20.3.10

Poder de encaixe, masoquismo ou nem por isso


...é o que se perceberá quando Sócrates declarar (ou não?) que o candidato do PS é Manuel Alegre, depois do que este disse em Bragança.

Quando eu comecei, era assim

E o ridículo não mata

Não que seja novidade já que, em 2007, em Zaventem, onde se situa o aeroporto internacional de Bruxelas, foi aprovado que só se vendam terrenos para construção a quem saiba falar neerlandês - «para garantir o carácter flamengo do município e para favorecer a coabitação entre os habitantes do bairro».

Mas, pelos vistos, o fenómeno teve sucesso e expandiu-se: agora é em Dilbeek, nos arredores de Bruxelas, que só se podem instalar francófonos puros no caso de serem estrangeiros. Mais: os funcionários precisam de autorização do chefe para responderem ao telefone em francês, como se pode ouvir neste vídeo em que um humorista belga se fez passar por cônsul da Costa do Marfim.



A Europa? Unidíssima, claro.

19.3.10

Querida globalização

Desaparecidos sem combate


Ontem mesmo, pensei algo de semelhante ao que Manuel António Pina escreve hoje no JN: já ninguém reage a mais uma notícia que anuncie estranhos desaparecimentos de documentos. Nem décadas de computadores e scanners ao preço de uma camisola relativamente barata, e aplicações informáticas que nos custam, a nós contribuintes, os olhos da cara parecem ser suficientes para registar e guardar o que não deve ser perdido. Ou antes pelo contrário?

«Nos últimos tempos, que me lembre, desapareceram sete (!) queixas apresentadas em vão à Escola pelo professor que se atirou da Ponte 25 de Abril por não poder suportar os maus tratos de que era sistematicamente e impunemente vítima, como desapareceu a carta da família pedindo à Direcção que reflectisse sobre as agressões de alunos que terão conduzido o docente, de 51 anos, ao suicídio; também da acta da última reunião em que o professor participou desapareceram as suas queixas sobre novas agressões. Uns dias depois, o "Público" noticiava que da Câmara de Lisboa desapareceu o processo (envolvendo demolições, reconstruções e isenções de IVA) do prédio em que Sócrates comprara um andar. O próprio vendedor... desapareceu. Toda a gente sabe que o país está cheio de buracos, e não só nas contas públicas. Mas, pelos vistos, há por aí um arquivo-morto que, se um dia ressuscita, revelará mais sobre o que somos do que toda a papelada da Torre do Tombo junta.»

Entretanto, em Havana

Não vale a pena virem dizer que a CNN está ao serviço do grande imperialismo americano. Nem mesmo que as Damas de Blanco, que se manifestam pela libertação dos marido e dos filhos, são tele-organizadas a partir de Miami. Porque não me parece que estas imagens sejam forjadas.

Matusalém (38)

18.3.10

E assim se foi fazendo a nossa história


A notícia já tem alguns dias e o conteúdo parece não ser novidade, mas só hoje conheci ambos. Um jornalista alemão, Guenter Wallraff, declara que se fez passar por traficante de armas e se encontrou com Spínola que pretendia retomar o poder pela força, eliminando fisicamente os seus adversários políticos em Portugal.

A reunião terá acontecido em Março de 1976, na Alemanha, e Spínola terá dito que a sua organização já tinha pontos de apoio no Alentejo e estava prestes a tomar o poder. Wallraff entregou provas da conversa em questão às autoridades suíças, facto que, segundo a notícia, terá estado na origem da detenção e extradição de Spínola para o Brasil.

O tempo vai amalgamando as memórias e está hoje generalizada a ideia de que tudo ficou bem e calmo com o 25 de Novembro de 1975. Bem pelo contrário, no início de 76, eram praticamente diárias as manifestações e contra-manifestações, com destaque para um número elevadíssimo de ataques violentos da direita contra sedes e centros de trabalho dos partidos de esquerda. Por exemplo, foi em plena pré-campanha eleitoral para as primeiras eleições legislativas, que tiveram lugar em 25 de Abril desse ano, que foi assassinado o padre Max (3 de Abril).

Simultaneamente, e com a brandura que sempre nos caracterizou, os antigos governantes foram saindo das prisões – no dia 29 de Janeiro, Kaúlza de Arriaga e Silva Cunha, entre outros.

