7.12.24

É tempo de vermos mais portas

 


Porta Arte Nova de um prédio, Berlim, 1904-1905.
Arquitecto: Heinrich Theising.


Daqui.

Notre-Dame salvará Macron?

 


«Poderá a “ressurreição” de Notre-Dame “salvar” Macron? Não por acaso ele fez desta obra um dos momentos mais relevantes do seu mandato presidencial.

Hoje, após o fiasco da dissolução do Parlamento e em plena crise de credibilidade, Macron pode dizer: “Sim, em Abril de 2019, decidimos que isto demoraria cinco anos. É verdade que na altura muitos disseram que não seria possível, que era uma loucura, que era arbitrário e correria mal. Mas, no fundo, o objectivo último era simples e houve uma agregação de todas as vontades.”

Que mensagem envia? Na visita à catedral a 29 de Novembro, homenageou as 2000 pessoas que trabalharam na reconstrução e que denominou como os ‘alquimistas do estaleiro que transformaram o carvão em arte’: “O braseiro da Notre-Dame era uma ferida nacional e vós encontrastes o seu remédio pela vontade, pelo trabalho, pelo empenho. (…) Conseguistes o que se pensava impossível. (…) Mostrastes ao mundo que nada resiste à audácia.”»


Volte para a sua terra?

 


Quem ignorou os pirómanos que apague o fogo

 


«Quem, na oposição, aceitou equiparar a PSP e a GNR à PJ, forças incomparáveis nas funções, critérios de entrada ou exigências de exclusividade, estava, quando chegasse ao poder, condenado a beber o cálice da demagogia até ao fim. Governar em campanha tem riscos, e era inevitável que a aproximação do subsídio de risco das forças de segurança ao suplemento de missão de uma polícia de investigação se alastrasse a outras forças do Estado. Como se explica aos bombeiros que um polícia receba um subsídio de risco de €350 (em 2025) e €400 (em 2026) e eles de €37 (em 2025) e €100 (em 2027)? E só se aceitarem mais 31 horas gratuitas de trabalho mensal. Feitas as contas, a sua luta teria servido para receberem menos à hora. E como não se indignarem quando, apesar de o salário médio líquido ser de €972 (a que acrescem subsídios), a primeira proposta do Governo ter sido a de baixar o salário de entrada? E como não se impacientarem quando a sua carreira não é revista há 20 anos? Especificidades à parte, é mais uma classe a sofrer duas décadas de degradação da Função Pública que acompanha um discurso político de ataque às funções do Estado.

Com as alterações climáticas, a proteção do território, das cidades e das florestas dificilmente poderá continuar a basear-se em corporações voluntárias, mesmo que tenham um papel complementar. Precisaremos de uma estrutura profissional e nacional com carreiras atrativas. Preparar o país para os efeitos das alterações climáticas tem custos pagos pelos impostos. A alternativa é serem pagos pela economia e com vidas. Assim como tem custos o envelhecimento da população, graças a melhorias da medicina. Ou a robotização da economia, com dispensa de várias funções. É impossível cobrir estes custos se o populismo fiscal continuar a dominar o discurso político. Ou a competição fiscal continua a ser a base da concorrência entre economias ou os Estados continuam a cumprir as suas funções. As duas coisas são incompatíveis.

Dito isto, não precisamos de grande imaginação para prever o que faria a polícia se os jovens dos bairros da periferia de Lisboa se tivessem manifestado, na Avenida da Liberdade, como os bombeiros se manifestaram na terça-feira. Não podemos aceitar que quem é pago para nos proteger seja fonte de insegurança. Que funcionários públicos se manifestem de cara tapada, lançando petardos e espalhando o medo. Não me esqueço, no entanto, do silêncio de Luís Montenegro quando uma turba de polícias cercou um debate entre os dois principais líderes partidá¬rios. Ao contrário do Governo com os bombeiros, até sublinhou que não se tinha sentido condicionado, coagido ou cercado. Não me esqueço da conivência com todas as demonstrações de abandalhamento nas forças que armamos, aproveitando-o até. Ou do oportunismo de quem se pendurou em “movimentos inorgânicos” de enfermeiros, fragilizando os sindicatos. Não se pode queixar do incêndio quem condescendeu com os pirómanos.

Não se pode esperar que os bombeiros respeitem uma barreira de polícias quando os polícias fizeram o mesmo nas escadarias da Assembleia da República. Não se pode esperar respeito pela lei quando a PSP que enviou queixa por manifestação ilegal para o Ministério Público foi a mesma que viu os seus agentes fazerem o mesmo no cerco ao Capitólio, sem os punir. O poder político não pode esperar respeito pelas regras quando um partido instala a baderna no Parlamento perante a tibieza medrosa de quem o preside.

Quando saíram das negociações, os dirigentes sindicais explicaram que a manifestação não fora marcada por eles. Conhecemos a marca de água daquele comportamento. É dos que, para além de degradarem as instituições, fazem tudo para fragilizar os sindicatos, deixando os trabalhadores mais vulneráveis. Sabem o que o Chega vai dizer agora? Que enquanto se aumentam os políticos (falso) não se aumentam os bombeiros. E sabem como o Governo vai reagir? Aumentará o populismo securitário que cairá sobre imigrantes e os desgraçados dos bairros, nunca sobre os “desordeiros de bem”.

