11.7.20

Vidas antes desta Covida (8)



Um enorme maori (são mesmo grandes os maoris…), em Rotorua, Ilha do Norte da Nova Zelândia, 2017.

[É em Rotorua que vive a maior população Maori do país. Perseguidos por colonizadores vários durante séculos, os Maoris são hoje especialmente acarinhados pelo governo, dispondo de uma série de privilégios e incentivos. Pensa-se actualmente que os primeiros exploradores, vindos provavelmente da Polinésia, terão chegado há 700-1200 anos. No Triângulo da Polinésia, os povos têm línguas, culturas e crenças similares e há um sem número de histórias sobre viagens e trocas comerciais dos Maoris nesta área.]
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E #VaiFicarTudoBem?




«As unidades hoteleiras que sabem que vão receber grupos potencialmente perturbadores das medidas de segurança sanitária - por exemplo, jovens em viagens de fim de curso - não têm qualquer obrigação de reportar às forças de segurança a chegada desses grupos, para que estas adaptem o seu dispositivo.

Segundo fontes ligadas à segurança interna, nem mesmo as autoridades dos países "emissores" desses grupos têm obrigação de fazer qualquer reporte às autoridades portuguesas - nem estas em sentido inverso, aliás. O que se passa, na maior parte dos casos, quanto às unidades hoteleiras, é que estas só avisam as autoridades de uma situação problemática quando essa situação já está a acontecer. E as autoridades ocorrem então.»
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Para onde fugiram as pessoas desempregadas?



«A publicação pelo INE da estatística de desemprego referente a maio suscitou alguma perturbação. Não percebo porquê. A metodologia estatística que é seguida pelo INE, que corresponde à norma europeia do Eurostat a que é obrigado, permite estas conclusões espantosas, como registar uma diminuição do desemprego quando há mais pessoas sem trabalho, naturalizando o apagamento de pessoas que passam a ser ignoradas no cálculo. Não costuma ser um desvio tão exuberante, soa mal, mas ao longo de vários anos esta maquilhagem tem sido a prática comum. Agora, isto deu uma monumental bronca.

Menos desempregados e mais gente sem trabalho

A informação do INE anuncia que em maio o desemprego desceu dos 6,3% do mês anterior para 5,5%. São menos 51 mil desempregados do que em abril, menos 80 mil do que em janeiro. Se a conta fosse esta, a pandemia estaria a ser uma boa oportunidade para o emprego. Ora, ao mesmo tempo, o INE tem o cuidado de explicar que, havendo menos desemprego estatístico, há também menos 105 mil pessoas empregadas de abril para maio. É uma impressionante queda do emprego num mês.

É bem conhecida a razão para esta discrepância. O desemprego estatístico ignora o desemprego real. O que assinala é quem, estando desempregado, cumpre também condições restritivas que fabricam a cosmética institucional: a pessoa tem de estar disponível para qualquer salário e tem de ter feito diligências formais nas últimas três semanas (tinha de ir ao centro de emprego, que estava fechado em tempo de confinamento). Se não for o caso, então, mesmo sendo desempregada, será classificada como “inativa” e retirada da taxa de desemprego. E é aí que se mede a tragédia social: de janeiro a maio temos menos 249 mil pessoas na população ativa, e não é porque tenham emigrado ou se tenham reformado — são mesmo os novos desempregados da covid.

Conhecendo esta armadilha, os técnicos do INE tiveram o cuidado de assinalar uma outra estatística, mais reveladora, a da “subutilização” do trabalho, que inclui tanto desempregados como “inativados” e que subiu em maio para 14,2% da população em idade de trabalhar. São já cerca de 750 mil pessoas. Entre os jovens, um ou dois em cada cinco estará sem trabalho, e, para muitos, essa crise prolonga-se desde há dez anos, nunca conheceram outra situação senão o biscate ocasional e a margem de uma sociedade que os ignora.

Esta metodologia é penosa. Transforma a estatística, que devia ser um instrumento para medir a realidade, num biombo. E não tem limite. No caso brasileiro, só 49,5%, menos de metade das pessoas em idade de trabalhar, tem agora emprego ou ocupação informal, e em três meses 7,8 milhões perderam o trabalho. Afirma a CNN Brasil que são 75 milhões os que se limitam a sobreviver como podem. Alcançou-se um marco histórico, mas a estatística oficial afirma que o desemprego anda pelos 12,6%.

