de Halle e o assassinato do político conservador Walter Lübcke, favorável ao acolhimento de refugiados, são elucidativos. O pensamento é simples e ameaça os partidos mais tradicionais: o Governo abriu as fronteiras aos refugiados, não protegeu os seus cidadãos e isso obriga a que estes se protejam e até façam justiça pelas suas próprias mãos.

A pragmática recepção de refugiados, que Merkel decidiu mais por razões demográficas e económicas do que por motivos humanistas, teve um efeito indesejado. O que explica o sucesso da AfD não é a situação económica, mas sim uma complexa conjuntura alimentada pelo medo do futuro e pela recusa da alteridade numa sociedade a fechar-se sobre si própria. Que isso seja mais natural a este do que a oeste é apenas o sintoma mais espontâneo de uma regressão democrática. Não era isso que esperávamos da Alemanha 30 anos depois. Não precisamos dos muros construídos pelo ódio, como se estivéssemos de novo perante a ameaça otomana. A ameaça está no meio de nós e está a crescer.»

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7.11.19

Marcelo na Web Summit



Ele disse mesmo isto? E houve aplausos ou uma gargalhada geral?
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Os contentores de Odemira


Helena Roseta:



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Parlamento Europeu e votações sobre o Mediterrâneo



A ouvir com atenção. E, para poupar trabalho, copio o que Helena Araújo escreveu no Facebook como comentário:

«Agradeço à Marisa Matias o esclarecimento que estava a ser necessário desde que o Nuno Melo deu uma entrevista na qual dizia "todos os eurodeputados portugueses votaram a favor e votaram contra" reforço de ajuda a migrantes no Mediterrâneo, e acusava Marisa Matias e o Bloco de Esquerda de terem difundido uma mentira.

Mentira é a do Nuno Melo ao fazer de conta que todas as resoluções eram mais ou menos equivalentes, e ao ignorar propositadamente que nem todas punham os direitos humanos acima das lógicas nacionalistas.

Mentira é a do Nuno Melo ao esconder que a proposta que lhe pareceu mais adequada era aquela que apostava na Líbia (onde os refugiados são sujeitos a horrores) como país parceiro da Europa para manter essas pessoas afastadas da nossa fortaleza.

Mentira é a de Nuno Melo ao esconder que a proposta que lhe pareceu mais adequada era aquela que queria distinguir "refugiados" de "migrantes económicos".

Como é que um deputado português é capaz de ter o desplante de ser a favor de complicar a vida aos "migrantes económicos"? Um deputado português! Isto é um ataque aos tantos milhões de portugueses que ao longo da nossa História foram para outro país em busca de uma vida melhor.»
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Web Summit: vendedora de ilusões



«Segundo dados da Informa D&E, noticiados no transacto ano, cerca de uma em cada três startups portuguesas encerra ao fim de um ano. Entre outros factores, é apontada a falta de financiamento como um dos principais constrangimentos para o sucesso destas microempresas. Mas, afinal, o que nos traz a Web Summit? Além de um mediatismo vazio de conteúdo, o que pode realmente oferecer uma conferência que apresenta oradores como Tony Blair ou Ronaldinho? Ou mesmo o negociador da União Europeia para o “Brexit"?

Desde o início deste evento em Portugal questiono qual a sua real utilidade se não lavar a cara suja do capitalismo selvagem e pintá-lo como se de uma geração cool se tratasse. Actualmente, é cool ir à Web Summit, embrenhar-se por aplicações adentro e expurgar todos os males do mundo a partir de um computador. Vendem-se as mais burlescas ilusões de que se não formos nós a criar o nosso emprego ou a desenvolver a nossa microempresa (de preferência tecnológica) estaremos condenados para sempre a viver à luz de relacionamentos laborais arcaicos e caducos que mais não fazem do que contribuir para o desperdício de tempo, enquanto podíamos estar a realizar algo de mesmo importante para o planeta, para o mundo e para a sociedade.