Mais do que o Governo ou o patrão, quem alimenta estes movimentos “inorgânicos” tem os sindicatos como alvo. E a suspensão das negociações, parecendo acertada, acabou por sobrepor o caos da rua ao diálogo sindical. Em vez de se sentir incomodado, quem andou a tirar poder aos sindicatos, desinstitucionalizando o conflito laboral, deve assumir as suas responsabilidades. E os sindicatos devem perguntar-se o que perderam para terem deixado de conseguir representar esta insatisfação.»


Quantos anúncios?




 

6.12.24

Aconteceu aos melhores

 


Fardas, galões e cara de mau

 

«As declarações de Gouveia e Melo na abertura das IV Jornadas Defesa/Saúde, na Fundação Gulbenkian, em Lisboa, não foram só uma crítica a quem não lhe reconhece perfil para ser chefe de Estado. Foram um autoelogio. (…)

Em resposta aos comentadores que "menorizam" a task force da covid, o almirante fez questão de salientar "que não era qualquer militar que fazia aquilo. Havia muitas capoeiras com muitos galos". (…)

A importância das fardas, dos galões e de ter cara de mau já funciona nas sondagens. Nas redes sociais também. Resta saber quanto vale nas urnas.»


Ary dos Santos

 


Seriam 87, hoje.


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Marcelo era "feliz e não sabia" e pode-se queixar de si próprio

 


«A frase que Marcelo dedicou a António Costa na quarta-feira, na conferência do PÚBLICO na Escola, é uma referência política emocional e uma declaração de derrota.

A frase "éramos felizes e não sabíamos" é usada por toda a gente em momentos de nostalgia e de beatificação de passados em contraposição a presentes sombrios.

Para Marcelo, o presente é sombrio: tem 50 deputados do Chega sentados na Assembleia da República e vai deixar, tudo indica, a Presidência da República entregue a um militar, uma coisa que abjura. Sim, com António Costa, Marcelo foi feliz – "comparado com o que vinha aí".

Vamos à frase emocional do Presidente: "Dizia muitas vezes a um governante com o qual partilhei quase oito anos e meio de experiência inesquecível: um dia reconhecerá que éramos felizes e não sabíamos. Era tudo relativo, era uma felicidade relativa, mas comparado com o que vinha por aí, era uma felicidade".

Sim, o Presidente não está a conviver nada bem com este novo ciclo: "A realidade não está racional, está emocional. As novas lideranças são emocionais, as novas formas de comunicação são emocionais, os novos poderes são emocionais, não são racionais".

É tudo verdade, mas a realidade sempre foi emocional e pouco racional. Já o era antes, quando Marcelo foi eleito. O Presidente dos "afectos" usou e abusou das emoções. Um dos seus maiores trunfos era a sua incrível capacidade de atracção. Isto é racional? Não.

Podemos dizer que a eleição de Marcelo colocava menos riscos para o regime tal como o conhecemos do que um almirante que ainda esta quinta-feira foi fazer campanha fardado e apela sempre que pode às emoções dos portugueses sedentos de ordem e autoridade.

É um facto que Marcelo já tinha dado um mergulho no Tejo e guiado um táxi (campanha para as autárquicas de Lisboa de 1989). Comentou tudo aos domingos à noite durante décadas. E quando popularizou o seu peito nu em frente às câmaras – em si um acto emocional, em busca da dita proximidade – os portugueses já o conheciam.

O drama do grito de alma de Marcelo é ele ser co-responsável pela ascensão do Chega e do almirante. Não foi agora que a política começou a ser emocional – António Campos recorda na entrevista ao PÚBLICO como Mário Soares tinha perfeita noção da "falta de cultura democrática" do povo português, que tinha "reacções emocionais e não racionais".

O problema é que Marcelo também vê a política de forma emocional. Se tivesse sido racional, saberia que, depois da demissão de António Costa por causa do famoso parágrafo da antiga PGR – que acabaria sempre por acontecer depois de terem sido encontrados maços de notas na sala do chefe de gabinete –, não devia ter convocado eleições. Uma vez disse no nosso podcast Soundbite que Marcelo "não iria querer ter como legado a eleição de uma grande bancada do Chega na Assembleia da República".

Fui ingénua. Marcelo tinha amarrado Costa ao cargo, numa interpretação abusiva do significado das eleições legislativas, transformando-as em eleição unipessoal como é a do Presidente da República, para tentar torpedear a chegada de Costa ao Conselho Europeu.

Era possível, no nosso regime, o partido mais votado (o PS, com maioria absoluta, na época) ter indicado um outro primeiro-ministro. Marcelo deve ter hesitado e a prova é que Mário Centeno foi contar ao Financial Times que tinha sido convidado (depois foi obrigado a recuar).

Só que Marcelo tinha-se comprometido com a dissolução de que tantas vezes falara, muitas vezes a total despropósito. Na verdade, o Governo da maioria absoluta vivia no iminente risco de uma dissolução tantas vezes "ameaçada" pelo Presidente. Havia alguém que tivesse dúvidas de que nas eleições haveria lugar a uma enchente do Chega? Aparentemente, só o maior analista político da República não percebeu.

Sim, Marcelo foi feliz, não sabia e não voltará a felicidades passadas. Uma grande parte dos seus ziguezagues enquanto Presidente, das suas mudanças de humor e opinião, das suas "marcelices" abriu caminho a um futuro Presidente com o perfil do almirante. Gouveia e Melo voltou a usar esta quinta-feira o cargo de Chefe de Estado-Maior da Armada com vista às presidenciais e não tem feito outra coisa desde que chegou ao posto.