O emprego é o problema do século XXI

Numa comunicação feita esta semana numa conferência da OIT, o primeiro-ministro afirmou que “esta crise pôs em evidência as fraturas profundas da nossa sociedade e o preço que pagamos pela excessiva desregulação de tudo aquilo a que nos habituámos a chamar de mercado de trabalho”. Tem razão. Os mais de 200 mil novos desempregados em Portugal, ainda antes do choque do outono, demonstram como a combinação tóxica de turistificação, falta de investimento e facilitação dos despedimentos ajudou a agravar a primeira vaga da recessão.

Apesar deste reconhecimento, o facto é que Costa se opôs a modificações da “excessiva desregulação”. No mandato anterior, não só recusou alterar as normas do tempo da troika que reduziam as indemnizações por despedimento como aumentou mesmo o tempo dos contratos verbais ou o período experimental, promovendo assim a precarização, a tal “fratura profunda da nossa sociedade”. A radicalidade desta barragem em defesa da lei laboral desreguladora levou-o mesmo a enterrar a ‘geringonça’ e a recusar um novo acordo depois das eleições em que não obteve maioria absoluta. Se agora o Governo se inclina para uma nova lei, isso seria uma novidade. Talvez não seja de confundir o fumo com o fogo.

Voltar atrás a todo o vapor

Disto não se ocupa a OCDE, que esta semana, assinalando um desemprego médio de 8,4% nas economias mais desenvolvidas, veio recomendar aos governos que retirem as medidas de apoio a salá¬rios. Stefano Scarpetta, o diretor da OCDE para o emprego, lamenta que, “em três meses, a covid tenha apagado dez anos de ganhos no emprego”. Mas acrescenta logo, na sua novilíngua tecnocrática, que “temos de permitir a mobilidade da força de trabalho. Algumas empresas não são viáveis a curto e médio prazo. Temos de permitir aos trabalhadores que se desloquem para novos empregos”.

O desemprego é uma excursão dos trabalhadores para “novos empregos”. Não temos de nos admirar se a norma estatística favorece este conto de fadas.»

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10.7.20

Vidas antes desta Covida (7)



Uma cidadã do mundo, perto do belíssimo Lago Inle, Birmânia, 2009.
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Lisboa Robbialac



Estas e muitas outras ruas estão a ficar assim… Mostraram este anúncio a Fernando Medina e ele não resistiu. Só pode ser isso.


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Portugal visto da Bélgica


«O ministério dos Negócios Estrangeiros belga atualizou esta sexta-feira a lista de “zonas vermelhas”, onde estava incluída Lisboa. A capital portuguesa sai agora dessa lista, mas não saem as 19 freguesias que se mantêm em estado de calamidade. 

Esta decisão é muito interessante. Gostava que alguém perguntasse ao Ministério dos Negócios Estrangeiros da Bélgica como é que se sabe que um turista belga, que esteve em Portugal e regressou a casa daí a uns dias, esteve nalguma das 19 freguesias, se foi a Unhos ou a Monte Abraão ou se passou pelo Prior Velho.
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Oiçam, oiçam


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O SNS e as parcerias



«Desde há longos anos que as entidades privadas da saúde no nosso país, apesar de estarem sempre a apregoar as “virtudes” do mercado, têm vivido em grande medida dos dinheiros públicos.

Desde 2008, se não fossem os acordos de algumas dessas entidades com a ADSE e outros subsistemas de saúde de origem pública, diversos hospitais privados já teriam cessado a sua actividade.

Por outro lado, o aparecimento de clínicas como “cogumelos” está directamente relacionado com a forte diminuição da capacidade de resposta dos serviços públicos de saúde nessas zonas.

Desde 1990 até há cerca de um ano atrás esteve em vigor uma lei (n.º 48/90) publicada por um governo presidido pelo dr. Aníbal Cavaco Silva que estabelecia que o Estado apoiava o desenvolvimento do sector privado da saúde em concorrência com o sector público, a atribuição de incentivos à criação de unidades privadas e a fixação de incentivos ao estabelecimento de seguros de saúde.

Este enorme descaramento parasitário dos dinheiros públicos e de favorecimento dos negócios privados foi inaceitavelmente tolerado ou incentivado por alguns quadrantes político-partidários. Com o brutal embate provocado pela pandemia em curso, as unidades privadas eclipsaram-se, deixando o SNS (Serviço Nacional de Saúde) quase sozinho nesta luta violenta em defesa da vida dos cidadãos do nosso país.

