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29.6.19
A César o que não é de César
Alegre.. Assis… E Costa? Já se manifestou, expressamente, sobre as afirmações de César? Era isso que eu queria ler. Para já, são jogatanas concertadas (e mal consertadas) ente polícia mau e polícia bom.
(Expresso, 29.06.2019)
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Os jovens heróis europeus
«Eram 01:50 deste sábado quando Carola decidiu atracar em Lampedusa, descreve o jornal italiano La Repubblica. Usou como argumento o estado de necessidade e o agravamento da saúde dos ocupantes do navio. Terminava, assim uma viagem de 17 dias, sem que a capitã conseguisse autorização para que os migrantes a bordo pudessem sair do barco e receber tratamento.
Uma hora depois, as autoridades italianas responsáveis pelo controlo fronteiriço entraram no navio e prenderam a capitã, com a acusação de "resistência e violência contra navios de guerra", um crime que em Itália prevê entre três a dez anos de prisão.»
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Foi mesmo você que pediu que o acordo não fosse escrito?
«Mesmo para quem sinta que o cinismo ocupa tanta atividade política, este mês de junho só pode ser uma surpresa. Ou um desgosto. A imagem de improviso, de falta de palavra, de bazófia logo justificada com pesporrência, tudo contradiz a exigência de cuidado que deveria ser a marca de uma ação consistente. Nos últimos dias, esta missa foi ainda mais longe do que seria de esperar. Ouvir Carlos César a invetivar sobre o abismo da bancarrota se as taxas moderadoras forem reduzidas, assegurando que o país ficará “com uma mão à frente e outra atrás”, seria cómico se não fosse tremendismo algo ingénuo.
Se algumas palavras excêntricas se compreendem mais pelo seu autor do que pelas circunstâncias, o fundo da questão é que a viragem à direita do Governo em todos os dossiês importantes tem um alcance eleitoral: o PS quer ocupar o espaço do PSD por achar que é a derradeira porta por onde pode entrar a maioria absoluta. Assim, na lei laboral, na Lei de Bases da Saúde, nas taxas moderadoras e no que mais se vai ver, a ordem é direita volver. O PS entrará na campanha eleitoral orgulhosamente instalado na colina da direita. O guião vem de cima e é para cumprir.
E se a maioria foge?
Ora, é então tempo de voltar a uma magna questão: e se o PS falha a maioria absoluta, como tudo indica que vai acontecer (e a agressividade absolutista pode contribuir para a dificultar ainda mais)? Como vai negociar? E o quê? A resposta mais razoável é que o Governo nos está a dizer que “seguirá para bingo”, para lembrar a expressão pitoresca de um presidente do CDS. O PS torna claro que se tiver maioria absoluta não faz acordo nenhum e se não tiver maioria absoluta não quer acordo nenhum.
Venho por isso lembrar um episódio curioso de há uns meses. Falava-se então de substituir o acordo escrito, que definiu a cooperação parlamentar entre Governo e Bloco e PCP, por um acordo de cavalheiros, nada no papel. Um prolixo ministro anónimo, que transmite os seus pensamentos estratégicos por via de um matutino da capital, veio inspirar uma manchete asseverando que o primeiro-ministro não quer acordo escrito, a gente há de entender-se assim de conversa. O Presidente deu a entender que aceitará um acordo não-escrito, porventura por notar que o PS não quer acordo algum e a caravana terá que seguir de algum modo. E Jerónimo de Sousa veio completar que prefere apertar a mão e cada um faz a sua vida como se fossem amigos para sempre. Sabendo-se agora que o PS mostra querer enterrar estes entendimentos, pode-se perguntar se a ideia do acordo não-escrito não foi o aperitivo para nos servirem o fim do contrato. A experiência ajuda a responder a essa inquietação.
O que revela o papel
Olhando para trás, resultaram três situações distintas a partir dos acordos escritos para a legislatura que agora termina, com o Bloco e com o PCP (os textos eram iguais, só um anexo era diferente).
