20.11.21

As ruas

 


Como era linda a Rua Braamcamp! Lisboa,1950.
Fotografia de Judah Benoliel- AML
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Quando os governos faziam greve

 


Na madrugada de 20 de Novembro de 1975 a Presidência do Conselho de Ministros emitiu um comunicado explicando que o VI Governo Provisório tinha decidido «suspender o exercício da sua actividade», até estarem garantidas condições para o exercício da mesma.

À tarde teve lugar uma grande manifestação em Belém, com muitos milhares de participantes, convocada pelas Comissões de Trabalhadores da Cintura Industrial de Lisboa e apoiada pela Intersindical, PCP e FUR.

Mais informação e um vídeo AQUI, num post de 2013.
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Lisboa das alforrecas

 


Mas que ideia peregrina foi esta de festejar o Natal de Lisboa com alforrecas?
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Líderes “olhem para o que eu faço e não para o que eu digo” precisam-se

 


«No dia 24 de setembro, Mia Amor Mottley, a primeira-ministra dos Barbados, proferiu um discurso notável nas Nações Unidas. Com palavras fortes, questionou todos, incluindo ela própria, sobre até quando, ou quantas mais vezes, se iam encontrar para proferir os discursos de sempre, com mensagens mais ou menos relevantes, mas sem qualquer consequência ou qualquer ação concreta e eficaz.

O discurso da senhora Mottley não se focava num assunto em particular, mas numa panóplia de assuntos de que todos já ouvimos falar vezes sem conta, mas relativamente aos quais nunca vemos nada de facto a acontecer. Entre as muitas perguntas feitas por Mottley saliento duas a título de exemplo, mas aconselho a todos que as oiçam na íntegra: “Quantas mais mortes terão que existir ou mais variantes terão de surgir para que haja um plano concertado de vacinação global no mundo, em vez de um armazenamento de vacinas em excesso pelos países mais desenvolvidos?” ou “Quantos graus terão que subir na temperatura global do nosso planeta para que acabemos com os combustíveis fósseis?”

Depois das muitas perguntas elencadas, a resposta não se fez esperar, e essa é sem dúvida um dos vários pontos altos do exercício feito por Mia Amor Mottley. “Nós temos os meios para providenciar vacinas para todos os adultos do planeta, nós temos os meios para investir de forma a proteger as populações mais vulneráveis do globo das alterações climáticas, mas escolhemos não o fazer.” Ou seja, por outras palavras e para que fique bem claro, nós proferimos discursos em que nos mostramos preocupados com os mais diversos problemas, criamos cimeiras ad nauseam para fazermos crer que estamos mesmo muito preocupados com essas questões em concreto, mas no momento da ação escolhemos nada fazer, ou pior ainda, fazer muito poucochinho para nos convencermos de que fazemos o melhor possível. Dessa forma, vivemos num permanente “olhem para o que eu digo, não olhem para o que eu faço”, um constante clima de hipocrisia.

Esta forma de estar, esta escolha de muito dizer mas nada fazer, é feita pelos nossos líderes, por aqueles que nós escolhemos para nos representarem, mas que vivem numa constante atitude de duplicidade. E isto foi terrivelmente visível na recente cimeira do clima COP26. Desde 1995, em Berlim, que se realizam anualmente estas cimeiras porque, há mais de duas décadas que estamos cientes de que temos um problema grave, muito grave mesmo, provavelmente o maior e o mais urgente problema que alguma vez enfrentámos como Humanidade. Também sabemos e é frequentemente afirmado nos mais diversos discursos, que o problema cresce a olhos vistos a cada dia que passa, e que muito pouco se faz para o resolver. E, no entanto, tivemos líderes que se reuniram para esta cimeira sem ter em atenção as suas ações individuais, a usar formas de transporte altamente poluentes, a participar em refeições com enorme desperdício. Mas, acima de tudo, tivemos líderes que se dão por satisfeitos com um consenso que resulta apenas numa ação tão ínfima que nos devia envergonhar a todos.