É deste tipo de ilusões que se pretende alimentar a sociedade — aponta-se o caminho do instantâneo, do digital, porque o resto dá muito trabalho e não releva. Não ouvi ninguém na Web Summit a criticar as políticas de baixos salários praticadas pela Google ou pelo Facebook, dirão que é outra forma de trabalho e que, portanto, o conceito de remuneração será diferente. Mentira, onde há trabalho há necessariamente direito a um salário, a condições laborais e a uma relação laboral entre patrão e trabalhador. A Web Summit ajuda a mitificar a ideia de que não existem relações laborais como as que até aqui tinham lugar, até porque devemos ser cada vez mais flexíveis, a saltar de um desafio para o outro. Dizem eles desafio, dizemos nós explorações.

Na Web Summit não se paga a quem ajuda a construir o evento, são voluntários. Mas porquê voluntários? Não terão receita para poder pagar a trabalhadores? Ou estamos perante mais uma forma de exploração, desta feita dupla, pois consegue-se explorar pessoas economicamente, explorando o seu lado mais fantasioso, aquele que as leva a acreditar que estão realmente a contribuir para algo que pode fazer a diferença nas nossas vidas.

As startups portuguesas não têm conseguido vingar porque, mais uma vez, estão a competir com o grande capital, ou seja, se te endividas ou gastas o pouco que tens na criação de uma destas microempresas tecnológicas, és rapidamente arredado por aquelas que realmente contam com financiamento de milhões para levar a cabo o seu objectivo. Com isto, fizeram-te perder um ano ou dois da tua vida, vendendo-te a ideia de uma economia tecnológica florescente que, no fundo, apenas floresce para os mesmos de sempre e, quiçá, roubaram-te uma ou outra ideia que ruma direitinha para o seu sucesso. Não seria inédito.

A Web Summit não é mais que uma espécie de centro de turismo tecnológico. Não deixa de ser turismo porque não produz nada.»

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6.11.19

06.11.1975 - «Olhe que não, olhe que não!»



Nem os seus dois intervenientes, nem muitos dos que assistiram àquele que foi o mais célebre debate da nossa democracia, estão cá hoje para o recordar. Os outros nunca esquecerão o frente-a-frente entre Soares e Cunhal, em 6 de Novembro de 1975. Durou quase quatro horas – uma eternidade impossível de repetir nas televisões apressadas que hoje temos – e o país parou para ver e ouvir.

Há 44 anos, a poucos dias do 25 de Novembro, eram mais do que raros os pontos de acordo entre Soares e Cunhal. Dessa noite ficou para a história uma frase com que Cunhal respondeu a Soares quando este afirmou que o PCP dava provas de querer transformar Portugal numa ditadura: «Olhe que não! Olhe que não!»



Texto com alguns excertos do que foi dito:


Adelino Gomes e José Pedro Castanheira, Os dias loucos do PREC, Expresso / Público, Lisboa, 2006, pp. 382-383. 
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Sophia, 100



Sophia de Mello Breyner nasceu em 06.11.1919. Jornais, televisões e rede sociais estão hoje cheias de biografias, poemas e fotografias. Escolho recordá-la como a resistente à ditadura, que foi durante décadas: juntamente com o marido, Francisco Sousa Tavares (o «Tareco», para os que éramos seus amigos), nunca recusou uma presença, uma assinatura, uma voz, integrada no universo dos chamados «católicos progressistas».