Havia o que estava explícito que não era incluído no acordo: finanças e União Europeia. Nesses casos, a divergência era contida, cada partido atuava em função da sua posição, sem compromisso. Foi pior do que se podia antecipar na gestão da banca, dado o volume de recursos públicos usados para salvar vários bancos, e melhor do que se podia esperar quanto à União Europeia, pois esta recuou na ameaça de sanções.
Havia depois o que estava escrito no acordo: salários, pensões, emprego, fim de privatizações em curso, combate à exclusão. Aí houve pelo menos um conflito difícil, quando o Governo quis violar uma das normas escritas (a não redução da TSU patronal) no acordo de concertação social sobre o salário mínimo, mas foi derrotado e não houve outra consequência dessa quebra de confiança. No resto, o programa foi cumprido e o facto de estar escrito foi fundamental para organizar as negociações em cada orçamento, em que se foi além dos acordos em vários dossiês.
E o que ficou da conversa
E havia finalmente o que não era concretizado e ficou como intenção, mas sem metas, sem prazos, sem financiamento e sem pessoas: reforçar os serviços públicos, promover o combate às desigualdades. Foi um fiasco e bem se pode dizer que era para aí que se caminhava. A expressão disso é o que se passa no Serviço Nacional de Saúde, o principal erro deste Governo. E há aqui uma lição: se não se trata em detalhe das soluções para os problemas difíceis, eles não se resolvem sozinhos. Se não há ordem, há desordem. Onde não houve acordo detalhado instalou-se o desastre.
Fica assim claro que quem, do Governo, propõe um acordo de conversa, não pretende acordo algum. Coisa tão bizarra não funcionou e nunca poderia funcionar. A evidência é categórica: nos quatro anos que agora terminam, foi difícil o que estava escrito mas impossível o que não estava no papel. Sugerir que, em conjuntura mais difícil, com um PS guinado à direita, se conseguirá a magia de resolver o que falhou, com uma afável conversa de cavalheiros ou um chazinho, não é ingenuidade mas calculismo. Se para alguma coisa serve a discussão das leis da saúde, é para mostrar que o trabalho de casa tem que ser feito, exigindo uma programação detalhada dos investimentos, da contratação, da qualificação, do funcionamento, das construções, dos fornecimentos e da direção do SNS.
Eu, por mim, quero saber nas eleições o que propõem os partidos. E, a conversarem, quero ver acordos no papel, para não ser ludibriado por palavras em que não acredito e em que os putativos proponentes acreditam ainda menos. Pois o embuste está aqui: há quem no PS pense que governará com maioria absoluta mesmo falhando-a.»
Francisco Louçã
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28.6.19
60.000 Testemunhas de Jeová
Para quem vive perto do Estádio do Benfica, hoje e os dois que se seguem não se parecem com nada já visto, mesmo em dias dos mais gloriosos jogos de futebol!
Mais de 60.000 Testemunhas de Jeová, de 46 nacionalidades, reunidas em congresso no Estádio e transportadas em cerca de 400 autocarros que, desde manhã, encheram parte da Avenida Lusíada e agora, às 19h, participam num verdadeiro êxodo com cambiantes bíblicos, tal é a massa humana que se desloca ordeiramente para ser transportada nem sonho para onde!
Ficam uma imagem e um vídeo.
PS e a Saúde: isto já é tão cansativo!
Mas o PS quer dialogar com a esquerda e fazer eventuais cedências para que se chegue a um consenso? Não parece, não parece…
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O velho PS regressou ao tempo velho
«Havia um PS perdido de amores por mandar em tudo. Mandou na PR, na AR, no governo, nos principais municípios; era um mandarim. Foi o que se viu.
O rasto desse tempo não deixa saudades. Figuras proeminentes desse tempo aguardam julgamentos. Quem em tudo manda (o verbo é de Carlos César) ilude-se com o poder e, por isso, Portugal é um país cheio de casos de corrupção que por sinal atingem sobretudo o PS e o PSD, os dois partidos que mais gostam de mandar e distribuir pelos seus apaniguados os proveitos da sua “mandação”.