Mais uma vez, nas palavras da senhora Mottley, “precisamos de liderança global, porque os nossos problemas são globais, moral, porque temos de fazer o correto, e estratégica, porque não podemos resolver todos os problemas do mundo, mas devemos resolver aqueles dentro do nosso alcance imediatamente”. Eu acrescento: precisamos de líderes que liderem pelo exemplo e que ajam de acordo com as suas palavras. E para isso, pelo menos nos países onde a democracia prevalece, devemos exigir compromissos firmes dos nossos líderes, penalizando nas urnas os que dizem muito, mas pouco ou nada fazem!»

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19.11.21

A batata

 


Da série «O ciclo da batata», Lisboa, anos 50.
Fotografia de Artur Pastor.
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Dois anos sem José Mário Branco

 

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PSD e PS no labirinto eleitoral

 


«Eis a avenida pela qual Marcelo pode sair vitorioso destas eleições antecipadas. Com um Parlamento que tivesse quase a mesma composição do atual, seria o primeiro Presidente a não ver confirmada pelo povo a necessidade de lhe devolver a palavra, entregando-lhe de volta um novo quadro político. Mas aparecem cada vez mais vozes no PSD e no PS a defender uma outra interpretação de uma eventual repetição de resultados eleitorais, defendendo a tese da viabilização recíproca entre PS e PSD, que o próprio Marcelo inscreveu na fundamentação da necessidade de dissolução.

Falta saber se o autor da ideia de geringonça, António Costa, se converte agora à tese de bloco central implícito, que também já defendeu no passado, que viabilizou os governos de Guterres e que expressamente arredou na escolha por não viabilizar um governo do PSD e na busca de uma maioria à esquerda.

Pode, pois, o povo votar da mesma maneira em janeiro e acordar com um governo diferente. A única garantia de que isso não aconteceria seria a clarificação por António Costa de que entenderia a manutenção da relação de forças como um voto na solução de governo ancorado à esquerda. Uma garantia que António Costa não quis dar na entrevista a António José Teixeirana RTP. Uma questão que a campanha eleitoral esclarecerá.»

Paulo Pedroso no Facebook
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Uma Europa para além do arame farpado

 


«A confrontação que está a ocorrer na fronteira entre a Bielorrússia e a Polónia é preocupante, mas não pode ser analisada a preto e branco. É uma crise complexa, que levanta toda uma série de questões. Estamos perante problemas humanitários, migratórios, securitários, geopolíticos, éticos, ou seja, face a uma constelação de desafios que precisam de ser debatidos de modo sereno, frontal e completo.

Como pano de fundo, temos duas grandes problemáticas. A primeira é sobre a democracia. A segunda centra-se na pobreza extrema, num mundo profundamente desigual e que os conflitos, a pandemia e as mudanças climáticas tornam ainda mais dissemelhante e fraturado.

Mas, antes de tudo, é preciso pensar nas pessoas que estão agora encurraladas na terra-de-ninguém, entre o arame farpado polaco e as matracas das unidades especiais bielorrussas. Não se sabe quantos milhares são - as estimativas não são fiáveis. Sabe-se, porém, que incluem gente frágil, muitas crianças, e que passam fome e frio, e sofrem humilhações e violências constantes. São, além disso, alvos permanentes de notícias falsas que os agentes bielorrussos fazem constantemente circular, de modo a manter vivas as ilusões dos migrantes.

Alexander Lukashenko, o senhor da Bielorrússia, está claramente a aproveitar-se da miséria de certos povos. Mas o nosso lado não pode ficar indiferente perante o sofrimento de quem se deixou manipular, gente que vive em contextos tão complicados que qualquer promessa, por mais irrealista que possa ser, traz sempre um fio de esperança. E que lança massas de pessoas nos caminhos minados das migrações ilegais.