Foi candidata pela oposição (CEUD) às eleições legislativas de 1969 e um ano antes escreveu um poema que muitos cantam mas poucos sabem ser de sua autoria: a «Cantata da Paz», tão divulgada por Francisco Fanhais depois do 25 de Abril, e que foi por ele «estreada» numa Vigília contra a guerra colonial, na igreja de S. Domingos em Lisboa, na passagem do ano de 1968 para 1969 (onde Sophia esteve obviamente presente). Quem não conhece «Vemos ouvimos e lemos»…


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O azul-sangue do Mediterrâneo



«Esta é a cor de que se tinge a nossa vergonha, colectiva, de Humanidade. Desta Humanidade europeia que reclamamos ser berço de civilização, mas para a qual, pelos vistos, continua a haver uns mais humanos do que outros. Ou mais iguais do que outros, relembrando Orwell.

E é impossível não relembrar Orwell, nos dias que passam. É impossível não pensar na crueza encerrada nas suas visões distópicas, que, afinal, se revelaram, em tanto, previsões acuradas de um futuro, que hoje é o nosso presente.

O futuro em que nos morrem à porta, figurada e literalmente, outros seres humanos, tão humanos quanto nós, tão menos humanos que nós, tão mais humanos que nós.

Humanos no sofrimento de quem tem fome, ou tem sede, ou tem medo, ou, simplesmente, sonha. Sonha nessas paragens onde sonhar é proibido (ou é-o para a maioria, porque os outros sonhos, megalómanos e cruéis, são a realidade dos poucos que lhes destinam os futuros).

Humanos na fragilidade de quem é explorado, traficado, vendido e comprado. No desespero de quem empenha a pouca vida que tem, na procura de outra vida, que só poderia ter sido melhor. A vida que estaria para além de um mar que antigamente era apenas azul. E que tornou a ser clausum.

Humanos sim, demasiado humanos talvez, pois que conservam em si o que a nossa humanidade, dita desenvolvida, parece ter perdido: a convicção, a perseverança e a força, essa tão apregoada resiliência, que nós, no nosso “desenvolvimento” acomodado, vamos deixando afundar no sofá, como no sofá afundamos os nossos corpos e as nossas almas, perante a visão dos que se afundam na morte, num mar que antigamente era apenas azul e que tornou a ser clausum.

Humanos na vontade de sobreviver e fazer sobreviver os filhos que transportam nos braços ou nos ventres. Humanos, demasiado humanos, porque vulneráveis e acossados.

Demasiado humanos porque pobres, descartáveis e rapidamente esquecíveis e esquecidos. Sem nome, sem rostos e sem histórias. Ou com nome, rostos e histórias que se confundem, porque (nos) parecem todos iguais. E porque (nos) incomodam um pouco, mas apenas o pouco em que a tragédia nos ecoa nos ouvidos, porque a seguir vem outra notícia e, se calhar, outra tragédia e nós distraímo-nos. Naturalmente, distraímo-nos…

Ou então, porque nos falam, baralhando-nos, dos contornos “menos claros” de que se revestem a filantropia e a ajuda humanitária. Porque a pobreza pode ser um negócio lucrativo, como já se sabe, há muito, nas múltiplas experiências de cooperação e ajuda internacional. E pode sê-lo para as agências e organismos internacionais, de reputação supostamente inabalável, como pode sê-lo para algumas organizações humanitárias não-governamentais. Uma leitura atenta e isenta da história da intervenção nas crises em África mostra como isto é, também, uma verdade.

Mas existe nesta área, como em todas, quem seja honesto e quem não o seja. Quem seja bem-intencionado e quem não o seja. Quem se alimente de sangue e quem tente estancá-lo. E, por isso, o discurso em torno do aproveitamento das situações, ou da suposta e iníqua conivência entre ONGs e traficantes, não pode ser o discurso apaziguador das nossas consciências cidadãs e, muito menos, das consciências de quem decide e de quem legisla.

