7.12.19

Regressaram as sondagens



Numa sondagem da Intercampus divulgada há poucos dias, compara-se a intenção de voto dos portugueses, em Legislativas, em Outubro e Novembro deste ano. Nem é necessário comentar, basta olhar para os valores exibidos.
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Cataratas de Vitória





Em Janeiro de 2019, em Dezembro de 2019 e como eu as vi em 2007.

Ler: Maior seca do século deixa cataratas Victoria Falls ‘por um fio’.
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Vergonha



«Há quase dez anos, entrei pela primeira vez em Gaza. O bloqueio persistia e, depois de muitas horas de espera, do outro lado fomos recebidos com cravos vermelhos. Foi a primeira vez que me confrontei com vidas fechadas em prisão e suspensas por uma ameaça constante. Nos últimos anos, as visitas repetiram-se a Gaza, aos territórios ocupados na Cisjordânia e a campos de refugiados no território e em países vizinhos.

Foi há cerca de seis anos que encontrei, num campo de refugiados no norte do Líbano, um senhor palestiniano de idade avançada, que todos os dias de manhã colocava no bolso das calças as chaves de casa. Todos os dias desde o dia em que abandonou a sua aldeia em 1967. Nesse guardar de chaves, guardava a esperança do regresso. Na altura que o encontrei soube que a casa que deixou já não era território palestiniano, que o regresso ao lugar de onde partiu era mesmo só uma esperança como modo de vida.

As vidas dos palestinianos são vidas cercadas, perseguidas. São vidas em suspenso. Vidas precárias em consequência de um processo de ocupação mortífero, imoral e incompreensível à luz da dignidade e do direito internacional.

Em todos estes anos de ocupação, raras foram as vezes em que se fez justiça a um povo abandonado e esquecido pela comunidade internacional. Foi por isso que, nos últimos anos, senti verdadeiramente satisfação quando o governo português reconheceu o Estado da Palestina. Foi uma justiça tardia, mas merecida. É neste contexto, de mais de 40 anos de ocupação abusiva e conhecida, que o governo português decide marcar uma reunião, em Lisboa, com Benjamin Netanyahu, um dos rostos mais visíveis e presentes da ocupação dos territórios palestinianos. Não há nenhuma razão diplomática ou de direito internacional que possa justificar esta visita. Tratou-se mesmo de negócio à frente das vidas e passar um pano molhado sobre décadas de ocupação, opressão e apartheid. António Costa nunca poderá dizer que não sabia do que se passa com o povo palestiniano, e ainda assim decidiu escolher um lado que não é muito diferente do escolhido por Cavaco Silva quando decidiu chamar Nelson Mandela de terrorista, numa altura que já quase todo o mundo sabia que o lado certo era estar com ele.

A política externa portuguesa nos últimos anos não tem sido muito famosa. Nem uma palavra ao lado dos mais atacados povos do mundo, sejam palestinianos ou indígenas, e todas as vassalagens para Bolsonaro ou Netanyahu. Um país tem de dar-se ao respeito para ser respeitado. Fazer negócios com Netanyahu é negociar com quem promove o genocídio de todo um povo. Costa sabe bem disso. Mas se na altura em que furámos o bloqueio, os palestinianos nos ofereceram cravos vermelhos, com esta visita Costa esqueceu-se do próprio significado do 25 de Abril. A liberdade e a autodeterminação não são valores que se negoceiem ou que se ponham à venda. Costa sabe bem disso, mas preferiu envergonhar-nos.»

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6.12.19

É mais ou menos isto


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O drama do SNS



«Ao sair do SNS encontrei propostas aliciantes, com possibilidade de diferenciação profissional e de prestar atendimento de forma digna, com melhores rendimentos, mais tempo para a vida pessoal e familiar e com melhoria substancial da qualidade de vida. Se pretendo voltar ao SNS? Quem sabe, no futuro, com outras condições. O meu coração ficou no SNS, infelizmente quem o governa parece não ter nele o coração.»

PSP? Isto promete!




O mais extraordinário é a justificação: «O problema é que, de acordo com o estatuto da PSP, "os polícias não podem fazer declarações que violem", entre outros, "a sua isenção ideológica e partidária"».

Ou seja: um polícia não pode criticar o aproveitamento partidário que um partido fez de uma manifestação apartidária. Vamos bem, isto promete!
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O tal país de doutores e engenheiros



«Um dos mitos mais perniciosos que a mentalidade salazarista nos deixou foi o de que Portugal era um país com um problema de excesso de mobilidade social ascendente por via da educação. Todos ouvimos a estigmatizadora voz de certas elites criticando querermos ser "doutores e engenheiros".

