15.6.13

Música como forma de solidariedade



Ontem à noite, nas instalações da ERT, silenciada pelo governo grego, teve lugar, em ambiente extremamente emotivo, um grande concerto de solidariedade, no qual participaram 500 músicos dos mais variados conjuntos, da Ópera Nacional Grega e da Orquestra Sinfónica da própria ERT. Foi visto em écrans gigantes e através da internet.



Hoje e amanhã terão lugar mais concertos.

(Daqui)

Inaceitável



Pode-se ser contra a greve, contra qualquer greve, por motivos ideológicos, pode-se dizer o contrário mas agir como se se condenasse, praticamente sempre, o seu exercício. Mas é preciso que se tenha chegado a um adiantado estado de desnorte para que duas pessoas, indiscutivelmente inteligentes – Francisco Assis e Miguel Sousa Tavares –, condenem a actual greve dos professores comparando-a a uma hipotética acção de médicos que recusassem fazer urgências ou operar um doente já anestesiado (!...) ou de bombeiros que olhassem para um fogo sem o apagar.

Um exame é um exame, não mais do que um exame, e fazê-lo no dia x e não no dia y não é, nem nunca será, uma questão de vida ou de morte. Portanto, das duas uma: ou estes dois senhores têm filhos no 12º anos e não são suficientemente racionais para olharem objectivamente para o que escrevem ou andam nervosos por outros motivos e precisam de uma dose reforçada de Xanx.

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«Considero ignóbil a convocação de uma greve de professores para o primeiro dia de exames nacionais. É como se os médicos decidissem fazer greves às urgências hospitalares. Incompreensível, indigno, inaceitável».
Francisco Assis, Público, 23/5/2013

«Não contesto que as greves, por natureza, causem incómodos a outrem—ou não fariam sentido. Mas há limites para tudo. Limites de brio profissional: um cirurgião não resolve entrar em greve quando recebe um doente já anestesiado pronto para a operação; um controlador aéreo não entra em greve quando tem um avião a fazer-se à pista; um bombeiro não entra em greve quando há um incêndio para apagar. (...) Paciência, é isto que eu penso: esta greve dos professores aos exames, por muitas razões que possam ter, é inadmissível.»
Miguel Sousa Tavares, Expresso, 15/6/2013 
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Não esquecer



Há alguns dias, divulguei neste blogue um texto de Artur Pinto sobre o massacre de Oradour-sur-Glane (França), em 10 de Junho de 1944. Lembrei-me entretanto deste conjunto de slides, que ajuda a ilustrar o que foi descrito.


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Sem ofensa para o Bangladesh



«Foram para a política quando deviam ter ido para patrões no Bangladesh. Ali não precisariam de saber fazer política – isto é, prevenir, ceder aqui e influenciar ali, ser maquiavéis e discutir... –, só precisavam de distribuir umas lamparinas em caso de reticências. Mas não, foram para a política, a arte do compromisso. O azar é que lhes calhou a taluda e chegaram ao Governo.»

Ferreira Fernandes

Pelos nossos filhos, pelos nossos netos


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14.6.13

Da Grécia – a vida na ERT




Vale a pena ouvir o jornalista grego Kostas Karikis, entrevistado ontem pela RTP.
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Carta de solidariedade pelo povo grego, pela democracia e contra o apagão do serviço público de rádio e televisão na Grécia



A seguinte Carta foi hoje entregue, pelas 12:00, na Embaixada da Grécia em Lisboa. Entre os 78 signatários, contam-se Jorge Sampaio, Manuel Alegre, Domingos Abrantes, José Ribeiro e Castro, Catarina Martins, José Vera Jardim, Francisco Louçã, Eduardo Ferro Rodrigues, Ruben de Carvalho, José Mário Branco, Alberto Arons de Carvalho e Inês de Medeiros.  

Quem desejar associar-se à iniciativa, pode subscrever este texto e enviá-lo para gremb.lis@mfa.gr.


12 de junho de 2013

Assunto: Carta de solidariedade pelo povo grego, pela democracia e contra o apagão do serviço público de rádio e televisão na Grécia

A/C Exmo. Sr. Embaixador da Grécia em Portugal

A Grécia acordou no dia 12 de Junho sem televisão e radio públicas. No dia anterior, 11 de Junho, o governo impôs, com escassas horas de pré-aviso, o "apagão "da ERT (serviço de rádio e televisão grego), tornando-se a Grécia o primeiro país da União Europeia a suspender o serviço público de comunicação social, num claro atropelo da democracia. Semelhante decisão constitui uma inequívoca manifestação de autoritarismo, abrindo um estado de exceção que colide com normas europeias e ataca direitos fundamentais.

