8.3.25

8 de Março

 


Eleições já: este é o pior dos tempos, este é o melhor dos tempos

 


«Para os dois principais protagonistas destas eleições, Luís Montenegro e Pedro Nuno Santos, faz sentido glosar o arranque do “Conto de Duas Cidades” de Charles Dickens – “Este é o melhor dos tempos, este é o pior dos tempos”.

Para Luís Montenegro, este é “o melhor dos tempos” para ir a eleições porque seria muito pior sujeitar-se a uma comissão parlamentar de inquérito. (…)

Mas depois é “o pior dos tempos”, uma vez que, com eleições no mais curto prazo possível, o eleitorado tem o “caso Montenegro” bem vivo na sua memória. É impossível que o assunto caia no esquecimento. (…)

Também para Pedro Nuno Santos este “é o melhor dos tempos” – vai a eleições num momento em que o primeiro-ministro está sob fogo. E é “o pior dos tempos”: o PS precisava de tempo para se reconstruir na oposição.»


De gargalhada

 


Sempre neste dia

 


Luís Montenegro vai mesmo liderar o PSD nas legislativas antecipadas?

 


«O primeiro-ministro, Luís Montenegro, prepara-se para ver o seu Governo cair, no Parlamento, na terça-feira, dia em que será votada a moção de confiança que decidiu apresentar e cujo chumbo já foi anunciado pelo PS e pelo Chega. Mas Luís Montenegro já afirmou que continuará a liderar o PSD nas eleições legislativas antecipadas, que o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, já anunciou que convocará para 11 ou 18 e Maio.

Esta decisão foi assumida, logo na terça-feira, pelo secretário-geral e líder parlamentar do PSD, Hugo Soares, em entrevista à SIC Notícias, e secundada, na quarta-feira, por um comunicado conjunto de apoio a Luís Montenegro assinado pelas estruturas regionais e distritais do PSD. E o próprio primeiro-ministro considerou que “a situação política é conhecida, a situação do PSD é conhecida e não sofreu alterações”, em declarações feitas em Bruxelas, onde participou no Conselho Europeu.

Percebe-se que Luís Montenegro queira manter-se à frente do PSD, disputar novas legislativas, liderando a Aliança Democrática. Percebe-se até a narrativa que a direcção do partido, vários membros do Governo e o próprio primeiro-ministro têm construído. Sente-se perseguido, vitimiza-se, considera que há irresponsabilidade dos partidos da oposição. Mas, de facto, não mostra ter percebido ou, se calhar, não percebeu mesmo, em que é que errou, em todo este processo. Está politicamente ferido, mas agarra-se ao lugar de líder partidário, numa tentativa de desforra política eleitoral, em que poderá até crescer. Saliente-se até que o ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, Paulo Rangel, afirmou, quinta-feira, em entrevista ao Observador, o desejo de uma maioria absoluta: “Claro que gostávamos de ter maioria absoluta, e acho que a merecemos.”

O Governo vai cair, na terça-feira, depois de uma desgastante polémica que estava a paralisar a governação, num curto processo final de estertor. Mas em que todos cumpriram bem o seu papel, o PCP, ao apresentar a moção de censura de terça-feira, precipitou o processo de apresentação da moção de confiança pelo Governo, sobretudo depois de o PS ter anunciado que ia pedir a criação potestativa de uma comissão parlamentar de inquérito, para averiguar se o primeiro-ministro não cumpriu o dever de exclusividade do cargo e se entrou em conflito de interesses.

E até Luís Montenegro esteve bem, finalmente, ao dar o passo em frente e apresentar a moção de confiança, depois de ter andado mais de duas semanas a enrolar-se numa teia de suspeições, ao não divulgar as empresas a que a sua empresa familiar prestava serviços de consultadoria em protecção de dados – até agora, só foram divulgados os contratos permanentes –, quais os serviços prestados e por que valor.

Por mais que Luís Montenegro se diga injustiçado, a verdade é que a responsabilidade pela crise política instalada é dele próprio. É sobre ele que caem as suspeitas de conflito de interesses por ter recebido, no seu património, avenças mensais de empresas, entre as quais a Solverde, que tem a concessão de jogo, enquanto exercia a função de primeiro-ministro, que obriga a exclusividade.

Não colhe Luís Montenegro argumentar que não recebeu nada. Isto porque o problema não é esse, a questão de fundo é que é casado em comunhão de bens adquiridos, logo, é co-responsável pelo património da mulher, quer sejam lucros, quer sejam dívidas. Aliás, na comunicação ao país que fez no sábado, o próprio Luís Montenegro reconheceu isso, ainda que sem o verbalizar explicitamente, ao anunciar que ia passar a quota da mulher na empresa familiar para os filhos, que passariam a ser os únicos sócios, o que foi formalizado na quarta-feira.

O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, anunciou eleições em 11 ou 18 de Maio. É um calendário apertado, de cerca de dois meses, mas é tempo suficiente para o PSD eleger um novo líder. Lembremos que António Costa demitiu-se de primeiro-ministro a 7 de Novembro de 2023 e que Pedro Nuno Santos foi eleito secretário-geral a 16 de Dezembro.

