9.4.11
Boaventuranças «à la carte»
Boaventura Sousa Santos à 5ª:
«É possível imaginar duas vias por onde pode surgir um tal adversário. A primeira é a via institucional: líderes democraticamente eleitos reúnem o consenso das classes populares (…) para praticar um acto de desobediência civil contra os credores e o FMI, aguentam a turbulência criada e relançam a economia do país com maior inclusão social. (…)
Em Portugal, um país integrado na UE e com líderes treinados na ortodoxia neoliberal, não é crível que o adversário credível possa surgir por via institucional. (…)
A segunda via é extra-institucional e consiste na rebelião dos cidadãos inconformados com o sequestro da democracia por parte dos mercados financeiros, com a queda na miséria de quem já é pobre e na pobreza de quem era remediado. A rebelião ocorre na rua, mas visa pressionar as instituições a devolver a democracia aos cidadãos.»
Boaventura Sousa Santos à 6ª:
«O que neste momento se está a definir como solução para a crise que o país atravessa não fará mais que aprofundá-la. Eis o itinerário. A intervenção do FMI começará com declarações solenes de que a situação do país é muito mais grave do que se tem dito (o ventríloquo pode ser o líder do PSD, se ganhar as eleições).(…)
Feita a intervenção de emergência – que os portugueses serão induzidos a ver como uma necessidade e não como um certificado de óbito às suas justas aspirações de progresso e de dignidade –, entra o Banco Mundial para fornecer o crédito de longa duração que permitirá “reconstruir” o país, ou seja, para assegurar que serão os mercados e as agências de rating a ditar ao país o que pode e não pode ser feito. (…) Claro que pode haver complicadores. Os portugueses podem revoltar-se.»
Boaventura Sousa Santos ao Sábado:
«Em segundo lugar, um compromisso entre os principais partidos, com o apoio do Presidente da República, no sentido de assegurar que o próximo Governo será suportado por uma maioria inequívoca, indispensável na construção do consenso mínimo para responder à crise sem a perturbação e incerteza de um processo de negociação permanente, como tem acontecido no passado recente; numa perspectiva de curto prazo, esse consenso mínimo deverá formar-se sobre o processo de consolidação orçamental e a trajectória de ajustamento para os próximos três anos prevista na última versão do Programa de Estabilidade e Crescimento.»
(Os realces são meus.)
O que se seguirá?
(publicado também em Portugal Uncut)
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Se alguma dúvida houvesse...
... desapareceu depois disto.
Comentários? Para já, só este: por uma vez, sinto-me honrada pela fraca participação feminina numa iniciativa.
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8.4.11
Na Islândia, dança-se
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(Via Tiago Mota Saraiva no Facebook)
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A última obra
… de Malangatana, apresentada há três dias pela família.
«O artista baptizou esta peça de "A Italiana" e o resultado final é fruto não só do trabalho pessoal de Malangatana como do sonho da família Ferreira dos Santos, que queria concretizar um projecto de carácter social e artística.
Este último trabalho pelo Mestre Malangatana é um carro, um Fiat 500, que serviu de tela ao artista. Com o objectivo de ser um objecto único no mundo, "A Italiana" vai ser apresentada ao mundo através de um leilão que será divulgado pelo SAPO MZ - www.sapo.mz.
Malangatana apelidava a viatura em que trabalhou durante o seu último mês em Maputo, “a Italiana” porque diariamente, sempre que ia para as oficinas afirmava que “tinha encontro com a Italiana”.»
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O que eu andei para aqui chegar
(@Nikias Skapinakis)
Se outros motivos não houvesse – e eles não faltam – custa-me a digerir que esta entrega ao FMI tenha acontecido em ABRIL: «houve aqui alguém que se enganou…».
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No dia da reunião PCP / BE
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Com muitas expectativas ou nem por isso, a data de hoje é certamente importante para o futuro, pelo menos próximo, da esquerda portuguesa.