Ainda hoje assistimos ao estranho caso de nos faltarem médicos, mas a Ordem dos Médicos achar que há vagas a mais no acesso a Medicina. Não tarda faltar-nos-ão professores.

Esse tal país de doutores e engenheiros vai, segundo o Relatório do Estado da Educação recentemente publicado pelo Conselho Nacional da Educação, falhar a meta da União Europeia de que 40% dos adultos entre os 30 e os 34 anos tenham concluído uma formação do ensino superior. Esse tal país tem um ensino superior que não cresce há 20 anos e tem hoje menos alunos do que em 2001, segundo a Pordata. Nesse país há uma corrente maioritária, não só à direita, mas também no Partido Socialista, que defende que os alunos do ensino superior público devem pagar propinas, porque têm acesso a um privilégio e não a um serviço público a que deveriam ter direito. Permite-se que as propinas dos mestrados atinjam valores exorbitantes, se as instituições de ensino superior assim o entenderem.

Havemos de chegar à meta da União Europeia por inércia demográfica, mesmo sem expandir o ensino superior. Talvez até já lá estivéssemos se não fosse o saldo migratório de diplomados ser quase de certeza francamente negativo, embora eu não disponha de dados exatos sobre este ponto.

Mas o que nos devia preocupar não é a meta, é a contradição profunda entre esse mito salazarista e a realidade do trabalho e da vida no século XXI. Bem vistas as coisas, o último grande visionário da expansão do ensino superior foi, ainda no marcelismo, Veiga Simão, injustiçado pela democracia enquanto ministro da Educação com um papel precursor na democratização do ensino, que incluiu a diversificação territorial das universidades e a criação da rede de institutos politécnicos.

As universidades e os institutos politécnicos, muitas delas, parecem hoje estar confortáveis com o estatuto de guardiões das elites passadas contra a necessidade de uma frequência muito mais alargada do ensino superior. Muitas delas fecharam as suas portas aos trabalhadores-estudantes, reagiram mal à ideia bem concebida por Mariano Gago do acesso de maiores de 23 anos aos seus cursos, gostam do atual sistema de acesso que se centra totalmente em notas de exames, anacronicamente, sem ter em conta muitas outras dimensões da vida dos estudantes que podem ser relevantes e que muitos outros países encorajam a incluir nos processos de candidatura.

Mais surpreendentemente, não se vê instituições portuguesas nas grandes redes de ensino superior online, nem a oferecer ensino à distância, nem com vontade de atrair estudantes que não venham aos 18 anos do normalíssimo percurso académico no ensino secundário. A minha assistente na administração do Banco Mundial - de que me preparo para sair - está inscrita num mestrado a distância de uma universidade da costa Oeste, trabalhando em Washington D.C. Por cá, o ensino superior, todo ele, desdenha de ter um papel na educação e formação ao longo da vida.

Há algo anormal quando me é fácil inscrever online, estudar em casa e obter um diploma de uma unidade curricular em Harvard ou no MIT e não o posso fazer em quase nenhuma universidade portuguesa. E com isto estamos a tirar oportunidades aos nossos cidadãos, a prejudicar a nossa competitividade no século XXI e a diminuir a nossa possibilidade de conseguir a transição digital e participar na economia do futuro.

Apesar disso, o debate sobre ensino superior continua a ser quase só sobre ingresso de jovens e o modo de entrada dos alunos do ensino profissional. Mais coisa menos coisa, o mesmo debate dos anos 60 do século passado, quando não se deixava os alunos das escolas comerciais e industriais entrar na universidade em igualdade de circunstâncias com os do liceu. Alguém espalhe por aí a notícia de que o ensino superior está no século XXI e somos um país com poucos doutores e ainda menos engenheiros.»

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5.12.19

Mulheres Chilenas



Contra o feminicídio e o Estado Estuprador.

A manifestação ocorreu ontem no Chile. Foi em frente ao Estádio Nacional, um famoso centro de tortura durante a ditadura. Diferente das intervenções anteriores: "Lastesis senior" em que participaram mulheres mais velhas e não só jovens.
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O negócio é uma arma



… do «socialismo». Cada vez me parece mais evidente por que motivo esta criatura é o número dois do actual governo.


«O Governo deixou cair uma lista detalhada de 16 exigências que a lei das Parcerias Público-Privadas (PPP) tinha como guião para o lançamento e adjudicação de PPP passando a definir que, nas próximas parcerias, os pressupostos são fixados separadamente para cada parceria. Isto significa que o Conselho de Ministros fará uma análise, caso a caso, sobre as exigências para cada PPP. Análise custo-benefício é um dos critérios que desaparece.»
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Portugal: atraso irrecuperável



«Portugal anunciou pela voz do seu primeiro-ministro António Guterres que pretendia alcançar a média europeia em termos de produto per capita numa década. Passadas mais de duas, Portugal liderado por elites incompetentes, não conseguiu esse desiderato e encontra-se dezenas de anos atrasado, em relação aos seus parceiros europeus e sem perspetiva de recuperar esse atraso.