Importa desde já sublinhar que ao contrário de outros países europeus, no nosso país houve, desde o início deste processo, uma acção de rigor no registo dos números de casos de infecção e das mortes que foram ocorrendo. Nesses países, durante grande parte do tempo só foram contabilizadas as mortes verificadas em meio hospitalar. Na generalidade dos países esta pandemia veio colocar à prova a capacidade de resposta dos respectivos sistemas de saúde e dos suportes sociais.

O facto de dispormos de um Serviço Nacional de Saúde (SNS) como pilar central de toda a actividade assistencial e da prestação de cuidados de saúde, possibilitou atenuar as debilidades decorrentes da falta crónica de investimento adequado nos serviços públicos de saúde.

O nosso país, nos aspectos essenciais, tem aguentado bem o confronto com a pandemia e tem suscitado reacções de surpresa e de elogio por parte de órgãos de comunicação social de diversos países. Se após a superação desta pandemia os nossos órgãos de Poder não conseguirem retirar as correctas ilações do que se tem passado, o próximo embate pode ser devastador. Basta olhar para a Grã-Bretanha, Espanha e Itália para podermos idealizar um cenário aproximado do que nos pode esperar.

Nesses países, as últimas três décadas têm constituído um deplorável processo de ampla ofensiva privatizadora e de asfixia financeira dos seus serviços públicos de saúde. O número de mortes aí verificado é uma tragédia revoltante de desprezo pela vida humana e de glorificação criminosa dos negócios.

Deste modo, urge desencadear no nosso país um enérgico programa de reorganização do SNS, preparando-o para cenários futuros que não são difíceis de adivinhar.

Ainda recentemente, o Presidente da República, a propósito da morte de um médico por covid, afirmou que “os profissionais de saúde merecem os adequados meios e carreiras no Serviço Nacional de Saúde”.

É curioso que tenha sido durante um mandato do seu pai (dr. Baltazar Rebelo de Sousa) como ministro da saúde e assistência que, em 1971, o seu secretário de estado da saúde, prof. dr. Gonçalves Ferreira, tenha desencadeado uma reforma da saúde que definiu os cuidados primários e a criação de centros de saúde como prioridades, além de estabelecer o regime legal para a estruturação progressiva e o funcionamento regular das carreiras dos profissionais de saúde (DL 414/71).

Neste contexto, tem de haver a decência republicana de promover uma política de delimitação de sectores na saúde. O sector privado na saúde no nosso país nunca foi hostilizado na sua livre acção empresarial tendo sempre usufruído, pelo contrário, de um constante e generoso fluxo de dinheiros públicos. A questão de fundo que se coloca, e que não pode continuar a ser escandalosamente escamoteada, é que o nosso dinheiro de contribuintes não pode servir para assegurar os lucros de accionistas privados à revelia dos próprios contribuintes.

Nesta perspectiva de transparência da gestão dos dinheiros públicos, as PPP (parcerias público-privadas) na saúde não devem ter os contratos prorrogados. Esse modelo chegou ao nosso país, tendo como um dos seus grandes entusiastas o então ministro da saúde, Luís Filipe Pereira, num governo presidido por Durão Barroso, quando em vários países, nomeadamente Grã-Bretanha e Canadá, diversos estudos mostravam já os seus resultados desastrosos. Nestes anos de existência das PPP na saúde do nosso país, não se vislumbra nenhuma vantagem em relação à gestão pública.

Por outro lado, é urgente pôr fim à situação escandalosa de grande parte das administrações dos serviços públicos de saúde que recorrem indiscriminadamente a empresas privadas para contratar profissionais pagos à hora, numa afronta intolerável e ilegal à contratação colectiva, e para realizar um grande volume de exames complementares de diagnóstico sem fazerem qualquer prova efectiva de que a capacidade instalada nessas unidades esteja esgotada.

O SNS deve estabelecer parcerias com entidades sem fins lucrativos e com uma clara componente social como são, por exemplo, as Misericórdias. Ao longo desta pandemia, as Misericórdias, que gerem cerca de metade dos lares sociais, estiveram sempre activas, tendo conseguido minimizar o número de óbitos de idosos sob a sua responsabilidade, com uma percentagem muito reduzida.

Se esta situação for comparada com o cenário dantesco dos lares na Espanha, França e Itália, onde o número de óbitos foi muito elevado, podemos ter uma ideia mais real da importância do papel na sociedade portuguesa das entidades sem fins lucrativos e do seu contributo insubstituível para o reforço da coesão social, sem a qual a própria democracia e a liberdade correrão riscos que não podem, nunca, ser subestimados.

