4.12.25
04.12.1961 – A célebre fuga de Caxias
Em 1961, oito presos políticos personificaram uma fuga do forte de Caxias, não menos espectacular do que a de Peniche, ocorrida quase dois anos antes, mas muito menos conhecida provavelmente por não envolver Álvaro Cunhal.
Derrubar um portão de um forte com um carro blindado, e fazê-lo depois de uma longa preparação que implicou que o seu principal intérprete tenha fingido «rachar», ou seja passar para o lado da polícia, para se movimentar à vontade e preparar todos os detalhes, nada tem de trivial e é digno de homenagem e admiração.
Descrição detalhada:
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A IA está a ajudar os jovens? Népia
«São notícias isoladas que ajudam a formar o puzzle. A Deloitte recebeu 1,6 milhões de dólares canadianos para fazer um conjunto de estudos para a província da Terra Nova e Labrador. O documento, com mais de 500 páginas, foi gerado — pelo menos parcialmente — por inteligência artificial e tem referências académicas imprecisas e até inexistentes. É a segunda vez que a consultora tem semelhante problema: em outubro teve de devolver 290 mil dólares australianos por causa de um relatório entregue ao Governo de Camberra com bibliografia fantasma e citações de decisões judiciais que nunca foram proferidas. Esta semana, no “Financial Times” surge uma notícia que ajuda a ligar os pontos: c Ao diário britânico, um dos responsáveis da Management Consulted que compilou a informação das consultoras explica: “Há ganhos reais de produtividade por causa da inteligência artificial e isso tem colocado pressão sobre os salários, que é maior nos serviços profissionais e na tecnologia do que no resto da economia.”
É uma alteração de estratégia que tenderá a acentuar-se à medida que a inteligência artificial se entranha na vida das empresas. Várias organizações estão já a abandonar a tradicional estrutura em pirâmide, em que o número de pessoas na base é maior e diminui à medida que se escalam os níveis hierárquicos, e a optar por um modelo em diamante, onde são as idades intermédias que têm maior peso. Nesta fase é possível fazê-lo porque os mais velhos foram jovens que puderam começar pela base e ir subindo. Como será amanhã se os trabalhadores expe-rientes são os jovens hoje?
E o problema não se circunscreve às consultoras. Há sinais por todo o lado. O estudo recente “Generative AI as Seniority-Biased Technological Change: Evidence from U.S. Résumé and Job Posting Data”, dos economistas Seyed M. Hosseini e Guy Lichtinger, da Universidade de Harvard, nos EUA, analisou o perfil de 62 milhões de trabalhadores em 285 mil empresas americanas durante os últimos 10 anos e identificou idêntico padrão: a adoção de inteligência artificial provocou uma quebra na contração de jovens sem que tenha havido alteração no emprego de profissionais mais velhos. Bem sei que os jovens adoram a inteligência artificial. Pelos vistos, não é recíproco.»
3.12.25
03.12.1930 – Jean-Luc Godard
Jean-Luc Godard chegaria hoje aos 95. Nasceu em Paris, passou a infância na Suíça, estudou mais tarde etnologia na Sorbonne, mas o centro da sua vida passou para o Cine-Clube do Quartier Latin. Foi lá que conheceu François Truffaut e Jacques Rivette e foi com eles que lançou, em 1950, La Gazette du Cinema. A partir do início de 1952, iniciou a sua actividade nos celebérrimos «Cahiers du Cinéma»
Foi um grande senhor da «Nouvelle Vague», da época em que nos precipitávamos para salas de cinema hoje fechadas desde que um novo filme chegava a Portugal ou, mesmo antes disso, quando assistíamos a duas ou três sessões por dia num qualquer pequeno cinema do Quartier Latin em Paris.
Tenho bem presente a sua primeira longa metragem – À bout de souffle – e outras se seguiram, das quais guardo num «cofre» muito especial La chinoise e, sobretudo e para sempre, Pierrot le fou.
«Qu'est ce que je peux faire? J'sais pas quoi faire! Qu'est ce que je peux faire? J'sais pas quoi faire! Qu'est ce que je peux faire? J'sais pas quoi faire!»