E não pode sê-lo, não apenas pela injustiça da acusação de generalização das más práticas, por parte de quem presta ajuda, mas também, e sobretudo, porque, como se sabe, as cordas tendem a quebrar pelo lado mais fraco. E o lado mais fraco é aquele que foge, tem medo, é acossado ou, simplesmente, sonha. O lado mais fraco é aquele que é humano, talvez demasiado humano, insuportavelmente humano. Humano como o azul-sangue de um Mediterrâneo que tornou a ser clausum

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5.11.19

Bom conselho


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05.11.1941 – Art Garfunkel



Art Garfunkel nasceu em 5 de Novembro de 1941 em Nova Iorque. Faz hoje portanto 78 anos este cantor americano, neto de judeus que emigraram para os Estados Unidos no início do século XX.

É quase indissociável de Paul Simon, naquele que foi um dos duos musicais, que mais significativamente marcou várias gerações. Conheceu Paul na escola, quando ambos participaram em «Alice no país das maravilhas», na festa de encerramento do 6º ano do ensino básico, e continuaram colegas até ao fim do Secundário.

Em 1963, apresentaram-se oficialmente como «Simon and Garfunkel», publicaram um primeiro álbum no ano seguinte, mas foi em 1965 que emergiram para o mundo com The Sound of Silence. Continuaram juntos até 1970 e decidiram então seguir cada um o seu caminho, curiosamente depois do maior sucesso de sempre: Bridge over Troubled Water.

Reapareceram episodicamente, como em 1981 no famosíssimo concerto no Central Park de Nova Iorque, numa série de espectáculos «Old Friends», em 2003 (nos EUA), seguida por uma outra, internacional, que culminou no Coliseu de Roma com 600.000 espectadores.

Art Garfunkel também gravou muito sozinho, mas é com Simon que é geralmente recordado.







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Web Summit?



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«Não são 30 pesos. São 30 anos!»



«30 pesos chilenos – menos de oito cêntimos – foi o valor do aumento do preço do bilhete de metro que despoletou a onda de protesto no Chile no passado dia 18. O governo respondeu: “São só 30 pesos.” Mas os chilenos retorquiram, em massa e nas ruas: “Não são 30 pesos. São 30 anos!” Os protestos no Chile não são um caso isolado. Nas últimas semanas, milhões de manifestantes saíram à rua um pouco por todo o mundo. Em Hong Kong, Londres, Barcelona, Beirute, Cairo, milhões manifestaram-se contra o sistema de poder instituído. Quase sempre com a ajuda das redes sociais. Muitas vezes com violência. É a maior onda global de protesto desde a que levou à queda do Muro de Berlim em 1989. Nestes 30 anos, centenas de milhões saíram da pobreza. Mas muitos mais sentiram ficar para trás em sociedades cada vez mais desiguais.

A desigualdade corrói as fundações da sociedade. Transforma comunidades coesas em territórios segregados. Divide populações entre aqueles que têm um emprego para a vida e os resignados a uma vida de precariedade. Separa gerações, roubando aos mais jovens a esperança de um futuro melhor do que o dos seus pais e dos seus avós. O aumento de 30 pesos no metro de Santiago foi, deste ponto de vista, apenas a gota de água que fez transbordar um copo há muito cheio. O Chile é, convém não esquecer, a décima sociedade mais desigual do mundo.

Mas se há uma coisa que salta à vista é que não há uma causa comum a estes protestos. Não existe tão pouco uma agenda comum. Sim, estes protestos coincidem no tempo e muitos deles partilham símbolos e estratégias. Mas a verdade é que a presente onda global de protesto é, no fundamental, uma onda sem história. Pelo menos, não existe uma narrativa coerente que a sustente. Uma grande narrativa de que faça parte e lhe dê sentido. Uma grande narrativa como as ideologias que, ao longo dos séculos XIX e XX, ajudaram a animar o movimento abolicionista, o movimento dos trabalhadores, as sufragistas, o movimento pelos direitos civis, os movimentos de libertação nacional, entre tantos outros. Por mais paradoxal que possa parecer à primeira vista, esta ausência é um sinal dos nossos tempos. Vivemos em sociedades “líquidas”, sem estabilidade nem raízes profundas. Vivemos em nódulos de uma rede global, em que a competição por um local de trabalho há muito que deixou de ser local para ser global. Vivemos num mundo em que a esperança no progresso foi substituída por um futuro que se confunde, tantas vezes, com a distopia e a catástrofe. Esta incerteza, esta competição desenfreada, esta falta de esperança num futuro melhor – quem mais sofre com elas? A resposta a esta pergunta leva-nos ao cerne do que está aqui em causa.