O serviço de televisão público é essencial para o povo grego, para a democracia na Grécia, para a democracia na Europa. Considerar aceitável esta situação é aceitar a premissa e a ameaça da chantagem antidemocrática sobre os meios de comunicação social e a liberdade de imprensa.

Os e as assinantes enviam por isso esta carta de repúdio pela decisão do governo grego e exigem o respeito pelos valores democráticos sustentados pelo serviço público de televisão e rádio. Só a democracia pode defender os povos europeus contra a austeridade e o autoritarismo.

Os/as abaixo-assinado

Alexandre Quintanilha (professor)
Alberto Arons de Carvalho (professor universitário)
Alberto Costa (deputado)
Alberto Martins (deputado)
Alfredo Maia (jornalista, presidente do Sindicato dos Jornalistas)
Ana Goulart (jornalista)
Ana Maria Pessoa (professora)
António Almeida Calheiros (assessor/docente universitário)
António Pedro Vasconcelos (realizador)
Boaventura de Sousa Santos (professor universitário)
Carla Baptista (professora universitária)
Camilo Azevedo (comissão de trabalhadores da RTP)
Catarina Martins (deputada)
Cecília Honório (deputada)
Conceição Matos Abrantes (reformada)
Daniel Oliveira (jornalista)
Diana Andringa (jornalista)
Domingos Abrantes (reformado)
Eduardo Ferro Rodrigues (deputado)
Estrela Serrano (investigadora)
Fernando Correia (jornalista, professor universitário, membro do Conselho de Opinião da RTP)
Fernando Valdez (jornalista)
Francisco Louçã (professor universitário)
Hélder Costa (dramaturgo e encenador, diretor do grupo de teatro A BARRACA)
Helena Sousa Freitas (jornalista / bolseira de doutoramento)
Inês de Medeiros (deputada e realizadora)
Inês Quintanilha (licenciada em História)
Jacinto Lucas Pires (escritor)
Joana Lopes (doutorada em Filosofia)
João Bau (investigador-coordenador)
João Villalobos Filipe (militar de Abril)
João Salaviza (realizador)
Jorge Lacão (deputado)
Jorge Sampaio (advogado)
José Azeredo Lopes (professor universitário)
José Barahona (Cineasta)
José Rebelo (professor universitário)
José Luiz Fernandes (jornalista)
José Manuel Pureza (professor universitário)
José Maneira (investigador)
José Mário Branco (músico)
José Maria Castro Caldas (economista)
José Ribeiro e Castro (deputado)
José Vera Jardim (jurista)
José Vítor Malheiros (consultor e colunista)
Lídia Fernandes (bolseira de investigação)
Luís Humberto Teixeira (tradutor)
Luísa Teotónio Pereira (técnica de desenvolvimento)
Manuel Alegre (escritor)
Manuel Carvalho da Silva (investigador)
Manuel Macaísta Malheiros (jurista)
Manuel Maria Carrilho (professor universitário)
Manuel Mozos (realizador)
Margarida Maria Martins da Graça (professora)
Maria Augusta Babo (professora universitária)
Maria de Lurdes Afonso Lopes (médica)
Maria Susete Abreu (gestora)
Mário Pimenta (professor universitário)
Mário Tomé (militar de Abril)
Miguel Cardina (historiador)
Natal Vaz (jornalista)
Nuno Ramos de Almeida (jornalista)
Orlando César (jornalista e presidente do Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas)
Oscar Mascarenhas (jornalista)
Pedro Delgado Alves (professor Universitário)
Pedro Diniz de Sousa (investigador)
Pedro Rodrigues (produtor cultural)
Ramiro António Soares Rodrigues (militar reformado)
Ricardo Alves (professor)
Rita Veloso (assistente na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa)
Ruben de Carvalho (jornalista)
Rui Nunes (membro da comissão de trabalhadores da Agência Lusa)
Sandra Monteiro (jornalista)
Sérgio Sousa Pinto (deputado)
Sofia Andringa (investigadora)
Tiago Ivo Cruz (estudante)
Vasco Lourenço (militar de Abril)
Vítor Dias
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Superleis que já nem nos surpreendem



«Todo o Governo de Passos Coelho tem revelado um talento especial por superpoderes e muito pouca complacência por formalismos desnecessários. (...)

Ora, um supergoverno faz superleis. E à medida que os desafios crescem, mais sofisticadas e temíveis são as superleis de Passos Coelho. Primeiro, foram as leis retroactivas, que aprovam alterações que retroagem no tempo. Estas leis já só impressionam os mais inocentes. (...)

Mas esta semana, o Governo subiu a parada e deu a conhecer ao País um novo tipo de lei que ofusca todas as outras. Esta é uma lei que antes de existir já está a produzir efeitos. Que antes de ser publicada, promulgada pelo Presidente e ainda sem ter sequer a sua redacção final, já está a ser aplicada. Em causa está o diploma que determina que o subsídio de férias, que o Tribunal Constitucional ordenou que fosse devolvido, seja pago apenas em Novembro aos funcionários públicos e reformados com salários e pensões superiores a 600 euros.