Uma longa entrevista feita por Paulo Branco em 2011:
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Uma longa entrevista feita por Paulo Branco em 2011:
IIegalizar o Chega?
«Foi quando o afilhado de 11 anos começou a trautear canções de apoio ao Chega à mesa de jantar, na noite em que o partido de André Ventura passou a ser a segunda maior força política no parlamento, nas eleições legislativas de 18 de maio, que Susana começou a pensar em como agir. “Aquilo gelou-me o sangue.” Não queria passar pelo que a avó passara, pelas adversidades da ditadura de que ouviu falar em casa. “Senti nesse momento que estávamos a caminhar para um lugar perigoso.”»
O Bloco morreu, viva o Bloco!
«O Bloco de Esquerda nasceu da ressaca do primeiro referendo à despenalização do aborto, fruto do desencanto com o conservadorismo do PS. E nasceu dos despojos de uma esquerda radical derrotada duas décadas antes e de dissidências do PCP. Foi feito por quem aprendeu alguma coisa com a queda do Muro de Berlim.
Ao contrário do que muitos então pensavam, não foi uma aliança de forças de extrema-esquerda, apesar de duas delas estarem na sua génese. Nasceu porque havia, há muitos anos, um espaço por ocupar entre o PCP e o PS, já evidente na candidatura de Maria de Lourdes Pintasilgo, mais de uma década antes. As chamadas causas “fraturantes”, que correspondiam a um casamento entre a cultura marxista e as liberdades individuais reivindicadas desde os anos 60, entre a luta de classes e outras identidades, correspondiam ao ar daquele tempo. E foram a cunha que permitiu abrir uma fresta num sistema partidário que, apesar de ter sido desafiado pelo PRD, nunca tinha sido realmente posto em causa. O BE foi o primeiro a conseguir fazê-lo de forma consistente e continuada.
Ganhando força nos centros urbanos, entre jovens e intelectuais, foi alargando o seu espaço. O vício de as análises não acompanharem a evolução fez com que muitos continuassem a olhar para o BE como se fosse o inicial. Quando chega aos 10%, em 2009 e em 2015, depois da troika, o partido mudou a sua natureza eleitoral. Passou a ter menos peso no seu berço – a malha urbana de Lisboa e do Porto e o eleitorado mais jovem e qualificado – enquanto ganhava fora em grupos e territórios mais populares, em especial na península de Setúbal ou no Algarve, precisamente onde o Chega agora mais cresce. Sem que isso tivesse sido devidamente analisado, o Bloco tornou-se um partido popular.
O PARTIDO-MEGAFONE
Apesar desta mudança, a sua militância continuou a ser curta, a sua implantação frágil e a dissonância entre o partido e o eleitorado cada vez maior. Durante a austeridade, que o levou ao melhor resultado de sempre, o Bloco foi incapaz de criar movimento e descer à terra, ao contrário do que outros fizeram em Espanha ou na Grécia.
Não é fácil explicar, a quem conheça mal o partido, a razão deste bloqueio. Mas há um pecado original: nascido de correntes que se foram dissolvendo ideologicamente sem que nunca se dissolvessem como sindicatos de voto interno, a prioridade das várias tendências internas foi manter os equilíbrios, o que implicou fechar-se ao exterior, evitar crescer, evitar recrutar militância. Por outro lado, a cultura de seita nunca foi abandonada, o que fez com que o partido fosse incapaz de lidar com os movimentos sociais sem repetir os vícios do PCP, em versão piorada, porque mais amadora.
A incapacidade de o partido acompanhar o seu crescimento eleitoral com mais implantação social alimentou, no Bloco, o vício da propaganda. Aquilo a que chamei o “partido-megafone”. Um partido que lida com todos os problemas através de campanhas que medeiam a sua relação com os atores sociais. Um partido que todos ouviam, mas ninguém via.
Este isolamento não permitiu abandonar um hábito comum na extrema-esquerda: uma espécie de internacionalismo performativo, que tende a reproduzir experiências externas num território completamente diferente. Isso foi evidente na última campanha eleitoral, quando o Bloco de Esquerda pegou na campanha do Die Linke e a repetiu num contexto radicalmente diferente, chamando antigos dirigentes e organizando um porta-a-porta, como se tivesse a estrutura e história do partido de esquerda alemão. Serviu, mais uma vez, para conseguirem umas notícias nos jornais. Ainda assim, o pífio contacto direto com os eleitores, que só podia ser pífio tendo em conta a fragilidade da sua militância, serviu para que percebessem como a extrema-direita tinha conseguido alimentar uma onda de ódio contra o partido e a sua líder.