Miguel Portas, esta manhã na Antena 1:
«Esta eleição não é propriamente uma eleição porque há três votos para o mesmo protectorado, mas é um verdadeiro referendo para saber se este povo quer continuar a viver de joelhos, vergado pelo capitalismo financeiro, vergado por Bruxelas, vergado por este tipo de autoritarismo que aí vem ou se, pelo contrário, tem a dignidade de se levantar.»
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7.4.11
O arco da austeridade
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No Monde Dilpomatique (edição portuguesa), que chegará amanhã às bancas, um importante texto de Sandra Monteiro.
" (…) No fogo cruzado das acusações sobre a dissolução do Parlamento, marcadas por uma fulanização que prenuncia já a ligeireza política do debate que aí vem, tiveram de passar vários dias até que os media recentrassem a informação em matéria relevante para compreender o que se passava. Quando Pedro Passos Coelho publicou um artigo no The Wall Street Journal, destinado a tranquilizar os «mercados internacionais» quanto ao sentido da votação do seu partido, lá se disse aos portugueses que o Partido Social Democrata (PSD) se recusou a viabilizar o mais recente PEC por entender que as propostas de austeridade do governo «não iam suficientemente longe».
O «arco austeritário», de que fazem hoje parte o Partido Socialista (PS) e as formações à sua direita, mantinha-se portanto intacto. De facto, para se observar as fendas que abrem por toda a parte, o sítio para onde se deve olhar é para a vida concreta das pessoas que são atingidas pelas políticas de austeridade. (…)
Mas este programa seria também incompreensível sem a capacidade que os meios de comunicação social têm hoje de delimitar o campo do possível, afunilando o pluralismo de perspectivas e generalizando, no caso vertente, a ideia de que não há resposta viável à crise que não seja a austeridade. Não o fazem discutindo as vantagens e as desvantagens dessa resposta, convocando para o debate os seus defensores e os seus opositores. Fazem-no pressupondo que o austeritarismo é um campo consensual (mesmo que desagradável...) e, mais ainda, que é o único quadro possível e realista para a governação do país.
É isso que explica, por exemplo, que as referências na comunicação social ao que podia ser chamado um «arco da austeridade» surjam sempre na forma de «arco da governação». Mais do que exprimir a vontade de quem se opõe à austeridade de participar ou não na governação, este discurso sinaliza que esse arco não admite os anti-austeritários. (…)
É caso também para pensar na importância que os movimentos populares e toda a luta no terreno social poderão ter, neste contexto político-económico, para impedir que em breve sejamos todos confrontados com uma outra dimensão da crise, tão anunciada quanto a social e a política, que é a da corrosão dos laços de confiança e de solidariedade que tende a desintegrar as comunidades onde se permite o aprofundamento imoral das desigualdades, num fosso que de um lado acumula arrogância e do outro sofrimento. Que neste mês de Abril, 37 anos depois de a democracia ter saído à rua, os portugueses saibam recuperar na contestação ao «arco da austeridade» o que essa contestação representa de mais nobre: a defesa do «espírito da igualdade»."
Na íntegra aqui.
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The day after
«Que barulho é este? É o som de Portugal esmagado
debaixo da banca, por detrás do estardalhaço
da Europa a desconjuntar-se.»
debaixo da banca, por detrás do estardalhaço
da Europa a desconjuntar-se.»
Rui Tavares no Twitter.
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«Reestruturar» é a palavra – antes mais cedo do que demasiado tarde
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Na selva televisiva que nos entrou pela casa dentro ontem à noite, como Nuno Serra já denunciou, vale a pena ouvir o debate entre o mais do que insuspeito Sarsfield Cabral e Daniel Oliveira.
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6.4.11
Shame on us, shame on you
Num dia trágico para a história deste país, num momento dramático, coisas realmente importantes:
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Novo blogue
Chama-se Portugal Uncut, já mexe e também ando por lá. Recomendo a leitura, é claro.
Recordo os objectivos do movimento Portugal Uncut e o endereço da sua (activíssima) página no Facebook.