A vocação de um partido político é ser poder, mas o exercício desse poder, se for livre e destemperado, é a volta ao tempo velho que Costa tanto criticou antes de ser primeiro-ministro, tendo até anunciado um tempo novo.
Aliás por amor à verdade, só foi primeiro-ministro porque teve a coragem política de acabar com o arco da governança e fazer um acordo com BE e PCP. O PS nem sequer foi o partido mais votado. Os resultados desse acordo estão à vista, tendo sido invertido o ciclo de empobrecimento levado a cabo pelo PSD e CDS.
Costa afirmou múltiplas vezes que no que funciona bem não se mexe, e mesmo que tivesse maioria absoluta, voltaria a governar com a equipa ganhadora.
Desde o congresso do PS que apareceram à luz do dia inúmeras “preocupações” quanto a um novo acordo com as esquerdas devido à moeda única, à UE, à NATO e ao posicionamento histórico e original do PS; como se o PS, fundado em abril de 1973, não tivesse entrado para um governo em maio de 1974 com o PCP, o MDP, o PSD, com o país na NATO e em plena guerra fria.
Nas jornadas parlamentares do PS o partido parece ter deixado cair o tempo novo para se lançar na voracidade do tempo velho - abocanhar todo o poder e enxamear de familiares, amigos e camaradas de confiança em bons lugares públicos, em suma, regredir aos anos negros do tempo velho.
Seria uma desgraça para o país e não apenas em Barcelos, Santo Tirso e Castelo Branco, no IPO no Porto, um fartote para a clientela.
O PS falou claro nas jornadas parlamentares. As coisas correram bem. Mas tendo corrido bem, então mudar porquê? Alguém acredita que o BE quer mandar na país? Mesmo que quisesse… O problema é outro e não é revelado. É o negocismo, os compromissos neoliberais com Bruxelas, a gula, o clientelismo, a atração ”fatal” por uma maioria muito grande que dê para mandar. É o regresso ao tempo velho, quando o tempo novo bem precisava de continuar para melhorar o SNS, a Escola e a Justiça e as condições de vida de tantos milhões de portugueses.
Quando Costa, entrando no tempo velho, afirma que a culpa da demora da obtenção da renovação do cartão de cidadão é dos portugueses que vão para as filas antes de abrirem as portas dos serviços, está perdido no nevoeiro desse tempo. Terão as portas do tempo novo sido emperradas definitivamente?»
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27.6.19
EMEL e CML na mesma luta: pagar para transgredir
«Várias ruas de Campolide, em Lisboa, têm há algumas semanas locais tarifados pela EMEL em que as viaturas ficam metade na faixa de rodagem e a outra metade do passeio. (…)
Antes dos parquímetros, já havia muitas pessoas que deixavam os carros em cima dos passeios, mas quando a polícia passava eram multadas. Agora, podem fazê-lo, mas pagam para isso durante o dia. (…)
Segundo a alínea 1 do artigo 49 do Código da Estrada, é proibido estacionar "nas pistas de velocípedes, nos ilhéus direcionais, nas placas centrais das rotundas, nos passeios e demais locais destinados ao trânsito de peões". As coimas previstas vão de 30 a 150 euros.
O JN contactou a EMEL, mas uma fonte da empresa remeteu explicações para a Câmara, que, disse, "é responsável pelo layout dos lugares". Por parte da Câmara de Lisboa, não foi possível qualquer contacto até ao momento.»
P.S. - Já há reacções, claro: por exemplo, nenhuma cadeira de rodas pode circular naqueles passeios.
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Europeus femininos de ténis de mesa
1ª Yu Fu (Portugal)
2ª Ying Han (Alemanha)
3ª Ni Xia Lian (Luxemburgo)
4ª Yang Xiaoxin (Mónaco)
Por enquanto, é só no ténis de mesa…
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Os 0,4% não são um milagre, são a vida das pessoas
«Na primeira quinzena de junho falámos dos transportes. De como atravessar o Tejo de barco se transformou numa aventura terceiro-mundista. De como o serviço da CP continua em queda livre, à espera de investimento que fica preso nas mãos de Centeno. Nos últimos 15 dias falámos do Serviço Nacional de Saúde. De como a falta de obstetras vai obrigar ao encerramento de um serviço de urgências da região de Lisboa no verão. De como o sistema, que começou a decair há muito tempo, está a entrar em colapso.