A fronteira com a Bielorrússia separa o espaço europeu de um regime autocrático, em que vale tudo o que possa manter o ditador no poder. Lukashenko é hoje a nossa preocupação mais imediata, mas não é caso único na vizinhança. Se olharmos à nossa volta, e nos fixarmos em quem representa uma ameaça potencial ou real mais próxima, temos um ramalhete que inclui igualmente os líderes da Rússia e da Turquia. Não quero acrescentar a esta lista alguns políticos marroquinos, mas recomendaria que se não perdesse de vista esse nosso vizinho do norte de África, que já mostrou que sabe utilizar as migrações massivas como arma de arremesso político.

É verdade que também temos, no interior da UE, quem desestabilize a construção europeia. Mas isso é matéria para uma outra reflexão.

Falemos agora de democracia. A UE precisa de formular uma doutrina que defina como se deve relacionar com vizinhos não democráticos, sobretudo quando surgem situações de hostilidade aberta, como agora acontece. No quadro atual, fica-se com o sentimento de que as democracias tendem a perder perante os Estados fora-da-lei. É, por isso, necessário fixar com clareza qual deve ser a resposta adequada às agressões de natureza híbrida, levadas a cabo à tangente da linha vermelha dos conflitos armados entre Estados, sem, todavia, a ultrapassar. Um primeiro passo deverá consistir numa resposta firme e inequívoca. Inclui a adoção de sanções de modo mais célere, multifacetado e mais centrado nas personagens que contam. Um outro meio será o de fazer um maior uso do sistema multilateral. Isso permitirá levar para a agenda internacional ações como a que Lukashenko mandou executar, à custa do desespero dos curdos do Iraque, dos sírios e de outros povos do Médio Oriente.

Quanto às disparidades que existem entre uma Europa rica e toda uma série de países pobres, o efeito de atração é inevitável. As migrações em massa do sul para o norte serão um dos fenómenos mais marcantes desta e das décadas seguintes. A UE não pode fingir que não vê a tendência. É inaceitável deixar uma matéria dessa importância ao critério de cada Estado membro. A questão deve ser tratada em comum. E o assunto tem de se tornar numa das principais linhas de debate da Conferência sobre o Futuro da Europa. É aliás tempo de dizer aos cidadãos que essa conferência está a decorrer e fazer que estes nela participem.»

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18.11.21

Era tão bom, não era

 

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Oposição católica ao Estado Novo

 


Há três dias, tive uma conversa conduzida por Fernando Rosas e Mariana Carneiro sobre este tema. Recordei a oposição dos católicos à ditadura, não só mas sobretudo desde o início dos anos 60 do século passado, a actividade intensa que foi desenvolvida no âmbito das múltiplas organizações e publicações que se interligavam e agiam em diversas plataformas: legais, semilegais e clandestinas. Embora a conversa tenha sido longa muito ficou por dizer, mas os eventuais interessados podem ouvi-la AQUI.
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Seriam 78

 

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Quem quer ser professor?

 


«O estudo que o Ministério da Educação apresentou nesta quarta-feira é um murro no estômago: em dez anos, 39% dos professores vão reformar-se. Precisaremos de mais de 34 mil profissionais, no mínimo, até ao ano lectivo 2030/31, já contando que também haverá uma redução do número de alunos nas escolas, fruto da quebra de natalidade dos últimos anos. No ensino pré-escolar, o cenário é tão grave quanto isto: seis em cada dez educadores actualmente no activo estarão aposentados em 2030.

Se causa indignação que nesta altura do ano, dois meses depois do arranque das aulas, ainda haja alunos sem professor, o cenário traçado por uma equipa de investigadores da Nova SBE, em parceria com a Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência, é este: se nada for feito, não só faltarão cada vez mais docentes como não está garantida a qualidade dos mesmos.