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Latinos «à rasca»
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Amanhã em Madrid, e no Sábado em Roma, duas manifestações «Juventud sin futuro» e «Il nostro tempo è adesso», com objectivos muito semelhantes àquelas que juntaram centenas de milhares de pessoas, em Portugal, no dia 12 de Março.
(Notícia detalhada no Expresso online)
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Sem tirar nem pôr
Intervenção de Ana Gomes, ontem, no debate em plenário do Parlamento Europeu sobre as conclusões do último Conselho Europeu com os presidentes Durão Barroso e Van Rompuy.
Esta UE que falha e nos falha
Quem empurra Portugal para uma suposta ajuda não quer realmente ajudar - quer é fazer mais dinheiro, afundando-nos e afundando o Euro.
Porque nesta Europa, onde solidariedade, coesão e método comunitário passaram a ser palavras ocas, a suposta ajuda é só para pagar aos bancos que nos empurraram para a espiral de endividamento em que agora nos enterram. E tudo à custa dos cidadãos, com as receitas neo-liberais do Pacto Euro Plus, sem investimento para relançar crescimento e emprego - nem Eurobonds, nem Imposto sobre as Transações Financeiras, nem medidas para travar os desequilíbrios macro-económicos que destroem o Euro.
Nesta Europa onde há bancos "demasiado grandes para falir", mas se deixam falir Estados e povos, será cegueira ou captura por interesses que explica que Comissão e Conselho tenham desistido de controlar os paraísos fiscais? Será possível sanear, regular e supervisionar o sistema financeiro deixando intocáveis esses buracos negros instrumentais da corrupção, da fraude, da evasão fiscal e da criminalidade organizada?
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5.4.11
Eleições no Rebenta Canelas
Regresso aos clássicos. Neste caso, a Luís Sttau Monteiro e a uma das suas célebres «Redacções da Guidinha, publicadas entre 1969 e 1980, primeiro no suplemento «A Mosca» do Diário de Lisboa, depois em O Jornal.
Temos falta de verdadeiros humoristas no Portugal de hoje…
«Ena pai o que para aqui vai por causa das eleições! ena pai! quem não conhecesse o Rebenta Canelas cá da Graça e visse o que está a acontecer até era capaz de pensar que valia a pena tomar conta dele e que os vencedores iam ganhar muito com a vitória! é claro que as pessoas que sabem como as contas andam o que querem é estar de fora ai não! enfim o melhor é eu começar do princípio senão ninguém me entende pois os sócios do Rebenta Canelas da Graça Futebol Clube vão votar uma gerência nova e há os que são do pró e os que são do contra os que são do pró votam na gerência que está à frente do clube e os que são do contra votam contra ela está-se mesmo a ver que não podia deixar de ser assim os que são do pró findam a colar cartazes a dizer que está tudo bem e como têm muito pilim andam a colar cartazes nas paredes nas árvores em toda a parte só ainda não colaram cartazes nas costas da gente porque os distribuidores não têm comissão nisso senão já estávamos cartizados que era uma limpeza os que são do contra coitados não podem colar cartazes porque se os colarem vão parar à chana por andarem a fazer propaganda contra a moral da Graça que toda a gente sabe que é muito boa mas isto ainda não é tudo não senhor o grande problema que há cá no clube é o do bufete que custa os olhos da cara aos sócios de maneira que há uns que querem o bufete e há outros que querem largá-lo esse é que é o grande problema mas não se pode falar nele não senhor porque a direcção não deixa os do contra podem falar disto e daquilo mas quem falar do bufete já sabe o que lhe acontece de maneira que as eleições do nosso Rebenta Canelas Futebol Clube da Graça são assim como um jogo de futebol em que seja proibido tocar com os pés na bola não sei se me percebem se não perceberam venham até cá ver o que se está a passar que eu prometo gargalhadas a todos mas de qualquer forma a Graça está a ser um bom exemplo para todos nisso de correcção somos todos tão correctos que nem sequer falamos das coisas que nos interessa não vá alguém ficar magoado