Nada impede que o PSD mude de presidente para partir para a campanha eleitoral de cara lavada e sem pedras no sapato. Ou seja, sem estar sujeito a uma campanha eleitoral em que o caso pessoal de Luís Montenegro vai ser usado pelos partidos na oposição para o combate político.

Por agora, multiplicam-se com veemência os apoios a Luís Montenegro, e há mesmo assumidas profissões de fé na sua liderança. Resta saber o que dirão agora sobre Luís Montenegro personalidades como Aníbal Cavaco Silva, que tanto o apoiou no passado. Admito que o PSD ainda esteja em estado de choque com o que aconteceu nestas três semanas, mas será que ninguém se vai posicionar para a liderança? Será normal o PSD manter Luís Montenegro como líder? O PSD ainda é o PSD?»


Quem será?

 


7.3.25

Túlipas



 

Vasos em forma de túlipa, eosina vitrificada. Pécs, Hungria, cerca de 1900.
Fábrica de Cerâmica Zsolnay.

Daqui.

Sessão solene na véspera do 8 de Março

 



Moção leva-a o vento?

 


𝐬𝐞 𝐦𝐚𝐧𝐭é𝐦 𝐦𝐨çã𝐨 𝐝𝐞 𝐜𝐨𝐧𝐟𝐢𝐚𝐧ç𝐚 𝐩𝐨𝐫𝐪𝐮𝐞 / 𝐬𝐞 𝐋𝐮í𝐬 𝐌𝐨𝐧𝐭𝐞𝐧𝐞𝐠𝐫𝐨 𝐭𝐞𝐦 𝐦𝐞𝐝𝐨 𝐝𝐚 𝐜𝐨𝐦𝐢𝐬𝐬ã𝐨 𝐝𝐞 𝐢𝐧𝐪𝐮é𝐫𝐢𝐭𝐨. 𝐂𝐥𝐚𝐫𝐨, 𝐜𝐥𝐚𝐫í𝐬𝐬𝐢𝐦𝐨.

A realidade dos factos

 


Um homem desesperado atira o país para o lodo

 


«Muitos perguntam porque Montenegro não fez o que tinha feito com a polémica sobre a sua casa. Talvez não possa. Quando se queixou, perante as primeiras perguntas a que não respondeu, que as suas respostas nunca seriam suficientes, é provável que soubesse que o suficiente não seria bom para ele. Mas o que sabemos chega. A Spinumviva é de Montenegro. O facto de anunciar, depois de se ter “desvinculado”, que as quotas da mulher iam para os filhos foi a enésima confissão de propriedade. Do que sabemos, a empresa não tem serviços especializados internos, instalações, material, site, telefone próprio, quadro de pessoal ou investimento. Subcontrata, pagando 11% da faturação a quem realmente presta o serviço e não precisaria dela para o fazer. O seu negócio são os contactos de Montenegro, que não tem uma vida empresarial, tem rendas. Usando uma expressão de Pedro Nuno Santos, na quarta-feira, não é “uma empresa a sério”, é um avatar do primeiro-ministro, que ficou no âmbito familiar para contornar o dever de exclusividade. Não existe para além dele.

Porque não sabíamos nada disto? Porque Montenegro fez uma campanha baseada na gestão dos silêncios, que não poderá repetir. Porque acabou por passar por uma remodelação e 15 dias de suspeitas sem responder a uma pergunta dos jornalistas. Porque só deu uma entrevista (amigável) desde que chegou ao poder. Porque foram raríssimas as suas conferências de imprensa com perguntas. No sábado, mandou cinco ministros a cinco canais responder às perguntas que ele se recusara a responder minutos antes. Perguntas sobre os seus negócios e a sua vida patrimonial. O escrutínio não serve para matar ou desgastar políticos, como a vitimização de Montenegro quer vender. Serve para defender o Estado e o interesse público de políticos demasiado vulneráveis. Aprendemo-lo amargamente com Sócrates. Furtar-se ao escrutínio, que inclui a imprensa, é desrespeitar a democracia. Desrespeito que deixou claro quando desabafou que tem mais que fazer do que estar sempre a responder a deputados.

Ao escrutínio exigido pela oposição, o primeiro-ministro deu uma resposta assombrosa: ou param de fazer perguntas ou crio uma crise política. Ou a oposição faz uma jura de silêncio sobre estes casos ou temos novas eleições. E assim foi, com um roteiro, entretanto divulgado pela comunicação social, para atirar o país para a crise no pior momento internacional possível. Perante a possibilidade de se esgotarem todos os instrumentos de esclarecimento, só Montenegro saberá porque prefere este caminho. Ainda assim, mostrando que a desfaçatez nunca desiste de derrotar a lógica, quem apresenta a moção de confiança faz apelos para o PS a aprovar, em nome da estabilidade, quando, para isso, bastava não a apresentar. Teoricamente, o Governo tem todas as condições para governar: orçamento viabilizado, duas moções de censura chumbadas e um Presidente retirado. É por causa da insustentável ausência de condições éticas para o cargo que ocupa que Montenegro escolheu não o fazer e preparou a queda que sempre desejou.