Numa tertúlia recente verifiquei que a perceção de muitas pessoas sobre o atraso português é muito enviesada. Para tal muito contribui a televisão que nos devolve uma imagem muito diferente do país real.

O atraso português pode medir-se de muitas formas, mas optei aqui por uma mais intuitiva. Partindo do atual PIB per capita (em paridade de poder de compra) calculei quantos anos nos levaria a atingir o PIB per capita da Alemanha ou da França, o mesmo da Estónia, da Republica Checa. Os números atuais foram retirados do último Índice de Desenvolvimento Humano publicado pelas Nações Unidas (2018).

Assumi duas hipóteses: a primeira que Portugal conseguia recuperar 1% ao ano, isto é crescer 1% mais que cada um desses países. A segunda, mais inverosímil, que conseguíamos crescer mais dos 2% do que esses países.

Os resultados não enganam. Na Hipótese A precisamos de 6 anos para atingir os valores do PIB per capita da Estónia, 12 anos os da República Checa, 23 anos os da Espanha, 37 anos os do Reino Unido, 44 anos os da Bélgica, 57 anos os da Holanda e 68 anos os da Irlanda. Na hipótese B precisaríamos sensivelmente metade desses tempos. Estamos, em qualquer dos casos, a falar de um esforço de várias gerações.

Mas ao atentarmos nestes números verificamos que já estamos muito atrasados em relação aos países pobres de Leste, que acolhemos na União Europeia com sobranceria e que já nos ultrapassaram. A melhor qualidade das elites económicas e governantes permitiu-lhes um crescimento muito superior.

Se fizermos o mesmo exercício com o ordenado mínimo considerando uma recuperação de 2% ao ano, precisamos de 5 anos para atingir os valores de Malta, 12 os da Eslovénia, 21 os da Espanha, 40 os da França, 43 os da Holanda e 47 ao do Reino Unido. A maioria da força de trabalho já estaria reformada quando se atingisse os valores da Espanha!

Percebe-se, assim, que os portugueses mais empreendedores, mais qualificados, mais impacientes, mais salutarmente ambiciosos, prefiram o caminho da emigração.

O nosso atraso não se vence com as políticas habituais que se já provaram ineficientes. É necessário uma grande alteração do paradigma económico do país se queremos almejar a estar no pelotão da frente. Tal só se consegue com uma forte presença e intervenção pública. O modelo chinês, o mais bem-sucedido modelo de desenvolvimento do pós-guerra é bem elucidativo.»

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4.12.19

Centeno patrão e Centeno costureiro



Centeno do Eurogrupo censura esboço orçamental de Centeno.

«O Eurogrupo, o conselho informal dos ministros das Finanças da zona euro, que é presidido por Mário Centeno, o ministro português, decidiu censurar o projeto de plano orçamental português para 2020, o chamado esboço orçamental, que o próprio Centeno enviou para Bruxelas em meados de outubro último.»
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Não me peçam para levar certos partidos s sério


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Marcelo Rebelo de Sousa e José Hermano Saraiva




Eu sei que Marcelo Rebelo de Sousa e José Hermano Saraiva são farinha do mesmo saco, mas o primeiro podia ter mais decoro pela função que exerce actualmente.

Nos 50 anos da crise académica de 1969, o PR elogia o ministro que chefiou a reacção do fascismo contra os estudantes, que mandou fechar a universidade e que foi delator dos dirigentes estudantis forçando à sua incorporação punitiva no exército.


José Freire Antunes, Cartas Particulares a Marcello Caetano, 2.º Volume, p. 171.
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O Chega de que não se fala



«André Ventura tem sido bastante eficaz a aproveitar o sentimento de abandono de muitos funcionários públicos, trabalhadores e portugueses que sentem que o Estado ficou acantonado em Lisboa e no Porto. A ida a Borba, onde usou um conflito grave com ciganos locais para brilhar, e o seu vergonhoso aproveitamento de uma manifestação sindical onde não foi convidado a falar, são sinais disso mesmo. Queixam-se alguns apoiantes do Chega que ele tem sido muito escrutinado. Nada é mais falso. Basta ver como não se criou nenhum escândalo público em torno de suspeitas de falsificação de assinaturas para perceber que o partido até goza de uma razoável inimputabilidade. Por causa de um voto sobre a Palestina o Livre entrou em ebulição. A prova da desatenção é como o programa do Chega conseguiu passar, apesar de alguns bons trabalhos jornalísticos, por entre os pingos da chuva. De tal forma que algumas das suas principais vítimas, que não são apenas os ciganos e os imigrantes, ainda não sabem que o são.