Entretanto, Spínola passeava pela Europa a tentar comprar armas…

Voando sobre um ninho de cucos


Uma das maravilhas que levaremos deste mundo, quando deixarmos de cá andar, é certamente a capacidade de nos surpreendermos. Quando tudo parece conhecido e mais ou menos previsível, eis que uma notícia nos sobressalta. Foi o que me aconteceu hoje ao ler este estranho título do DN: «Renovadores comunistas seguro de vida da 'lei da rolha'».

Saudoso do PREC, o PPD/PSD esqueceu lutas passadas e futuras e rendeu-se à asa protectora do centralismo democrático, na pessoa de alguns juristas que vieram recordar que, em 2003, o Tribunal Constitucional deu razão ao PCP, contra um recurso interposto por Edgar Correia, Carlos Figueira e Carlos Brito, suspensos ou expulsos pelo Comité Central daquele partido. Pediam estes que o dito centralismo democrático fosse eliminado dos estatutos do PCP, consideraram os juízes que não tinham razão.

Não será por criticar o marxismo-leninismo que algum militante laranja será eliminado das listas de sócios (digo eu, mas já sem certezas definitivas…), mas Santana Lopes and friends poderão continuar a sua cruzada. Good luck, camaradas!

Pessoas, máquinas e vice-versa


A ler: o espantoso «MEO gratias» do JPB.

«O problema, mas o problema mesmo, real e moderno, é esta impessoalidade, esta inutilidade de qualquer ira, que esbarra invariavelmente numa parede kafkiana. A incompetência e a irresponsabilidade escudam-se nesta barreira electrónica. Não têm face. Não podemos dar murros na mesa ou no balcão, porque não há mesas nem balcões. Do outro lado da linha atendem-nos máquinas que parecem pessoas, que nos remetem para pessoas que parecem máquinas – e o resultado é o mesmo. Se mandarmos a criatura para a pata que a pôs, ela responde-nos: “A sua pretensão foi registada. Mais alguma questão que deseje colocar?” Não há condições.»

Matusalém (37)

17.3.10

Sem lei da rolha e com muita honestidade


Paulo Pedroso, sobre o PEC:

«De facto, a despesa com os mais pobres vai diminuir em 200 milhões entre 2011 e 2013, dos quais 30 milhões serão no RSI. Os outros 170 milhões porque não se evidencia onde são? Estigma é estigma e quem escolheu este símbolo no PEC fez uma escolha clara sobre como quer tratá-lo.
Que a factura dos pobres seja tão pesada em plena crise económica e em situação de risco de crise social não consigo aceitar, nem por nada. Repare-se que em 2011 o Estado vai buscar mais aos pobres do que ao adiamento das infraestruturas e que vai, afinal e para minha surpresa, buscar a estas prestações mais do que à famosa nova taxa de IRS de 45%. (…)

Hoje sinto-me particularmente feliz por não ter sido candidato a deputado nesta legislatura».

Humanos como nós


Se abrir uma torneira é para nós um gesto elementar e automatizado, há cerca de 900 milhões de humanos – quase 90 «Portugais» - para quem continua a tratar-se de uma simples miragem. Como desconhecido é, para 2.600 milhões, o que significa ter acesso a um mínimo de saneamento básico.

As regiões-vítima são, como se sabe, a África Subsariana e o Sudoeste Asiático - apesar de muitos esforços, os progressos acabam por ser muitas vezes neutralizados pelo elevado crescimento demográfico.


Quando leio notícias deste tipo, «regresso» imediatamente ao Cambodja e a imagens que nunca esquecerei e que descrevi então neste blogue há quase um ano:

«À beira de uma estrada e de um canal, e sobretudo num extensíssimo lago, muitos milhares de pessoas vivem numa situação absolutamente inimaginável. Em barracas sobre estacas ou flutuantes, acumulam-se famílias cheias de filhos e até de animais, sem quaisquer condições de higiene, com esperança de vida abaixo dos 50 anos e onde as crianças que morrem todos os dias são pura e simplesmente atiradas ao lago.
A percepção da pobreza extrema continua em Phnom Penh que viu a sua população aumentar para dois milhões de habitantes desde que duzentas fábricas de têxteis aqui se instalaram, muitas como resultado de deslocalizações dos nossos países. Maná caído do céu, mesmo quando se trabalha 364 dias por ano, com condições e salários que não é difícil imaginar.»