Numa resolução ímpar, Passos Coelho ordenou a todos os serviços do Estado que ignorem a lei actualmente em vigor e que processem os subsídios de férias com base na lei que aí vem. E se o Presidente não promulgar? Ai, promulga, promulga. Em nome dos mais altos interesses da Nação.»  

Manuel Esteves 
(O link pode só funcionar mais tarde.)
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13.6.13

Ipsis verbis

Toalha ao chão



... quando vir uma espécie de memorando, ou assim, assinado por Cavaco Silva e Mário Soares – o bicefalismo é que está a dar.

Nova encíclica será assinada por papa Francisco e papa emérito Bento XVI

10 de Junho – Memória de dois massacres



Este texto de Artur Pinto foi enviado pelo autor ao Público, antes da data a ser assinalada, mas não chegou a ser publicado. Divulgo-o eu neste blogue.

Lídice, República Checa, 10 de Junho de 1942, pouco depois da meia-noite.

Lidice é um daqueles casos em que o regime nazi demonstrou da maneira mais cínica e brutal toda a sua bestialidade, ainda antes do programa de extermínio. O que se passou em Lídice antecipa os horrores dos campos de extermínio – em certo aspecto até terá sido mais requintado, cruel e vingativo, acima de tudo. O certo é que, em ambos os casos, os factos são pouco conhecidos porque pouco divulgados. Aqui fica a minha contribuição para contrariar esse esquecimento.

A 27 de Maio de 1942, em Praga, paraquedistas checos, vindos de Inglaterra, assassinaram o Reich Protector, Reinhard Heydrich, um dos delfins de Hitler e ideólogo da Solução Final. Hitler ordenou ao substituto de Heydrich que executasse uma punição exemplar contra a população checa.
Em 10 de Junho, ocorreu o massacre que ficou na história pela sua extrema crueldade. A Gestapo suspeitou que haveria ligação entre a família Horák, na pequena aldeia de Lídice e um dos membros do comando paraquedista. Perante esta suspeita, tomaram a decisão de vingar Heydrich em Lidice. Mas não foi uma simples vingança, não se “limitaram” a chegar, massacrar os seus habitantes, lançar fogo à aldeia e continuar, como em Oradour ou como por toda a Ucrânia e Rússia.
As tropas alemãs chegaram à aldeia pouco depois da meia-noite e cercaram-na. Todos os homens com mais de quinze anos - eram 173 - foram separados das mulheres e das crianças e fuzilados em pequenos grupos, nesse mesmo dia. Quando já havia uma pilha de mortos, os que se seguiam eram obrigados a subir para cima da pilha para serem fuzilados. Mas os serviços alemães souberam que havia habitantes internados em hospitais de Praga. Foram à procura deles e mataram-nos. Para que não restasse algum sobrevivente, foram ao requinte de ir à pocura de um homem que não estava na aldeia, porque mudara de turno na fábrica. Fuzilaram-no. Não satisfeitos com esta matança, exumaram os cadáveres do cemitério. Lídice não só não poderia ter sobreviventes, como das famílias não poderia haver memória.
Três dias depois as mulheres foram separadas dos seus filhos. Destes, a larga maioria foi assassinada por asfixia no campo polaco de Chelmno, com gás carbónico que emanava de camionetas adaptadas, a primeira experiência de extermínio em massa. As mulheres foram enviadas para o campo de Ravensbrück onde a grande maioria veio a morrer de tifo e exaustão.
Mas a vingança perversa, cruel e odiosa, estava por consumar. Os nazis tinham decidido riscar, literalmente, Lídice do mapa. Lançaram fogo à aldeia, depois dinamitaram as casas e arrasaram tudo. Até as árvores, mesmo as queimadas, foram arrancadas pela raíz. Por fim, transformaram toda a área em pastagens. Da aldeia nada ficou e até ao final da guerra esteve vedado o acesso a toda a área. O seu nome desapareceu dos mapas alemães da Europa. A vingança alemã pelo assassinato de Heydrich saldou-se em cerca de 1500 mortes por toda a Checoslováquia.
Contrariamente ao que sucedeu com outros crimes de guerra que mantiveram em segredo, a propaganda nazi fez questão de filmar a maior parte dos acontecimentos de Lídice, para os dar a conhecer, servindo de exemplo e de aviso à população da Europa ocupada. A notícia causou uma onda de terror e indignação mundial e a propaganda aliada aproveitou o facto para difundir os crimes do III Reich. Lídice tornou-se um símbolo da crueldade nazi. 