A direita diz que foram as devoluções e as 35 horas. Mas depois é ela mesma que reconhece que para contratar mais obstetras é preciso competir com os salários do privado. O Governo, sobretudo Mário Centeno, nega tudo, acreditando que se negar as pessoas vão ignorar o seu próprio quotidiano. Percebemos que um Governo entrou em modo autista quando, para justificar as filas para tirar o Cartão de Cidadão, responsabiliza os utentes por irem todos à mesma hora, antes dos serviços abrirem. Pode ser que seja para confraternizarem pela manhã, pode ser para tirarem a senha que lhes permite serem atendidos antes de almoço.
Enquanto os serviços públicos se batem com dificuldades crescentes, Mário Centeno apresenta, em Bruxelas, mais um trunfo para uma carreira europeia: 0,4% de excedente orçamental. Sim, é verdade que isto resulta do aumento da receita. Mas a verdade é que ele não é acompanhado pelo aumento da despesa onde ela é precisa. A este milagre, e conhecendo o estado dos serviços públicos, começa a ser difícil não chamar de austeridade. Não é austeridade nos rendimentos dos portugueses, é austeridade sobre o papel do Estado. Que se formos para áreas menos mediáticas e populares, mas fundamentais para o nosso futuro, como a investigação, atingem níveis pornográficos. Não questionar as metas da Europa levaria sempre a decadência do Estado. Querer ultrapassá-las levaria a isto.
Não é um milagre que explica os 0,4% de saldo nas contas de Centeno, em que o aumento da receita não é acompanhado pelo aumento da despesa onde ela é urgente. São pessoas a dormir nas plataformas dos barcos ou a serem transportadas como gado. São urgências de obstetrícia fechadas no verão. São filas matinais para tirar o Cartão de Cidadão. Como disse Marcelo Rebelo de Sousa, não há bela sem senão. E é o senão e a bela que cada um escolhe para o país, e não qualquer milagre, que distingue alternativas políticas. A direita tem a solução: manter taxas moderadoras nos centros de saúde, não reduzir o preço dos passes e voltar a punir os funcionários públicos. Pôr os utentes e os trabalhadores a pagarem a fatura. A esquerda, que aprovou orçamentos que todos os anos são desrespeitados, tem de dar a sua resposta: que a ditadura de Centeno não pode continuar a asfixiar os serviços do Estado e a tornar a vida dos portugueses que mais precisam dele num inferno. Que um país que tem o Estado como este está não tem margem para excedentes que ninguém exige. Que esta austeridade criminosa sobre os serviços públicos é indigna de um Governo de progressista.»
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26.6.19
Este terrível mundo novo
Óscar e Valeria, salvadorenhos, tinham conseguido chegar à porta dos Estados Unidos. Mas afogaram-se antes, no rio Bravo que separa aquele país do México. Valeria tinha 11 meses.
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Pobres milhafres...
«Quero acreditar que cada vez que Carlos César abre a boca há um milhafre que se suicida nos Açores.»
Ana Cristina Pereira Leonardo no Facebook
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Os Censos Étnicos e o Racismo que não existe
«As justificações apresentadas pelo INE para o chumbo à introdução da questão étnico-racial nos Censos de 2021 são tecnicamente aceitáveis, mas não traduzem o principal problema de fundo: a intencionalidade identitária. Ao escudar-se em questões técnicas para continuar a empurrar para o futuro uma verdadeira análise à pluralidade étnica nacional, o governo, por via do INE, prova estar arreigado, ainda, a uma memória histórica produzida ao longo de séculos no Ocidente e que teve na colonização a sua mais profunda experiência. As conceções cristãs em torno do inferno e dos cultos demoníacos encontraram em África terreno fértil para a elaboração das teorias do evolucionismo e do racismo biológico e cultural. Não é por acaso que em Portugal o 10 de junho foi, e continua a ser na cabeça de muitas pessoas, entre elas um ex-presidente da república, o “dia da raça”. A questão é que essa “raça” não é conceptualizada a partir dos cruzamentos étnicos-culturais que se deram em solo e nas colónias portuguesas e que produziram uma multiculturalidade e multietnicidade portuguesa. Pelo contrário, essa “raça” é normativa: branca e católica. Este paradigma social e cultural corresponde ao lugar de fala da dominação.
