3.12.22

E ainda Woody Hallen

 


Aqui fica mais esta.
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Chico - Futuros amantes



03.12.1930 – Jean-Luc Godard

 


Jean-Luc Godard chegaria hoje aos 92 e morreu esta ano, há pouco mais de dois meses. Nasceu em Paris, passou a infância na Suíça, estudou mais tarde etnologia na Sorbonne, mas o centro da sua vida passou para o Cine-Clube du Quartier Latin. Foi lá que conheceu François Truffaut e Jacques Rivette e foi com eles que lançou, em 1950, La Gazette du Cinema. A partir do início de 1952, iniciou a sua actividade nos celebérrimos Cahiers du Cinéma

Esse grande senhor da «Nouvelle Vague», da época em que nos precipitávamos para salas de cinema hoje fechadas desde que um novo filme chegava a Portugal ou, mesmo antes disso, quando assistíamos a duas ou três sessões por dia num qualquer pequeno cinema do Quartier Latin em Paris, anda por cá há 89 anos.

Tenho bem presente a sua primeira longa metragem – À bout de souffle – e outras se seguiram, das quais guardo num «cofre» muito especial La chinoise e, sobretudo, para sempre, Pierrot le fou.







«Qu'est ce que je peux faire? J'sais pas quoi faire! Qu'est ce que je peux faire? J'sais pas quoi faire! Qu'est ce que je peux faire? J'sais pas quoi faire!»

Uma longa entrevista feita por Paulo Branco em 2011:


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Como o flautista de Hamelin, o comentador Marcelo põe em causa o futuro de Portugal




«O comentador Marcelo Rebelo de Sousa (M.R.S.) constitui, pelo seu recente comportamento, uma ameaça à credibilidade da instituição da Presidência da República e ao futuro de Portugal. Começo com uma declaração de interesse: votei em Marcelo Rebelo de Sousa nas eleições presidenciais de 2016 e de 2021. Nas duas ocasiões, estava convicto de que a sua eleição poderia ser importante para o futuro país. O problema é que, em vez de um Presidente da República, elegemos um comentador com urgência pessoal e compulsão para se pronunciar, instantaneamente, sobre tudo.

Há duas semanas, no final do último jogo de preparação da seleção nacional de futebol contra a Nigéria, M.R.S. teceu uma série de considerações sobre a equipa portuguesa e, sem que ninguém o tivesse questionado sobre o assunto, afirmou: “O Catar não respeita os direitos humanos. Toda a construção dos estádios e tal... mas, esqueçamos isto. É criticável, mas concentremo-nos na equipa.” Estas suas afirmações e a forma como as justificou, em Portugal e em Doha, revelam um problema grave e persistente.

Os factos: em 2010, a atribuição da organização do Campeonato Mundial de Futebol pela FIFA ao Catar foi extremamente polémica. Tudo indica que muito dinheiro terá sido decisivo para o resultado final. Todavia, não era inédito. Tal já tinha acontecido noutros campeonatos. Há algo de muito podre no império da FIFA que, entretanto, já modificou o método de escolha para futuros campeonatos. Em 2013, a Amnistia Internacional chamou a atenção para as condições desumanas em que migrantes, sobretudo asiáticos, trabalhavam na construção dos estádios de futebol e das infraestruturas necessárias para a realização do torneio no Catar. Tudo isto era do conhecimento público.

Que terá levado M.R.S. a fazer afirmações sobre o assunto e neste momento? Só ele poderá responder. Mas os que têm presentes uma série de declarações extemporâneas e infelizes suas nos últimos tempos poderão tirar duas conclusões. A primeira é que M.R.S. parece ter hoje menor capacidade de avaliar o que diz, como diz e o seu impacto. O comentador terá esquecido que é Presidente da República. Fala porque lhe apetece falar e dizer qualquer coisa todos os dias. Passando à segunda, a sua área de eleição no comentário foi sempre a política interna. A política internacional não é universo em que M.R.S. se sinta à vontade. Por vezes, o Presidente da República anula o comentador que persiste em si e produz um bom discurso, como o do passado dia 3 de novembro no Instituto de Defesa Nacional.