Como aqui escrevemos recentemente, este é o maior problema da Educação. Na apresentação do estudo, percebeu-se que o plano para o atacar passa essencialmente por alargar a base de recrutamento. Como são cada vez menos os jovens a escolher estudar especificamente para vir a dar aulas, vai ser revista a lista de cursos que conferem habilitação própria para a docência. Vão também rever-se as regras para que diplomados de outras áreas, que não as do ensino, se possam converter mais rapidamente em professores profissionalizados.

É um caminho possível — seguramente dará origem a debate nos próximos tempos, porque há quem entenda que há riscos de se baixar a fasquia da qualidade —, e está em linha com as soluções que estão a ser encontradas noutros países europeus. Mas para atrair diplomados de outras áreas é preciso muito mais.

É preciso que a profissão seja atractiva. Que quem está nas escolas não seja esmagado pela burocracia e pelo cansaço e se sinta valorizado. É preciso que haja condições efectivas para ensinar, nomeadamente em zonas mais desfavorecidas e com mais problemas sociais. E que se combata a indisciplina. E se dê liberdade às escolas para construir projectos aliciantes. Por fim, face à dimensão da escassez que já existe em certas regiões, são precisos incentivos para fixar docentes em alguns locais (como existem para os médicos).

Se isto não for feito, e no plano apresentado não se vislumbram essas medidas, corremos o risco de o número de interessados em seguir esta carreira, mesmo provenientes de outras áreas de formação, não ser suficiente para suprir de forma sustentada as necessidades futuras.»

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17.11.21

O peixe de Lisboa

 


Cais do Sodré, Ribeira, Lisboa, anos 60/70.
Fotografia de Artur Pastor.
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Horário do fim

 

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Da série «Grandes títulos, enormes baralhadas»

 


«O presidente do PSD e recandidato sugeriu esta terça-feira que Paulo Rangel tem "uma visão próxima de PCP e BE" ao defender uma "subida significativa do Salário Mínimo Nacional", contrapondo que o essencial é aumentar o salário médio.»
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Se Costa e Rio têm solução para um impasse a quem interessou esta crise?



 

«Grande parte das análises a esta crise já estavam feitas antes da própria crise. Só esperavam o momento certo para desabrochar. Por isso, poucos ligaram a uma coincidência extraordinária: António Costa e Rui Rio, atuais líderes do PS e do PSD, não afastam a possibilidade de viabilizar um governo do opositor em circunstâncias semelhantes a esta. Rio di-lo expressamente, Costa insinua-o de forma quase explícita. Ou, pelo menos, ao contrário de Costa em 2020 e Rangel agora, não defendem que isso está interdito aos seus partidos.

A narrativa da inevitabilidade da crise, pondo toda a responsabilidade por ela em dois partidos mais pequenos que desde 2019 não têm qualquer compromisso com o Partido Socialista (por escolha do próprio António Costa), foi alimentada pelo primeiro-ministro e pelo Presidente da República. E fez um caminho tão sólido que ninguém se perguntou: se em iguais circunstâncias os atuais líderes dos dois principais partidos estão disponíveis para impedir um impasse, porque não o fizeram agora? O que de tão importante os impedia de nos levar a umas eleições que ambos consideram nocivas para o país?

A única diferença parece ser tão fútil como esta: António Costa tinha dito, em 2020, que não podia governar com o apoio do PSD. Ninguém o exigiu, o PSD não se pôs de fora, o BE e o PCP não tinham qualquer acordo com o PS que o impedisse. Costa disse-o porque quis dizê-lo. Porque, para fazer o cerco aos dois partidos à sua esquerda, lhe interessava dizê-lo. O PSD agradeceu, claro. Tirou todo o peso de cima dele. A partir de 2022 já pode? Porquê? Costa disse que não tinha mandato para tal. O PSD até podia não ter mandato para apoiar o PS. No limite, e com esforço, o BE e o PCP podiam não ter mandato para deixar de apoiar o PS. Mas esses eram mandatos desses partidos, não do PS. Costa não está ou deixa de estar mandatado para determinar o apoio de terceiros.