Com efeito, se olharmos com atenção, há um denominador comum a todos estes movimentos de revolta e protesto – são quase sempre jovens que estão na linha da frente.

Foram jovens, como a sueca Greta Thunberg, que se tornaram na face mais visível de um problema que nos afeta a todos – as alterações climáticas. Mas, na esmagadora maioria dos casos, são jovens anónimos que estão na linha da frente. São jovens anónimos, muitas vezes Anonymous, que estão a lutar pela democracia e pelos direitos humanos nas ruas de Hong Kong. No Líbano, quem primeiro saiu à rua para protestar contra o governo de Hariri foram jovens: duas semanas depois, o governo caiu. O mesmo se passa nas Américas, onde, para além do Chile, o Equador e o Haiti têm sido palco de protestos, muitas vezes violentos. Um pouco por todo o mundo, têm sido os jovens a tomar a dianteira nos protestos contra os problemas do nosso tempo.

São problemas que afetam todas as gerações. Donde que nem todos os manifestantes sejam jovens. Mas são os jovens quem mais têm a perder e quem mais sente estar a ser prejudicado pelas mudanças dos últimos 30 anos.

Portugal tem-se mantido à margem desta onda global de protesto. Mas os jovens portugueses têm tantas razões de queixa como os outros. É certo que é difícil mobilizar os mais novos para as formas tradicionais de participação política: votar, assinar petições, filiar-se em partidos políticos. É assim em Portugal, como em qualquer outra democracia consolidada. Isto não significa que os jovens estejam necessariamente alheados da coisa pública. Significa apenas que, como qualquer nova geração, esta ainda está a criar o seu próprio repertório de instrumentos de intervenção política. A voz desta nova geração já se está a fazer ouvir, porém. Por vezes, com recurso a soluções clássicas de protesto, noutras de forma inovadora. Por exemplo, quem diria que o lema de Bruce Lee – “be water, my friend” – viria a transformar-se numa estratégia eficaz contra a repressão policial no mesmo palco – Hong Kong – que o transformou numa lenda do cinema de ação? Seria, portanto, um erro ver na ausência de uma grande narrativa um sinal de taticismo.

Pelo contrário, eu diria, esta é justamente uma das grandes inovações que esta nova geração tem para nos dar. A recusa de jogar com narrativas herdadas do passado é sinal de que querem escrever o seu próprio destino. A julgar pela onda de protestos atual, estão dispostos a ir até às últimas consequências para fazê-lo. Mas, para a maioria de nós, cuidar do ambiente, combater a desigualdade, voltar a ter esperança no futuro são causas pelas quais vale a pena lutar; não há aqui qualquer razão para uma divisão geracional. É certo que há obstáculos pela frente. Por exemplo, entre nós, urge fortalecer os princípios de justiça inter-geracional de modo a evitar que o nosso Estado Social continue a beneficiar desproporcionalmente as gerações mais velhas – em prejuízo das mais novas, e da própria sustentabilidade do sistema como um todo. Este, como tantos outros, são problemas que nos afetam a todos. Ainda que sejam os jovens quem parece estar a tomar a dianteira em resolvê-los.»

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4.11.19

Isso é que era bom...