O Catar é um país recente. Tornou-se independente em 1971. Estado pequeno com uma característica singular: enorme ambição a nível regional e mundial. O seu instrumento político tem sido o gás natural, especialmente o liquefeito (LNG, na sigla inglesa), de que é um dos maiores produtores mundiais. A guerra da Rússia contra a Ucrânia aumentou ainda mais a importância de Doha nos mercados internacionais de energia. Como a transição energética deverá ser bem mais longa do que os decisores políticos europeus desejam, esta energia fóssil continuará a ser importante nas próximas décadas. Assim, daqui para frente a Europa dependerá mais, e não menos, do Golfo Pérsico e do Mediterrâneo.

Tal como aconteceu com todos os países que organizaram o Campeonato Mundial de Futebol, Doha vê neste torneio um evento de grande afirmação política regional e mundial. É o primeiro Mundial que tem lugar no Levante. Sabe-se que a liderança do Catar ambiciona ser uma ponte entre o mundo árabe sunita e outros continentes e culturas. Tudo indica que os decisores do Catar tenham subestimado os efeitos das críticas internacionais em relação à situação dos direitos humanos no seu país. As críticas deverão aumentar nos próximos dias. Esta semana, Hassan al-Thawadi, alto-funcionário do Catar com responsabilidades na organização do Mundial, afirmou numa entrevista a Piers Morgan que “a estimativa [de migrantes que morreram durante os trabalhos de construção das infraestruturas desportivas e urbanas] é à volta de 400, entre 400 e 500”.

Foi neste contexto que M.R.S. reafirmou a sua intenção de ver o jogo de Portugal contra o Gana e falar dos direitos humanos em Doha. As suas declarações na capital do Catar foram reproduzidas quase de forma triunfal por parte da imprensa em Portugal. Infelizmente, tal coincidiu com o desmantelamento de uma importante rede de tráfico humano e de trabalho escravo no Baixo Alentejo pela Unidade Nacional de Contraterrorismo da Polícia Judiciária (PJ). Como afirmou Luís Neves, diretor nacional da PJ, de forma exemplar, esta operação foi “um trabalho dos direitos humanos”. No Catar, todavia, M.R.S. exagerou e apresentou Portugal como um líder internacional na defesa dos direitos das mulheres. Muito convenientemente, esqueceu-se de relembrar que mais de 500 foram assassinadas no país nos últimos 15 anos.

Como vimos, um número semelhante de migrantes terá morrido no Catar durante a construção dos estádios, complexos desportivos e rede do metropolitano desde 2010. Em Doha, M.R.S. afirmou ainda que Portugal lidera também na “educação para a revolução digital”, tem a Web Summit, “unicórnios” e imensas start-ups. Tudo isto no momento em que o Instituto Nacional de Estatística publicou os resultados dos Censos 2021, que apontam para um país muito envelhecido e despovoado. Em Portugal, a taxa de pobreza antes das transferências sociais está nos 43,4%, o que não pode ser motivo de orgulho.

Estas declarações de M.R.S. na capital do Catar são um exemplo do seu paroquialismo e isolamento. Desde 2001, os interesses permanentes de Portugal nunca impediram qualquer Presidente da República de visitar oficialmente os Estados Unidos apesar de Guantánamo. No que toca ao Catar, não há razões diplomáticas que justifiquem uma ou várias viagens presidenciais agora. A verdade, como todos sabemos, é que o comentador M.R.S. quis “ir à bola”.

A grande contribuição de M.R.S. como comentador tem sido a infantilização permanente de Portugal. Tal como o flautista de Hamelin, um dos meus contos favoritos dos irmãos Grimm, Hamelin atrai-nos com uma sucessão diária de factos e histórias que nos conduzem de forma silenciosa à irrelevância. Não necessitamos de “visões de futuro”. Os portugueses necessitam que um Presidente da República, corajoso, competente e bem informado lhes sugira uma trajetória para atingir um conjunto de fins em que a maioria se reveja, isto é, uma estratégia. Estou convencido de que a maioria dos portugueses não precisa de continuar a ser entretida nem menorizada por M.R.S..

Alguns dos leitores regulares desta coluna poderão ficar surpreendidos com este texto. Não têm razão. Este é um exercício de afirmação cívica de que não prescindo enquanto cidadão português que vive nos Açores e está crescentemente preocupado com o futuro dos seus três filhos. É tudo. Portugal precisa do seu Presidente da República agora. 

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2.12.22

Talheres

 


Talheres em prata de lei, Paris, cerca de 1900.
Victor Leneuf.


Daqui.
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Património Imaterial da Humanidade

 


E a bela baguete francesa é Património Imaterial da Humanidade.
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Machismo à la carte?