Portanto, quando se silencia a questão étnico-racial dos censos (e o mesmo pode ser estendido, por exemplo, à questão da “orientação sexual") o que se está a fazer é perpetuar a memória social instituída em torno de uma tipologia social imaginada. Manter a ideologia do Portugal branco, católico, (e até heterossexual), permite preservar um ideal elaborado com tanto esmero pelo Estado Novo e que está tão bem materializado no Portugal dos Pequenitos, em Coimbra.
Aferir da pluralidade étnico-racial da sociedade portuguesa é trazer ao governo um problema de fundo que se prende, por um lado, com a desconstrução da memória social, dessa identidade elaborada como ato de conservação ideológica, e por outro, ter de lidar com a necessária visibilidade de todos esses “outros” que são portugueses. Chegar à conclusão de que Portugal é feito de portugueses de muitas etnias, orientações sexuais e religiosas, é obrigar-se a confrontar memórias sociais, senso comum e muitos preconceitos e ideologias raciais.
A história do racismo é uma história de políticas de invisibilização das diferenças, das múltiplas etnicidades e religiosidades. Qualquer cientista social sabe que é preciso olhar mais para as caixas de comentários dos jornais no Facebook do que para posições declaradas fora da internet para entender fenómenos sociais e políticos. Perante a importante medida de empoderamento e inclusão que representa a atribuição de 100 bolsas de estudo a jovens ciganos, tomamos contato com inúmeras reações populares, nos cafés e, claro, nos espaços de comentário mencionados. Chama a atenção a ideia de que “dão bolsas a ciganos, mas não dão a portugueses”. Esta afirmação, reproduzida com pequenas nuances, resume bem a ideia de que a identidade portuguesa ainda é imaginada no “nós” portugueses brancos e católicos e no “eles” que são todos os outros. Bem sabemos que cigano português só há um, Ricardo Quaresma, e negros portugueses são, apenas, Nani, William Carvalho, Nélson Semedo, Éder, Patrícia Mamona, entre outros atletas, quando envergam as cores de Portugal, mas somente quando ganham ou têm desempenhos elevados. Recordemos as palavras de Romelu Lukaku, avançado belga que joga pelo Manchester United, que dizia que quando marca golos é belga, quando joga mal é o negro do Congo.»
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25.6.19
25.06.1967 - «All You Need Is Love»
Foi há 52 anos, mas lembro-me bem desse 25 de Junho, quando foi lançado All you need is love, dos Beatles. A BBC convidou-os a participarem no primeiro evento transmitido mundialmente via satélite, ao vivo e simultaneamente para 26 países, o programa terá sido visto por cerca de 350 milhões de pessoas e, vá lá saber-se por que milagre inesperado, quase no fim do reinado do dr. Salazar, Portugal foi um desses países.
Avisados antecipadamente, reunimo-nos em casa de amigos e vimos e escutámos a emissão, comovida e «liturgicamente». Tempos de uma certa inocência – perdida, sem dúvida.
Dos estúdios Abbey Road, em plena guerra do Vietname, saiu a mensagem mais simples que imaginar se possa, propositadamente assim concebida para que pudesse ser entendida por todos os povos do planeta.
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E já que hoje é dia de César
… fica esta pérola repescada do discurso que fez hoje numas jornadas do PS:
Taxas moderadoras, novo passo em falso?
«O propósito das taxas moderadoras nunca foi o de financiar o SNS ou instituir qualquer princípio de utilizador-pagador. Ambos os objetivos seriam incompatíveis com o preceito constitucional da universalidade e gratuitidade (ainda que tendencial) do SNS.