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Realidade nua e crua



«Cerca de 41% da população mundial tem menos de 24 anos. E está zangada…»

Vale a pena ler o texto de The Guardian.
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Marielle presente


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Efeitos bumerangue



«Quando a troika, municiada por cabeças neoliberais do nosso burgo, concebeu um "ajustamento" que assentava na desvalorização do trabalho como terapia que permitiria reduzir os custos de produção e os preços das exportações, propiciando às empresas ganhos de competitividade nos mercados internacionais, muitos patrões (e não só) ter-se-ão regozijado: pensaram que escapavam da crise por entre os pingos da chuva e consolidavam uma política de baixos salários.

Sabiam que o desemprego e a desproteção no desemprego obrigariam muita gente a aceitar salários inferiores aos anteriormente auferidos, mas secundarizaram dois efeitos importantes: i) a desvalorização que aplaudiam havia de voltar-se contra eles como um bumerangue, sob a forma de quebras da procura, logo das suas vendas, provocando mais encerramentos e falências do que previram; ii) a queda dos salários iria aumentar imenso a emigração, produzindo uma acentuada redução da população disponível para trabalhar.

A diminuição da população ativa, de facto ocorrida, está na origem de uma nova manifestação do efeito bumerangue. A partir de meados de 2013 o nível de emprego começou a recuperar e o desemprego a cair. Mas o novo emprego concentrou-se fundamentalmente em setores exportadores caracterizados por baixos salários, por precariedade e baixa produtividade; em atividades bastante ligadas a um turismo que concorre à escala internacional pelos preços baixos. A desvalorização salarial favoreceu uma alteração de estrutura na economia portuguesa que a pode trancar num padrão de baixos rendimentos.

O crescimento do emprego e a diminuição da população ativa propiciaram taxas de desemprego relativamente baixas. Neste contexto, são cada vez mais audíveis as queixas dos patrões e do próprio Estado quanto a dificuldades de recrutamento de trabalhadores, mantendo-se os baixos níveis salariais praticados. Todos os dias ouvimos falar de concursos para médicos que ficam desertos, de professores que, se aceitarem a colocação que lhes calha, ainda têm de pagar para trabalhar, de operários qualificados que escasseiam e mesmo de trabalho indiferenciado que não abunda.

Trabalhar onde existe procura de trabalho tornou-se mais caro. A especulação imobiliária atirou para níveis incomportáveis rendas e prestações de habitação e as periferias das grandes cidades são cada vez mais distantes e onerosas. Entretanto, melhores oportunidades surgem noutras latitudes à medida que o desnível entre os salários praticados em Portugal e na maioria dos países da União Europeia se vai acentuando.

São malhas tecidas pelo "ajustamento", nós cegos que vai ser muito difícil desfazer com um Estado obcecado em obter excedentes orçamentais e patrões habituados a "poupar" nos salários. O baixo valor do SMN, o continuado bloqueio a uma negociação coletiva de harmonização no progresso e enriquecedora de conteúdos e os baixos salários na Administração Pública são três desses nós cegos que atrofiam o nosso desenvolvimento.

Se a estes entraves se vier juntar um acordo de política de rendimentos fechado na agenda de empresários conservadores, com contrapartidas ou negócios de interesse imediato, mas despido de respostas estratégicas na saúde, na educação e formação, nos transportes, o perigo iminente é o retrocesso.»

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3.11.19

Marie Laforêt morreu com 80 e faz-nos regressar a tempos de inocência





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Trump: do inimaginável!





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Nem dá para acreditar!



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Um país próspero não é isto



«Uma senhora entra com o marido num centro de saúde com uma queimadura de segundo grau na mão. Aguarda, pacientemente, a sua vez até a chamarem. O diagnóstico é simples, o tratamento também. Basta aplicar uma pomada, proteger a mão com umas ligaduras, impedir a todo o custo que a zona da queimadura apanhe água e aguardar a cicatrização. Problema? O centro de saúde não tem a pomada necessária para fazer o curativo. Acabou. E, por qualquer motivo, não foi reposta. Se quiser ser tratada, esta senhora tem que sair do centro de saúde, ir a uma farmácia, pagar quatro euros para comprar a pomada, regressar ao centro de saúde e fazer o curativo. Foi essa a sugestão que lhe fizeram e foi isso que esta senhora fez. Incrédula, mas foi isso que fez.