 


«A minha primeira questão é imaginar se alguém perguntaria a Barak Obama e John Key se eles se reuniriam, ou não, por terem a mesma idade.»
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Migrantes, o paradoxo da legalidade

 


«Quando uma rede de trabalho escravo e de tráfico de seres humanos é descoberta, como sucedeu agora em Odemira, tendemos a focar-nos no papel hedion¬do de indivíduos e redes que exploram, de modo indecente, pessoas que se encontram em situação de vulnerabilidade extrema. Raramente se aborda de que modo é que as políticas públicas de migrações contribuem ativamente para a criação dessas situações de vulnerabilidade.

Desde 2007 que a legislação portuguesa tem incluído, sucessivamente, várias possibilidades de regularização de migrantes, tanto por razões humanitá¬rias como por motivos ligados às necessidades de fortalecer o mercado laboral. Esta política generosa surge em contraciclo com orientações da União Europeia, que tem sucessivamente pedido aos Estados-membros que se abstenham de promover programas de regularização em massa de migrantes.

A entrada ou permanência ilegal no território constitui, em princípio, uma fonte de vulnerabilidade do trabalhador migrante. Contudo, também os migrantes que têm a sua situação regularizada estão sujeitos a tráfico e exploração. Na verdade, estes riscos muitas vezes dependem de outras circunstâncias, relacionadas com a capacidade de acolhimento do Estado, o possível ‘efeito de chamada’ de regimes de regularização excessivamente generosos, a falta de fiscalização e a dependência dos trabalhadores face aos empregadores ou agências que os recrutam. Surge então um paradoxo, designado, na literatura académica, por ‘paradoxo da legalidade’: países que decidem abrir as suas fronteiras à migração controlada, adotando políticas que, à partida, se revelam amigas dos direitos humanos, acabam por contribuir para aumentar a vulnerabilidade dos migrantes e deixá-los mais suscetíveis a situações de tráfico e exploração.

A estratégia de adoção de políticas generosas de regularização impunha ao Estado português deveres sérios de proteção desta camada frágil da população que se dispôs a acolher, não apenas por motivos humanitários, mas também por razões ligadas a interesses económicos nacionais. A professora Ana Rita Gil, da Universidade de Lisboa, analisou a imigração da zona de Odemira, confrontando-a com as sucessivas alterações à lei de imigração, e concluiu que as mesmas comportavam riscos de efeito de chamada e de convite à sujeição a situações indignas, tendo em vista a regularização ao fim de um ano. Alertou também para a falta de capacidade do Estado português para implementar estas políticas. Infelizmente, não estava errada.

É ao Estado que compete fiscalizar quem entra nas nossas fronteiras, de que modo, quem é contratado e em que termos. Num mercado de trabalho caracterizado por um desequilíbrio estrutural de poder, como é o trabalho em estufas, composto essencialmente por trabalhadores migrantes, é o Estado que deve garantir a existência de legislação e serviços de fiscalização tendo em vista a prevenção de trabalho forçado.

Sobre Odemira, o ministro da Administração Interna, José Luís Carneiro, referiu que se trata de um problema estrutural que mostra que ‘a sociedade tem vindo falhar’. Uma claríssima lavagem de mãos, digna de Pilatos. Quem tem vindo a falhar estruturalmente é o Estado, não a sociedade.»

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1.12.22

Evitar nas prendas de Natal

 

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Woody Allen

 


Chega hoje aos 87.
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Timorenses enganados e abandonados

 


Isto é terrível, para os timorenses e para muitos outros. Mas nós vivemos o drama de Timor de um modo muito especial, enchemos ruas, pendurámos lençóis brancos nas janelas, gritámos o «Ai Timor». Para isto? Mas haverá sempre as Mariana(s) Carneiro que não desistem – nas TVs, nas burocracias e em casa onde alberga uma família.
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Pedro Tamen

 


Seriam 88. E a falta que me faz não poder mandar-lhe um mail e esperar a resposta.
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A falta de excedente

 


«Temos um aeroporto em Lisboa onde aterram os turistas que vêm visitar-nos. Será que não chegam os turistas que já temos?

Pelos vistos, não, não chegam. Os turistas que chegam a Lisboa podem parecer muitos a quem teima andar pela Baixa, pelas zonas históricas e pelo centro da cidade. Mas, na verdade, são poucos.