Não havendo acordos formais à esquerda (acabaram em 2019), o que Costa nos diz é que o seu mandato era ser apoiado pelo BE e pelo PCP, e que não tinha sido mandatado para ver o seu Orçamento viabilizado pelo PSD. Respeitar o mandato recebido dos eleitores correspondia, para Costa, a impor que os outros o continuassem a apoiar, não era ele próprio assumir compromissos com esses partidos. Ou seja, o seu mandato correspondia a deveres dos outros, não a seus. Imagino que essa foi a conveniente conclusão que tirou do reforço do resultado do PS, em 2019.

Além de absurdo, o argumento é falso. Se a questão era Costa estar mandatado para repetir a “geringonça”, violou esse mandato quando recusou um acordo de legislatura, porque esse foi um elemento central dos quatro anos anteriores. O mandato da “geringonça” nunca foi, nem nesses quatro anos, viabilizar orçamentos. Foi um conjunto de compromissos comuns. E se o mandato o impedia de negociar com o PSD (e obviamente não impedia), também o violou várias vezes nesta legislatura. Até para travar propostas do BE e do PCP.

O que fica claro é que António Costa e Rui Rio tinham, neste momento, todas as condições para impedir uma crise, já que se comprometem a, com as mesmíssimas condições e lideranças, impedir um impasse destes depois de 30 de janeiro. Se há solução para estas circunstâncias com os mesmos protagonistas e eles até o dizem, porque não foi tentada, pelo menos negociada, para impedir esta crise? Só pode haver uma resposta: a crise e as eleições agora interessavam a alguém. Basta olhar para as sondagens para perceber a quem seguramente não interessavam e a quem podiam interessar. Se seguirem esse rasto, a propaganda fica mais difícil de fazer. Costa e Rio explicam quando falam de cenários futuros que a crise presente tinha solução.

Se era evitável e aconteceu, é porque é útil a alguém. E não é difícil perceber a quem. Talvez Rio tivesse pressa para não ser apeado. Talvez Costa tivesse pressa para secar a sua esquerda e tentar a maioria absoluta. Isto já são conjeturas. Que a solução existia, é um facto que os dois não negam quando nos falam do futuro.»

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16.11.21

Mercearias

 


Lisboa, década de 50.
Fotografia de Artur Pastor.
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A notícia que corre mundo

 


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Os negacionistas da igualdade de género

 

«Recusar que os filhos tenham aulas de Cidadania é um pouco como impedir que os descendentes recebam uma transfusão de sangue por motivos religiosos. Não discutir a igualdade de género nas escolas é retrógrado. É uma imposição política.

Vamos por partes. O que se ensina na disciplina de Cidadania, que tem estado sob fogo após um encarregado de educação não ter autorizado os filhos a participarem naquelas aulas? Direitos humanos, igualdade de género, interculturalidade, desenvolvimento sustentável, educação ambiental e saúde estão entre os assuntos obrigatórios. Acrescem temáticas como sexualidade, media, instituições e participação democrática, literacia financeira e educação para o consumo, risco e segurança rodoviária. Há ainda um terceiro bloco de tópicos que abordam áreas como empreendedorismo, mundo do trabalho, defesa e paz, bem-estar animal e voluntariado.

Onde está a polémica? Na educação sexual e na igualdade do género, claro. Entendem os pais, e os que são contra a disciplina de Cidadania, que estes temas não devem ser abordados na escola, mas sim no seio da família. Talvez tenham razão, mas só os que defendem que as meninas não devem ir à escola, porque é entre a família que desenvolvem as suas competências.»

Manuel Molinos
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A maioria absoluta ou o país?

 


«Vale a pena lembrar o que disse António Costa na noite das eleições de 2019. Declarava o líder do PS que "os portugueses gostaram da geringonça", que queriam a continuação desta solução política e que era dever do Governo contribuir para essa estabilidade. António Costa tinha razão sobre estes compromissos. E esqueceu-os logo a seguir.