Montenegro sempre quis eleições e escolheu a revelação das suas próprias falhas para as provocar. Não se pode dizer que lhe falte audácia. Também na confiança na sua inimputabilidade começam a desenhar-se parecenças com Sócrates. É surreal que, perante tudo isto, ainda haja quem tente dividir pelo PS e pelo Presidente as culpas de uma crise com um único responsável. Desde o primeiro dia que Montenegro sabe, porque foi claramente dito, que uma moção de confiança seria chumbada. É o seu comportamento, primeiro, e a decisão de forçar eleições, depois, que levam a esta crise. É o solitário responsável por tudo isto.

Mesmo que a AD se tente concentrar numa situação económica ainda favorável, que o primeiro-ministro dê todas as entrevistas que recusou para instalar a vitimização pela crise que forçou e que distribua dinheiro pelo povo, a campanha será sobre os seus negócios. Será um plebiscito a um político fragilizado e sem qualquer capacidade de fazer, a partir desta semana, pontes com seja quem for. Será uma campanha feia, que deixará marcas na democracia. Perante tudo isto, não era uma moção de confiança que se exigia. Era que se demitisse, porque o problema é ele. Ele é a crise. Se as pequenas carreiras locais não tornassem os dois grandes partidos reféns dos seus líderes, Montenegro seria apeado esta semana. Como tornam, o PSD vai atirar-se para o lodo, em nome da sobrevivência de um homem desesperado. No passado, o PS cometeu o mesmo erro. Ficou uma profunda cicatriz na sua história.»


6.3.25

Torradas

 


Torradeira de porcelana vintage, cerca de 1927.
(Dizem que ainda funciona!)


Daqui.

06.03.1927 – Gabriel García Márquez

 


Gabriel García Márquez faria hoje 98 anos.

Em rigorosa «peregrinação», fiz um desvio de dezenas de quilómetros para chegar a Aracataca, em 2012, sempre à espera de encontrar algum membro da família Buendía ao virar de uma esquina, um qualquer José Arcádio ou um dos muitos Aurelianos… Foi em Aracataca que GGM se inspirou para criar a mítica aldeia de Macondo de Cem anos de solidão.

Mais informação num post que escrevi na Colômbia, quando fui a Aracataca.

Águas de Março?

 



Mas já chega, não?

Luís Montenegro e a ilusão da confiança

 


«Luís Montenegro não tem um problema. Tem uma escolha. Durante duas semanas, podia ter esclarecido. Podia ter explicado. Podia ter dissipado dúvidas, provado que está e esteve em exclusividade, demonstrado que os seus rendimentos são transparentes, comprovado que a Spinumviva é uma empresa como qualquer outra e não um cofre blindado onde se depositam pagamentos a um primeiro-ministro em funções. Mas não o fez.

Escolheu outra coisa.

No sábado, subiu ao palco e disse que já disse tudo. Que não há mais explicações a dar. Que quem insiste em perguntar é porque não quer ser esclarecido. Como se a falta de resposta fosse um excesso de evidências. Como se o silêncio fosse esclarecedor. Como se bastasse decretar o fim da história para ela acabar.

Agora, Montenegro faz outra coisa. Transforma a sua própria crise num ultimato ao país. Transforma o seu governo num cavalo de ataque. Arrasta ministros, secretários de Estado, deputados, dirigentes do PSD, todos para um problema que é só dele. Esta crise não é sobre o governo. Não é sobre o partido. É sobre a prática do Primeiro-Ministro. Sobre o que fez. Sobre o que não explica. Sobre a dúvida que recusa dissipar.

E, se não se dissipa, é porque a dúvida é mais fácil de gerir do que a resposta. Porque é preferível mudar de assunto a enfrentá-lo. Porque, perante a escolha entre esclarecer e dramatizar, Montenegro escolheu o teatro.

Se o governo está em risco, foi o Primeiro-Ministro quem o colocou lá. Se há instabilidade, foi o Primeiro-Ministro quem a criou. Se o país está a ser empurrado para uma crise política, foi o Primeiro-Ministro quem decidiu que seria mais fácil submeter-se a eleições do que submeter-se a perguntas.

Montenegro não quer resolver esta crise. Quer sobreviver a ela. E, para sobreviver, transforma-a num referendo sobre a sua própria existência. Quem não está com ele, é contra ele. Quem insiste em esclarecer, quer desestabilizar. Quem pergunta, trama. Quem exige respostas, persegue.

E assim se reescreve a narrativa — se o Parlamento não o apoia, o problema não está no governo, está no Parlamento. Se a oposição exige respostas, o erro não está na falta de explicações, mas em quem as pede. Se há dúvidas sobre a Spinumviva, a questão não é quem as gerou, mas quem insiste em não as ignorar.

E é por isso que Montenegro escolheu a única saída que ainda controla. Se não querem confiar nele, então que seja Portugal a decidir. Antes eleições do que uma Comissão Parlamentar de Inquérito. Antes o fim do governo do que o início da transparência.