em matéria de correcção ninguém nos leva a palma não senhor e os outros clubes podem pôr os olhos no que se está a passar na Graça porque se seguirem o nosso exemplo ficam como nós e se todos ficarem como nós deixamos de ser subdesenvolvidos porque como os outros começam a subdesenvolver-se ficamos todos iguais e ninguém nota que a gente é diferente o que é preciso é que os outros sigam o nosso exemplo palavra que o mundo vai ser bestial quando os Rebenta Canelas Futebol Clube de Londres de Paris de Nova Iorque e de Moscovo ficarem como o da Graça o que não se percebe é que eles não nos imitem sim não se percebe como é que eles vendo como a gente é bestial e sabe tudo não nos imitem às vezes penso que eles são parvos mas o meu pai diz que há uma data de anos que lê nos jornais artigos escritos por senhores bestialmente importantes a dizer que o mundo vai acabar por nos dar razão diz ele que anda a ler artigos há mais de quarenta anos e que o mudo não há meio de nos seguir o exemplo o que eu digo é que ou anda malandrice no caso ou que os directores do Rebenta Canelas estrangeiros não lêem o nosso diário de notícias da Graça quem sabe se eles falarão a nossa língua eu cá se fosse importante traduzia os artigos cá do nosso diário de notícias e mandava-lhes as traduções para ver se eles conseguem entender-nos é que se eles não seguirem o nosso exemplo vão continuar a minguar a minguar enquanto a gente cresce com as nossas boas ideias e daqui a uns anos somos uma grande potência e eles coitaditos estão todos subdesenvolviditos e lá se vai o equilíbrio do mundo sim porque quem sabe tudo somos nós e basta olhar para o diário de notícias cá da Graça para se ficar espantado com o nosso saber e com a ignorância dos outros mas além disso há outra razão para os outros seguirem o nosso exemplo que tão bons resultados está a dar e esse motivo é que é uma pena que este nosso exemplo que é tão bom e tão útil fique desperdiçado sem ninguém o aproveitar quando penso nisto que se está a passar de termos tão bons exemplos já que não podemos exportar mais nada pronto sempre exportávamos qualquer coisa cá por mim estou convencida de que a direcção ganha as eleições e que mais tarde ou mais cedo o mundo vai seguir o seu exemplo para bem da humanidade sim porque a Graça é um modelo.»
Suplemento «A Mosca» do Diário de Lisboa, 6 de Outubro de 1973
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Proibido
… em França, a partir de 11 de Abril.
Mas permitido:
A ler: Interdiction du voile intégral: la circulaire qui ne dissimule rien e o texto polémico do Ministério do Interior francês.
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Não votar no «menos mau»
É isso mesmo. Como explica Pedro Tadeu, hoje, no DN.
«Porque vota o povo, que protesta, que se manifesta, que se indigna, nos mesmos políticos e nas mesmas políticas contra as quais se insurge? Porque é que os resultados eleitorais contradizem, sempre, o aparente sentimento popular? Porque é que o poder executivo é sempre entregue aos protagonistas circunstanciais do chamado "bloco central" ou sedimentados na "coligação de interesses" que gravita e vive do exercício clientelar do poder? Porque, só para dar um exemplo concreto, em classes profissionais como a dos professores, onde será difícil, depois da revolta e do aborto do processo de avaliação, encontrar um docente que diga bem do PS ou do PSD, muitos votarão, no próximo dia 5 de Junho, num desses dois partidos?
Aos eleitores o sistema eleitoral, na prática (não na letra), só pede isto: a opção entre os partidos que se apresentam a votos para um ciclo de quatro anos de governação. Face a esse pedido, o que pode a maioria das pessoas perspectivar? Esperar eleger alguém, "limpo" dos "pecados" das anteriores governações, perene há 25 anos, e que radicalmente, em quatro anos, liquide a forma institucionalizada de gerir impostos e despesas, de distribuir e investir a riqueza do Estado e, ao mesmo tempo, saiba construir um novo sistema justo e claro? O receio de que uma acção radical desse tipo traga mais prejuízo que benefício é obviamente justificável.