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Oradour-sur-Glane, França, 10 de Junho de 1944, cerca das duas da tarde.

A crueldade expressa-se, uma vez mais, num infernal ciclo de terror sem fim, dois anos depois, no mesmo dia, nesta aldeia, perto de Limoges. Nem se sabe ao certo quais as razões que levaram a mais este massacre. Até aí nenhum incidente grave, digno de registo, pusera no mapa da repressão nazi aquela pacata aldeia, embora a região de Limoges fosse conhecida por ser uma área de grande actividade da resistência. Há quem julgue tratar-se de um engano dos SS, que deveriam querer «castigar» Oradour-sur-Vayres, importante centro do “maquis” na mesma região. Em todo o caso, estava assente que ia haver genocídio.
As tropas alemãs praticaram aqui um dos seus habituais rituais de terror: massacrar a população, incendiar a aldeia e partir. Reuniram a população no Campo da Feira e fizeram a triagem habitual: os homens de um lado, mulheres e crianças do outro. Até pessoas de fora que passavam na altura pela aldeia e passageiros do comboio que chegara, foram reunidas com os outros. Depois, levaram os homens para diversos celeiros e garagens e levaram a cabo o massacre de forma atroz: atiram para as pernas para a morte ser mais lenta, cobrem os cadáveres com palha e com tudo o que possa arder e queimam os corpos, alguns ainda vivos. E afastam-se.
As mulheres e as crianças foram encerradas na igreja, lugar sagrado destinado para outro drama. Depois de longas horas de angústia, adivinhando o que teria sucedido aos homens, eis que a porta se abre e entram dois soldados. Voltam a fechar a porta, vão direitos ao altar onde colocam caixas de explosivos, acendem os cordões detonadores e saem. Segue-se uma violenta explosão, parte da igreja desmorona-se, mulheres e crianças ficam soterradas nos escombros. As poucas que escaparam tentam fugir pela porta da sacristia. Emboscados no exterior, os soldados alemães abateram-nas uma a uma. Por fim, lançaram fogo à aldeia.

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No local da primitiva aldeia de Lídice, ergue-se hoje um Memorial, constituído por um imenso parque verde com um monumento às crianças assassinadas e um Museu onde sobressai um mural com os nomes de todos os habitantes, outro com as fotografias dos homens e, ainda, a porta da igreja e restos de roupas de uma criança, únicas testemunhas deste massacre sem par. A simplicidade do museu e o seu despojamento, lembrando o vazio de Lidice, esmaga-nos.
Em Oradour tudo está como os alemães deixaram: casas incendiadas, algumas ainda com objectos de uso pessoal, carros calcinados nas ruas, a igreja só com as paredes laterais. Aqui há uma grande angústia, um permanente arrepio, diria que se pode “viver” a aldeia e imaginar melhor o massacre, até porque as casas estão identificadas com os nomes dos seus proprietários: aqui Mme Reignier, dentista, ali o café Chez Compain, mais além a casa da costureira Emma Lebrau, na rua principal a garagem do senhor Desorteaux.

A conclusão deixo-a ao padre Chaudier, na homilia de Limoges, a 18 de Junho de 1944: «Certes, nous savions qu’il n’est pas possible “d’humaniser la guerre”.... Il nous restait à apprendre qu’il y a des degrés dans l’horrible, toute une graduation dans l’épouvantable…»
[É certo, sabíamos que não é possível ‘humanizar a guerra’ … Ainda nos faltava aprender que há graus no horrível, uma escala no inimaginável]

Lídice e Oradour-sur-Glane, duas datas e dois lugares a recordar, sempre.
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Casa roubada...



... trancas à porta.

«Sem surpresa, Cavaco Silva veio agora juntar-se ao coro. Depois de milagreiro, o "memorando" tornou-se o óbvio culpado de todos os males, e a troika no inevitável bode expiatório da catástrofe nacional que estamos a viver. É o costume: depois do fracasso, em vez de se explicarem as causas e de se apurarem as responsabilidades, ensaiam-se desculpas e procuram-se bodes expiatórios.

Todos os intervenientes – o Fundo Monetário Internacional, a Comissão Europeia e o Banco Central Europeu – entraram numa espiral de recriminações mútuas que revela bem o abismo de incompetência e de improvisação para que o País foi arrastado. Mal puderam, os seus diversos "agentes locais" também entraram na dança do passa-culpas, o que ninguém quer é assumir a responsabilidade da situação nacional. (...)

Tudo isto mostra bem – ao contrário do que temos hoje – a importância política do pluralismo, do dissenso e do debate em todas as matérias económicas e financeiras, sem excepção. Só esta via permite evitar o desastre, como o que ocorreu com as políticas de austeridade que desvalorizaram cegamente os efeitos de uma consolidação orçamental selvagem sobre o crescimento. O debate sobre a austeridade (...) começou tarde demais. Pois é... os debates pecam sempre por ser tardios – e depois, de pouco adiantam as variações sobre a culpa!»