Que fique claro: Luís Montenegro precisava de esclarecer e provar que está e sempre esteve em exclusividade. Que todos os rendimentos que recebeu, pessoais ou empresariais, têm origem verificada. Que a Spinumviva não é um meio encapotado de receber pagamentos enquanto exerce funções. Mas não o fez.

Em vez disso, escondeu os clientes. Escondeu os valores. Escondeu a natureza do serviço prestado. Durante duas semanas, fugiu a todas as perguntas. Sabia o que era suspeito. Sabia que tinha de esclarecer. Sabia o que estava em causa. Escolheu não responder.

E, no fim de contas, não conseguiu afastar a dúvida que se impõe: que aquelas avenças foram pagas a Luís Montenegro através da Spinumviva, quando já era primeiro-ministro. Se assim for, não há sequer legalidade que o salve. Não tem legitimidade.

Esta é a verdadeira razão para apresentar uma moção de confiança. Apresenta-a porque sabe que não tem confiança. Porque sabe que não tem legitimidade para continuar no cargo sem explicar. E porque, no fundo, sabe que a sua única estratégia é transformar a crise num duelo: ou ele, ou o caos.

Prefere arrastar o país para eleições do que responder. Prefere incendiar a casa em vez de abrir a porta.

Quer ser Cavaco em 1987. Quer transformar a crise num plebiscito. Quer que o país escolha entre ele e a instabilidade. Mas há um problema: a instabilidade, desta vez, não nasceu na oposição. Nasceu no governo.

Cavaco caiu porque não tinha maioria absoluta. Montenegro cai porque tem um problema que se recusa a esclarecer.

E se há algo mais absurdo do que aceitar a instabilidade em nome da estabilidade, é isto: aceitar Montenegro como o homem certo para resolver o caos que ele próprio criou.»


Casos e casinos

 


5.3.25

Pra tudo se acabar na 4ª feira

 



Pacheco Pereira sobre Montenegro e Espinho

 


Mário Zambujal, 89

 


Já escreveu muito, mas ficará para sempre ligado à sua primeira obra publicada em 1980: Crónica dos bons malandros.

Bernie Sanders

 


A gestão de silêncios de Montenegro arrastou-nos para isto. E continua

 


«Deixei fora do último texto uma parte relevante da crise ética (que o primeiro-ministro está empenhado em transformar numa crise política) que estamos a atravessar: os efeitos da estratégia de comunicação que Montenegro tem imposto à comunicação social e que esta passivamente tem aceitado.

Na rede social X, o jornalista Pedro Coelho fez uma pergunta que é uma autocritica coletiva, que nos inclui a todos: “Como foi possível que o caso de Luís Montenegro estivesse silencioso um ano depois da posse e três anos depois de ter chegado a líder do PSD?” A noite sábado ajuda a responder. Sem direito a perguntas, Luís Montenegro usou, em direto e mais uma vez, o horário nobre das televisões para 50% de propaganda, 50% de manobras palacianas (expressão sua) e 0% de esclarecimento.

Desde que chegou ao poder, e já lá vai quase um ano, Montenegro deu uma única entrevista amigável (nada contra, há muitos géneros de entrevista) e com entrevistadora escolhida por si. E pouquíssimas conferências de imprensa com direito a perguntas. Fez uma remodelação sem nunca ter de a justificar publicamente. Passou por 15 dias de suspeitas, em que é acusado de receber uma avença de uma empresa dependente de decisões do Estado, sem falar com jornalistas. Falou e voltará hoje a falar, obrigado pelo Parlamento, com as suas regras mais favoráveis. E na tal conferência de impressa sem perguntas.

Sempre disse que, na sua relação com a imprensa, Montenegro tinha decidido regressar ao estilo de Cavaco Silva. Mas sempre achei que isso seria impossível, num tempo em que temos cinco canais de informação permanente e redes sociais. Enganei-me. Desvalorizei a perda de capacidade de a comunicação social impor critérios básicos de escrutínio.

Na mesma noite em que Luís Montenegro se recusou a responder aos jornalistas sobre um caso suficientemente grave para ele achar que pode criar uma crise política, enviou cinco ministros aos cinco canais de informação (todos os que existem) para, em simultâneo, responderem a perguntas sobre a sua empresa, os seus negócios, a sua família. Ministros dos Negócios Estrangeiros, da Presidência, das Finanças, das Infraestruturas e da Economia discorreram sobre a avença do empresário Montenegro, falando sempre em nome de um terceiro e respondendo ao que o próprio se recusou responder em conferência de imprensa.

Foi caricato ver estas pessoas responderem a informação a que não têm acesso e não estão envolvidas. A prestação destes ventríloquos no esclarecimento da vida empresarial de um terceiro não representa apenas uma confusão entre governo, partido e Montenegro. Foi um ato de cobardia que os jornalistas aceitaram. E em que Montenegro tem confiado para evitar o escrutínio. Começa a ser claro porquê.