Se as conquistas da geringonça fizeram transferir o voto do BE e do PCP para o PS, que ficou com os louros do que foi obrigado a fazer pelos seus aliados (como se viu pela desgraça que se revelou a maioria absoluta) e conseguiu responsabilizá-los pelo fim desta experiência, o crescimento da extrema-direita esvaziou-os como lugar de protesto. BE e PCP ficaram associados à fase decadente do governo socialista, mesmo depois de cortarem com ele. Passaram a ser, sem grande mérito, partidos da situação.
CRIAR ELEITORADO
A ideia errada que os media têm do eleitorado do Bloco – que deixou de ser urbano, jovem e fraturante há mais de uma década – faz com que pensem que o Livre, cujo eleitorado se assemelha ao original do BE, pode substituí-lo ou tem um limiar de crescimento semelhante. As dificuldades que o Bloco tem em aproveitar a implantação popular que conseguiu em 2015 terão de ser multiplicadas por dez com o Livre. O Livre é um partido feito de e para elites culturais. Mesmo nos temas, não tem qualquer apetência popular.
Já o PCP tem demasiado lastro, demasiada rigidez, demasiada história e muito pouca disponibilidade para fazer pontes. Como se vê onde é hegemónico, como nos sindicatos, a perda de influência sindical corresponde a uma ainda menor disponibilidade para partilhar o pouco poder que resta.
O que está em causa não é um espaço político entre o PCP e o Livre, que, convenhamos, será muitíssimo curto, por estes dias. Mas uma função política: a de fazer nascer e crescer uma força popular heterodoxa, abrangente e plural, capaz de disputar o descontentamento e até o ressentimento com a extrema-direita. Como já escrevi, não se trata de juntar forças ou eleitores. Trata-se de fazer o mesmo que o Chega conseguiu: criar eleitorado.
Pela sua origem e história, o Bloco de Esquerda mistura a cultura da esquerda clássica e da nova esquerda. Tem, no seu ADN, esse jogo de cintura. Só já não tem tudo o resto: a energia mobilizadora, a militância e a leveza otimista. Porque se é verdade que o Bloco de Esquerda não é a simples união de vários grupos da esquerda radical – se o fosse, nunca teria chegado aos 10% –, não é menos verdade que carrega mais do que 25 anos de história. Carrega, pela sua génese, mais de 50.
A CONSCIÊNCIA DA CRISE É UM ATIVO
O Bloco de Esquerda morreu. Como sigla e como esperança. Morreu tanto como o CDS, que o PSD ligou à máquina do poder sem qualquer identidade própria. Isto não quer dizer que o Bloco, com a sua experiência, não seja importante para fazer renascer uma esquerda popular, à esquerda do PS, como existe um pouco por toda a Europa. Um espaço que não é ocupada por partidos como o Livre (que são, na realidade, os Verdes portugueses). A utilidade do Bloco de Esquerda será proporcional à sua humildade.
Humildade não é, como deseja a direita, autoflagelar-se pela sua derrota. Será, pelo contrário, um ato de ousadia: perceber que os partidos são meios, não um fim em si mesmos. Ao contrário do PCP, que seria, compreensivelmente, incapaz de se libertar de mais de um século de história; e do Livre, que está agarrado às idiossincrasias do seu líder natural e demasiado embevecido com o seu próprio espelho, é a crise profunda do Bloco que lhe dá a oportunidade de ser útil: é o único que tem consciência, por experiência própria, da profundidade da crise da esquerda. O único que tem consciência, por tudo o que lhe correu mal, da necessidade imperiosa de se superar a si mesmo.