Vamos esquecer o que no programa do Chega é securitário e atentatório do Estado de Direito, com o regresso da prisão perpétua, a imposição da castração química ou a redução drástica do conceito de “excesso de legítima defesa”. O que é xenófobo e racista, como a equiparação, para “privilégios na prisão”, de imigrantes ilegais a terroristas ou a publicação de dados sobre a nacionalidade e origem nas estatísticas de delitos (e em mais nada - nem condições de habitação, nem acesso ao trabalho, nem acesso à educação). O que é desumano, como não permitir que imigrantes residentes legais, que pagam os seus impostos como os nacionais, acedam aos serviços de saúde públicos gratuitos antes de perfazerem cinco anos de permanência em Portugal. Ou, o que é delirante, como a reavaliação da nossa presença na ONU. Fiquemos por aquilo que, estando no programa, André Ventura nunca quis falar em entrevistas, comícios ou declarações públicas. Aquilo que deixaria muitos dos seus eleitores estupefactos.

O programa do Chega faz as posições do mais tresloucado militante da Iniciativa Liberal parecerem socialistas. O que se propõe, no que toca à economia e aos serviços públicos, é próximo da selva. Se eu disser que o Chega defende o fim do Estado Social vão responder-me que exagero. Di-lo literalmente: “defende-se o afastamento decidido do modelo do Estado Social e do regresso ao Estado Arbitral.” Ao Estado cabe um papel sempre supletivo, “apenas depois de esgotadas todas as alternativas privadas, sociais, mutualistas ou cooperativas para a prestação desses serviços”. A frase que melhor resume este propósito é esta: “Ao Estado não compete a produção ou distribuição de bens e serviços, sejam esses serviços de Educação ou de Saúde, ou sejam os bens vias de comunicação ou meios de transporte.” Trocando por miúdos, o fim do Serviço Nacional de Saúde e da Escola Pública, assim como de todas as participações do Estado na economia ou na provisão de serviços públicos.

Na saúde: “O Estado não deverá, idealmente, interferir como prestador de bens e serviços no Mercado da Saúde mas ser, apenas, um árbitro imparcial e competente, um regulador que esteja plenamente consciente da delicadeza, complexidade e sensibilidade deste Mercado.” Na educação, o mesmo. E, para que não haja tentações, o Estado deve desfazer-se dos próprios edifícios das escolas, oferecendo-os aos professores, organizados em empresas ou cooperativas. E deve extinguir o Ministério da Educação. Também no ensino superior, defende-se que o Estado “inicie um processo de privatização de parte das instituições universitárias e politécnicas que detenha”. Até porque, como sabemos, as universidades privadas portuguesas são muito melhores do que as públicas (ironia). Curiosamente, apesar do Estado perder quase todo o poder no sistema educativo, lá continua para dizer que não se pode fazer “propaganda da agenda LGBTI”. Prioridades são prioridades.

Como se explica, haverá uma fase intermédia, em que os serviços públicos serão substituídos por cheque-ensino e cheque-saúde, apenas recorrendo a negócios privados. Mas estes instrumentos são para existirem “transitoriamente e durante um período de adaptação – que deverá ser gradual mas rápido”. Depois, depreende-se, nem isso sobrará. Apoio do Estado só para os miseráveis, que cada um trate de si e dos seus.

Quando às empresas que o Estado ainda mantém, o mesmo: “Ao Estado não compete a detenção direta ou indireta, maioritária ou minoritária, com golden-share ou sem ela, do capital social de qualquer empresa industrial ou de serviços no âmbito primário, secundário ou terciário da economia.” Traduzido em coisas práticas, para além do Estado não dever reaver os CTT, deve privatizar o que resta da TAP, a Caixa Geral de Depósitos, os transportes públicos de Lisboa e Porto, a CP, as linhas de comboio, a água... Tudo. Fiquei mesmo na dúvida, ao ler a referencia às “vias de comunicação”, se deve ser dono de estradas ou privatizá-las.

Resta o Estado fortemente regulador, certo? Errado. No imobiliário, defende-se a “revogação de uma Lei hiper-reguladora e hipercontroladora do mercado habitacional”, uma “lei que condiciona o investimento imobiliário nacional e estrangeiro”. Ao Estado cabe deixar que o mercado expulse todos os eleitores do Chega para bem longe das cidades. Nas leis laborais, a mesma coisa: despedimento fácil e, claro, retirar todo o poder aos sindicatos, sejam os tradicionais ou outros quaisquer.