Foi o almirante que ainda esta quinta-feira disse: "Nós, militares, temos essa coisa. Temos cara de mau e quando estamos fardados temos galões, às vezes, isso ajuda. Essa autoridade lateral que nos vem da farda ajuda".

Resta saber como é que a "cara de mau" funciona com outra roupa. É que em 2025 Gouveia e Melo não andará vestido à militar e vamos ver se o sucesso emocional será o mesmo estando despido (de farda).»

Ana Sá Lopes
Newsletter do Público

Um pouco mais de azul (19)

 




5.12.24

O castanho também é uma bela cor

 


Garrafa de vidro fumado, tampa decorativa coberta com esmalte duro policromado e ouro de flores estilizadas.
Émile Gallé (1846 - 1904).

Daqui.

A França no seu grave labirinto

 


Nelson Mandela

 


11 anos sem ele.

Um dia olharemos para uma criança com um “smartphone” como se estivesse a fumar

 


«Segundo um estudo do Quostodio, tendo como objeto 400 mil famílias de Espanha, EUA, Reino Unido e Austrália, os menores entre os 4 e os 18 anos passam, em média, quatro horas por dia em frente aos ecrãs. Dois meses do ano. Horas que nunca mais se repetirão no seu desenvolvimento cerebral e físico. Definitivamente perdidas e irrecuperáveis. Perdas que deixarão mazelas irreversíveis. Porque nós, os seus pais, somos coletivamente negligentes. Talvez por estarmos tão viciados como eles, não conseguimos cortar-lhes a droga. Talvez porque essas horas nos tirem peso de cima. Talvez por ignorância.

Não é por acaso que os pais de Silicon Valley procuravam (pelo menos em 2018) escolas com acesso limitado a tecnologia e contratam amas que se comprometem a não deixar os seus filhos usar telemóveis. Sabem o que produzem. Nós, menos avisados, deixámos que se viciassem e, agora, não fazemos ideia o que fazer com o mal que permitimos. Droga e vício não são metáforas. É mesmo um vício, é mesmo uma droga.

Matilde Sobral e Mariana Reis, fundadoras da Associação Mirabilis Portugal, explicaram-no aqui no Expresso: “Como as drogas leves e pesadas, o álcool ou as apostas a dinheiro, também o consumo abusivo de ecrãs provoca libertação de quantidades excessivas de dopamina. Ainda que a dopamina seja um neurotransmissor necessário para a sobrevivência, caso circule em excesso no nosso cérebro, repetidamente, pode causar dependência. A dopamina em excesso é o fator subjacente a todos os vícios. E os ecrãs interativos, pela forma como estão desenhados, provocam libertação desequilibrada de dopamina, tal como as outras drogas.”

Marc Massip compara os smartphones à heroína porque, quando ela surgiu, também se desconheciam os seus riscos. Como sabe quem tem filhos adictos ao telemóvel (ou é adicto), até existe a síndrome de abstinência. Mas continuamos tão a leste da dimensão do problema que a proposta do psicólogo espanhol, que defende que não se tenha estes aparelhos até aos 16 anos, até o cérebro estar suficientemente desenvolvido para lidar com ele, nos parecerá lunática.

Estamos a léguas disto. Mais de 60% das crianças portuguesas recebe o primeiro telemóvel entre os 10 e os 12 anos. E a partir dos 13 ou 14 anos, praticamente todos o têm. 15%, mais do que um. Não vale a pena continuar a fazer a comparação com o passado e o que se dizia sobre a televisão. Os smartphones e tablets estão sempre disponíveis;permitem uma interação que leva ao vício e dão à criança o controlo do que querem ver, evitando o tédio.

A LISTA DAS MAZELAS

Não se ensina uma criança a gerir um vício. Porque lhe faltam capacidades de gestão dos seus impulsos. Ter um tempo no dia em que os telemóveis estão inacessíveis é a forma de a ensinar a gerir a frustração e a ansiedade, levando-a a descobrir outras formas de divertimento. Coisa que inevitavelmente acontecerá. A mais antiga de todas: interagirem entre si, expressando emoções com o instrumento que naturalmente temos para o fazer (o corpo), reforçado lanços empatia. Serem, enfim, seres humanos. Isso também se aprende. E não se aprende no meio de zoombeis virados para ecrãs, perdendo capacidades indispensáveis para animais gregários como nós.

A Sociedade Portuguesa de Neuropediatria fez a lista de efeitos da utilização precoce de ecrãs: aumento do tempo em atividades sedentárias, com limitação do desenvolvimento motor; dificuldade em focar a atenção, gerir adversidades e enfrentar o tédio (reduzindo a criatividade), o que aumenta o risco da hiperatividade e défice de atenção; redução do tempo de interação com adultos e outras crianças, com riscos para o comportamento social e atraso na linguagem; perda de qualidade do sono; e aumento do risco de se sentir fisicamente inferior, com o aumento do risco de perturbações do comportamento alimentar, depressões e ansiedade. Deixo de fora o cyberbullying ou acesso fácil a pornografia, numa idade em que ela não é compreendida pela criança. Acho, aliás, delicioso ver pais que temem as aulas de educação cívica e dão telemóveis aos seus filhos. Confiam mais em algoritmos de empresas do que num professor.