Pode-se ver, na eleição de José Manuel Pureza, um sinal dessa humildade. Sem qualquer desprimor para alguém que conheço e respeito há três décadas, um homem de 66 anos não pode ser visto como um ativo eleitoral do Bloco. Mas um católico menos marcado pelos códigos muito próprios da falecida extrema-esquerda pode ser um ativo para fazer pontes e procurar, fora do partido, mais do que aliados ou compagnons de route, que um partido com 2% nunca terá. Ajudar a semear o que está a nascer e crescer em vários países europeus e nos EUA: um polo popular de esquerda que trave o desequilíbrio que está a pôr em perigo a nossa democracia.
Mas José Manuel Pureza começa o seu mandato com um problema prévio. Fabian Figueiredo, apesar de carregar o mesmíssimo lastro das derrotas, sobreviveu à saída de Mariana Mortágua. É ele o deputado único, será para ele a pouca atenção mediática que restará ao partido. Nestas condições, será Pureza o líder de facto?»
2.12.25
Hérnias
𝐎𝐬 𝐡𝐨𝐬𝐩𝐢𝐭𝐚𝐢𝐬 𝐝𝐞𝐯𝐞𝐦 𝐞𝐬𝐭𝐚𝐫 𝐡𝐨𝐣𝐞 𝐜𝐡𝐞𝐢𝐨𝐬 𝐝𝐞 𝐠𝐞𝐧𝐭𝐞 𝐜𝐨𝐦 𝐝𝐨𝐫𝐞𝐬 𝐞𝐦 𝐡é𝐫𝐧𝐢𝐚𝐬 𝐞𝐧𝐜𝐚𝐫𝐜𝐞𝐫𝐚𝐝𝐚𝐬. 𝐀𝐬 𝐓𝐕𝐬 𝐟𝐚𝐳𝐞𝐦 𝐨 𝐪𝐮𝐞 𝐩𝐨𝐝𝐞𝐦 𝐩𝐚𝐫𝐚 𝐪𝐮𝐞 𝐢𝐬𝐬𝐨 𝐚𝐜𝐨𝐧𝐭𝐞ç𝐚.
E a ONU vai emagrecendo
«O secretário-geral da ONU, António Guterres, esteve a analisar o orçamento da organização que dirige e concluiu que vai ser necessária uma redução de 2681 postos de trabalho, ou 18,8%, em comparação com a tabela de pessoal aprovada para 2025. "Embora as reduções propostas sejam substanciais, foram cuidadosamente calibradas para preservar o equilíbrio entre os três pilares da organização: paz e segurança, desenvolvimento sustentável e direitos humanos", assegurou Guterres, num momento em que a ONU atravessa uma grave crise de liquidez.»
A memória é curta
«O dado mais revelador da sondagem que revelou o Expresso está na idade. Entre os jovens adultos portugueses, André Ventura ultrapassa todos os outros candidatos somados, e o fenómeno repete-se nas democracias à nossa volta. Em Espanha, um em cada quatro jovens considera que um regime autoritário pode, em certas circunstâncias, servir melhor do que a democracia. A Europa assiste, com uma serenidade que talvez devesse inquietar, ao nascimento de uma geração criada na ideia de liberdade e que, ainda assim, olha para as instituições com o cansaço precoce de quem sente que a vida ficou aquém do prometido.
Os sinais acumulam-se há anos, mas a política tratou esta fadiga como uma irritação passageira. Para milhares de jovens, a realidade foi outra: salários que não acompanham o custo de existir, casas que se transformaram num luxo, carreiras que se confundem com estágios sem horizonte, serviços públicos que falham exatamente nos momentos em que deviam proteger. A democracia, neste quadro, deixou de ser o espaço da construção para se tornar o cenário da espera por melhorias, por estabilidade, por um futuro que tarda. E, enquanto espera, a juventude procura um pulso que lhe devolva a sensação de que alguém está a agarrar o país com firmeza suficiente para romper a imobilidade. É neste intervalo, entre a lentidão da política e a urgência da vida, que os discursos radicais encontram tracção.
A erosão da memória ajuda a explicar o resto. Portugal habituou-se a tratar o passado como superfície limpa, sem as rugosidades que definem uma ditadura. A censura, a polícia política, a ausência de eleições livres, deslizaram para o território das notas de rodapé. E basta um pequeno exercício para perceber a distância: 1985 está hoje tão longe quanto 1945 estava em 1985. Para a geração que agora vota, a liberdade foi herdada como cenário garantido; só que, quando a memória perde textura, o presente torna-se mais vulnerável à fantasia de uma ordem que nunca existiu, mas que se imagina suficiente para resolver tudo o que falhou entretanto.