Poderia salvar-se a política fiscal mas, neste caso, ninguém pode acusar Ventura de incoerência. A preocupação com os interesses dos privilegiados mantém-se. Através da instituição de uma taxa plana para o IRS, baixando assim os impostos sobre o rendimento para os mais ricos. “O grosso da cobrança fiscal deverá ser originado pelo IVA”, o imposto socialmente mais cego de todos, pago à mesma taxa pelo rico e pelo miserável. Dizem que vão ter mais receita fiscal, apesar de também proporem a redução do IRC, a abolição do IMI e do imposto sobre mais-valias assim como a abolição de praticamente todos os impostos que aborreçam os mais abonados. É um banquete fiscal compensado pela proposta de total desmantelamento do Estado Social. Em resumo, “o Estado deixará de querer ser o Robin dos Bosques”, porque não lhe compete “tirar aos ricos para dar aos pobres”.

Há uma parte do seu programa que André Ventura gosta de mostrar: aquela em que apela aos sentimentos primários do medo e do preconceito. Que culpa os miseráveis pelas dificuldades dos pobres. Em todos os casos, Ventura é a voz de quem tem mais poder: do homem contra a mulher, do hetero contra o gay, do branco contra o cigano, do nacional contra o imigrante. A parte que ele esconde aos seus eleitores é a continuação desta lógica. O poder do rico contra o pobre. E é normal que não goste muito de falar da sua política económica, fiscal e social, que ocupa uma boa parte de um programa pouco escrutinado. O que tem para mostrar não é bonito.

Como explicar ao eleitor de Borba que quer privatizar o seu centro de saúde? Como explicar ao polícia que defende a privatização da escola do seu filho, incluindo o próprio edifício? E ao seu eleitor na linha de Sintra, como explicar que a sua grande preocupação fiscal é deixar de “tirar aos ricos para dar aos pobres”? E ao do interior, como explicar que quer privatizar a água, a CP, a Caixa Geral de Depósitos e qualquer bem, serviço ou empresa do Estado? Como explicar a todos os que estão a ser expulsos de Lisboa e do Porto que o Estado não deve regular o mercado imobiliário e de habitação? Como explicar a todos que nem “vias de comunicação” o Estado deve ter? Nem escolas, nem hospitais. Rigorosamente nada. Tudo para o mercado. Ao Estado cabe defender o dinheiro dos ricos e ter cassetete pronto para os pobres. Este é o André Ventura que fala da vida real das pessoas. E as pessoas têm o direito a saber o que ele reserva para elas.»

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3.12.19

03.12.1930 – Jean-Luc Godard



Jean-Luc Godard nasceu em Paris, em 3 de Dezembro de 1930. Passou a infância na Suíça, estudou mais tarde etnologia na Sorbonne, mas o centro da sua vida passou para o Cine-Clube du Quartier Latin. Foi lá que conheceu François Truffaut e Jacques Rivette e foi com eles que lançou, em 1950, La Gazette du Cinema. A partir do início de 1952, iniciou a sua actividade nos celebérrimos Cahiers du Cinéma.

Esse grande senhor da «Nouvelle Vague», da época em que nos precipitávamos para salas de cinema hoje fechadas desde que um novo filme chegava a Portugal ou, mesmo antes disso, quando assistíamos a duas ou três sessões por dia num qualquer pequeno cinema do Quartier Latin em Paris, anda por cá há 89 anos.

Tenho bem presente a sua primeira longa metragem – À bout de souffle – e outras se seguiram, das quais guardo num «cofre» muito especial La chinoise e, sobretudo, para sempre, Pierrot le fou.







«Qu'est ce que je peux faire? J'sais pas quoi faire! Qu'est ce que je peux faire? J'sais pas quoi faire! Qu'est ce que je peux faire? J'sais pas quoi faire!»

Uma longa entrevista feita por Paulo Branco em 2011:

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Quando o mundo comandado por loucos já nos parece quase normal



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Greta



Até hoje, não escrevi nem uma linha sobre o tema. Mas estou farta, fartíssima, de ver velhos e novos do Restelo a vociferar porque uma adolescente não lhes agrada por mil e um motivos: por ter Asperger, por usar trancinhas e dever estar na escola, porque está a ser instrumentalizada pelos pais e pelo capitalismo, por só insistir no acessório e não no essencial das questões, etc., etc.

Basta! Aceitem esta miúda como um símbolo que está a acordar milhões de adolescentes para uma causa que é justa, queira-se ou não. Quem não precisou de símbolos, sobretudo quando era jovem, foi velho antes de tempo e é incapaz de não se limitar a resmungar quando vai envelhecendo.