Voltando à pergunta de Pedro Coelho, uma das funções das campanhas eleitorais é o escrutínio prévio, para não ficarmos na situação que estamos (e em que já estivemos no passado): ter eleito alguém que conhecemos muito pior do que pensávamos e isso poder provocar uma crise política. O escrutínio, por vezes impiedoso, mas inevitavelmente necessário se não ultrapassar os limites do puro voyeurismo, não serve para matar políticos. Serve para defender o Estado e o interesse público de políticos demasiado vulneráveis para governar. Furtar-se a ele é desrespeitar a democracia.

Luís Montenegro já fizera uma campanha baseada na gestão do silêncio. Estranhamente, ouvi jornalistas elogiarem a opção, não percebendo que ela diminui o escrutínio e a função da imprensa. E foi por isso que, no dia das eleições, sabíamos quase tudo sobre Pedro Nuno Santos e fiávamo-nos no perfil que a propaganda construiu de Luís Montenegro.

Houve uma única entrevista mais dura, conduzida por Bernardo Ferrão, na SIC Notícias, quando Montenegro chegou à liderança do partido. Estranhamente, as dúvidas que ali surgiram não tiveram continuidade. Os ajustes diretos com as autarquias do PSD, que foram o tema dessa entrevista, não voltaram a ser tema na campanha.

O resultado está à vista e veremos se não nos tratará mais surpresas: o escrutínio está a ser feito a um primeiro-ministro em exercício sobre o qual deveríamos saber quase tudo antes de ter sido eleito. Como se viu no sábado, a estratégia que tornou isto possível continua a funcionar. E os jornalistas continuam a aceitá-la.»


4.3.25

Jarros

 


Jarro de cerâmica e estanho Arte Nova. Alemanha, cerca de 1905.
Carl Sigmund Luber.

Daqui.

Uma lição de dignidade

 


«Perante aqueles dois broncos inchados, Zelensky não pestanejou.

Foi buscar força a todos os ucranianos que morreram por causa da invasão russa. Foi buscar força ao facto de estar em guerra, comparando essa violência e esse medo à mera truculência verbal daqueles dois pavões obesos à frente dele.

O homem pequenino mostrou que não se curva - e que foi por não se curvar que a Ucrânia continua a lutar contra o monstro que o invadiu.

O homem pequenino e vestido de preto fez pouco daquelas fatiotas empoderadas, daqueles cabelos esticados, daquelas gravatas intermináveis que escondem tanto a barriga como uma fila de cabras esconde os Alpes.

Deu-nos uma lição de dignidade que jamais será esquecida.»


Nós

 


O fim da democracia americana e a vergonhosa cobardia da Europa

 


«“Estás a ver a discussão do Trump/Vance contra o Zelensky?” escreveu-me um grande amigo que vive em Washington DC e trabalha no Banco Mundial, e que já me vem dizendo que são às dezenas os projectos de desenvolvimento por todo o mundo que terminaram por falta de financiamento americano.

Vi tudo quase em directo, e já não consegui que a minha atenção fosse para mais lado nenhum nessa noite, e boa parte de Sábado. Algumas coisas que os mais desatentos talvez não saibam. A Associated Press e a Reuters foram proibidas de estar naquele encontro na sala oval, duas das maiores cadeias noticiosas do mundo, mas a TASS que faz parte da propaganda russa, tinha lá jornalistas presentes. Foi uma cilada orquestrada para humilhar Zelensky, humilhar a Europa, e humilhar as democracias de todo o mundo.

Foi pornografia política o que assistimos. Quando a mentira tem mais valor do que a verdade, a justiça é uma miragem e a civilização impraticável. Zelensky e todos os ucranianos, estão a ver o seu povo a ser chacinado, hospitais bombardeados, massacres com violações sexuais em massa, para depois ter que ouvir, um bully, um narcisista e mentiroso patológico inebriado pela sua megalomania a dizer irritado e ao ataque: “You are gambling with World War III!” - Estás a jogar com a 3a Guerra Mundial - o que seria o mesmo que dizer que a Polónia foi a culpada da segunda grande guerra.

Trump é uma marionete de Putin. Trump admira Putin porque o que o presidente americano quer, tal como se viu noutro vídeo pornográfico publicado por Trump sobre a sua visão de Gaza, é ter os mesmos poderes que um ditador; sem oposição, sem imprensa livre, com um obsessivo culto da personalidade, e com todos os poderes centrados e controlados por um homem.

Não sei se é nas frases patéticas de Trump na campanha “só preciso de ser ditador por um dia”, ou “só vão ter votar em mim uma vez” que percebemos que a democracia americana está, neste momento, a extinguir-se, mas sim, nos planos bem delineados do “Projecto 2025” todo ele escrito por trumpistas em que entre muitas outras coisas gravíssimas, se destaca a colocação dos tribunais sob a tutela do poder do presidente, o que põe fim à separação de poderes, um dos mais elementares princípios das democracias.

Em Portugal ouço na televisão, pessoas muito mais sábias e experientes do que eu nestas matérias, serenamente a dizer em uníssono, “a democracia americana não vai acabar…são só 4 anos”, e nos EUA e pelo mundo fora ouço historiadores e politólogos em análises puramente factuais e não baseadas em achismos que concluem: o golpe de Estado e o fim da democracia americana já estão em curso.