Estas taxas foram criadas para moderar o acesso aos serviços do serviço público de saúde, prevenindo excessos. Nas palavras da ministra da Saúde, "as taxas moderadoras não são uma fonte de financiamento... são um elemento de moderação da procura".
A própria ideia de desincentivar o acesso a um serviço básico por via de um pagamento (e não, por exemplo, através do reforço da prevenção e proximidade) já é discutível. Mas a verdade é que, não sendo essenciais ao orçamento do SNS, as taxas moderadoras se tornaram num obstáculo no acesso à saúde.
As isenções que hoje existem (para menores, doentes crónicos em alguns tratamentos, ou pessoas com rendimento inferior a 653€/mês) são importantes, mas excluem muitas pessoas que precisam de aceder a cuidados de saúde num momento de fragilidade. Segundo a Universidade Nova de Lisboa, em 2017 ficaram por realizar 500 mil consultas nos serviço primários, 250 mil de especialidade e mais de 50 mil exames de diagnóstico devido à existência de taxas moderadoras.
Foi para que as taxas moderadoras deixem de travar o acesso a cuidados de saúde que o Bloco apresentou uma proposta para eliminá-las sempre que estejam associadas a cuidados de saúde primários (consultas no centro de saúde) ou tratamentos, consultas e exames prescritos pelo médico de família.
Este projeto foi aprovado na generalidade com a condição, imposta pelo PS, de que só entraria em vigor com o próximo Orçamento. E é por isso com estranheza que se assiste a mais um recuo do PS, que diz agora que a medida deve ser faseada (não se sabe como), invocando argumentos que antes desvalorizou. Um deles é o das contas públicas. Deve ser referido aqui que os cerca de 100 milhões que esta medida podia custar representa 1% do orçamento da Saúde.
Não se compreende mais este passo em falso do PS, que já disse concordar com o princípio e já votou a favor da eliminação das taxas moderadoras na generalidade. A medida é certa, é justa. Recuar agora é um erro.»
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24.6.19
Edgar Morin
Tive o prazer de conhecer e de lidar de perto com Edgar Morin nas longas temporadas que ele passou em Portugal (fim dos anos 60, início dos 70). Concordando ou não com tudo o que pensa e escreve, leio-o sempre que posso e sinto uma enorme ternura quando vejo que vai a caminho dos 98.
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Grande iniciativa chinesa
«Os passageiros às vezes acham cansativo viajar indo e vindo entre aeroporto e hotel nas proximidades enquanto carregam bagagens pesadas. Também pode ser estranho encontrar uma postura confortável para se deitar entre cadeiras da área de descanso.
Agora, os hotéis cápsulas estão vindo para aeroportos na China.
Um terminal no aeroporto de Xiaoshan, na cidade de Hangzhou, capital da província de Zhejiang, introduziu vários hotéis-cápsulas que oferecem serviços como pernoite, conexão wi-fi e massagem.»
(Daqui)
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Um crime contra a humanidade
«O Miguel ali estava, a falar português como nós. Era um dos nossos. A dizer que “salvar vidas não é crime”, a despertar-nos para o que tem sido a trajetória seguida pelas autoridades de vários países de criminalização da solidariedade com os imigrantes e refugiados.
Para além de ser uma questão de falta de humanidade, é míope culpar os voluntários e a sociedade civil pelo fluxo de pessoas que arriscam tudo em busca de uma oportunidade de vida com mínimos de segurança e dignidade e imaginar que deixarão de vir se não houver ninguém para os ajudar.
As medidas adotadas pelas autoridades Italianas ao criminalizar as ONG envolvidas no trabalho de busca e salvamento no Mediterrâneo Central resultaram no aumento do número de migrantes que chegam a Espanha, através da rota do Mediterrâneo Ocidental, e no aumento no número de mortes por afogamento.
Criminalizar a sua ação no que diz respeito às operações de busca e salvamento no mar ou no apoio humanitário significa negar auxílio a seres humanos em dificuldade e até mesmo a sua condenação à morte.
No ano passado, em Varsóvia, numa reunião da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa, lancei o alerta e falei na necessidade de os diferentes Estados refrearem certos ímpetos legiferantes e reconduzirem-se ao cumprimento dos seus compromissos face ao ordenamento jurídico internacional de respeito e defesa da dignidade da vida humana.