Quero lá saber das afirmações patetas de Marcelo sobre a sua não presença na chegada de Greta ou das declarações de circunstância de Fernando Medina! Nem interessa que ela esteja a passar umas horas em Lisboa. Existe e já acordou muita gente – ponham o despertador, qualquer smartphone pode ajudar-vos.
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Se o clima fosse um banco



«Começou em Madrid a 25.a Conferência da ONU sobre o clima, a COP25, que tem lugar 25 anos depois da COP1, no Brasil. Desde então, as emissões de CO2, o principal gás com efeito de estufa, aumentaram cerca de 60%; os fenómenos climáticos extremos intensificaram-se causando milhões de refugiados; há milhares de espécies em risco e estamos muito perto de atingir um ponto de não retorno com a subida dos oceanos provocada pelo derretimento dos glaciares.

As consequências são inimagináveis se pensadas à escala do tempo da nossa vida, ou mesmo da Humanidade, mas não são inéditas num planeta onde, ao longo de milhares de milhões de anos, a sobrevivência das espécies sempre dependeu de profundas transformações climáticas.

Não há nada de conspiração nestas constatações. A ciência pode discordar quanto à previsão exata do "quanto" e "quando" deste fenómeno, mas negar as alterações climáticas é como achar que o tabaco não prejudica a saúde. A disputa não está por isso entre negacionistas e todos os outros, mas entre diferentes visões da estratégia a seguir.

Há, por um lado, quem ache que o sistema económico atual será capaz de lidar com o problema. Os adeptos do "capitalismo verde" apostam no negócio das renováveis e dos carros elétricos, na alteração individual dos comportamentos e em paliativos na produção e venda de produtos (cada vez mais as empresas publicitam produtos reciclados ou "verdes"). Querem uma transformação que não ponha em causa a produção e o tipo de consumo de massas, que não afete os mercados que especulam sobre recursos naturais ou os lucros das empresas que exploram recursos fósseis ou utilizam energias poluentes. Esta visão, que dominou até hoje, foi bem sucedida a criar novas áreas de negócio, mas falhou na proteção do planeta. E que não se diga que tudo foi feito em nome do progresso e bem-estar da Humanidade, porque sabemos como este progresso viveu da exploração dos países mais pobres que hoje são os primeiros a sofrer com as alterações climáticas; e sabemos como a finança e as grandes multinacionais ajudaram à concentração de riqueza e ao aprofundamento das desigualdades. O sistema desenfreado que está a destruir o clima é o mesmo que produziu a crise financeira, que se alimenta da precariedade, que preda os serviços públicos e que não tem pejo em financiar e beneficiar da economia da guerra sem fim.

É contra este sistema hipócrita, que diz querer saber do clima enquanto protege as petrolíferas, que cresce um movimento, apoiado nas greves climáticas estudantis, que sabe que a mudança é urgente e para valer: limitar os combustíveis fósseis e as indústrias poluentes, reduzir os consumos supérfluos, mudar a produção e o trabalho, investir nos transportes públicos e na eficiência energética do edificado. Mas não se enganem. Estas mudanças não vão acontecer enquanto todos os outros aspetos da nossa sociedade forem subjugados à proteção da finança e das grandes empresas, dos seus lucros, e à obtenção de um excedente orçamental que lhes agrade. O clima tem de ser a prioridade, em vez da proteção da Banca: se o clima fosse um banco, já estaria salvo.»

2.12.19

Costa, Geringonça e Muro de Berlim – uma grande salgalhada!


Há dez anos que cada português anda a dar 15 euros por mês para salvar bancos



(Expresso)
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Amazon: decorações de Natal inspiradas em Auschwitz!




Outrage at Amazon for selling ‘Auschwitz’ Christmas ornaments.
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O Impacto da Revolução Tecnológica na Educação



«O impacto da chamada quarta revolução industrial no emprego tem sido amplamente debatido e discutido, dando origem a centenas de estudos e artigos de opinião com as mais variadas conclusões. Porém estes estudos exibem bastantes divergências no que respeita ao previsível impacto da tecnologia no número de empregos que virão a estar disponíveis num futuro a médio prazo, eles são geralmente convergentes num aspecto em particular: a importância de preparar os jovens e os adultos para um futuro onde tecnologias como o digital, a robótica, a inteligência artificial, a biotecnologia, os materiais e as nanotecnologias terão um papel importante.

O moderno sistema educativo, baseado no ensino massificado, onde turmas de alunos com idades semelhantes adquirem um conjunto de competências muito semelhantes definidas por currículos padronizados evoluiu nos últimos dois séculos e é por vezes designado de “modelo fabril”, por analogia às linhas de produção em série que caracterizaram a revolução industrial. Embora o mérito desta analogia tenha sido alvo de bastante discussão, não deixa de ser verdade que o actual modelo, baseado na ideia de uniformidade (“one size fits all”) se tem vindo a revelar progressivamente mais desajustado das necessidades dos estudantes e da sociedade, enfrentando pressões com diversas origens.