Ao rejeitar um acordo escrito com o Bloco, António Costa anunciou uma escolha: o país seria governado à vista, com acordos pontuais e convergências momentâneas. Esta escolha foi também uma revelação: o PS dispensava a esquerda na sua governação. O problema é que a essência da geringonça era precisamente a disponibilidade para entendimentos à esquerda em áreas cruciais para a vida do país.

Se em 2015 António Costa foi forçado pelas circunstâncias a um acordo com a esquerda, a partir de 2019 limitou-se a invocar a memória de uma solução passada para exigir a Bloco e PCP que aprovassem os orçamentos. Enquanto isso, o PS juntava-se à direita para chumbar as propostas destes dois partidos sobre o trabalho, os serviços públicos ou a política fiscal. Onde a esquerda queria compromissos estruturais, António Costa preferiu uma política de remendos.

A escolha de António Costa em 2019 só trouxe instabilidade ao país. As repetidas ameaças de crise política - fosse por causa da carreira dos professores, do IVA da eletricidade ou do pagamento ao Novo Banco sem a realização de uma auditoria - enviesaram o debate público e criaram divisões artificiais na sociedade. É essa necessidade de criar divergências artificiais que leva o PS a descredibilizar propostas justas e sensatas, por vezes com recurso a argumentos falsos. Veja-se o que aconteceu no debate sobre a eliminação do corte de sustentabilidade, ou seja, a dupla penalização para quem se reforma com mais de 60 anos de vida e 40 de descontos.

A falta de poder de compra resolve-se com salário, e não com Ivauchers; assim como a degradação do SNS se resolve com carreiras dignas, e não com a duplicação do pagamento a partir 500.ª hora extraordinária. Não se combate a direita com escolhas que a direita aprovaria, e que são incapazes de oferecer um horizonte de esperança à população. É no pântano que a direita, e sobretudo a extrema-direita, se movem. E, ao abrir a porta ao bloco central, António Costa apenas contribui para esse pântano. E tudo para quê? Para poder dizer ao país que a única resposta é uma maioria absoluta do PS? Mas o que ganhou o país com essa ideia que desde 2019 determina as escolhas do primeiro-ministro?

Perante uma direita sem qualquer perspetiva sobre o país (e até sem qualquer perspetiva sobre a direita), a quem só resta explorar as trevas do ódio social e surfar o legítimo descontentamento daqueles para quem o salário não chega ao fim do mês, a esquerda tem a gigantesca responsabilidade de apresentar soluções. O país já disse a António Costa que não deseja uma maioria absoluta do PS e que gostou da geringonça. Resta saber se desta vez o Partido Socialista quer finalmente começar a ouvir o país.»

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15.11.21

Jardins

 


Jardim do Torel, Lisboa, anos 50/60.
Fotografia de Artur Pastor.
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15.11.1969 - «Give Peace a Chance»

 



Há 52 anos, teve lugar «Moratorium March on Washington», considerado o maior protesto anti-guerra da história dos Estados Unidos, contra o conflito que então tinha lugar no Vietname: uma manifestação quase totalmente pacífica de meio milhão de pessoas, que se integrou num vasto movimento que percorreu a América, de S. Francisco a Boston, e não só. Apesar disso e como é sabido, a guerra em questão iria durar ainda quase seis anos, até 30 de Abril de 1975. 


Mais informação no blogue e dois vídeos, NESTE POST do ano passado.
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RAP e Mariana Mortágua

 


SIC, 14.11.2021
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De pernas para o ar

 



«De tão habituados que estamos, em resultado de anos e anos de garrote nos salários e quase estagnação económica, temos dificuldade em conceber uma outra economia em que seja difícil comprar.

Até há bem pouco tempo foi difícil vender: as empresas não conseguiam vender nos mercados externo e interno os bens e serviços por elas produzidos; os trabalhadores não vendiam as suas capacidades, a sua força de trabalho, nos chamados mercados de trabalho. Em linguagem da economia foram tempos de escassez da procura.