Resta a esses eleitores receosos optar pelo político ou grupo de políticos "menos mau". Eles sabem que em 1400 dias os eleitos com o seu voto não irão mudar o que é preciso mudar mas, esperam, alguns dos vícios conjunturais serão corrigidos.
Essa esperança, tão curta na ambição quanto é curta uma legislatura, será absolutamente sensata, nada tem de estúpida, mas criou o vórtice que nos afundou: essas políticas, erradas, foram no essencial, sucessivamente sem cessar, aplicadas com a legitimidade do voto popular. Ao fim de cada ciclo eleitoral tornou-se sempre mais difícil reverter a situação e, perversamente, a posição dos que nos conduziram ao abismo saiu reforçada. E foi assim que chegámos, a votar de quatro em quatro anos, à crise de hoje, à crise filha do voto no "menos mau".
Quer isto dizer que as eleições são más? Claro que não. O que isto quer dizer é, em primeira linha, que quem tem propostas alternativas para apresentar ao eleitorado tem de perceber este mecanismo e, se quiser ganhar eleições, demonstrar ao povo que, agora, no estado a que isto chegou, sensato mesmo é deixar de votar "no menos mau" e passar a votar no que realmente se acha bom.»
(O realce é meu.)...
4.4.11
Um passo à esquerda?
Não era minha intenção regressar tão depressa à questão das esquerdas nas eleições que se aproximam, sobre as quais disse o que pensava há uma semana, mas diversos factores levam-me agora a decidir o contrário: uma longa conversa durante um jantar que reuniu um grande grupo de autores do blogue Alegro Pianissimo, um texto de Joaquim Paulo Nogueira, que resultou da referida conversa e ao qual prometi reagir, discussões sem fim à vista no Facebook e as recentes tomadas de posição públicas do PCP e do Bloco, anunciando uma tentativa de aproximação entre os dois partidos.
Continuo a pensar que o mais provável é que o próximo governo que teremos sairá de um bloco central, qualquer que venha a ser o «derrotado» que, na noite do dia 5 de Junho, felicite o vencedor - ou seja, quer ganhe o PSD ou o PS.
Mas reafirmo, agora com mais convicção do que a semana passada, que os dois próximos meses podem ser muito interessantes.
Pela primeira vez em circunstâncias semelhantes, PCP e Bloco têm uma atitude «decente» de não agressão e de abertura para conversações com início já marcado para a próxima 6ª feira. Ao contrário de alguns, creio que não há qualquer razão para que não se entendam sobre as questões mais urgentes e proeminentes que se põem a Portugal neste momento, no plano social e no domínio económico, até porque têm convergido sistematicamente no que é essencial, na AR e não só.
Mais: dizem-se dispostos a contribuir para a governação do país. E não se subentenda, como começo a ler por aí, que pretendem fazê-lo sozinhos ou com uns «tresmalhados» companheiros de lutas várias. Pelo menos não é essa a minha leitura: é óbvio que nada será / seria possível sem o PS. Mas é verdade, também, que por mais cedências que quem quer dialogar deva fazer, a orientação que a actual direcção do PS tem dado à governação é inaceitável - o que, segundo a Lusa, o PCP explicitaria com uma expressão do tipo: «não com o PS de Sócrates».
Tudo inverosímil porque este acabou de ser eleito com 93,33% dos votos dos seus militantes e grande afluência dos mesmos às urnas? Mas o PCP, o Bloco e os milhões de portugueses que não foram para aí chamados têm alguma culpa disso? Devem por esse facto desistir do que consideram neste momento essencial e sentarem-se à espera que o Partido Socialista sofra uma qualquer implosão para que possa ser considerada a hipótese (repito: a hipótese) de Portugal, que tem votado à esquerda, deixar de ser governado à direita? Devem o PCP e o Bloco refrear a pressão de muitas das suas bases e dos movimentos sociais que (finalmente!) vieram para ficar e que começam a ter uma força de efeitos imprevisíveis?