Não chegam, por exemplo, para ocupar as zonas da cidade onde ainda persiste uma maioria de lisboetas que ainda não foram beneficiados pelo turismo. Também não chegam para cidades maravilhosas como Vila Franca de Xira, que são prejudicadas pela falta de excedente de turistas.

A falta de excedente é das piores aflições que uma cidade pode conhecer. Infelizmente, os turistas são monomaníacos e querem, a toda a força, ficar no centro de Lisboa, onde estão todos os outros turistas, servidos atenciosamente por alguns locais (ou locals) escolhidos que fazem de vizinhos e recomendam o melhor pastel de nata do bairro.

Felizmente, para nós portugueses, é fácil descobrir qual é: é aquele que se vende numa loja chamada O Melhor Pastel de Nata do Bairro. Não precisamos de ajuda. Mas eles sim.

Só havendo excedente de turistas e falta de camas é que eles serão forçados a gramar os encantos dos arrabaldes alfacinhas, tão castiços e autênticos, onde o abacate é servido em pão saloio e há sempre uma avozinha com bigode a ajudar na cozinha que “no spika da inglish”.

Um novo aeroporto é a única maneira de enfiar mais uns milhões de turistas nas malhas do nosso tão pouco anafado tecido urbano. A TAP já pediu que não houvesse limitações de horário, como há desgraçadamente na Portela, para fazer frente às exigências dos dorminhocos.

Mas há esperança. Um dia há-de vir em que se compreenderá que é muito violento pedir a um estrangeiro que se meta num avião para vir visitar o nosso país.

Finalmente, poderão construir-se passadeiras rolantes de alta velocidade que liguem as grandes cidades europeias a Lisboa e ao Porto. Gratuitas, obviamente.»

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30.11.22

Estações

 


Uma estação Arte Déco, Taormina (Sicília), inaugurada em 1928.
Arquitecto: Roberto Narducci.


Daqui.
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Chico e Gal Costa

 


Chico Buarque mudou o repertório de seu show 'Que tal um samba?' para fazer uma singela homenagem a Gal Costa. Com a imagem da cantora projectada, interpretou a canção 'Mil Perdões', de sua autoria, um grande sucesso na voz da amiga baiana. A homenagem fará parte do roteiro.

Daqui.
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Em modo ironia (minha)

 


«Não percebem nada: vai uma mulher a representar Portugal para ver se aprendem. E eu já me livrei desta!» -A. Costa.

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O poder das folhas em branco

 


«Há uma frase de Churchill que me vem quase sempre à memória quando vejo, em diferentes pontos do globo, os protestos das pessoas comuns contra regimes autocráticos. Já adivinhou, caro leitor cara leitora, qual é essa frase: "A democracia é a pior forma de governo, à excepção de todas as outras". E não apenas porque assenta no respeito da liberdade e da dignidade de cada um, mas porque acaba por ser também a forma de governo mais eficaz. À primeira vista, pode parecer mais fraca. Na realidade, é mais forte.

Há quase três meses que as mulheres iranianas lançaram um movimento contra a obrigação do véu, que lhes era imposta brutalmente por um regime teocrático que as trata como cidadãs de terceira categoria.

Esse movimento, cujo rastilho foi a morte da jovem Mahsa Amini, depois de ter sido presa pela chamada polícia dos costumes por usar o véu mal posto, alastrou ao país inteiro. Mantém-se imparável, apesar da violência da repressão. Mais de 400 vítimas mortais e 14 mil prisões, segundo dados das Nações Unidas. Cresce a cada nova vítima. Contagia os meios intelectuais e artísticos, e sectores fundamentais da economia. Chega ao Mundial do Qatar, onde a selecção iraniana se recusou a cantar o hino nacional do Irão. Põem em causa perante o mundo inteiro a legitimidade do regime dos ayatollah, mostrando a sua face mais negra, mas também a sua manifesta incapacidade para eliminar os protestos.

Hoje, no entanto, o nosso olhar está virado para o que se passa na China, sujeita a um regime comunista implacável e liderada por um chefe supremo que quis ver-se "entronado" no XX Congresso do Partido Comunista Chinês, em Outubro, como um segundo Mao.

Milhares de pessoas em centenas de cidades vieram para a rua, continuam na rua, em protesto contra a política de covid-zero seguida pelo Governo de Pequim desde o início da pandemia. Em Xangai, Pequim, Wuhan, Chengdu, Guangzhou, Nanjing e em quase todas as grandes cidades chinesas. Basta que apareça um caso.

