«Nestas eleições, como em geral em toda a actividade política, não há qualquer movimento ascendente em política que não seja o populismo dominado pela questão central do combate à imigração. A sua expressão política é o Chega, que domina toda a vida política, o discurso político, a agenda mediática, os debates, e as campanhas eleitorais em grande parte do país. Apesar de ser um partido bastante minoritário — teve menos de um quarto dos votos nas eleições legislativas de 2025, o que nem sempre é lembrado —, tudo o que “mexe” em Portugal acontece à volta do Chega.
Esta situação é uma enorme vitória política, que contrasta com a estagnação e a cedência aos temas do Chega por parte do PSD, com o bloqueio do crescimento da Iniciativa Liberal, com a crise profunda de identidade do PS que gera a paralisia do partido, e com a decadência acentuada do PCP e do Bloco — com a única excepção à esquerda de algum crescimento do Livre. É um panorama que, no seu conjunto, aponta para uma grave crise do sistema partidário pós-25 de Abril, crise que é estrutural e não conjuntural. Sendo assim, tudo está a mudar, sem ser no sentido de reforçar a democracia, nem a governação, nem o centro “moderado”, com um desequilíbrio no par direita-esquerda, claramente a favor da direita, criando um caos e uma errância cujos únicos efeitos previsíveis são a crise institucional e política da democracia. Este processo não é apenas português, é europeu e mundial.
Se não se partir daqui, desta análise fria e cruel, com elementos de catástrofe, não se parte da realidade, e essa é a primeira resposta aos que dizem que não basta análise, são precisas respostas. A primeira resposta é mesmo reconhecer que se está muito mal e que, tendo em conta a Lei de Murphy, vai ser tudo muito pior.
A segunda, é perceber como se chegou aqui, com um modelo de economia que favoreceu os de cima, cada vez mais ricos, deixou ficar a meio do elevador social todos os que estavam a sair da pobreza, fez descer uma parte da pequena e média burguesia e colocou numa redoma os mais pobres, deixando que dentro dessa redoma a inveja e o ressentimento social crescessem, com pobres a combaterem pobres. O combate por uma economia que incorpore um forte elemento de justiça social não é comunismo, é a doutrina social da Igreja.
Terceira, a evolução da economia capitalista associou-se a uma ecologia comunicacional que premeia a ignorância agressiva, a solidão, a desagregação de todas as relações que não passem pelas redes sociais, sem contacto humano, a não ser a competição por likes, e por frases assassinas, e insultos, e memes imbecis. Ao mesmo tempo, o deslumbramento tecnológico destruiu muito da função da escola, e diminuiu drasticamente o papel das mediações sociais, culturais, associativas, políticas e, no limite, familiares e religiosas.
A quarta resposta é o combate, sem transigência, pela democracia, combate esse que existe muito menos do que se possa pensar. Há mais moleza do que combate, e esse combate assume duas dimensões. Uma é contra as manifestações políticas do populismo, que conta nesse plano com um sistema de mentiras canalizado pelas redes sociais, nas quais se manipula o modo emotivo, que hoje é o mecanismo dominante do discurso nesses locais. Respondam, respondam a tudo, em todo o lado. Denunciem os grandes mentirosos, os violentos, os manipuladores, os falsificadores, a invasão das redes sociais por repetidores da extrema-direita que, como não têm emprego, e estão todo o dia disponíveis para fabricar vídeos, têm de ser pagos por alguém. Eles vivem de mostrar como qualquer berro à direita “arrasa”, “destrói”, “esmaga” os que a confrontam.
O exemplo de Isaltino mostra como é possível confrontar com sucesso esse mundo de mentira, violência, e aquilo a que se chama na ópera braggadocio. Outro é o exemplo do vitelo que combateu a fanfarronice toureira e nem sequer deu a Núncio, do CDS, o privilégio de lhe tocar o dorso. Isaltino e o vitelo viraram o feitiço contra o feiticeiro.
Outra resposta é mostrar a enorme contradição entre a brutalidade populista e os ensinamentos e a actuação das igrejas cristãs, que ainda são uma referência para milhões de portugueses. Denunciar a hipocrisia diante do altar, ou do padre, ou do pastor, e a falta de sentimentos cristãos face aos mais desprotegidos é eficaz, porque torna ridículo o bater no peito e o ajoelhar em pose.
Outra resposta é o combate intransigente pelos direitos humanos, cívicos, laborais dos imigrantes. Valorizando uma das coisas que este populismo de extrema-direita quer combater, o alvo de gente como Elon Musk: a empatia. E de novo a hipocrisia. Os militantes do Chega mandam vir comida pelos estafetas ou não? Não deviam, pois não? Porque isso é ajudar a imigração ilegal. Eles usam-nos nas estufas em condições de calor extremo? Não deviam, pois não? Deviam apenas contratar portugueses. E isso implica uma dura pressão sobre os governantes, cujas “autoridades” deviam multar a sério quem despreza as “condições de trabalho”, e quem viola a lei para ganhar dinheiro com os párias da imigração.
Há mais para os próximos artigos, o papel da nossa história, o patriotismo, e no fim e no princípio de tudo, a coragem. Estou mesmo a ver quem vai dizer, “mas isso é pouco, isso não é nada, isso não vai travar o Chega”. Não sei. O que sei é que não fazer nada não trava coisa nenhuma.»