Nos tempos que vão correndo, sessenta dias são uma eternidade (há dois meses, estava eu a planear passar uma semana de férias na Líbia...) e é prudente não dar todos os jogos como se encerrados estivessem. E, mesmo que tudo acabe como é mais provável, terá valido a pena iniciar um longo caminho, onde todos – PS, PCP, Bloco, sindicatos, etc., etc. – têm muito a rever, a corrigir, a «refundar».
Mas, mesmo que nem sempre pareça, há mais esquerda no PS para além de Sócrates, como há mais abertura no PCP do que o Avante! retrata e mais solidez no Bloco do que algumas das suas figuras mediáticas aparentam. E há onze milhões de portugueses, já agora…
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Sempre no dia 4 de Abril
… porque Martin Luther King foi assassinado em 4/4/1968.
Um mês depois, em 4 de Maio de 1968, devia ter tido lugar, no salão de uma igreja de Lisboa, uma sessão de homenagem a MLK. Estava planeada a projecção do filme «Marcha em Washington»-, com o discurso que o vídeo mostra, seguida de um debate orientado, entre outros, por Luís Lindley Cintra e José Carlos Megre.
Na véspera, a PIDE proibiu a sessão, mas, à hora marcada, concentraram-se centenas de pessoas em frente da igreja de portas fechadas. Como em muitas outras ocasiões, tudo acabou com dispersão, à força, desta vez por agentes da polícia à paisana.
Foi depois elaborado, e amplamente distribuído, um folheto intitulado «Porquê?» com um breve relato dos acontecimentos. Terminava com uma citação do próprio Luther King:
"Não vos posso prometer que não vos batam,
Não vos posso prometer que não vos assaltem a casa,
Não vos posso prometer que não vos magoem um pouco.
Apesar disso, temos que continuar a lutar pelo que é justo".»
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É só para avisar
… que Manuel António Pina e as suas crónicas regressaram ao JL – e eu com elas.
À sua maneira, toca hoje numa questão bem de fundo e raramente valorizada: a baixa qualificação dos nossos empresários, a qual, num país coberto essencialmente por PMEs, se reveste de uma extrema gravidade, de consequências incalculáveis para o estado da economia. Problema que não é novo, mas que é especialmente relevante na fase que atravessamos.
E quem lhe forneceu as estatísticas da qualificação dos trabalhadores ter-lhe-á omitido que, segundo dados do INE, 74,1% dos patrões portugueses só têm o ensino Básico, ou nem isso, e apenas 13,9 e 12% possuem formação secundária ou superior (contra 15,2 e 14,5% dos trabalhadores).» (o realce é meu)
Os culpados do costume
«Não li na íntegra o artigo do "Wall Street Journal", citado por vários jornais portugueses, que "explica" a crise económica que Portugal atravessa com a pouca qualificação dos trabalhadores, mas conheço bem o jornalismo que chega a um local exótico, fala com uma ou duas pessoas que conhece no bar do hotel, junta uns dados estatísticos e julga ter descoberto a verdade sobre os autóctones.
De acordo com o resumo feito pelo DN, para o "Wall Street Journal" o fraco crescimento da economia portuguesa resultaria de "apenas 28% da população entre os 25 e os 64 anos [completar] o ensino Secundário".
O artigo não se interroga - tal tipo de jornalismo raramente se interroga - por que motivo a "mão-de-obra não qualificada" portuguesa contribui tanto para o crescimento da economia dos países para onde emigra e não da portuguesa.
Provavelmente, no bar do hotel, ninguém lhe terá dito que, em Portugal, existem poucos empresários, a maior parte "Estadodependentes", e muitos patrões, nem lhe terá falado da cultura empresarial dominante por estas latitudes: a do tráfico partidário de influências e dos ajustes por baixo da mesa.
