José Pacheco Pereira no Público de hoje:
«Tudo é mau esta semana, para não variar, embora a pátria esteja entregue às delícias do futebol para se distrair. Mas há uma coisa nova, que tanto pode dar para o torto, como criar um pequeno espaço de oportunidade para aliviar as grilhetas do Tratado Orçamental. (…) Existe hoje na Europa uma “questão portuguesa”, como no passado houve uma questão grega e há no presente uma questão britânica, inglesa, escocesa e norte-irlandesa, logo, a prazo, uma questão espanhola. (…)
Se não houvesse a “questão portuguesa” a margem de manobra do governo Costa seria já nula, embora permaneça muito escassa, e, como ela existe, acentua a esperança do governo de passar pelos pingos da chuva por parte do governo e a esperança contraditória de que os amigos do PSD no PPE e nos mais agressivos “ajustadores” do Eurogrupo, a começar por Schäuble, se voltem contra Portugal com o mesmo vigor punitivo que tiveram com a Grécia. A essência da “questão portuguesa” é que já não o podem fazer com o à-vontade com que o faziam antes, visto que há hoje na Europa uma clara divisão entre países no entendimento da aplicação do Tratado Orçamental, em particular nas suas consequências sancionatórias.
Não oferece dúvida para ninguém que para Schäuble, Djisselbloem, Dombrovski, a actual solução governativa e a política a que chamam de “reversões” são inaceitáveis e a abater. (…). Se pensam que é 0,1 ou 0,2% do défice que os irritam, desenganem-se. Já fecharam os olhos muitas vezes a violações bem mais graves ao Tratado. O que eles não querem é que o alvo da austeridade mude. (…)
Convém não minimizar o poder destes homens, com origem na Alemanha, que hoje manda na União e que entende que todas as “reformas” necessárias, como se vê nos textos de Schäuble, vão no sentido de tirar os poderes já residuais dos parlamentos nacionais, e ultrapassar a Comissão, que acham demasiado sensível às pressões políticas, para as entregar a um grupo de tecnocratas, certamente escolhido pela Alemanha. Como propõe Schäuble, que sabe muito bem o que quer, essa nova instituição teria poderes para reprovar orçamentos dos estados nacionais e propostas deste tipo são vistas como a resposta “integratória” pós-“Brexit”. Por isso, estes homens olham com preocupação para a situação portuguesa, embora não tenho dúvidas que estão confiantes de que, no momento necessário, a podem esmagar sem contemplações. E podem.
O outro lado da “questão portuguesa”, o lado que deu alguma folga a Portugal, embora não se saiba se é para durar, foi visível no modo como a questão das sanções por incumprimento foram apresentadas. Percebe-se muito bem pelas palavras de Moscovici que tipo de discussões existiram e como essas discussões, de clara natureza política, impediram algumas manobras em curso. Pelo menos para já. A mais importante era apresentar as sanções sobre o incumprimento de 2014-5 como sendo uma avaliação da política do governo Costa em 2016. (…)
Moscovici fez questão de repetir várias vezes, e esta repetição não é inocente, de que estava a falar de 2015 e não de 2016. Ou seja, Moscovici estava a par, como os seus colegas na Comissão, do significado político interno das sanções, das polémicas que o PSD suscitou na semana anterior para se desresponsabilizar, e fez questão de se demarcar de Passos, Cristas e Maria Luís. Não sei se o fez por iniciativa pessoal, mas a insistência em 2015 significa que a questão foi debatida na Comissão e que esta está dividida. Ora, como Renzi, Hollande, Tusk e Schultz fizeram declarações explícitas e públicas contra a aplicação de sanções a Portugal, estamos perante algo que não tem precedente nos últimos quatro anos de coligação PSD-CDS. Isso significa que na União começa a haver a divergência que interessa a Portugal, a contestação ainda embrionária, mas densa de significado político, da aplicação rigorosa do Tratado Orçamental e esse é um dos lados da “questão portuguesa”. Pode ficar pelo caminho, face ao poder alemão e dos seus aliados, mas que existe, existe.»
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