Não é aceitável a tendência que se assiste em alguns países de aprovação de legislação onde se confunde ajuda humanitária com tráfico ou auxílio à imigração ilegal. Uma tendência com óbvias motivações políticas.
Tudo isto é o espelho da incapacidade da União Europeia de definir e concretizar uma política comum de asilo e imigração.
Uma política assente na partilha solidária por parte dos Estados da responsabilidade de proteção e capaz de promover uma gestão dos fluxos migratórios, desejavelmente ordenados, legais e seguros. Uma política que não deixe de intervir nas suas causas reais, através de ações voltadas para a estabilização dos países de origem e de uma política de cooperação para o desenvolvimento, capaz de promover uma efetiva melhoria da qualidade de vida nesses países.
Só assim se evitará o sofrimento atroz e a exploração a que estas pessoas são sujeitas e o drama diário de milhares de vidas em risco.
Desde o pico da denominada crise dos migrantes e refugiados, em 2015, aprendemos muito pouco e continuamos a tardar em enfrentar o óbvio. Somos um continente envelhecido e em acelerada queda demográfica, o que coloca em causa o nosso modelo económico e social. Assumamos claramente: os imigrantes e refugiados que nos procuram constituem uma oportunidade de regeneração das nossas sociedades.
Se continuarmos a negar as evidências, se continuarmos a sucumbir ao medo de imaginários inimigos externos, se continuarmos a permitir que jovens como o Miguel Duarte e tantos outros, de diversas nacionalidades, sejam tratados como criminosos, acabaremos inevitavelmente por ser confrontados com o abismo.
Negar a ajuda humanitária, negar o tratamento digno a qualquer ser humano, negar o direito inalienável à vida é negar a identidade humanista da Europa. É, sejamos claros, cometer um crime contra a humanidade.»
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23.6.19
Quando os europeus foram migrantes
Entre 1939 e 1945, mais de 60 milhões de europeus fugiram dos horrores da guerra. Muitas imagens AQUI.
Boa tarde e boa sorte.
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O que será de nós quando tivermos medo de estender a mão?
«O relógio por cima da sala comum do navio bate as nove horas da noite quando o líder de missão entra de rompante, interrompendo o jantar da tripulação. Havia uma chamada de emergência da guarda costeira italiana. Os 14 tripulantes e dois jornalistas correm a equipar-se e a tomar os respetivos postos. Ao sair para o convés olho para o mar escuro e consigo discernir ondas enormes só disfarçadas pela escuridão da noite que fazem o “Iuventa” oscilar violentamente. Uma mão segura os binóculos para tentar distinguir alguma coisa, algum sinal de vida no horizonte, e a outra fixa-me firmemente ao navio para não correr o risco de ser projetado borda fora, enquanto galgamos as ondas a dez milhas náuticas por hora.
À chegada, deparamo-nos com um barco de borracha furado que se vai enchendo de água e desfazendo a pouco e pouco, dezenas de pessoas agarradas às cada vez mais escassas partes do barco que permanecem à tona e outras tantas já dentro de água tentando, sem esperança, agarrar-se a algo que ainda flutue. A cada onda que passa, mais três ou quatro desafortunados são arrastados impiedosamente para as águas negras num estado de pânico sem descrição que lhe faça justiça. Até ao momento em que vemos as dezenas de caras amedrontadas, desesperadas e algo esperançosas não há nada que as humanize. Os meios de comunicação social referem números de mortos, números de chegados e taxas de mortalidade, os governos e partidos falam-nos de invasões e ameaças estrangeiras. No final, naquele momento em que estamos a dois braços de distância, é que nos chega realmente a consciência de que estamos perante pessoas.