Nas redes sociais, multiplicam-se narrativas que recuperam figuras e regimes sem qualquer ligação viva com a sua realidade histórica. No nosso país vizinho, a imagem de Franco reaparece com a desenvoltura de um D. Sebastião digital, convocado por influenciadores que o descrevem como administrador prudente e patriota competente, apesar de nunca terem vivido um único dia sob o seu regime. Em Portugal, a palavra ordem, por contraposição à “bandalheira dos últimos cinquenta anos” (alguém pediu já a Ventura que esclareça exactamente o que quer dizer com isto?), percorre o mesmo circuito emocional, esvaziada de contexto, convertida num símbolo de eficiência e autoridade que o passado nunca ofereceu. Não é que a história esteja a regressar. A explicação do fenómeno acaba na projeção de um desejo. Uma versão simplificada de um tempo que, por não ser lembrado, se permite reimaginar.
O resultado está à vista. Uma parte da juventude aproxima-se da direita radical porque procura um ritmo político que corresponda ao ritmo da vida. Procura clareza num país que perdeu a capacidade de a oferecer. Procura, acima de tudo, a sensação de que é possível mudar alguma coisa. E depressa. A questão que se coloca à democracia, mais do que compreender os factores da desilusão, é a de saber se ainda tem meios para a contrariar antes que a impaciência se transforme num programa de poder eleito. É que as democracias envelhecem quando deixam de produzir sentido, quando delegam no passado a tarefa de justificar o presente. E é precisamente nesse intervalo que uma geração inteira começa a procurar, noutros lugares, a clareza que já não encontra aqui. O risco é que os jovens deixem de encontrar na liberdade uma promessa que lhes fale ao ritmo dos dias.
O resto, quando acontecer, será apenas consequência.»
1.12.25
Woody Allen, 01.12.1935
Na minha próxima vida quero vivê-la de trás para a frente
Começar morto para despachar logo o assunto.
Depois acordar num lar de idosos e sentir-me melhor a cada dia que passa. Ser expulso porque estou demasiado saudável, ir receber a pensão e começar logo a trabalhar. Receber logo um relógio de ouro no primeiro dia. Trabalhar quarenta anos até ser novo o suficiente para gozar a reforma. Divertir-me, embebedar-me e ser de uma forma geral promíscuo, e depois estar pronto para o liceu. Em seguida a primária, fica-se criança e brinca-se. Não temos responsabilidades e ficamos um bebé até nascermos. Por fim, passamos nove meses a flutuar num SPA de luxo com aquecimento central, serviço de quartos à descrição e um quarto maior de dia para dia, e depois....voilá!
Acaba tudo com um orgasmo!
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01.12.1955 – O dia em que Rosa Parks recusou levantar-se
No dia 1 de Dezembro de 1955, em Montgomery, a parte da frente de um autocarro reservada a passageiros brancos já não tinha nenhum lugar vago e o condutor ordenou que Rosa Parks se levantasse e cedesse o seu na secção dos negros. Rosa recusou, foi presa e o seu acto passou a ser um marco importante na luta pelos direitos dos negros nos Estados Unidos.
A história está bem resumida neste vídeo:
E Pete Seeger não a esqueceu:
Quando polícias corruptos exploram imigrantes, André Ventura fica aflito
«André Ventura perdeu o debate na TVI com Catarina Martins logo na primeira pergunta que José Alberto Carvalho lhe fez. O líder do Chega, interrogado sobre a operação da PJ que levou à detenção de várias pessoas, incluindo dez elementos da GNR e um da PSP, envolvidos em tráfico de imigrantes, nada tinha a dizer.
As respostas de André Ventura são muito penosas de ouvir. José Alberto pergunta por que é que o interlocutor ainda não se pronunciou sobre este assunto. Ventura, claramente aflito, diz que se pronuncia “sobre os assuntos que estão na actualidade”.