Como escreveram, neste jornal, as duas fundadoras da Associação Mirabilis Portugal, “não há uma única atividade necessária ao desenvolvimento do cérebro que precise de um ecrã.” É por isso que a SPN recomenda que não se usemecrãs até aos 3 anos, exceto para videochamadas (excluindo a televisão, na presença de adulto e para conteúdo adequado, até à meia hora diária). Entre os 4 e os 6 anos, o uso deve ser limitado a meia hora de programação de alta qualidade, na presença de adultos e sem controlo da mudança de canais ou vídeos. Entre os 7 e os 11 anos, uma hora por dia. E entre os 12 e os 15, duas horas, com cautelas várias. Redes sociais? Só depois dos 16. Em nenhum caso ou idade, se deve usar para resolver problemas de comportamento, seja para comerem ou não fazerem birras. Nunca à refeição. Nunca no quarto. Perante estas recomendações, ainda discutimos se miúdos do terceiro ciclo podem dispensar smartphones sempre disponíveis, na escola.

COMEÇAR NA ESCOLA

Mas olhemos para o copo meio cheio. O facto do livro de Jonathan Haidt, “A Geração Ansiosa”, ser um best-seller diz-nos que as pessoas começam a perceber que estão a fazer qualquer coisa incrivelmente errada. E a razão porque me tornei obcecado pela proibição dos telemóveis na escola é por achar que podemos, enquanto sociedade, ajudar as famílias ultrapassar esta fase inicial de correção do primeiro impacto. Cinco ou seis horas por dia sem ter acesso ao telemóvel é a primeira cura de privação, a primeira oportunidade para viverem parte do seu tempo sem esta droga. E para redescobrirem tudo o que precisam para virem a ser adultos.

Será a partir da escola que se determinará o que serão aquelas pessoas enquanto adultos. É ali que se aprende a brincar e brincar é a preparação para coisas sérias. Nas escolas, os telemóveis substituem a formação das primeiras amizades, o exercício físico, as conversas, a socialização, aprendizagem de gestão de conflitos, o tédio. Tudo o que é necessário para a infância e a adolescência prepararem a vida adulta.

Claro que a escola não pode ser um espaço anacrónico, onde a tecnologia está interdita. Mas a tecnologia, a que a escola garante a todos, deve ser usada quando é necessária, fazendo aquilo que a escola faz: pedagogia. Nenhum miúdo deixa de aprender a usar novas tecnologias por não estar sempre com um aparelho ao lado. A escola não pode ser uma bolha no quotidiano de crianças e jovens, mas também não pode ser a repetição do que os pais fazem de errado. Por isso, mesmo que haja crianças que só comem porcaria em casa, a escola só deve ter disponível alimentação equilibrada, saudável e de qualidade. Porque a saúde também se educa, com a experiência. É isso que devia acontecer na relação com os telemóveis e os tablets.

COMEÇA A REAÇÃO

Os primeiros passos, ainda minoritários, começam a ser dados pelos pais. A pressão de vários grupos de pais já permitiu que, em Portugal, várias escolas públicas avançassem na interdição de telemóveis no terceiro ciclo. Mas não me parece que se tenha de esperar pelos pais. Também não se esperou por eles para decidir que alimentos se vendem nas escolas ou para proibir fumar. Há pais que foram mais longe. Para vencer a pressão dos colegas, que todas as gerações conheceram em tantas coisas, nasceu, no Reino Unido (onde 89% das crianças de 12 anos têm seu próprio smartphone), o movimento Smartphone Free Childhood, que lançou um pacto online: em cada escola, comprometerem-se a não dar smartphones aos filhos até aos 14 anos. Ainda é um movimento minoritário, mas 37 mil pais de 56 mil crianças que estão em oito mil escolas britânicas já o assinaram. Em vez do smartphone, dão-lhes um “tijolo”, para estarem contactáveis. Pelo menos sentem que não estão a condenar os seus filhos ao degredo.

Lamento se regresso recorrentemente a este tema. Não quero ensinar a educar. Não sou um ludista. Não vivo em pânico com cada geração será pior do que a seguinte. Apenas percebi, como milhões de pais já perceberam, que a nossa negligência coletiva pode ser responsável por uma geração menos preparada, dotada e empática do que as anteriores. Que isto terá efeitos sociais, culturais e políticos devastadores. E que, no entanto, isto é incrivelmente fácil de resolver. Basta aprender uma palavra mágica: “não”. Basta cumprirmos a nossa função. Ou, pelo menos, deixar que a escola cumpra a sua.»


É isto

 


4.12.24

Marinheiros

 



Vão aprendendo o hino, pode ser necessário em 2026.

Sol na (banan)eira e chuva no nabal

 

«A Democracia convive bem com a existência do Chega e até com a presença de um “bando de delinquentes” - como muito apropriadamente para a ocasião lhe chamou Pedro Nuno Santos - nas bancadas do Parlamento, conquanto os restantes deputados saibam lidar com eles, coisa que manifestamente o PAR não tem sido capaz de fazer. Começa, aliás, a ser confrangedor o esforço que Aguiar-Branco faz para não melindrar uma bancada de gente mal educada. Aquilo com que a Democracia se dá mesmo mal é com a concretização da agenda do Chega, porque ela é, em muitos aspectos, antidemocrática.»


04.12.1961 – A célebre fuga de Caxias

 


Em 1961, oito presos políticos personificaram uma fuga do forte de Caxias, não menos espectacular do que a de Peniche, ocorrida quase dois anos antes, mas muito menos conhecida provavelmente por não envolver Álvaro Cunhal.