Por um lado, existe cada vez mais informação disponível na Internet, que permite aos estudantes terem acesso a aulas, seminários, textos e exercícios sobre as mais diversas matérias, o que torna as aulas puramente expositivas menos atractivas. Há 40 anos, um aluno de engenharia interessado em aprender, por exemplo, cálculo diferencial e integral ou mecânica clássica apenas tinha como opções sentar-se em aulas na universidade ou aprender directamente a partir do estudo individual de livros de texto. Hoje, existem centenas de recursos publicamente acessíveis. Acresce que estas novas metodologias, baseadas em sessões de aprendizagem curtas, interactivas e apelativas, são muito mais adequadas aos jovens de hoje, cuja capacidade de concentração em aulas expositivas mais longas é, em regra, inferior à das anteriores gerações, por força da constante e permanente exposição aos novos media.

Por outro lado, a importância da memorização ou do domínio aprofundado de temas muito específicos, em determinadas áreas técnicas e científicas, caiu com a permanente disponibilidade de recursos especializados, acessíveis à distância de um telemóvel, de um computador ou de um programa que execute um determinado conjunto de cálculos. Um especialista poderá sempre aceder a informação adicional sobre uma doença ou usar um programa para calcular o dimensionamento de uma estrutura, para dar apenas dois exemplos. A profundidade do conhecimento não perdeu importância, mas tornou-se mais relevante ter a capacidade de procurar informação adicional e específica sobre determinados temas do que memorizar dados específicos, métodos ou algoritmos.

Finalmente, existe uma crescente percepção da importância da interdisciplinaridade. Cada vez mais as organizações valorizam profissionais que aliam os conhecimentos da sua especialidade (seja ela engenharia, economia, medicina ou outra área técnica) com competência de trabalho em equipa, conhecimentos de outras áreas e capacidade de comunicação. Muitos dos desafios das organizações exigem abordagens interdisciplinares, porque a adopção com sucesso de novas tecnologias requer abordagens sociais, económicas e psicológicas adequadas.

O sistema educativo, em geral, e o sistema de ensino superior, em particular, tem sido relativamente lento a reagir a estes ventos de mudança. A Academia é muito conservadora e resiste, tenazmente, a alterações no modelo de ensino. Na esmagadora maioria dos casos, a formação numa universidade portuguesa de hoje é muito semelhante à formação de há quatro décadas, embora existam relevantes e meritórias excepções. Não só os currículos dos cursos são semelhantes ao que eram, muitos deles rígidos e permitindo aos alunos poucas alternativas, como as aulas são, em si mesmas, muito semelhantes às que eram leccionadas quando eu andei na universidade, no princípio dos anos 80. Existem excepções, naturalmente, e o curso de estudos gerais da Universidade de Lisboa, que dá aos alunos grande flexibilidade na definição do seu currículo, é uma dessas excepções, aliás muito bem documentada num livro da autoria de António Feijó e Miguel Tamen publicado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos.

Num relatório da OCDE, sobre o ensino superior português, elaborado a pedido do governo e tornado público em 2018, pode ler-se que “Os programas têm tipicamente estruturas rígidas e são orientados para profissões específicas, permitindo aos alunos uma flexibilidade muito limitada na combinação de disciplinas. Adicionalmente, métodos centrados em aulas tradicionais, com um elevado número de horas de contacto são a norma.” A legislação criada com o Decreto-Lei n.º 65/2018, que extingue os mestrados integrados (cursos monolíticos de cinco anos), com excepção de uma minoria imposta por (muito originais) directivas europeias, veio permitir a diversas áreas, mas especialmente às engenharias, reformular os seus cursos para estarem mais de acordo com as modernas tendências e necessidades.

O Instituto Superior Técnico encarou o desafio criado pela obrigação de transformar os mestrados integrados em cursos de primeiro ciclo (três anos) e segundo ciclo (dois anos) como uma oportunidade para modernizar o ensino da engenharia. No caso do Técnico, a alteração nos currículos incluirá mais interactividade do ensino e uma maior flexibilização dos cursos, permitindo aos alunos uma muito maior liberdade na escolha de opções e áreas de especialização fora da sua área central de conhecimento, como inovação, gestão ou comunicação. Os estudantes terão também, pela primeira vez, a possibilidade de escolher disciplinas de outras faculdades da Universidade de Lisboa, tais como Economia, Direito, Medicina ou Literatura.

Abordagens análogas estão a ser seguidas por outras escolas de engenharia portuguesas, entre as quais a Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, as faculdades de ciência e tecnologia da Universidade de Coimbra e da Universidade Nova, a Escola de Engenharia do Minho e a Universidade de Aveiro, que integram, com o Técnico, o Consórcio das Escolas de Engenharia, criado no passado mês de Julho para coordenar e potenciar a capacidade educativa de Portugal nesta área.