José Alberto Carvalho insiste, e bem, que o assunto “é da actualidade”. Ventura foge do assunto descaradamente e diz que também “temos um assunto da actualidade”, mostrando a fotografia da fila das pessoas sem documentos na operação no Centro Comercial Babilónia na sexta-feira. Ventura, que comenta tudo o que acontece ou está para acontecer, não encontra nada para comentar sobre o escândalo do Alentejo.
José Alberto Carvalho, mostrando que é jornalista e não mestre-de-cerimónias, não larga o assunto da exploração de imigrantes com polícias envolvidos. Quase obrigado à força a reagir, Ventura tenta poupar os polícias comparando-os aos imigrantes e diz que “é tão ilegal o imigrante como o explorador”.
O moderador insiste, voltando a confrontar o candidato presidencial com o facto de alguns dos envolvidos serem da GNR e PSP. E, finalmente, Ventura concede que têm de ser “punidos”. O incómodo é brutal. Imediatamente Ventura foge do assunto que o queima, e dirige-se a Catarina Martins, culpando-a pelas leis de imigração do Governo Costa.
A seguir ao debate, para meu espanto, vi comentadores a darem a vitória a André Ventura. Quando André Ventura quer furtar-se a responder ao escândalo do Alentejo – enfim, lá responde, por causa da enorme insistência de José Alberto Carvalho – é festejado, quando André Ventura “entra na lama” é festejado, quando Catarina Martins responde à bruta aos ataques à bruta, é penalizada por “entrar na lama”.
Isto faz sentido? Nenhum. Argumentar assim não lembra ao diabo. Enfim, a grelha de análise dos debates para a eleição do Presidente da República já começa a ser parecida com a que é habitual nos comentários a seguir aos jogos de futebol.
O que se passou no Alentejo é gravíssimo. Estamos perante uma situação de escravatura de pessoas em que elementos das forças de segurança estão envolvidos. Infelizmente, este caso dá-nos o sinal do que poderá acontecer com as novas leis de imigração. Se existir trabalho, virá imigração – como acontecia em França nos anos 60 que se encheu de portugueses que “iam a salto”, pagando à pessoa que os conseguia fazer chegar a França.
A investigação da Polícia Judiciária dirige-se, não aos imigrantes propriamente ditos (a quem Ventura declarou guerra permanente), mas aos suspeitos que “se aproveitaram da situação de fragilidade (documental, social e económica) de cidadãos originários de países terceiros, na sua grande maioria indocumentados, para daí retirarem avultadas vantagens económicas”. Os elementos da GNR e PSP exerciam “o controlo e vigilância sobre trabalhadores estrangeiros”. Continuo a citar o comunicado do Ministério Público: “Estes suspeitos ameaçavam ainda aqueles cidadãos, dando-lhes a entender que a queixa às autoridades não seria uma alternativa viável para reagir aos abusos de que foram ou estão a ser alvo.”
O leitor tem a certeza que os mais de 20% de eleitores que votaram no Chega nas legislativas se identificam com estes agentes de segurança que exploraram estes imigrantes? Eu, por acaso, não tenho nada essa certeza.
A questão é que o medo que André Ventura demonstrou no debate da TVI, perante José Alberto Carvalho, a falar deste caso, transmite a ideia de que está convencido de que entre os polícias corruptos e o eleitorado do Chega existe uma grande simpatia mútua.
Os elementos das forças de segurança não foram agora detidos por uma questão processual: as escutas não estavam transcritas e a juíza não aceitou escutas não transcritas.
Aquele debate da TVI tem história e não é a “lama”: é a incapacidade de André Ventura falar sobre a exploração de imigrantes se meter membros das forças de segurança. Já se tinha assistido à defesa do Chega do polícia que assassinou Odair Moniz, sem qualquer compaixão pelo morto.
Este país ainda tem um regular funcionamento das instituições. Mas ninguém tenha dúvidas de que, caso a revisão constitucional para dar mais poderes ao Presidente da República que Ventura defende fosse avante, íamos ter outro país. Estas são mesmo as eleições presidenciais mais importantes da democracia.»