Derrubar um portão de um forte com um carro blindado, e fazê-lo depois de uma longa preparação que implicou que o seu principal intérprete tenha fingido «rachar», ou seja passar para o lado da polícia, para se movimentar à vontade e preparar todos os detalhes, nada tem de trivial e é digno de homenagem e admiração. 

Descrição detalhada:


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SNS: não é programa, é encomenda

 


«A AD apresentou-se a eleições com três bandeiras: descer os impostos, com especial incidência para o IRS; pacificar as carreiras especiais do Estado; e um plano de emergência na Saúde. Se, no caso das carreiras, a coisa foi avançando, dando uma lição ao PS e destapando, o resto foi engodo. A descida do IRS era a que Costa e Medina já tinham aplicado no Orçamento de Estado em vigor com mais uns pozinhos para os mais abonados. Na Saúde, continuaram os problemas, agravados por uma ministra que semeia instabilidade à sua volta.

O governo só se pode queixar das expectativas que criou. Andou a vender que resolveria as principais carências com um plano de emergência, centrado na resolução dos problemas das urgências no verão e chocou com a realidade: o número de urgências fechadas aumentou, especialmente na obstetrícia, 40% face a 2023. As primeiras declarações triunfantes sobre a recuperação acelerada da lista de cirurgias foram desmentidas pelo próprio governo, assim como os números do orçamento da Saúde foram desmentidos pela própria ministra.

O que não resulta de medidas que já estavam planeadas ou em curso desvia fundos públicos para prestadores privados. É a lógica de complementaridade que o PSD tenta, há três décadas, inscrever nas leis de bases da Saúde e Educação. O problema é que a escassez de profissionais nas áreas mais críticas também atinge o privado, que recorre, essencialmente, aos mesmos profissionais que o SNS.

A direita costuma falar de preconceitos ideológicos. Mas a fantasia de que se resolvem os problemas mais urgentes recorrendo à crescentes contratualização com os privados é, ela sim, puramente ideológica. Todos os países desenvolvidos, seja qual for o seu modelo, estão sob a pressão de duas dinâmicas: envelhecimento da população e um desenvolvimento tecnológico que, ao contrário de outros setores, leva a aumentado de custos.

O FORNECEDOR TEM SEMPRE RAZÃO

Apesar do choque rápido com a realidade, não há crise de fé. Pelo contrário. Num intervalo de três dias, ficámos a saber que o governo pretende oferecer aos prestadores privados a possibilidade de escolherem os pacientes que querem atender em duas áreas chave da Saúde: nas listas de espera para as cirurgias e na gestão privada das novas Unidades de Saúde Familiar – modelo C (USF-C).

No primeiro caso, a publicação em Diário da República indica que os privados “selecionam os utentes a intervencionar”no âmbito da “resolução das listas de espera cirúrgicas fora dos tempos máximos de resposta garantidos”. No caso das USF-C, o Expresso indica que, na portaria que está a ser ultimada pelo governo, consta a premissa de “escusa de inscrição de qualquer utente ou da sua manutenção na lista de utentes mediante requerimento fundamentado”.

É uma relação muito particular, esta que o governo quer que o Estado tenha com supostos prestadores de serviços. Nos dois casos, não são as necessidades do cliente, o SNS, mas os interesses do fornecedor, os privados, que estão no centro da decisão. O fornecedor tem sempre razão. Como estamos a falar de pessoas, de vida e de morte, é um pouco mais grave do que a inversão da ordem normal em qualquer relação comercial.

Ouvido pelo Expresso, Pedro Pita Barros, economista da saúde, afirma que a escusa de inscrição ou de manutenção do inscrito “abre a possibilidade de ‘seleção de bons utentes’, recusando os que possam ser de risco ou acarretem um custo mais elevado”. A questão é exatamente essa. A concretizar-se, esta intenção viola grosseiramente os princípios da universalidade no acesso aos cuidados de Saúde.

EURICO: PLANEADOR, FISCALIZADOR E AMIGO

E para ter a certeza que nada falha, a monitorização do Plano de Emergência do governo, garantida pela Ordem dos Médicos, é feita pelo principal autor do mesmíssimo plano. O “conflito de interesses” é tão óbvio que centenas de médicos assinou uma carta para o bastonário da Ordem, denunciando a situação em que o fiscalizador escrutina a sua criação.

Não é de hoje a relação promiscua entre a Ordem dos Médicos e o PSD. O seu último bastonário, que manteve uma guerra sem quartel com o anterior governo (incluindo durante a pior pandemia em um século) saltou do cargo para deputado do PSD (o anterior está à frente da Câmara de Coimbra). Isso explica como é que a Ordem dos Médicos chumbou a proposta de criação de uma especialidade de medicina de urgência, quando foi proposta pelo anterior governo, e deu luz verde à mesmíssima proposta quando foi apresentada pelo executivo liderado por Montenegro.

Com Eurico Castro Alves a passamos, no entanto, para outro nível. O médico lidera a Ordem dos Médicos no Norte, de onde saíram o novo diretor executivo do SNS e a secretária de Estado da Saúde. A sua empresa já deu trabalho tanto à ministra como à secretária de Estado. Para lá de fiscalizar o plano de emergência para o SNS de que foi destacado autor, preside à secção Norte da Ordem, à Mesa da Santa Casa do Porto e ao Hospital da Prelada, pertencente à Misericórdia. Por coincidência, uma das primeiras medidas deste governo foi estabelecer um acordo, no valor de 65 milhões de euros, com... o Hospital da Prelada.