Retirar uma pessoa da água é fisicamente exigente e demora muito tempo. O resgate é uma performance: ou se faz bem e as pessoas permanecem vivas ou se faz mal e as pessoas morrem. Ao fim de umas horas é-se uma máquina. As decisões são feitas umas atrás das outras quase sem hesitar porque já se discutiu todo o procedimento vezes sem conta. Não há tempo nem espaço para contemplar ou para sentir. Haverá tempo mais tarde, em terra. Juntamente com outros navios conseguimos resgatar 113 pessoas, que mais tarde foram acolhidas pelos Médicos Sem Fronteiras. O sucesso alcançado só nos pôde ser roubado pela notícia de que uma menina de três anos havia caído ao mar, possivelmente devido à agitação causada pela nossa chegada iminente. À menina seguiu-se a mãe, e quem sabe quantos além dos 113 terão entrado nesse mesmo barco sem nunca voltar a terra firme?
Este cenário teve lugar em outubro de 2016 e tem-se repetido até à exaustão ao longo do tempo, como uma frase que nos é dita tantas vezes que deixa de fazer sentido. 3950 mortes por afogamento mais tarde (dados da Organização Internacional para as Migrações), a 2 de agosto de 2017, o Centro de Coordenação de Resgate Marítimo em Roma obrigou o “Iuventa” a deixar a zona de resgate, onde este era necessário, e a dirigir-se para o porto de Lampedusa. Uma comitiva de dezenas de agentes policiais revistaram o navio à procura de armas de fogo, deixando-o como se tivesse atravessado uma tempestade em alto-mar. Nada encontraram, mas a tripulação permaneceu apeada.
Perante a maior crise humanitária da nossa geração, as autoridades italianas escolheram virar a cara para o outro lado consentindo tacitamente que homens, mulheres e crianças continuassem a perder a vida debaixo das ondas. Mas não ficaram por aí. No ano seguinte, nove colegas meus, e eu próprio fomos constituídos arguidos por suspeita de ajuda à imigração ilegal, um crime que, segundo a lei italiana, poderá conduzir cada um de nós a 20 anos de prisão e a milhares de euros em multas.
A possibilidade real de cumprirmos penas de prisão por nos termos dedicado de corpo e alma a salvar vidas humanas é injusta e arbitrária, mas não é o pior da situação em que nos encontramos. A verdadeira tragédia é que existem milhares de pessoas a tentar atravessar o mar Mediterrâneo em busca de uma vida digna e há cada vez menos meios de resgate disponíveis que possam garantir o mínimo aceitável de ajuda humanitária.
Com a conivência da União Europeia, Itália negociou um acordo com o Estado falhado da Líbia em fevereiro de 2017, capacitando a chamada guarda costeira para intersetar embarcações saídas das suas costas e devolvê-las à Líbia. Inúmeros relatos de sobreviventes corroboram o facto de que os migrantes intersetados são então trazidos para os infames campos de detenção, onde são expostos a tortura, prisão arbitrária e outras violações dos direitos humanos. De facto, não foram poucas as vezes que vimos dezenas de pessoas atirarem-se à água sem coletes salva-vidas e, muitas vezes, sem saberem nadar, no momento em que se aproxima um navio da guarda costeira Líbia. Arriscar a morte por afogamento afigura-se, para muita gente, preferível ao horror que advém da hipótese de se ser obrigado a retornar ao inferno do país norte-africano. Note-se que todos os países da União Europeia assinaram a Convenção de Genebra em 1951 estabelecendo uma definição universal para o que é um refugiado e determinando os seus direitos fundamentais. Entre estes está o princípio de não-retorno, que estipula que um requerente de asilo não deve ser devolvido a um país onde a sua vida ou a sua liberdade possam estar em risco.
A chamada “crise dos refugiados”, assim intitulada por quem não o é, é na realidade uma crise europeia de valores, uma crise de solidariedade visível numa Europa que tenta transpor o sofrimento para o lado de quem acolhe em vez de abrir as portas a quem forçosamente teve de fugir. Vivemos numa era em que trabalhadores humanitários têm de empregar os seus esforços em enfrentar processos judiciais pelo trabalho que fazem. Uma pergunta assombra-me: o que será de nós quando tivermos medo de estender a mão uns aos outros? O que está em jogo no caso “Iuventa” não é só a nossa liberdade pessoal, mas a construção da sociedade em que queremos viver.»
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