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Assim que o Papa falou aos bispos portugueses em Roma, no fim da chamada visita
Ad Limina Apostolorum, os órgãos de comunicação social dispararam e usaram expressões como «reprimenda», «raspanete» e outras semelhantes. Fui ler o discurso na íntegra (versão oficial
aqui) e passei à frente.
Eis senão quando apontaram armas na mesma direcção primeiro Pacheco Pereira, no
Abrupto, depois Miguel Sousa Tavares e Vasco Pulido Valente, entre outros, e muitos, mais ou menos jocosamente, na blogosfera.
Apesar de já levar mais anos de ateia do que de católica convicta que fui, sinto-me sempre atavicamente interpelada por estas questões.
Em primeiro lugar, o que o papa disse não resultou de uma qualquer auditoria ao estado da Igreja portuguesa (tipo Tribunal de Contas ou ASAE), mas sim de uma análise que o Vaticano fez dos relatórios que os próprios bispos enviaram como preparação da visita a Roma. Ou seja: foram estes que forneceram os números e as percentagens inquietantes e a visão que têm sobre a prática religiosa no país (*). O papa tirou algumas ilações óbvias e fez considerações tão gerais que são puramente voluntaristas e não vêm alterar o que quer que seja – e ele é o primeiro a sabê-lo.
Bem mais importante: está na moda, sobretudo por parte de ateus confessadamente empedernidos, manifestar um grande apreço pela figura do actual papa. Comparativamente com o seu antecessor, é mais intelectual, melhor teólogo, não é polaco, sabe muito bem o que quer? Certamente. Mas Bento XVI não demonstra qualquer sentido de abertura da Igreja nem no plano teológico, nem no disciplinar, muito menos no da moral, que lhe confira autoridade prática para exigir que as comunidades católicas se renovem. Muito pelo contrário. E, como escreve Frei Bento Domingues hoje no Público, «...não ficaria mal aos bispos lembrar ao Santo Padre e à Cúria Romana que, embora haja muitas igrejas locais que resistem à renovação, a fonte principal dessas oposições radica no próprio Vaticano»(**). Enquanto assim for, Roma e as suas «delegações» continuarão a ver igrejas cada vez mais vazias nos países da velha cristandade e terão de se contentar com as multidões que acorrem às Covas das Irias deste mundo.
Que isto não seja visto como uma qualquer defesa «patriótica» dos bispos lusitanos, mas sim como a convicção de que eles não são mais do que um simples componente de uma muito complexa engrenagem.
Quanto a muitos católicos que vivem com os pés na terra e os olhos no progresso, continuarão nas catacumbas várias a que regressaram quando as esperanças criadas pelo Concílio se esfumaram, e onde vão vivendo a sua fé e os seus ritos eclesiais em comunidades que não os excluem ou das quais não se sentem excluídos. Quanto mais novos são mais ignoram, paulatinamente, as hierarquias eclesiásticas, romanas ou portuguesas. Sentem que têm pouco (ou nada) a ver com quem continua a recusar o uso do preservativo, o Sim à despenalização do aborto, a comunhão aos divorciados e o casamento aos padres; com quem beatifica centenas de heróis da guerra civil espanhola (só de um dos lados) e anda à procura de milagres para canonizar pastorinhos ou condestáveis.
Falei com uma ou outra dessas pessoas sobre o discurso do papa aos bispos portugueses, a que grande importância dão tantos outsiders. Como reacção, não obtive mais do que um muito significativo encolher de ombros.
Faço o mesmo.
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(*) Creio, aliás, que há situações muito semelhantes em vários outros países europeus tradicionalmente católicos, como a Espanha, a Itália ou a França.
(**) Aconselho a leitura de todo o artigo, infelizmente sem link disponível.
(***) Shyznogud deixou o seguinte comentário:
Muito devido a este post transcrevi o artigo de Frei Bento para o baú onde costumamos pôr os textos mais longos para criarmos links. Aqui está ele se alguém tiver curiosidade:
clicar.