É verdade que aquele cenário ainda não desapareceu totalmente e estamos num contexto de imensas contradições, mas agora há sinais estranhos que configuram escassez da oferta. Parece termos entrado num tempo em que é difícil comprar. Muitas empresas sentem dificuldade em comprar matérias-primas e outros materiais e em contratar trabalhadores dispostos a aceitar o salário e as condições de trabalho por elas oferecidos. Também muitos trabalhadores, enquanto consumidores, se deparam com ocasionais dificuldades em encontrar bens ou até quem lhes preste pequenos serviços de reparações e outros nas suas casas.

As explicações para a dificuldade de comprar são diversas. Conhecemos bem duas delas: trabalhadores portugueses, em particular jovens, procuram salários decentes no estrangeiro, logo escasseiam em Portugal em diversos setores, desde a construção civil à saúde; há cadeias de abastecimento que se rompem em consequência da pandemia e de políticas de gestão que procuram reduzir os stocks a zero, tornando o fluxo de matérias-primas, de materiais e produtos finais vulnerável face a qualquer perturbação.

Uma terceira causa começa agora a tornar-se visível: empresas portuguesas, nomeadamente da construção civil, respondem à procura que abunda na Europa em detrimento da que existe em Portugal. Para esse efeito, deslocam os seus trabalhadores para o estrangeiro em vaivém semanal, semelhante ao anteriormente praticado em território nacional. Do ponto de vista estatístico estes trabalhadores não são emigrantes: continuam a contar como residentes no território nacional, tanto como os CEO contavam no tempo em que se deslocavam dia sim dia não em jatinhos por esse mundo fora. Os trabalhadores que se deslocam contam estatisticamente para o emprego em Portugal. Todavia, não é em Portugal que trabalham e não é aqui que criam riqueza.

Só à luz destas novas tendências é possível compreender que, numa economia que se mantém abaixo do nível de 2019, exista menos desemprego. Quem celebra como um sucesso os dados estatísticos do desemprego recentemente divulgados, entende muito pouco do que se está a passar em Portugal, na Europa e no Mundo.

A desvalorização salarial praticada ao longo de décadas é uma grande causa do bloqueio da economia portuguesa. No entanto, empresários que se queixam da falta de trabalhadores persistem nos baixos salários e na defesa de um perfil da economia condenado. Na tentativa de nos iludirem quanto aos salários que estão a oferecer, é comum referirem-se a valores brutos acrescidos da comparticipação patronal para a segurança social. O truque não ilude a realidade, mostra apenas que também se preparam para clamar pela descida da taxa social única.

Uma economia de pernas para o ar custa-lhe a produzir e a crescer, mesmo quando existe procura e recursos disponíveis para o investimento e para o consumo.»

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14.11.21

Caro deputado dos PSD

 


Não me parece que deva temer esse risco em função dos resultados das Legislativas 2022, até porque espera certamente que o próximo primeiro ministro será Paulo Rangel.

Mas se isso viesse a acontecer, não se esqueça de que há mais mundo para si bem longe de Portugal, não se vive nada mal na Tasmânia, por exemplo.

(Público, 14.11.2021)
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Teletrabalho

 

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O PS está profundamente dividido



 

«O conflito à direita, com congresso ou sem ele, e o grandioso espectáculo que PSD e CDS estão a dar em “prime time” tem escondido outra realidade: o PS que vai a eleições a 30 de Janeiro está profundamente dividido. Se tem sido discreto a mostrar essas divisões, é porque, desde o consulado Sócrates, todas as divergências estratégicas dentro do partido passaram a ser “castigadas” – veja-se o que aconteceu a Francisco Assis quando se opôs à criação da geringonça e foi praticamente ostracizado porque a linha justa, em 2015, não era essa.

Mas agora aconteceu aquilo que alguns previam e muitos desejavam. Se não tiver a maioria absoluta a que aspira, António Costa está pronto para reeditar um bloco central com outro nome qualquer ou o famoso entendimento Guterres/Marcelo, que teve alguns custos para o país, como atrasar a despenalização do aborto quase 10 anos.