Também por coincidência, Luís Montenegro passou as suas férias de verão numa fazenda no Brasil, propriedade do mesmíssimo Eurico Castro Alves. Partindo do princípio óbvio de que se trata de um amigo próximo da família (ou estaríamos perante uma oferta ilegítima a um primeiro-ministro), há mais uma razão para pôr fim à acumulação de conflitos de interesses em torno da mesma pessoa. E quando a ministra cair – e vai inevitavelmente cair – é bom estarmos atentos à lista de contactos daquele que parece ser o ministro sombra.»


3.12.24

Chamemos-lhe jarra

 


Jarra com columbinas e montagem em prata – e é azul…
Design: (Vidro) Daum, Nancy, fundada em 1874.
Execução: (montagem de prata) atribuída a Georg Adam Scheid (1838 ‒1921).

Daqui.

03.12.1930 – Jean-Luc Godard

 


Jean-Luc Godard chegaria hoje aos 94. Nasceu em Paris, passou a infância na Suíça, estudou mais tarde etnologia na Sorbonne, mas o centro da sua vida passou para o Cine-Clube do Quartier Latin. Foi lá que conheceu François Truffaut e Jacques Rivette e foi com eles que lançou, em 1950, La Gazette du Cinema. A partir do início de 1952, iniciou a sua actividade nos celebérrimos «Cahiers du Cinéma»

Foi um grande senhor da «Nouvelle Vague», da época em que nos precipitávamos para salas de cinema hoje fechadas desde que um novo filme chegava a Portugal ou, mesmo antes disso, quando assistíamos a duas ou três sessões por dia num qualquer pequeno cinema do Quartier Latin em Paris.

Tenho bem presente a sua primeira longa metragem – À bout de souffle – e outras se seguiram, das quais guardo num «cofre» muito especial La chinoise e, sobretudo e para sempre, Pierrot le fou.







«Qu'est ce que je peux faire? J'sais pas quoi faire! Qu'est ce que je peux faire? J'sais pas quoi faire! Qu'est ce que je peux faire? J'sais pas quoi faire!»

Uma longa entrevista feita por Paulo Branco em 2011:


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Definições

 


O oxigénio da publicidade

 


«Em 1985, após o desvio de um voo da Trans World Airlines por um grupo muçulmano xiita, a primeira-ministra britânica Margaret Thatcher acusou os media de fornecerem aos terroristas o “oxigénio da publicidade”. Com esta afirmação, pretendia dizer que a grande visibilidade concedida ao ataque não seria exclusivamente uma consequência do atentado, mas uma componente constitutiva do próprio atentado. Ou seja, este não havia terminado com o desvio do avião, tendo continuado, de uma outra forma, através da intensa cobertura mediática. Num tempo em que a lógica comercial e competitiva dos media se estava a consolidar, os grupos terroristas teriam aprendido a rentabilizar essa lógica emergente a seu favor, tornando os meios de comunicação seus cúmplices não intencionais. Deste modo, um atentado sem uma forte amplificação, mesmo que materialmente executado, falharia na sua plenitude.

Salvaguardadas as devidas distâncias, é possível usar um raciocínio semelhante para analisar o mais recente evento do Chega. Na manhã em que os media estavam em direto da Assembleia da República para acompanhar o derradeiro dia de um Orçamento do Estado que esteve no topo da agenda político-mediática durante meses infindáveis, o partido de Ventura organizou um happening em vários atos: através das tarjas nas janelas, das peripécias com os bombeiros e do embaraço e impotência institucional que gerou no hemiciclo, sequestrou o Orçamento em direto, disputando-lhe o protagonismo.

Astuto gerador de notícias, o partido pretendia marcar a agenda e o debate parlamentar, mas também (e sobretudo) a agenda e o debate mediático. De facto, a “ação de comunicação”, como Ventura lhe chamou, foi encenada de acordo com a lógica dos media. Apanhados na armadilha, estes acabaram por ser co-construtores involuntários de um evento que teria sido um fiasco sem a mediatização de que beneficiou durante e após o incidente. Alguns comentadores assinalaram o destaque excessivo que lhe estava a ser dado, mas tais desabafos não impediram a extensão da cobertura.

Com variações em grau, as emissões seguiram padrões semelhantes: o “invento” abriu as horas informativas seguintes e, depois de uma peça (ou mais) sobre o assunto, convidados em estúdio debatiam o sucedido. Mesmo quando a conversa era desviada para o Orçamento, ela era acompanhada por imagens em loop do episódio matinal e/ou de oráculos a destacá-lo. Deste modo, hora após hora, cumpriam-se os objetivos do happening: capturar a agenda mediática, enquanto se perpetuavam as imagens da impotência e desadequação das instituições a novas modalidades de ação política que se edificam no estraçalhar das normas informais que regem a cultura democrática.

No ambiente mediático altamente competitivo que se articula com a lógica algorítmica das redes sociais, poderiam os media não concentrar a atenção num episódio criativo, inesperado, surpreendente, desafiador, provocador, sarcástico, espetacular? De um ponto de vista informativo, claro que não! Mas o “oxigénio da publicidade” podia ter sido bem mais rarefeito.

Por tudo isto, está mais do que na hora de os media repensarem o modelo de cobertura que pretendem seguir quando eventos semelhantes tornarem a acontecer – provavelmente ainda mais criativos e surpreendentes, sendo mais difícil resistir-lhes. Se o não fizerem, as televisões arriscam-se a ser pouco mais do que cúmplices dos seus organizadores.»