Por mais que gostasse de ter inventado esta história de terceiro mundo, ela aconteceu mesmo. E não foi há 10 anos, foi em 2019, esta semana, a mesma em que, no Parlamento, António Costa jurava a pés juntos que estava virada a página da austeridade e que vinha aí a prosperidade. Não vem. Nem a prosperidade está aí à espreita, nem a austeridade em Portugal é uma realidade ultrapassada. E a saúde é, provavelmente, o exemplo mais gritante.

Um país próspero não deixa acabar os medicamentos nos centros de saúde e nos hospitais, nem obriga os seus utentes, aqueles que descontaram durante anos para o Estado, a pagarem mais por um tratamento do que aquilo que têm para viver.

Um país próspero não tem hospitais públicos indignos, sem o mínimo de condições, com doentes em agonia amontoados em corredores. Não deixa os seus cidadãos meses à espera de uma consulta ou, pior ainda, de uma cirurgia, sujeitos a morrerem enquanto esperam.

Um país próspero não permite que fechem as urgências pediátricas de um hospital por falta de profissionais de saúde. Não trata crianças com doenças oncológicas em contentores. Nem deixa pessoas morrerem por falta de assistência médica urgente.

Um país próspero não divide a sociedade entre os "privilegiados" e os "outros." Entre os que têm um seguro de saúde e podem ser tratados em hospitais privados, com todo o conforto - que qualquer cidadão merece - e os que, por falta de condição financeira ou simplesmente porque não são funcionários públicos, ficam entregues à sua própria sorte.

Um país próspero não permite que uma consulta de especialidade no privado, com seguro de saúde, seja mais barata que uma urgência no Serviço Nacional de Saúde.

Um país próspero não trata os seus profissionais de saúde de uma forma humilhante. Não lhes paga um salário miserável, não lhes dá condições degradantes para trabalharem e não os obriga a fugirem para o setor privado ou, pior ainda, a emigrarem.

Acenar com a prosperidade num país onde tudo isto acontece é, no mínimo, insultuoso. Porque falta fazer o básico. Falta garantir aos cidadãos que trabalham e pagam impostos aquilo que a constituição lhes promete, mas que o Estado tem sido incapaz de cumprir: um Serviço Nacional de Saúde universal, de qualidade e gratuito.

Não adianta sermos ingénuos ou facciosos. Se na saúde - como em tantas outras áreas - estamos longe da tão desejada prosperidade, culpar apenas o atual governo é injusto. São décadas de más escolhas políticas, de discussões estéreis, pouco práticas, de falta de visão e, muitas vezes, de falta de respeito pelo dinheiro dos contribuintes. São décadas de má gestão, com responsabilidades que têm que ser partilhadas por todos os partidos que tiveram funções governativas.

Aqui chegados, talvez valha a pena recordar Otto Von Bismarck, o chanceler "de ferro" alemão, que disse que "a política é a arte do possível." É, de facto. E se olharmos para este programa de governo numa perspetiva exclusivamente de sobrevivência política, talvez António Costa esteja a fazer o que tem de ser feito: responder ao PAN, ao PCP, ao Bloco de Esquerda, ainda dar uma perninha às reivindicações do Livre, sem nunca largar as obrigações impostas por Bruxelas.

Mas a política é também a arte das escolhas. Das opções que se fazem. E enquanto essas opções não passarem por uma estratégia económica que torne Portugal um país mais competitivo, com níveis de crescimento económico que tornem sustentável o papel do Estado, ninguém se devia atrever a falar num país próximo da prosperidade. Enquanto o dinheiro dos impostos não servir para termos um Serviço Nacional de Saúde digno desse nome, a austeridade não acabou.»

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