Os confinamentos são impostos com um rigor draconiano, fechando centenas ou milhares de pessoas em prédios de 20 andares, bairros inteiros, sem excepções, nem sequer a garantia de apoio em caso de doença grave, falta de alimentos ou outras causas semelhantes. É uma realidade que nem sequer conseguimos imaginar. Justificada pelas autoridades com o objectivo de salvar vidas. Mas que tornam a vida de milhões de chineses num verdadeiro inferno sem fim à vista.

Apesar da política de covid-zero, os casos têm aumentado exponencialmente nas últimas semanas. A explicação para este novo surto pode estar na pouca eficácia da vacina produzida na China e na recusa chinesa de comprar vacinas produzidas nos países ocidentais.

Desta vez, caro leitor, cara leitora, o rastilho para os protestos começou na região do Xinjiang, onde vive a minoria uigur, já de si condenada pelo regime a viver numa espécie de campo de concentração. Um incêndio num prédio com as portas bloqueadas pelas autoridades matou dez pessoas. Os protestos espalharam-se rapidamente às grandes cidades chinesas, mobilizaram os estudantes das universidades, incluindo as mais prestigiadas, em Pequim. Já encontraram a sua imagem icónica: folhas de papel em branco que os manifestantes exibem para dizer que estão impedidos de falar. A ideia nasceu em Hong-Kong, em 2020, quando a China acabou com a política de "um país, dois sistemas" e impôs uma nova lei de segurança que proibiu qualquer protesto.

"O que eu sinto é que, durante algumas horas, sou livre", diz uma mulher de trinta anos, de Xangai, citada pelo Monde. "Mesmo que seja por um tempo muito curto, por uma vez digo aquilo que tenho vontade de dizer". "Não esquecemos o 4 de Junho", uma referência directa ao massacre de Tiananmen. "Abaixo Xi". "Abaixo o Partido Comunista". "Queremos liberdade".

A presença das televisões estrangeiras e a proliferação de imagens e de mensagens nas redes sociais foram mais fortes do que os mecanismos criados pelo regime chinês para controlar a Internet. A China montou um sistema de controlo electrónico dos cidadãos que é a inveja de todas as ditaduras. Muitas dessas imagens são apagadas. Aparecem outras. Sucedem-se os confrontos com a polícia. Até agora, a repressão visível tem sido contida. O regime não permitirá o alastramento dos protestos nem, muito menos, que as palavras de ordem deixem de ser apenas sobre uma exigência social – o alívio dos confinamentos e da obrigatoriedade permanente dos testes –, para passarem a ter uma natureza política.

Desde Tiananmen


29.11.22

Livrarias

 


Livraria Lello, Porto, inaugurada em 1906.
O exterior do edifício tem uma arquitetura mista sugerindo elementos neogóticos e de Arte Nova e, no interior, elementos de Arte Déco .
Arquitecto: Francisco Xavier Esteves.


Daqui.
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O Irão não desiste

 


Imagens impressionantes da greve dos motoristas de estrada no Oeste do Irão. Num país onde os sindicatos não existem de maneira adequada, a organização deste tipo de acção é extremamente complicada e corajosa. #MahsaAmini

Farid Vahid no Twitter
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Vencer a morte

 


«Primeiro, em 1977, sequestraram o seu filho mais velho, Jorge, depois o outro, Raúl. Um ano depois, os militares levaram a nora, María Elena. Nenhum deles voltou a aparecer com vida. Até então, Hebe de Bonafini, era, aos 48 anos, “apenas uma dona de casa” argentina, para quem “a situação económica e política no meu país era indiferente”. “Mas desde que o meu filho desapareceu, o amor que senti por ele, a ânsia de o procurar até o encontrar, de exigir que me fosse entregue, o encontro e o desejo partilhado com outras mães que sentiam o mesmo desejo que o meu, puseram-me num mundo novo, fizeram-me saber e valorizar muitas coisas que eu não sabia e que antes não me interessava saber” (entrevista ao Página Digital, 12.2.2002).