Manuel Maria Carrilho

12.6.13

Sempre, sempre ao lado de Cavaco



... para ele não estranhar. 
Eurodeputados, hoje, no Parlamento Europeu, enquanto Cavaco Silva discursava. 
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Melhor do que desculpas para não fazer os TPC



Mais um texto de Ricardo Araújo Pereira. Desta vez à quarta-feira, por ordem de Santo António, padroeiro lisboeta.

«Sá Carneiro tinha sonhado com um governo, uma maioria e um Presidente, mas o tempo veio a demonstrar que um estadista verdadeiramente ambicioso deve sonhar com um governo, uma maioria, um Presidente e um Anthímio de Azevedo. (...)
"Não cortarei o 13ºmês se o anticiclone dos Açores bloquear as frentes frias", por exemplo, é uma promessa moderna.»

Na íntegra AQUI.
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Não é chuva, é tempestade seguida de tsunami



«A queda do investimento no 1.º trimestre foi recebida pelo ministro das Finanças com uma explicação curiosa: condições meteorológicas adversas terão estado por detrás de uma queda inesperada da construção (-25,7%) que terá arrastado a queda do investimento em geral (-16,8% face ao mesmo período do ano anterior). Esqueçamos a crise do euro, a procura, a austeridade, os juros ou a confiança: foi a chuva. (...)

Nos últimos cinco anos o investimento caiu quase 40%, mas caiu quase 30% nos últimos dois anos. Esta evolução coloca-nos hoje, no 1.º trimestre de 2013, com um nível de investimento que só compara com o registado no 1.º trimestre de 1988, i.e., há vinte e cinco anos atrás. Esta é aliás uma das áreas em que as projecções do Programa de Assistência mais falharam, com a 7.ª avaliação a antecipar uma queda de 32% entre 2010 e 2013, face à previsão inicial de queda de 15% com crescimento já em 2013. (...)

Há algo que é claro em tudo isto: a queda do investimento não é chuva ou aguaceiro. É uma verdadeira tempestade seguida de tsunami que tudo está a destruir.»

Fernando Medina
(O link pode só funcionar mais tarde.)

E já agora, bem a propósito, Bruno Dias do PCP:


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Ontem os gregos, nós amanhã



Claro que as notícias da Turquia são brutais e não se sabe como será o dia de hoje, muito menos o de amanhã. Claro que as imagens da Praça Taksim não nos saem da retina e nos deixam inquietos quanto ao futuro, dos turcos e de nós todos.

Mas foi o que se passou ontem na Grécia que nos atingiu directamente como uma pedrada: o encerramento, inesperado, da televisão e da rádio públicas pelo governo. Foi-se sabendo durante a tarde que, às zero horas de hoje (22:00 de ontem, em Lisboa), o executivo de Samaras, mesmo contra a posição dos seus dois parceiros de coligação – PASOK e Esquerda Democrática – mandaria cortar o sinal dos meios de comunicação estatais, calando a voz de cerca de 2 700 pessoas (de um dia para o outro colocadas no infindável rol dos desempregados gregos).

Porquê? Porque os compromissos com a troika assim o exigem, porque tudo pode ruir excepto o cumprimento das exigências dos credores internacionais. Porque o absurdo continua, apesar de todas as confissões de falhanços assumidos pelo FMI e por todos os Junkers desta triste Europa – puras lágrimas de crocodilo, sem qualquer efeito minimamente útil.

Os cidadãos saíram à rua em protesto, os trabalhadores ocuparam as instalações e continuaram – continuam ainda – a emitir via internet.



Escreve um grego que li há pouco: «Nunca pensei ser forçado a ouvir a emissão da ERT TV... ilegalmente!»

É assim. O que parecia impensável aconteceu ontem em Atenas e pode cá chegar amanhã ou depois. Não há qualquer motivo racional que nos impeça de pensar que podemos acordar um dia sem RTP ou, sei lá..., com as escolas públicas encerradas e entregues horas depois a um grupo angolano, ou com o SNS gerido pela banca. 

A democracia, tal como a conhecemos, acabou e só regressará pelas nossas mãos. Estaremos suficientemente conscientes disso?
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P.S. - Agora (13/6, 14:45), é AQUI que se vê a ERT «ilegal».
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11.6.13

Ou alienígena?



«Não sei em que país vive o dito Gaspar. Talvez um país habitado por gnomos, fadas, ministros alemães e jogadores do Benfica. Ou por sujeitos de fato e gravata que emergem dos carros e mergulham nas garagens e nos gabinetes e daí para os hotéis e condomínios fechados, ou os aviões, e nunca encontram gente. Dessa que paga impostos, taxas e contribuições de solidariedade para ajudar as pessoas que precisam, ou seja, eles mesmos entre outros.»