Aos 29 minutos da entrevista à RTP da última segunda-feira, o primeiro-ministro abriu a porta a governar com o apoio do PSD a seguir às eleições. Quando confrontado com o que disse ao Expresso no ano passado – no dia em que estivesse dependente do PSD, o Governo caía – apressou-se a responder: “Este Governo”. Foi um momento clarificador, numa entrevista mefistofélica em que, enquanto afirmava “não querer abrir feridas” com Bloco de Esquerda e PCP, ia desancando a torto e a direito nos velhos parceiros – sem o pudor de não recorrer a falsidades, como quando afirmou que a líder do Bloco de Esquerda “diz todos os dias que é preciso tirar António Costa da liderança do PS para poder haver entendimento à esquerda” e proclamando que “quem manda no PS são os militantes do PS”. Por acaso, Catarina Martins não disse isso, mas tudo serve agora a Costa para “abrir feridas” com aqueles que lhe permitiram ser primeiro-ministro em 2015. Por muito que continue a repetir que em 2014 se apresentou às primárias do PS disposto a acabar com “o arco da governação”, restam hoje a qualquer cidadão poucas dúvidas de que a solução – se é verdade que correspondia a um anseio da maioria do Parlamento – tinha para Costa o interesse “ideológico” de transformar a derrota frente à dupla Passos/Portas numa vitória.

A entrevista foi sintomática porque revelou que António Costa só tem dois planos e meio: o primeiro e mais desejado é a maioria absoluta; o segundo é o bloco central com outro nome; o “meio plano” é “obrigar” os parceiros de esquerda, depois de devidamente humilhados nas eleições, a “reconhecerem o erro”. Ou, nas palavras mais coloridas de Costa: veremos “se é com maioria absoluta, se é obrigando o Bloco de Esquerda e o PCP a repensarem o que fizeram e a darem condições de governabilidade”.

Num texto publicado no PÚBLICO, Porfírio Silva, dirigente nacional próximo de António Costa, vice-presidente do grupo parlamentar, veio pôr água na fervura e corrigir o discurso do secretário-geral que tanto tinha festejado, na mesma entrevista, a recente adesão de Manuel Alegre à opção de “falar com o PSD”. Escreveu Porfírio Silva: “Devemos procurar esse acordo à esquerda e exigir que seja claro, para todas as partes, em que condições esse caminho será barrado, como foi agora com o chumbo do OE. Essa clareza é necessária, porque o país não pode perder mais tempo”.

Também a líder parlamentar do PS, Ana Catarina Mendes, na Circulatura do Quadrado, fez questão de afirmar que “o PS não se deve desviar de uma política à esquerda e do centro-esquerda” e ontem, em declarações ao Expresso, o secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares afirmou que sem maioria absoluta o PS espera sair reforçado das eleições “para desbloquear o diálogo à esquerda e aumentar a hipótese de governabilidade de um Governo PS”. Cordeiro tenta não abrir feridas, evitando as frases do chefe – fazer com que BE e PCP “repensem o que fizeram” –, mas fala em “desbloquear”.

Em defesa do diálogo com o PSD temos Costa, César e Alegre; do outro, dirigentes de uma nova geração. Pedro Nuno Santos tem andado calado mas fez dois exercícios coreográficos nos últimos 15 dias. No dia do chumbo do Orçamento, entrou mais cedo no plenário da Assembleia para cumprimentar os líderes e os chefes da bancada do PCP e do Bloco de Esquerda, dando uma espécie de sinal político do género “comigo não seria assim”. Dias mais tarde, antes de Costa abrir a porta ao acordo com o PSD, estava a dizer que a geringonça funciona e “não foi um parêntesis". Temos um PS profundamente dividido. O dia seguinte às eleições não vai ser bonito de se ver.»

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