Hebe de Bonafini morreu no dia 20. Tinha 93 anos e foi a mais destacada dessas mulheres extraordinárias que, denunciando os sequestros e assassínios perpetrados pela ditadura argentina (1976-83), ajudaram à queda desta e foram decisivas para se conseguir o julgamento dos seus responsáveis. Quando, depois do fim da ditadura, o poder político se sujeitava à chantagem dos militares e recorria à retórica rançosa da “reconciliação” que normalmente serve sempre apenas para indultar ricos e poderosos declarados culpados daquilo que julgam poder fazer impunemente, ela não parou enquanto não conseguiu que voltassem à prisão os poucos militares que haviam sido condenados e que fossem processados todos os responsáveis pelos 30 mil desaparecidos da ditadura argentina.

Foi graças a ela e às Madres de la Plaza de Mayo que a Argentina se tornou o caso mais notável, e mais digno de uma democracia, de uma justiça transicional que procurou efetivamente apurar as responsabilidades na violação de direitos humanos. Nem no Chile ou em Espanha, no Brasil ou em Portugal, tal foi feito. Consegui-lo foi, em grande medida, produto da coragem em desafiar o poder de umas dezenas de mulheres que, partir de abril de 1977, todas as quintas-feiras, lenço branco na cabeça, se reuniram na Plaza de Mayo de Buenos Aires, em frente ao palácio da presidência, para exigir saber dos seus filhos desaparecidos. Eram mães e avós de militantes de esquerda, sindicalistas, jovens ativistas que na Argentina dos anos seguintes ao golpe de Pinochet no Chile procuravam resistir à deriva autoritária do Estado e foram sujeitos ao que o Direito Internacional passou a designar como “desaparecimento forçado”. Como escreveu o Papa Francisco no dia da sua morte, “a sua valentia e a sua coragem, em momentos em que imperava o silêncio, impulsionou e depois manteve viva a busca da verdade, da memória e da justiça”.

Trinta anos depois, as Madres de Mayo podiam orgulhar-se de ter criado um movimento social imparável que obrigara o novo presidente Kirchner a revogar a amnistia e os indultos que Alfonsín e Menem haviam decretado para os perpetradores e forçar à reabertura dos processos. Bonafini, que, ao contrário de outras que a ditadura também sequestrou e matou, sobreviveu à repressão e a todos os processos que a direita argentina lhe moveu, lembrou então que, “face ao poder” do Estado, “pusemos o nosso corpo que é a única coisa que temos para pôr”. “Vencemos a morte, queridos filhos. Vencemos o verdugo!”, disse ela aos desaparecidos. “E isto é vida pura, cheia de amor e de abraços.” Apesar dessa vitória, “ainda há muito que fazer. Ainda há fome, desemprego, falta de casas”, reiterava ela, lembrando que a luta pelos direitos humanos não se esgota nunca em processos na justiça nem na recuperação da memória. E, justamente por isso, em nome dos valores por que foram assassinados os desaparecidos, Bonafini manteve-se sempre intransigente “contra as homenagens póstumas [com] que os políticos que estiveram de acordo com a ditadura se limpam”. Na Faculdade de Arquitetura de Buenos Aires, por exemplo, 145 estudantes foram sequestrados e assassinados pela ditadura e agora “queriam colocar todos os seus nomes numa parede”, como se tivessem sido “levados para estudar Arquitetura. Não, falta o principal: eram revolucionários, e foram [mortos] por isso mesmo! Rejeitamos as homenagens, as placas, os monumentos, e continuamos a dizer que os nossos filhos estão vivos, com cada vez mais força!”. Como ela e os seus valores. Vivos.»

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E o protesto activista chegou ao Mundial

 


Ontem e foi assim.
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28.11.22

Portugal-Uruguai

 


Bem a propósito... hoje, umas horas antes do jogo.
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Protestos na China

 


«Arrepiante. O hino nacional. Especialmente a frase 'qi lai!' ('levante-se!'). Nunca vi nada assim, excepto em Hong Kong.»
[Deixo a citação como está, mas não estão a cantar o hino nacional da China, mas sim a Internacional.]
Eva Rammeloo no Twitter
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O subterrâneo caminho da liberdade na China

 


«Segundo a Wikipédia, “as Equações de Friedmann são um conjunto de equações em cosmologia física que governam a expansão métrica do espaço em modelos homogéneos e isotrópicos do Universo dentro do contexto da Teoria Geral da Relatividade”.