Clara Ferreira Alves, Revista do Expresso, 8/6/2013
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Orçamento Rectificativo – Greve Geral


Do texto de Sandra Monteiro em Le Monde Diplomatique (ed. portuguesa) deste mês.

«Multiplicam-se os discursos do governo e de Belém sobre a chegada do tempo do investimento, do crescimento, de super-créditos fiscais e da preparação do pós-Troika. Mas nem os que apostam nesta retórica conseguem disfarçar o quanto ela está desligada da realidade e se destina apenas a manipular percepções e a prosseguir um plano que a maioria dos portugueses contesta. Na vida real, o que se impõe é a crescente dificuldade de sobreviver, de pagar as contas, de ter esperança de ver chegar um novo governo que corte verdadeiramente com as políticas de austeridade e afaste os seus protagonistas.

O novo plano de cortes na despesa pública que o Orçamento Rectificativo para 2013 traduz não podia ser mais claro na separação entre a ficção anestesiante dos discursos e a realidade angustiante das práticas governativas. Depois de dois anos sob dependência do empréstimo da Troika – Fundo Monetário Internacional (FMI), Banco Central Europeu e Comissão Europeia – e de políticas de empobrecimento em benefício do sistema financeiro e dos grandes interesses privados, todos os indicadores mostram que, para a maioria, tudo está a piorar de forma acelerada: o desemprego atingiu já os 17,7% e continuará a subir; o défice no primeiro trimestre atingiu os 8%, tornando pouco credíveis as metas estabelecidas pelo governo para 2013; no mesmo trimestre, a recessão chegou já aos 4%; e a dívida pública em 2014 deverá superar 132% do produto interno bruto (PIB), bem acima dos valores que o próprio FMI considera economicamente sustentáveis ou reembolsáveis. (...)

Ainda assim, com uma população exaurida, o executivo de Pedro Passos Coelho aproveita para impor ao país sucessivos cortes austeritários, através de mais uma brutal redução da despesa pública. A engenharia social em curso mantém os seus traços identitários: reduzir o rendimento disponível das famílias, degradar as condições de trabalho, aumentar a pobreza e a exploração, tornar a precariedade e o desemprego fenómenos estruturais, degradar os serviços públicos e as funções sociais do Estado para desenvolver negócios privados e transformar em profecia auto-realizada o sonho neoliberal do Estado como ineficiente e incapaz de satisfazer as necessidades dos cidadãos que o pagam. Esta transferência maciça de recursos é bem ilustrada pela comparação dos anunciados cortes de 4 mil milhões de euros no Estado social com as perdas infligidas às empresas públicas com os ruinosos contratos financeiros derivados SWAP, que já ultrapassam os 3 mil milhões de euros. Este orçamento rectificativo – quantos mais haverá este ano? – não traz novidade quanto ao projecto ideológico que o sustenta, mas ameaça ser responsável por duas alterações qualitativas que podem ter efeitos cumulativos destruidores da sociedade e da economia portuguesas. Em primeiro lugar, porque os cortes na despesa pública têm efeitos ainda mais recessivos, por acelerarem a diminuição da procura interna, os despedimentos e as falências, a quebra de receitas fiscais e da Segurança Social, o aumento das despesas com prestações sociais, etc. Em segundo lugar, porque a mais recente redução das despesas está quase toda concentrada em três áreas: despedimentos na função pública, diminuições das pensões de reforma e cortes nos subsistemas de saúde e educação. (...)

Antes que a sociedade se convença de que o «Estado democrático» é dispensável, que só tira e não dá nada em troca, é altura de pensarmos que a austeridade não é um mero somatório de medidas avulsas; ela actua sobre este ecossistema que nos liga a todos e está a destruir toda a sociedade. Até ao dia em que surgirem medidas que façam os ricos perder o sono, a nossa pergunta perante cada escalada austeritária tem de deixar de ser «isto afecta-me?» e passar a ser «o que fazer para isto não nos afectar?». Dia 27 de Junho há Greve Geral.» 

Na íntegra AQUI.
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Desde que os chineses compraram a EDP...


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Cavaco e a agricultura



«E se este ano o pessimismo morresse na árvore como a alfarroba? E se a esperança fosse copiosa como a chuva? E se a memória se replantasse? E o povo fosse de aquacultura, para nascer rindo e viver como o girassol, sempre seguindo o seu rei? Estaria então a economia crescendo, o desemprego caindo, a agricultura prosperando? Não. Aceitemos a nossa condição para melhorá-la. Negá-la, não. (...)