2.12.24

Elevador para intelectuais

 


Elevador do Hotel Kimpton St Honoré, Paris, 1914.
Frantz Jourdain (também arquitecto de La Samaritaine)


Daqui.

Compras de Natal?

 


Este fascínio português por “homens que mandam” mete algum medo

 


«Há muitos anos que tenho a convicção de que a tolerância dos portugueses com a ditadura foi imensa e que a fúria revolucionária a que assistimos em 1974/1975 foi um epifenómeno.

“Vivia-se habitualmente” – a sacrossanta frase de Salazar – na ditadura. Os oposicionistas eram poucos e, em casos como o de Henrique de Barros (candidato da CEUD em 1969 e primeiro presidente da Assembleia Constituinte e depois ministro de Estado), a oposição almoçava todos os domingos com o ditador, Marcelo Caetano, de quem era cunhado.

A explicação de que o povo era analfabeto não é suficiente, porque muito povo alfabetizado também fazia a sua vida normalmente. Muitos preferiam a democracia? Sim, mas a vida continuava. O único partido organizado era o PCP.

Tive o privilégio de ter convivido com alguma frequência com Mário Soares nos últimos anos da sua vida. Várias vezes lhe “expus” a minha teoria – de um povo conformado com o seu destino que aceitava a ditadura com complacência – e ele nunca concordou. Apontava-me várias razões geopolíticas – nomeadamente, a guerra fria – para as coisas terem sido como foram.

Depois de Mário Soares ter morrido, fui reler o Portugal Amordaçado, que tinha lido muitos anos antes. E lá está, nas páginas do Portugal Amordaçado, o desalento de Mário Soares com a fraca actividade oposicionista dos seus camaradas de Lisboa.

Na entrevista que fiz a António Campos, a propósito do centenário de Mário Soares, o fundador do PS e companheiro de todas as horas de Soares concorda que a ditadura era aceite e que os portugueses viviam bem com ela: “Como é que é possível nós termos aguentado a maior ditadura de toda a Europa, 48 anos?” Campos também diz que Mário Soares “tinha uma intuição brutal e não acreditava na cultura democrática do povo português”.

Um dos resquícios que nos deixou essa falta de cultura democrática é a exaltação do “não político” e do “independente”. No Reino Unido, ninguém pode ser membro de um governo se não tiver sido previamente eleito deputado. Em Portugal, endeusa-se a figura do "independente". Nós, jornalistas – que também pecamos muito e somos reflexo da cultura em que vivemos – andamos a contabilizar o número de independentes para avaliar se um governo é bom ou mau, como se a não-militância fosse uma medalha e a militância num partido um indício de uma capacidade diminuída.

Dez anos depois do 25 de Abril, o general Eanes estava a criar um partido para “devolver a ética à política”. O partido, o PRD, era uma amálgama ideológica e morreu cedo.

Mas esse primeiro indício da popularidade de uma certa cultura anti-políticos, ainda na infância da revolução, foi consistentemente herdado por Aníbal Cavaco Silva. Como toda a gente sabe, tendo sido Cavaco o político com mais sucesso neste país – dez anos primeiro-ministro, oito deles com maioria absoluta, dez anos Presidente da República –, rejeitou sempre “ser um político”.

A palavra enojava-o e com esse desagrado publicamente enunciado conseguiu arrecadar as suas vitórias. Parece um absurdo: como é que o político com mais vitórias diz que não é um político? Se calhar, tendo em conta a pouca cultura democrática dos portugueses, exactamente por isso.

É de todo este caldo cultural que nasce o sucesso do almirante Gouveia e Melo. A “voz de comando” – de que o próprio já se gabou de ter – é um grande activo num país que só há 50 anos saiu de um regime autoritário e por exaustão dos militares com a guerra colonial.

Toda a coreografia que o almirante fez durante a campanha de vacinação – era a “guerra” dele – remete-nos para esse imaginário do “homem que manda”, aliás o mesmo imaginário que Cavaco Silva explorou à exaustão, com sucesso e o patrocínio do general Eanes nas candidaturas presidenciais.

Este assunto, que é uma realidade muito anterior ao aparecimento do partido Chega, merecia uma tese de doutoramento. Se por acaso já tiver sido feita, agradeço que me avisem.

P.S.: Um dia, o almirante Gouveia e Melo disse que se um dia se resolvesse meter na política que alguém lhe desse “uma corda para se enforcar”. A frase pode ser lida de várias maneiras e até como a antecâmara da campanha presidencial de “um não político”, já que não é previsível que use a corda.»


1.12.24

Woody Allen, 01.12.1935


 

Na minha próxima vida quero vivê-la de trás para a frente

Começar morto para despachar logo o assunto.
Depois acordar num lar de idosos e sentir-me melhor a cada dia que passa. Ser expulso porque estou demasiado saudável, ir receber a pensão e começar logo a trabalhar. Receber logo um relógio de ouro no primeiro dia. Trabalhar quarenta anos até ser novo o suficiente para gozar a reforma. Divertir-me, embebedar-me e ser de uma forma geral promíscuo, e depois estar pronto para o liceu. Em seguida a primária, fica-se criança e brinca-se. Não temos responsabilidades e ficamos um bebé até nascermos. Por fim, passamos nove meses a flutuar num SPA de luxo com aquecimento central, serviço de quartos à descrição e um quarto maior de dia para dia, e depois....voilá! 
Acaba tudo com um orgasmo!
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01.12.1955 – O dia em que Rosa Parks recusou levantar-se

 


No dia 1 de Dezembro de 1955, em Montgomery, a parte da frente de um autocarro reservada a passageiros brancos já não tinha nenhum lugar vago e o condutor ordenou que Rosa Parks se levantasse e cedesse o seu na secção dos negros. Rosa recusou, foi presa e o seu acto passou a ser um marco importante na luta pelos direitos dos negros nos Estados Unidos. 