30.11.25
Dos debates aos comentários
«Os debates na televisão entre os vários candidatos à Presidência da República seguem um modelo que se aproxima do stand-up. Mesmo que os candidatos nada façam para cumprirem os protocolos e as exigências desta forma de espectáculo, eles são coercivamente enquadrados nele e avaliados pelo grau de competência demonstrado na performance por um júri que representa o papel da opinião pública e encena uma versão abreviada daquilo que desde o Iluminismo se chama “espaço público”. O júri é composto por um conjunto de pessoas designadas como “comentadores” cuja tarefa é encerrar o espectáculo com os seus juízos críticos e apreciações quantificadas.
Neste modelo de debate procura-se um ganhador e um perdedor. E ganha sempre quem revela mais destreza na eloquência, quem consegue ter alguma habilidade para argumentar e um certo sentido da dialéctica (qualidades, aliás, cada vez mais escassas) naquele ambiente muito pouco favorável a tais realizações. Ali, muito embora pareça que se trata de política, a despolitização é a regra.
O júri cumpre um papel essencial: é ele que, em última instância, dá sentido às performances. Sem ele, o espectáculo da contenda ficaria incompleto e seria muito mais desinteressante. É preciso sublinhar o clash, promovê-lo, encontrar no discurso político um sentido agónico. As polarizações que caracterizam o ambiente político em que vivemos, os tropismos que fazem emergir os extremos, têm os seus utensílios retóricos reconhecidos e valorizados. São eles os mais valorizados e a eles recorrem com frequência os participantes nestes debates porque têm uma eficácia táctica. Esses instrumentos tácticos dominam os debates e asseguram a vitória a quem melhor se servir deles. E a táctica é o que os comentadores observam com mais facilidade, logo, o que garante nota alta.
Na época em que a crítica literária e da arte tinha adquirido uma enorme pujança, impôs-se a ideia de que os juízos sobre a poesia têm mais valor do que a própria poesia (e poesia vale aqui pela arte em geral). Hegel, nas suas lições de Estética, explica porquê: porque a obra de arte deixou de satisfazer as necessidades “espirituais” que nela tinham encontrado as épocas precedentes; e, por isso, na sua “suprema destinação”, a arte chegou ao seu fim. Assim é hoje com a política e o debate político: manifestações de um final de festa.
Em tempos de despolitização, o que tem algum valor e suscita o interesse da audiência são os juízos sobre os debates e as performances dos seus protagonistas. Os comentadores mostram, mesmo se não têm consciência disso, o estado de exasperação do discurso político. São convocados por um vazio que lhes coube em jeito de missão preencher. E são afectados pelo demónio da reversibilidade: eles comentam o discurso dos candidatos ou estes calculam o seu discurso para resultar num comentário? Quando a noção de época correspondia a um tempo histórico muito mais longo e a um “espírito” que a autonomizava e lhe conferia sedimentação, instituiu-se a ideia de que há períodos de decadência; e a proliferação do comentário seria a marca mais conspícua desses períodos (refiro-me, evidentemente, a um género de comentários cuja manifestação é uma literatura e uma filosofia secundárias). O barroco trans-histórico e os finais de século serviram com alguma verosimilhança essa ideia de decadência.
A desvalorização da linguagem política é o sintoma de uma doença, um mal-estar da democracia. O conceito de pós-democracia, como sabemos, fez o seu caminho com alguma indefinição, mas, ainda assim, de maneira útil. Já estamos habituados a que, sempre que o prefixo “pós” se impõe como declinação de algo novo, mas que resulta de uma profunda inflexão do antigo, a certa altura se comece a pensar em modo “des”. É o que já está a acontecer com a democracia: a pós-democracia já começa a ser um conceito pouco útil e já há quem coloque a hipótese da “des-democracia” (devemo-la às análises da autoria da norte-americana Wendy Brown, professora de Ciência Política na Universidade da Califórnia).
A desdemocracia já se manifesta de outra maneira que não é a de um mal-estar da democracia: não é um mal infligido por causas exteriores, mas uma doença interna que decorre do seu desenvolvimento interior. A ascensão de sentimentos fascistas e o desejo autoritário, isto é, de uma ordem governada por uma personalidade autoritária (fazendo coincidir a política com uma psicologia), configuram uma desdemocracia em curso, uma democracia que se está a desfazer a partir do seu interior, num processo de degenerescência que faz nascer o desejo autoritário.»
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