O Presidente fez bem em enaltecer a agricultura. Depois fez quase tudo mal. Quem ouvisse Cavaco atacar os pessimistas lembrar-se-ia de Sócrates criticar os bota-abaixistas. O discurso é o mesmo. O curso, infelizmente, também. É verdade que há esperança na Agricultura. Mas dificilmente nela há a esperança do país. Dizê-lo não é mau feitio. É reconhecer o mal que foi feito.

A agricultura foi morta em Portugal. Morta pela Política Agrícola Comum, a que nos vendemos, abandonando o cultivo em troca de subsídios que malbaratámos, numa vergonhosa sanha novo-rica de corrupção e esbanjamento. Lucro privado consentido pelo Estado. Não é justo que Cavaco compare o que somos com o que éramos, criticando o saudosismo (a mesma palavra que se usava há cem anos contra os críticos da elite da Primeira República). Portugal era um país rural pobre. Tornou-se um país urbano falido. Compare-se o que éramos com o que podíamos ter sido. Esse é o exercício exigível. (...)

Todos os empreendedores que nascem na Agricultura merecerão estátuas nas suas casas e alguns nas nossas. Há projectos incríveis na vinha, no olival, na fruta, há a floresta, a pasta e papel, a cortiça. Sim, há muito valor na agricultura. Mas ele não cai das árvores. Pelo contrário, ele levanta-se do chão, a política europeia derrubou-o. Os portugueses limitaram-se a aceitar o jogo. A agricultura era coisa retrógrada. Se passar a ser vanguarda, será apenas moda.»  

Pedro Santos Guerreiro

(O link pode só funcionar mais tarde.)
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10.6.13

As Cidades e as Praças (50)






Praça da Catalunha (Barcelona, 2013)

(Para ver toda a série «As Cidades e as Praças», clicar na etiqueta «PRAÇAS».)
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Descubra as diferenças



Os caminhos sempre foram «nada fáceis»...

«Neste dia de cada ano, mais ainda do em qualquer outro, é dever do Chefe de Estado lembrar a todos os portugueses os riscos que normalmente resultam de egocentrismos que não aglutinam vontades, nem engrandecem os homens. A cada um de nós cabe despojar-se de vaidades que, na verdade, não são mais do que ilusões efémeras; evitar egoísmos que não prestigiam, nem criam ambientes saudáveis; arredar preconceitos, desconfianças, incompreensões, ressentimentos e obstinações, sempre inconvenientes para o estabelecimento de concórdia que tem de existir entre os portugueses. Enfim, é meu dever procurar afastar do caminho nada fácil por onde temos de seguir tudo quanto possa enfraquecer o esforço geral indispensável ao engrandecimento constante, harmónico e rápido do Espaço Português, em toda a sua imensa e sagrada dimensão.»
Américo Thomaz, 10 de Junho de 1971

Aqui, algumas grandes pérolas:


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Esquerda é como um homem quiser



Em artigo de opinião no DN, Paulo Baldaia fala sobre a Esquerda (na qual se inclui), alinha uma série de banalidades e faz afirmações extraordinárias. Exemplos? Podia escolher vários, mas ficam apenas estes:

«A Esquerda é um espaço de solidariedade, é uma crença de que o que importa é o bem-estar de todo o povo, mesmo que isso seja conseguido por governos de Direita. É mais racional e, por isso, não deve promover crises políticas que acrescentam dificuldades à crise económica e social, sem ter garantida uma verdadeira alternativa.»

E sobretudo:
«A Esquerda acolhe homens e mulheres de bem, gente disponível para dar sem pedir nada em troca.»
E eu que sempre pensei que ser gente de bem não era apanágio da esquerda e que iria jurar que até conheço pessoas generosas que são de direita! Sempre a aprender. 
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Memória do 10 de Junho



Assinala-se hoje o dia em que Camões foi transladado para o Mosteiro dos Jerónimos, em 1880. Feriado nacional desde os anos vinte do século passado, a data ganhou um novo significado em 1944, quando Salazar a rebaptizou como «Festa de Camões e da Raça». Fê-lo por ocasião da inauguração do Estádio Nacional, que ocorreu com grande pompa, em cerimónias a que terão assistido mais de 60.000 pessoas e que foram filmadas por António Lopes Ribeiro (vídeos aqui e aqui). Linguagem inequívoca: «Às cinco horas, chegou o chefe: Salazar. Salazar, campeão da pátria, era o atleta número um, naquela festa de campeões.»

Mais graves, e bem mais trágicos, passaram a ser os 10 de Junho a partir de 1963. Transformados em homenagem às Forças Armadas envolvidas na guerra colonial, eram a data escolhida para distribuição de condecorações, muitas vezes na pessoa de familiares de soldados mortos em combate (fotos reais no topo deste post).