Há alguns democratas e alguns meios de comunicação social que mantêm a coragem de dizer a verdade sobre Trump e a sua agenda (com o Washington Post já não podemos contar, porque Jeff Bezos, dono da Amazon, empurrou o editor-chefe a demitir-se por não alinhar na linguagem do regime de Trump). Mas a verdade é que a maioria dos americanos, mesmo republicanos moderados, que sabem p.e. que é tão claro como a água que a Rússia invadiu a Ucrânia que estão calados e cheios de medo de falar, porque até generais com décadas de serviço foram despedidos só porque não agradam a Trump.

E na Europa dos valores, dos direitos, das democracias sólidas, o que é que se lê ou ouve? Nada. Nada de nada. Ahhh… peço desculpa, ouve-se “Eu estou com a Ucrânia” que é uma versão adaptada da falácia “Acredito da solução dos dois Estados” que podia ser um discurso da miss mundo, se não tiverem a coragem de criticar e afastarem-se imediatamente do autocrata fascista, Donald Trump.

Trump é um mentiroso.

Trump quer ser um autocrata.

Trump é um inimigo do mundo livre.

Trump não respeita a lei internacional.

Trump tem os americanos manietados pela ameaça.

Trump mentiu ao dizer que Zelensky é um ditador.

Trump mentiu ao dizer que a Ucrânia é a culpada pela guerra.

Trump mentiu ao dizer que apenas 4% dos ucranianos apoiam Zelensky.

Trump está mais próximo de Putin do que da Europa.

Nenhum líder europeu, nem um, teve coragem de dizer aquilo que tem tanto de evidente como de importante de ser dito, pois o futuro das democracias depende da coragem dos líderes e dos seus povos, parece que já não há ninguém do calibre de Winston Churchill, mas se não houver vamos ser esmagados entre Trump e Putin.

Não há nem um que tenha tido a coragem de criticar Trump. Criticar Putin basicamente todos os europeus o fazem. Mas quando Trump repete a propaganda de Putin, humilha o presidente que representa os heróis que têm mantido a super poderosa Rússia afastada de invadir a UE, lutando por todos nós, à custa de centenas de milhares de vidas… nenhum líder europeu teve a coragem de criticar Trump. Nem um. São todos cobardes.

A NATO acabou, só falta a certidão de óbito. A Europa tem que se unir, as democracias têm que se unir, em pactos políticos, económicos e militares… e não duvidem que a democracia americana, a mais antiga do mundo em vigor, acabou. E acabou embalada no nosso silêncio.»

As crónicas de Gustavo Carona são a favor dos Médicos sem Fronteiras 


3.3.25

Montenegro, a Democracia e o Estado de Direito

 


«Um recente inquérito promovido pelo parlamento europeu sobre quais são as preocupações dos jovens - o Flash Eurobarometer Youth Survey - mostra que os cidadãos portugueses entre os 16 e os 30 anos são, entre os 27 Estados membros, os que revelam a taxa mais baixa de respostas afirmativas quando questionados sobre se a "Democracia e o Estado de Direito" vão ser prioridades para a União Europeia (UE) para os próximos cinco anos. Apenas 10%, contra 17% da média europeia.

Aliás, a Democracia e o Estado de Direito estão mesmo no fundo da tabela nas preocupações da juventude do velho continente. As três primeiras preocupações são o custo de vida, as alterações climáticas e a situação económica/criação de emprego. Em Portugal, esta faixa etária considera como preocupação primordial para o próximo quinquénio a habitação, seguida do custo de vida e da situação económica / criação de emprego.»


Mais oportuno do que nunca

 


Saga Montenegro: para lavar e durar

 


Expresso, 03.03.2025

A crise de Montenegro acabou antes de nascer, mas os problemas dele não

 


«Não sei se ainda se lembram do sorriso permanentemente trocista de Montenegro. Não transmitia confiança. Disciplinado, corrigiu-o, no início da campanha. Corrigiu quase tudo. Criou uma personagem: um político espartano e com uma seriedade à prova de bala. Uma imitação de Cavaco e, em parte, de Passos. Quando as sondagens disseram que a imagem de Pedro Nuno Santos era a de fazedor e a de Luís Montenegro era de honesto, reforçou o perfil. É uma enorme vantagem política, ainda mais quando se vai a votos por causa de um suposto caso judicial.

Quando é essa a vantagem temos de olhar com atenção para o nosso telhado. Porque se qualquer coisa menos boa aparece, o dano é maior do que em políticos que apostam noutras coisas. Não são apenas os moralistas a estar mais sujeitos aos efeitos do escrutínio. São os que nos vendem que é preciso nascer muitas vezes para ser mais sérios do que eles. Ao contrário do sorriso, o passado não se corrige. Nem as dependências que ele cria.

Não vou repetir e desenvolver o que todas as peças jornalísticas já clarificaram. Todos percebemos o essencial da relação de Montenegro com a sua consultora e a razão porque diz que, para a oposição e para os jornalistas, os esclarecimentos nunca serão suficientes. Sabe que confirmarão que tivemos um primeiro-ministro em exercício a receber uma avença de uma empresa com relações com o Estado. Pelo menos isto.