Os alunos da área da engenharia que vierem a ingressar no ensino superior em Setembro de 2021 irão já frequentar um conjunto de cursos com currículos mais modernos e mais adequados às necessidades da sociedade do futuro, uma sociedade onde as tecnologias deverão colaborar com as outras áreas do conhecimento para endereçar com sucesso os grandes desafios da humanidade.

Nota: esta é a última crónica que escrevo na qualidade de presidente do Instituto Superior Técnico, uma vez que termino o meu mandato no fim de 2019, depois de oito anos à frente da instituição. Desejo à futura direcção do Técnico, na pessoa do próximo presidente, Prof. Rogério Colaço, as maiores felicidades.»

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1.12.19

O tio alemão não perdoa


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1º de Dezembro, Implantação da República?



António Costa Santos, no Facebook, sugere um guião possível para jornalistas da SIC:

«Em 1143 foi assim (SIC): os conjurados, segundo o plano do Otelo, foram buscar António José de Almeida a Vila Viçosa, levaram D. Antão de Almada para a Rotunda, atiraram o Miguel Relvas pela janela do CCB e colocaram o Galo de Barcelos no poder. Marcelo Caetano fugiu para Badajoz com D. Leonor Beleza e Viriato foi nomeado presidente da Câmara de Viseu, seguindo o Marquês para Pombal até vir o terramoto e destruir a Ponte Vasco da Gama, derrubando também os Filipes. Da Letízia não reza a História.»
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Emprego e pobreza



«Segundo os dados recentemente divulgados pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), em 2018, cerca de 17% das pessoas auferiam rendimentos líquidos inferiores a 501 euros por mês. Isto significa, na fria linguagem da estatística, que estavam "em risco" de pobreza.

A percentagem e o número absoluto de portugueses nessa situação de "risco" - depois da contabilização das transferências de apoios sociais para essa população - havia aumentado bastante nos anos negros do "ajustamento" e regredido consideravelmente a partir de 2015, no conjunto da população. Constata-se, contudo, que tal regressão não se verificou entre os empregados onde, pelo contrário, até aumentou entre 2017 e 2018. Esse aumento ainda foi mais grave entre os desempregados.

O agravamento da pobreza no conjunto dos desempregados, pode dever-se ao facto de o aumento significativo de emprego neste período ter absorvido muitos desempregados, tendencialmente os mais qualificados e ativos, continuando no desemprego os que dispõem de menos recursos de todo o tipo. Se assim é, deve-se definir políticas específicas para não deixar cada vez mais desprotegidas estas pessoas.

A sociedade portuguesa não pode condescender face à persistência da pobreza entre quem trabalha. À tese de que é preciso fazer crescer o bolo da riqueza produzida antes de este ser repartido, há que contrapor a exigência de a riqueza ser melhor repartida exatamente quando é criada, desde logo através da melhoria dos salários e da qualidade do emprego. É que o bolo até cresceu, mas a percentagem dos lucros que vai para o investimento produtivo é cada vez menor; e a fatia do bolo que cabe ao trabalho manteve-se na dimensão a que tinha sido reduzida pelas políticas de desvalorização salarial do "ajustamento", feito pela troika e pelo Governo PSD/CDS.

O agravamento da pobreza no grupo dos empregados não é nenhum mistério: o emprego cresceu, mas em média os salários associados a esse novo emprego são muito baixos e o emprego muito precário, o que os desvaloriza ainda mais. E a situação seria mais grave se o salário mínimo não tivesse sido atualizado. É por tudo isto que a discussão sobre política de rendimentos - e dentro desta a da política salarial - é muito importante. A este propósito relevo a atualidade de um "Barómetro" sobre "Negociação salarial: o que está em jogo?" da autoria de José Castro Caldas (1)

O Governo avançou com referenciais de crescimento médio dos salários para os próximos quatro anos, apontando o valor de 2,7% para 2020, quando a dinâmica do mercado no último ano impôs um crescimento de cerca de 3%, ou seja, aponta uma atualização abaixo da que está a acontecer no terreno. Entre os empresários temos - conforme os dias, os setores e as plateias - uns a defenderem a necessidade de melhores salários e de negociação de carreiras profissionais e outros a insistirem nas políticas da desvalorização salarial, lado do qual se colocam, em regra, os dirigentes das confederações patronais.

Confirma-se que, até agora, o que está em marcha na Concertação Social não é a busca de um acordo para a valorização salarial de que o país precisa, mas sim o estabelecimento de um teto travão às dinâmicas de crescimento dos salários e também à contratação coletiva.


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