A história está bem resumida neste vídeo: 



E Pete Seeger não a esqueceu:




PedraTamen, 90

 


Moedas é que ainda não percebeu que foi eleito presidente da câmara

 


«Carlos Moedas faz lembrar aquele menino que, na escola, faz pela calada traquinices e, quando descoberto, choraminga, apontando para o lado: “Não fui eu, sotora, foi aquele menino”.

Perante qualquer situação que corra mal, é incapaz de assumir quaisquer responsabilidades. Há dificuldades financeiras na câmara? A culpa é dos malvados da oposição (que lhe viabilizaram três orçamentos). Há insegurança? A culpa é deste Governo e dos anteriores, da PSP e da “antiga PM”. Há problemas com o lixo? A culpa é das juntas, dos trabalhadores, da reforma administrativa, de António Costa — e já só falta responsabilizar Sampaio ou Abecassis. Há indignação com os painéis publicitários? A culpa é de Medina (apesar de o contrato ter sido assinado pelo seu vereador Diogo Moura). Tem sido sempre assim.

Esta incapacidade de administrar o dia-a-dia dos lisboetas pode levar-nos a admitir que, no seu subconsciente, Moedas ainda não sabe que é presidente da câmara. Ignora que um presidente de câmara não pode ter medo de decidir, mesmo que contra a corrente, mesmo que arriscando a popularidade momentânea. Defende-se com a ideia dos “malandros da oposição”, quando a maior parte das medidas que afetam diariamente as pessoas não necessitam do aval da oposição. Medidas na higiene urbana, na fiscalização, na iluminação, na mobilidade e mesmo na área social são atribuições do executivo.

Moedas é um exímio “vendedor de ilusões”. Não tendo obra, tem vindo habilmente a assumir a paternidade de algumas que já estavam em curso. Apropriou-se do Plano de Drenagem e conseguiu o milagre de cavar túneis um ano após ter sido eleito. Nunca referiu que herdou um projeto, um financiamento, que as expropriações já tinham sido feitas, que já se tinham construído bacias de retenção e finge não saber que para cavar os túneis teve de haver um concurso público internacional. Só nisto estão mais de seis anos de trabalho. Quem pode acreditar no que diz? Para não relembrar que o financiamento foi garantido através de um empréstimo que mereceu o voto contra do PSD.

Em relação à habitação, o processo propagandístico é o mesmo. Entregou — e muito bem — chaves de casas que estavam em obras e que foram concluídas no seu mandato, mas a impressão que procura transmitir é que antes dele havia apenas um vazio.

Carlos Moedas não se comporta assim por mero acaso. Foi a forma que encontrou para disfarçar a sua enorme incapacidade de tomar decisões, sobretudo as difíceis — porque quem governa, confronta-se inevitavelmente com elas. Já não vale a pena falarmos do escandaloso — porque ludibriou o seu eleitorado — processo da ciclovia da Almirante Reis, assim resumido: fingiu que fez, mas não fez e todos lhe bateram palmas.

Na mobilidade, o paradigma é o mesmo. Quer menos carros, mas não proíbe, recomenda. Afirma que os lisboetas estacionam sem penalização na cidade, mas instrui a EMEL a multar e bloquear logo ao despontar do dia. Põe e tira ciclovias. É incapaz de disciplinar a circulação e estacionamento dos tuk-tuks, ao mesmo tempo que as trotinetas regressam em força.

Quanto à habitação, e para além do número da entrega de chaves, nada consta a não ser o anúncio de 800 milhões para construção, verbas do PRR que o governo de António Costa negociou e lhe entregou. Diz que é pelo direito à habitação, mas frequenta as manifestações de apoio ao AL, nas mãos dos fundos imobiliários.

O objetivo é desviar as atenções da realidade: Lisboa está muito pior na qualidade de vida, no direito ao descanso e na defesa dos seus traços identitários. Temos mais turismo de massas, mais ruído e desregulação das atividades comerciais, mais vandalismo e menos cuidado no espaço público. Moedas vende a ilusão da felicidade e a impressão que tudo está muito bem ou, como diria Pangloss, “tudo vai pelo melhor, no melhor dos mundos possíveis”.

Insensível às montanhas de lixo que se acumulam pelas ruas, oferece-nos uma Polícia Municipal para “prender pessoas”, quando seria porventura mais assertivo que esta polícia fiscalizasse quem não cumpre as regras de deposição de resíduos. Ou o insuportável ruído noturno. Ou policiasse o mau uso do espaço público, o consumo de drogas na rua… Simulando que se preocupa com os sem-abrigo, inventa um único espaço na cidade, o tal hotel social de 29 lugares na Mouraria, para livrar as outras freguesias de receberem este pesado encargo. As últimas estimativas apontavam para mais de 7 mil pessoas. Que tal uma rede social nas 24 freguesias?

As pessoas de Lisboa começam a estar cansadas de tanta inação. De tanto fingimento. A relembrar os versos de Pessoa, Moedas “chega a fingir que é dor a dor que deveras sente”.»