Nós, por cá, todos mais ou menos bem apesar das crises e o resto são lamúrias: hoje, 4ªf, às 3:00 da tarde, fazia-se fila para pagar numa loja do Colombo. E no Domingo passado não se conseguia uma mesa vaga em restaurantes, nada baratos, nas praias da Caparica.

Soa a canto do cisne.

Necrophile is in the air


O país anda preocupadíssimo com assuntos transcendentes e sabe-se agora que alguns pretendem confinar a toponímia ao mundo dos desaparecidos.

Para evitar possíveis abusos, corta-se o mal pela raiz: não haveria mais ruas com o nome de Mário Soares nem de José Saramago (existem às dezenas), as próximas teriam de esperar que a morte se digne levá-los. Jorge Sampaio não seria nome de estádio e pena é que não estejam previstos efeitos retroactivos, a tempo de mandar arrasar umas estátuas de Manuel Alegre.

Tudo isto «inspirado pelos ideais republicanos», como «mais um gesto de homenagem ao Centenário da Implantação da República».

Mas o que é que a República tem a ver com as calças???

P.S.1 - «Uma lei para enterrar os vivos e ressuscitar os mortos é estonteante para qualquer legislador.»

Matusalém (36)

16.3.10

Entre o Tigre e o Eufrates


Hoje somos todos sumérios, com a Mesopotâmia aqui tão perto, Código de Hamurabi à cabeceira e Lei de Talião por divisa. Olho por olho, dente por dente, pensou o nosso Nabucodonosor, e já que me fintaram aí vai.

O quê? O diploma da AR sobre casamento civil de pessoas do mesmo sexo, enviado por Cavaco ao Tribunal Constitucional, juntamente com um parecer jurídico de Freitas do Amaral.

Sabe-se hoje que esta eminência basculante considera imperativo que se reveja a Constituição se se quiser utilizar a sacrossanta palavra «casamento» já que, tal como está, «o que fica assegurado é a procriação da espécie, situação que não permite acrescentar um regime para além da união heterossexual». Também porque, para além de outras razões, a nossa Constituição «aponta de forma directa para o casamento tradicional nos países nascidos das civilizações mesopotâmicas e europeia, que é o casamento monogâmico e heterossexual».

É o que se chama regressar às origens…

P.S. -Aparentemente, na tal Mesopotâmia, o casamento não era tão monogâmico assim – bigamia à vista.

Causas


Há milhares no Facebook, mas a esta aderi sem um minute de hesitação:

Yo acuso al Gobierno cubano


Pela leitura de um artigo de El País de hoje, tomei conhecimento de uma nova campanha - «Yo acuso al Gobierno cubano».

Cidadãos anónimos e outros que o não são – como Antonio Muñoz Molina, Mario Vargas Llosa, Yoani Sánchez e Pedro Almodóvar – fazem mais uma tentativa para pressionar Cuba a libertar os presos políticos. Inútil? Talvez, mas eu disse que não ma calaria até que a voz me doesse - ainda não doeu o suficiente.

O documento pode ser assinado aqui e é este o seu texto:

Pela libertação dos presos políticos

Pela libertação imediata e sem condições de todos os presos políticos das prisões cubanas; pelo respeito ao exercício, promoção e defesa dos direitos humanos em qualquer parte do mundo; pelo decoro e o valor de Orlando Zapata Tamayo, injustamente preso e brutalmente torturado nas prisões cubanas, morto após greve de fome por denunciar estes crimes e a falta de liberdade e democracia no seu país; pelo respeito à vida dos que correm o risco de morrer como ele para impedir que o governo de Fidel e Raul Castro continue eliminando fisicamente aos seus opositores pacíficos, levando-os a cumprir condenações injustas de até 28 anos por "delitos" de opinião; pelo respeito à integridade física e moral de cada pessoa, assinamos esta carta, e encorajamos a assiná-la também, a todos os que elegeram defender a sua liberdade e a liberdade dos outros.


Matusalém (35)


Mouloudji, Tout fout le camp

(Esta vai para o Miguel Serras Pereira, ali no outro lado, onde houve esta noite uma conversa francófila.)