A AVENÇA DE MONTENEGRO

Olhando para a diferença entre o que é faturado à Solverde e o que é pago a colaboradores externos de uma empresa cuja sede é uma casa particular e não tem pessoal próprio, parece que a única função da consultora é a intermediação entre o cliente e quem fornece o serviço. O verdadeiro serviço da consultora de Montenegro parecem ser os clientes que recrutou. E, não sendo mais do que isso, a grande diferença entre o que Montenegro recebe e o que paga aos que realmente prestam aquele serviço é uma avença em troca de serviço nenhum.

Com o que sabemos, há razões para temer que a empresa que domina o negócio dos casinos, dependente de concessão do Estado, tenha mantido o primeiro-ministro no seu payroll sob o pretexto de um serviço que é prestado por terceiros a um preço muitíssimo inferior.

Não vale a pena continuarem a falar da vida profissional passada de Montenegro. Ele podia receber avenças antes e pode recebê-las depois de ser primeiro-ministro. Mesmo sendo apenas um intermediário, elas são aceitáveis num cidadão comum. Não o são num primeiro-ministro. Dizer que pedirá escusa, quando as decisões serão tomadas por subordinados, é caricato. Tudo isto é óbvio para qualquer pessoa sensata.

O primeiro-ministro foi “imprudente”. O que fez a última pessoa que Montenegro achou imprudente? Demitiu-se, apesar do seu caso não ter uma ínfima parte da gravidade deste.

A verdade é que Montenegro sempre teve consciência da incompatibilidade que tinha entre mãos. Por isso passou uma empresa que era e continuou sempre a ser sua para a mulher, educadora de infância, e para os jovens filhos. Não se trata apenas de, legalmente, a consultara continuar a ser de Montenegro, por se ter casado em comunhão de adquiridos. Trata-se da empresa ser, não apenas de jure, mas de facto, de Montenegro.

Todos os clientes têm relação com Montenegro. Nenhum dos administradores parece ter capacidade para gerir este negócio. Até o comunicado assinado pelo filho foi enviado para os mails dos editores e jornalistas de política, endereços a que os supostos administradores não têm acesso. Foi Montenegro que confessou que a consultora era sua ao dizer que a empresa passava a ser dos filhos? Decidiu espoliar a mulher? Sabia que tinha mentido?

Montenegro tem-nos tomado por parvos. Quando continua a fingir que a mesma empresa sobre a qual vai decidindo publicamente o futuro já não lhe pertence. Quando identifica Inês Varajão Borges, mulher do candidato do PSD à câmara de Braga e a advogada que realmente faz o trabalho que é pago quase na totalidade a Montenegro, como Inês Patrícia. Tudo, nos sucessivos “esclarecimentos”, transpira má-fé.

Numa situação insustentável, Montenegro procurou uma fuga para a frente. Tentou-a no sábado, com a simulação de uma crise política. E acabou por ter uma ajuda insuspeita.

A CHANTAGEM SOBRE A OPOSIÇÃO

Na sua comunicação, que mais uma vez não teve perguntas (deixo isso para outro texto), o primeiro-ministro optou por misturar a indignação e a vitimização típicas de Sócrates com as manobras táticas e a chantagem da crise a que ele próprio nos começa a habituar. Exigindo que outros lhe digam se, perante um caso de que é o único e solitário responsável, ele próprio sente ter condições para ser primeiro-ministro. Se acha que sim, não tem de perguntar a ninguém. Se acha que não, demite-se e não se recandidata, porque as condições que agora pode sentir falta são éticas e não dependem de terceiros.

Montenegro quer uma crise política desde o dia em que tomou posse. Nunca parou de fazer chantagem nessa base. Ousado é usar os seus próprios erros para isso. Neste caso, trata o escrutínio é como bloqueio à governação. A mensagem foi esta: só há estabilidade política sem escrutínio. Para o primeiro-ministro, a oposição tem o dever de lhe reafirmar sucessiva confiança cega. Ou fazer cair o governo.

Se houvesse uma crise política não seria porque falte ao governo qualquer instrumento para governar. O Orçamento foi viabilizado, com poucas cedências. Poucas são as medidas deste governo a passar pelo Parlamento. O Presidente tem sido mais do que compreensivo. Os problemas que o governo tem tido, com especial atenção para a saúde, foram criados por ele mesmo.

Neste caso, se tivesse existido uma crise política teria sido criada, sem qualquer outro responsável, pelo próprio governo. Com um único argumento: Montenegro não aceitar ser escrutinado num caso em que qualquer primeiro-ministro do mundo teria de dar explicações. E exige que a oposição o apoie nessa sua estranha ideia de democracia.

SALVO PELO PCP

O PS sempre deixou claro, desde que o programa de governo foi viabilizado, que nunca aprovaria uma moção de confiança. Muito menos o poderia fazer com este propósito. Se o País fosse a votos, a campanha seria sobre dois temas: a irresponsabilidade de um governo que, com um orçamento viabilizado, provoca uma crise política e a vida profissional, empresarial e honestidade de Montenegro, razão para a moção de confiança.