E quem lhe forneceu as estatísticas da qualificação dos trabalhadores ter-lhe-á omitido que, segundo dados do INE, 74,1% dos patrões portugueses só têm o ensino Básico, ou nem isso, e apenas 13,9 e 12% possuem formação secundária ou superior (contra 15,2 e 14,5% dos trabalhadores).» (o realce é meu)
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3.4.11
Tratados como gado
Muito se tem falado do papel de tampão que a Líbia representava para evitar o afluxo de migrantes africanos à Europa e da «eficácia» dos acordos existentes, neste domínio, entre Kadhafi e a Itália (e, também, a União Europeia). Mas começam agora a ser conhecidos relatos aterradores das condições em que esses migrantes eram tratados.
Vale a pena ler, em Rue 89: «Quand l'Italie traitait les migrants venus de Libye comme du bétail».
Excerto resumido:
«Era cerca de uma hora da manhã quando vimos luzes no mar. Estávamos tão cansados que pensámos tratar-se de uma cidade da Sicília. Na realidade, era a guarda costeira que se aproximou e nos ajudou.
Poucas horas mais tarde, talvez quatro, vimos que um outro barco e ficámos aterrorizados quando constatámos que era líbio. Apesar dos gritos e dos protestos dos náufragos, os marinheiros líbios e os italianos organizaram o nosso transbordo. (…) Tiraram-nos do navio com uma grua, em redes utilizadas normalmente para mercadorias ou gado, embora nos tivessem prometido que nos levariam para a Sicília.
[A bordo do navio líbio, foram algemados e espancados até que Mohammed Ali, o capitão do barco improvisado, se denunciou.] (…) Quando vi que começavam a bater e a aplicar descargas eléctricas a dez ou onze pessoas inocentes, levantei a mão, disse-lhes que era o capitão e pedi-lhes que não batessem em mais ninguém. (…) Bateram-me depois até que desmaiei. (…)
[Já em Tripoli,] espancavam-nos para que avançássemos, mas estávamos esgotados e caíamos (…) . Puseram-nos numa prisão, juntamente com 60.000 outros migrantes.»
Etc., etc., etc… - numa Europa perto de nós.
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União Nacional?
O jornal «i» tem hoje um título que causa arrepios a quem tenha vivido umas décadas nesta ponta da Europa, antes de Abril de 74: «Cavaco Silva apela à união nacional». Não é bem ouvir falar do «dia da raça», mas quase.
É que a União Nacional (incluindo a sua sucessora Acção Nacional Popular) durou quarenta anos e garantiu «o monopólio da representação parlamentar, elegendo sempre a totalidade dos deputados». Não dá muito jeito ouvir referi-la em tempo de pré-campanha eleitoral...
Mas adiante porque o clima não está para subtilezas e o que importa é também o conteúdo da notícia.
Diz-nos Cavaco que «este é um tempo em que nós precisamos de olhar o futuro com coesão de forma unida, afastar divisões, afastar querelas menores, para em conjunto conseguirmos ultrapassar os graves problemas que temos à nossa frente». Evoca mesmo a vitória em Aljubarrota para mostrar «como nós somos fortes quando estamos unidos». Só não diz quem representa no momento actual o papel dos espanhóis, nem que divisões devem ser evitadas.
Se fossem levados a sério, estes apelos dramáticos à «união», que o PR repete quase todos os dias mas que outros não evitam, teriam o efeito de esvaziar o debate eleitoral do indispensável pluralismo de opiniões e divergência nas lutas, indispensáveis até para não nos afundarmos definitivamente na famigerada «crise». O objectivo é não só conseguir acertar o passo dos «grandes», sem perturbações de maior, como também afastar para canto as vozes de certas minorias.
Para o caso de não se ter dado por isso, o que nos é pedido, de certo modo, é que suspendamos mesmo a tal democracia - e não apenas por seis meses.
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