15.3.10

Génios e Jotas

(Clicar para ver maior)

O último número da Visão inclui um longo dossier - «O corredor do poder» - sobre o percurso do «núcleo duro da JS fracturante», cujos membros terão conquistado cargos e peso político «à sombra do poder e influência de António Costa e da liderança de Sócrates» – uma complexa trama de amizades e cumplicidades (estou a ser meiga na escolha das palavras…), onde nem as famílias terão sido esquecidas.

Não sei, nem francamente me interessa muito saber, que percentagem exacta de verdade há em tudo o que é detalhadamente descrito. Mesmo que não ultrapasse os 50%, trata-se de um peça fundamental para entrever o que é o pano de fundo de muito que vemos agora aparecer à boca de cena. Coloquei-a online aqui para quem não tiver tido a oportunidade de a ler e, também, porque pode ainda vir a ser um elemento útil para várias memórias futuras.

Um dos protagonistas é o já célebre Rui Pedro Soares, de 36 anos, que deixou há pouco a PT onde era administrador executivo desde 2006. Dele disse Sócrates, em entrevista recente, que só subiu naquela empresa por mérito próprio. Depois de ouvir um excerto das declarações que fez à Comissão de Ética da Assembleia da República, sinto-me gozada.

O país segue quando for possível.



P.S. - 1,533 milhões de euros de salários, em 2009?

Nem com o efeito Michelle Obama


Vem no DN e é bem visível na fotografia: as barbies negras estão em saldo e custam quase metade das primas esbranquiçadas e sem carapinha. Negócio obriga, a crise chega a todos e a Wal-Mart quer ver-se livre de stocks imprevistos.

Razões para o fenómeno? As meninas brancas preferem ver-se ao espelho? Os pais das meninas afro-americanas têm menos dinheiro para comprar bonecas? Nada disso: apenas um mau departamento de Marketing da Wal-Mart, porque este terrível vídeo que fui desenterrar agora tem mais de um ano.



Serão necessárias mais algumas décadas, sonhos de dez Luther King’s e três ou quatro presidentes negros na Casa Branca. Então, talvez, quem sabe, oxalá…

(Notícia do DN via Vítor trigo)

14.3.10

Em jeito de nostalgia


No fim de um dia em que alguns fomos lendo reacções à morte de Jean-Ferrat, trocámos informações e ligações para vídeos, retenho três apontamentos:

Declarações de Georges Moustaki, 76 anos, um dos poucos sobreviventes da geração de Brel, Brassens e Ferré, sobre Jean Ferrat: «Tínhamos a mesma filosofia, o mesmo olhar», (…) era um homem engagé, mas não gritava ordens, fazia-o com poesia».

Um vídeo de homenagem (France2), com resumo biográfico:


E uma das mais belas canções de amor de sempre:
Aimer à perdre la raison (Aragon)


(Na foto: Ferrat, Brel, Ferré, Brassens e Moustaki)

E de repente, numa tarde de sol


…venceu a cubanização.

Uma ida à praia, umas horas longe de notícias e um enorme esforço para tentar perceber o que era a tal «lei da rolha» que a TSF referia mas já sem explicar.

Ainda não caí em mim mas vou começar a preparar uns posts em defesa de futuros grevistas de fome, encerrados algures numa cave da São Caetano à Lapa.

Perdeu-se o tino – definitivamente.

Diz o nu ao roto


«Sócrates mente tantas vezes que às vezes esquece-se que está a mentir.»

Uma voz a menos: morreu Jean Ferrat


Depois de Léo Ferré, Georges Brassens e Jacques Brel, desapareceu ontem mais um dos muito grandes da canção francesa.

Representante típico de gerações de intérpretes politicamente engagés, para sempre ligado a Nuit et Brouillard e a tantos outros títulos, o eterno compagnon de route do Partido Comunista Francês, que não hesitou em denunciar a invasão de Praga em 1968.
C'est un nom terrible Camarade
C'est un nom terrible à dire
Quand le temps d'une mascarade
Il ne fait plus que frémir
Que venez-vous faire Camarade
Que venez-vous faire ici
Ce fut à cinq heures dans Prague
Que le mois d'août s'obscurcit



Mais informação aqui.