Excertos do texto de José Pacheco Pereira no Público
de hoje:
«Falar dos pobres é politicamente intangível, toda a gente fala dos pobres, mesmo que não nada por eles. E é verdade que os mais pobres sofreram muito com estes anos de política da troika, mas, como as suas expectativas não eram grandes, ficaram no seu gueto cuidadosamente vigiado pela assistência caritativa a que a política de direita os remeteu. O papel do Estado na criação de um elevador social que lhes desse a esperança de sair da pobreza foi travado e eles ficaram ali, onde já estavam, numa redoma social, que a política do Governo PSD-CDS quis acima de tudo manter com receio da agitação social.
Mas, como muitas vezes acontece, a agitação social veio de outros lados, não da parte mais de baixo da escala social. Se analisarmos esses anos, as únicas organizações com algum sucesso em alargar a mobilização social e política foram do “meio” da escala social: os “precários” de diferentes associações, com muitas ligações ao Bloco de Esquerda, e os “reformados” da Apre!, que representavam um sector da “classe média”, profissões liberais, funcionários públicos, muitos que tinham sido eleitores do PSD e do PS. A isso se deve acrescentar, por justiça, e no meio de enormes dificuldades e num período de refluxo, a CGTP e os sindicatos. Sobre estes últimos repito o que já disse: imaginem o que seria o mundo laboral e a legislação do trabalho se não fosse a resistência sindical, e, mesmo assim, muito perderam com a aplicação mais durável e com maior sucesso e zelo do programa da troika pelo Governo PSD-CDS. (…)
Há um factor que convém ter em conta – é que a direita está a perceber mais depressa do que a esquerda a essência do “trumpismo”. Ainda não é capaz de mobilizar esse descontentamento, porque está muito acantonada socialmente e o populismo precisa de líderes e protagonistas vindos da televisão, que escasseiam. Mas caminha para aderir ao seu modus operandi naquilo que é mais perigoso – o discurso social e a “pós-verdade” que circula pelas redes sociais.
Não é de agora a proximidade da direita portuguesa ao programa de Trump, já vem de antes, mas falta-lhe a componente populista. Quando se vê um conjunto de cartazes da Juventude Popular, já com alguns anos, é patente a proximidade. Aliás, enquanto o CDS passou a Partido Popular, e depois de novo a CDS-PP, a antiga Juventude Centrista mudou para Juventude Popular e por aqui ficou. Esses cartazes falam de “liberdade”, “segurança” e “impostos”, mas em que termos? A “liberdade” é: “A nossa geração não precisa de subsídios. Só queremos que nos deixem trabalhar.” A “segurança” é: “O Estado protege os criminosos. Quem nos protege a nós?” Os “impostos” são: “Dois milhões de pessoas com rendimento mínimo. Quem pensas que anda a pagar essa avareza?” Para além dos jovens populares não saberem o que significa “avareza”, não se ficam por aqui. Há outros cartazes com imagens, com jovens muito “betos” para serem eficazes fora do círculo social do CDS, mas mesmo assim esclarecedores: “Trabalhas toda a noite num bar para pagares a faculdade, o Estado tira-te 20% para dar a quem não quer trabalhar.” “O Estado rouba-te os sonhos e distribui-os por quem nada quer fazer.” E uma defesa do cheque-ensino ao modo da secretária de Trump para a Educação, Betty DaVos.
Portanto, o programa está cá, falta apenas o salto populista. O abandono a que foram deixados os trabalhadores, os pequenos empresários, os operários, uma massa de gente a quem tiraram o futuro e amachucaram o presente geram ressentimento que, como a água, segue o caminho mais fácil. Ele encontra-se no olhar para a casa limpa e composta que espera os refugiados e não precisa dos mastins da extrema-direita para lhe indicar os alvos. Eles sabem que o CDS, o PSD, o PS, os abandonaram à sua sorte, estão-se literalmente borrifando para as “causas fracturantes” do Bloco de Esquerda, e a “linguagem de pau” do PCP não os mobiliza. Eles esperam no seu fel – até um dia.»
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