Desde 1978 que não é Dia da Raça e, para além de Portugal e de Camões, passou a festejar-se também as Comunidades Portuguesas. Mas continua-se a distribuir condecorações – outras, por motivos diferentes e eventualmente louváveis, mas que parecem cada vez mais anacrónicos e sem sentido. E, no mínimo, talvez fosse possível escolher outro data para o efeito, já que, pelo menos no que me diz respeito, sou incapaz de não associar qualquer distribuição de medalhas neste dia às trágicas imagens do Terreiro do Paço, em tempo da guerra colonial.

Porque era assim:


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9.6.13

Entretanto em Atenas




A delegação portuguesa ao Alter Summit.
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Andam todos um pouco nervosos



Em visita ao Japão, François Hollande terá afirmado que «a crise na zona euro terminou» (só contaram para ele...). Talvez espantado com a sua própria convicção, distraiu-se e confundiu chineses com japoneses, o que não é a gafe mais feliz que se possa cometer em Tóquio.



Consolemo-nos, pois: não é só o nosso bem amado presidente que é campeão de lapsos quando se dirige aos «cidadões» ou diz que não «façará» declarações. 
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Mais vale rir



Passos Coelho convida Anthímio de Azevedo, conhecido e mediático meteorologista, para integrar a equipa de Vitor Gaspar, no Ministério das Finanças, como secretário de estado das Previsões Económicas. 
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Funcionários públicos e não só



Na sua crónica semanal no Público de ontem -“Eles” (os funcionários públicos) são uma parte de “nós”-, José Pacheco Pereira retoma alguns dos seus temas recorrentes, em termos que, na minha opinião, merecem realce.

Alguns excertos e o texto na íntegra.

«O que se passa na actual ofensiva do Governo contra a função pública está muito para além da condição de se ser “funcionário público”. O discurso do Governo — mais uma vez um discurso de divisão entre os portugueses, a que chamei e chamo “guerra civil” — pretende legitimar as suas acções como tendo a ver com aquilo que apresenta como “privilégios” dessa condição profissional. (...)

Este discurso colhe, porque as sementes da cizânia pegam sempre em momentos de empobrecimento, em que a mais fácil das cegueiras é olhar para o lado e ver que o vizinho tem mais uns tostões do que eu e ficar fixado nessa socialização da inveja entre os de baixo, muito próximos em condição e dificuldades, em vez de olhar para outro lado, para o lado de onde vem a minha miséria e a do meu vizinho. Para o lado de cima. (...)

Tudo isto nos diz respeito, funcionários ou trabalhadores do sector privado, porque ninguém tenha dúvidas de que se o Governo pudesse fazer a todos os trabalhadores portugueses o mesmo que está a fazer aos funcionários públicos, fá-lo-ia sem hesitar. Se, por despacho ou lei ordinária, em muitos casos sem sequer ir à Assembleia da República, fosse possível aumentar o horário de trabalho, permitir despedimentos discricionários por decisão unilateral do patrão ou do capataz, individuais e colectivos, sem qualquer enquadramento legal que proteja a parte mais fraca, nem simulacros de leis laborais seriam precisas.

E tudo isto nos diz respeito, porque é o medo o lubrificante do discurso de guerra civil do Governo. Sim, o medo das pessoas normais, que sabem que ninguém as defende, que não confiam na força dos sindicatos, que sabem que o silêncio cúmplice de Seguro não destoa dos actos de Passos Coelho, que sabem que se escorregarem ainda mais no plano inclinado da pobreza, cujo grande salto é o despedimento, terão uma vida infernal, difícil e envergonhada. E por isso hesitam, temem, retraem-se, têm a ilusão de que podem passar despercebidos ao olhar do chefe que vai escolher quem vai para a “mobilidade especial”, ou para a “requalificação”, ou seja, quem vai ser despedido.

A razão pela qual o povo português parece ser mais “paciente” resulta muito simplesmente de que muitos têm medo de perder ainda mais do que o que já estão a perder. E como o discurso da divisão deixa cada um sozinho na sua fábrica, na sua escola, na sua repartição, o medo ainda é eficaz. Mas o medo é destrutivo da sociedade e da democracia, e dá saída apenas para o desespero, o momento em que as pessoas percebem que já não há mais a perder. E nessa altura o seu desespero não se verá em manifestações da CGTP ou dos "indignados".

Uma das razões por que prefiro mesmo o desconhecido e o arriscado á situação presente, como sejam eleições antecipadas sem grandes expectativas, é que prefiro um tumulto que abra o espaço político a uma situação nova, à continuidade de uma governação que é uma forma muito pior de tumulto, é a destruição de um país em que a condição de se ser português não significa nada, porque já não existem laços comunitários em que nos reconheçamos.» (O realce é meu.)

Na íntegra AQUI.
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