Nos protestos, de uma dimensão inédita em anos recentes na China, alguns estudantes da Universidade Tsinghua, em Pequim, seguraram folhas A4 com a principal equação do conjunto de Friedmann. Mas, como explicava Nathan Law, activista de Hong Kong exilado em Londres, os estudantes estão pouco interessados nos caminhos abertos por Einstein, mas antes na forma como se pronuncia o nome da equação, algo similar a “free man” (homem livre).

Não se deve desvalorizar a carga política das manifestações que têm irrompido na China, por elas surgirem como reacção às restrições da política de “covid zero”. A China é uma ditadura, um país dominado por um partido único, onde qualquer manifestação de divergência política é firmemente abafada.

Com vários surtos a resultar em 40 mil casos, o valor mais elevado desde a eclosão da pandemia no final de 2019, com a economia a esmorecer e, principalmente, com a violência para milhões de vidas que têm sido as drásticas medidas de isolamento, os chineses perguntam-se como o resto do mundo pode estar aos pulos, sem máscara, nas bancadas do Mundial de futebol.

O desespero, pelo cansaço resultante das opressivas medidas contra a covid, dá aos manifestantes chineses o impulso para levar para a rua a sua insatisfação, mas revelam que o mal-estar tem raízes mais profundas, quando o verbalizam com slogans pela deposição do Presidente Xi Jinping, contra a censura e a favor da democracia. Esse sistema imperfeito, onde dificilmente uma decisão que se está a revelar absurda sobreviveria muito tempo à teimosia dos que detêm o poder.

Fazem-no com a coragem de quem põe em risco a sua vida e com a imaginação de usar as equações de Friedmann ou simples papéis em branco para dizer do muito que os oprime. Não é só a covid, como no Irão não foi só o véu e a condição das mulheres. Os jovens de ambos os países sabem bem que, para mudar a substância do mal que enfrentam, para terem um futuro aceitável, é preciso derrubar o sistema.

Para os que acreditam que o futuro do mundo está em causa numa guerra travada nas planícies geladas da Ucrânia, onde é preciso mostrar que não é a lei do mais forte que deve prevalecer, não deixa de ser reconfortante ver que o desejo de liberdade continua a fazer o seu libertador caminho subterrâneo, mesmo no meio das mais sombrias ditaduras.»

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27.11.22

Estações

 


Estação Ferroviária do Rossio, Lisboa, Portugal. Projectada entre 1886 e 1887.
Arquitecto: José Luís Monteiro.

Daqui.
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Fim

 



E viva Portugal


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United Colors of Portugal

 


«A constatação não espantará ninguém, em particular aqueles que vivem nos grandes aglomerados urbanos: há estrangeiros a servir à mesa, na advocacia, a abrir negócios locais, a dar aulas, a conduzir TVDE, na construção civil, ao balcão das farmácias, a tratar doentes nas urgências hospitalares e na caixa do supermercado. A profunda alteração demográfica que tem ocorrido em Portugal nos últimos anos acontece, curiosamente, em sentido contrário à ascensão de um pensamento político radicalizado que ostraciza tudo o que vem de fora. E por isso a realidade do acolhimento entre nós traduz um comportamento social que mostra resistência a nacionalismos bacocos. Os estrangeiros têm hoje praticamente presença em todas as áreas vitais da economia.

O mais recente retrato do país servido pelo Censos é um abanão: um quinto da população vive em apenas 1% do território. Somos menos, fazemos menos filhos, estamos mais velhos, concentramo-nos numa pequena faixa do litoral, estamos mais sozinhos e as famílias monoparentais aumentaram consideravelmente. Os divorciados suplantam já os viúvos. Porém, no meio deste quadro enegrecido, há um dado positivo: só não somos muito menos graças ao crescimento da população estrangeira, que ultrapassa já meio milhão de pessoas (o que equivale, grosso modo, ao dobro dos habitantes que perdemos numa década). Felizmente que apenas uma parte singela de nós ainda acredita que os estrangeiros vieram para cá roubar-nos os empregos e os rendimentos. Portugal é hoje um país multicultural e multiétnico. E essa pegada é quase transversal ao território.

Aliás, os números só não são mais expressivos - e olhando concretamente para o decréscimo dos imigrantes africanos - porque entretanto alguns adquiriram a cidadania portuguesa, cumprindo, dessa forma, uma integração plena no país que agora é o deles. Por isso, da próxima vez que escutarem um pistoleiro político a diabolizar a imigração, lembrem-se de que, se não fossem os estrangeiros, o país demográfico que segue à deriva seria já um navio naufragado no fundo do mar.»

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