Estou convencido que a AD não queria ir a eleições. O homem dos casinos fez “all in” porque acreditou que alguém se acobardaria. Foi o PCP que o salvou. Ao apresentar uma moção de censura, transferiu o ónus da crise política do governo para a oposição. Uma coisa é ir a votos com uma crise provocada pelo governo, com o chumbo de uma moção de confiança que só ele quis apresentar; outra é ir a votos com uma moção de censura aprovada pela oposição. Era óbvio que o PS não morderia esse isco.

E o PCP mordeu? Não sou tão benévolo. O PCP percebeu que a moção de confiança teria que ser chumbada, independentemente da vontade de cada um ir ou não a votos. Teríamos eleições em ano de autárquicas difíceis para o PCP. Não queria. De caminho, pode reforçar a ideia que o PS apoia este governo, tese que a moção de confiança mataria. Com a moção de censura, que atiraria a culpa da crise para a oposição, entala os socialistas. O resto era óbvio: com uma moção de censura chumbada, não restava qualquer margem para se apresentar uma moção de confiança. Montenegro dirá que a moção de censura do PCP funciona como moção de confiança ao governo. Os seus ministros começaram a dizê-lo logo na noite de sábado.

Feito o número, voltaremos à vaca fria. Acabada a manobra palaciana (moção de censura previamente chumbada e governo a recuar na moção de confiança), o escrutínio continua. Mais apertado para um primeiro-ministro que nunca mais se poderá vender como vendia. Agora sim, acabou o estado de graça. Não há drama político que faça o tempo andar para trás.»


2.3.25

Mais transparências

 


Vaso Arte Nova com papoila gravada, feito à mão em cristal ecologicamente correcto e sem chumbo. 1899-1900.
Moser.

Daqui e não só.

Entretanto no PS

 


Um pouco mais de azul (25)

 




A “vítima” Montenegro escolhe a espada: eleições

 


«Luís Montenegro decidiu oferecer aos portugueses um espectáculo de vitimização – o primeiro-ministro não reconhece qualquer erro no processo da empresa, mas diz-se vítima de perseguição e acusa a perseguição à sua família – que será o mantra da campanha eleitoral, depois de ser chumbada a moção de confiança que o primeiro-ministro pré-anunciou.

Foi um pré-anúncio estranho, como se quisesse disfarçar que a crise política acabará por ser provocada por uma moção de confiança proposta pelo Conselho de Ministros. A fórmula verbal usada foi tão equívoca que Montenegro até “desafia” primeiro os partidos a definirem-se sobre se estão dispostos a aguentar a situação tal como ela está.

Objectivamente, o primeiro-ministro prefere – mas de longe – que sejam os partidos da oposição a apresentar moções de censura, para que o ónus da crise não caia sobre os ombros do Governo. A frase é muito clara: “Desafio os partidos a declararem sem tibiezas se consideram que o Governo dispõe de condições de continuar.”

O PCP decidiu imediatamente avançar com uma moção de censura, o que irá ao encontro dos desejos de Montenegro. Mas o PS já disse que votará contra esta moção de censura do PCP, inviabilizando a sua aprovação. O Chega já disse que apoia. Rui Rocha, da Iniciativa Liberal, afirmou que era praticamente impossível que o seu partido o fizesse. Pedro Nuno Santos diz que vota contra a moção de confiança que o Governo apresentar, mas não irá viabilizar a proposta do PCP. A verdade é que o PS ainda está longe de estar pronto para eleições, ainda que o seu secretário-geral diga o contrário.

Garantido que está o chumbo da moção do PCP, servirá para Luís Montenegro dizer que se sente com a confiança do Parlamento e dispensa a crise política? Na verdade, já tinha dito na semana passada, depois de chumbada a moção do Chega, que a confiança no Governo estava renovada.

Em resumo, a frase do primeiro-ministro de que “a crise política pode ser inevitável” e que “por iniciativa do Governo só pode acontecer com apresentação de uma moção de confiança” abriu a crise política.

A situação de Luís Montenegro é tão complexa que, entre a espada e a parede, é mais fácil escolher a espada. A partir de tudo o que já se sabe sobre o primeiro-ministro e as avenças, e a ausência de explicações cabais sobre o assunto, será muito menos complexo eleitoralmente, para Luís Montenegro, avançar já para eleições do que deixar-se cozer em lume brando.

Com Montenegro, a partir de agora é sempre a descer - e deve ser esta comezinha lei da vida política que presidiu à decisão do primeiro-ministro de avançar, com aquela formulação equívoca, com a ideia da moção de confiança. Sim, o pior, para Montenegro, é ficar a aguentar o pântano que se instalou na vida do Governo.

Relativamente à empresa e às avenças, a única novidade foi que passou a propriedade para os filhos de 19 e 22 anos – e assim, sendo casado em comunhão de adquiridos, a saída da sua mulher da sociedade faz com que deixe também de ser co-proprietário.»