A estruturação de uma plataforma de articulação e complementaridade na prestação de cuidados de saúde que facilite, em tempo útil, a acessibilidade dos cidadãos e promova uma gestão mais transparente dos dinheiros públicos destinados à Saúde, torna-se uma medida crucial nos tempos actuais.»

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9.7.20

Vidas antes desta Covida (6)



Tango na rua enquanto se almoça, em La Boca, Buenos Aires, 2011.
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Isenção fiscal para a Champions


«As equipas, dirigentes, técnicos e restantes profissionais que viajam para Lisboa em agosto para participar na fase final da Liga dos Campeões vão ficar isentos de pagar impostos. A decisão foi tomada pelo Governo e ainda passará pelo Parlamento mas os acordos internacionais que Portugal mantém dão essa garantia. Para já são muitas as vozes que continuam a fazer suspense sobre a sua posição: PSD, PCP, CDS e Chega ainda não dizem como vão votar a medida quando for a plenário esta quinta-feira e apenas Bloco de Esquerda, PAN e IL se dizem contra. O assunto é potencialmente polémico por vários motivos.»

Expresso 09.07.2020

Vai mesmo existir, qualquer que seja a posição da AR. Shame on us!
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Entretanto em África




«Dans un rapport publié mardi, la Banque africaine de développement s'inquiète des conséquences économiques de l'épidémie de coronavirus qui pourraient faire basculer 50 millions de personnes dans l'extrême pauvreté. Le continent a franchi la barre des 500 000 contaminations recensées.»
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Há esquerda e direita nas presidenciais



«Até hoje ninguém com responsabilidades significativas no PS tinha ousado dar o passo em frente de proclamar que as clivagens institucionalizadas da nossa democracia se continuam a aplicar às eleições presidenciais, distanciando-se de políticos influentes no partido que partilham ativamente o erro políco de leitura do regime democrático de António Costa, como Ferro Rodrigues e Fernando Medina. Hoje tudo mudou, porque Pedro Nuno Santos veio defender a leitura alternativa, aquela que também acredito que é melhor para a democracia, para a esquerda e para o próprio PS. Defendeu que o PS apresente um candidato próprio e declarou que, caso assim não fosse votaria no candidato do BE ou do PCP.»

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Os trabalhadores essenciais



«Já sabemos que a pandemia da covid-19 agrava as desigualdades, porque quem tem menos rendimentos tem de se sujeitar a piores condições laborais, de mobilidade e de habitação. Mas é ilegítimo atirar a “culpa” dos surtos que temos conhecido para cima dos pobres, dos idosos, dos imigrantes, dos bairros carenciados. O que estamos a viver é uma realidade nova e complexa que veio trazer à luz do dia desigualdades estruturais que já existiam antes da pandemia.

Muito se tem falado, e bem, do mérito dos profissionais de saúde a quem tem cabido a linha da frente. Se não houvesse SNS, estaríamos hoje bem pior. E sem a generosidade incrível destes profissionais, o SNS não teria aguentado o embate, que continuará a fazer-se sentir. Ninguém duvida hoje que os profissionais de saúde são trabalhadores essenciais para o nosso bem-estar colectivo. Assim como os bombeiros, a protecção civil, as forças de segurança e as forças armadas, mobilizados para tarefas críticas ao longo dos últimos meses.

Mas não são apenas eles. Houve muitos trabalhadores que não pararam durante e após o estado de emergência, mas de quem pouco se fala – da produção à distribuição de bens essenciais e à prestação de serviços públicos e privados. Falo dos que continuaram a produzir os nossos alimentos, incluindo os imigrantes precários em certas zonas do nosso país, que na época das colheitas se deslocam de região em região. Ou dos que asseguraram a distribuição, como os camionistas, os trabalhadores da marinha mercante, os portuários, o pessoal dos correios. Ou dos empregados dos supermercados e dos transportes públicos. Ou das chamadas “mulheres-a-dias”, um nome que diz tudo sobre a sua precariedade. Ou do pessoal da construção civil, mais solicitado no Verão para obras de toda a espécie. Sem esquecer os trabalhadores dos lares e demais equipamentos sociais, ou os professores e auxiliares de educação, a trabalhar em condições inéditas e desafiantes. Ou ainda, e para não me alongar mais, o pessoal da higiene e limpeza urbana, um trabalho que paradoxalmente só se torna visível quando não é feito.

Estes trabalhadores são trabalhadores essenciais, que não costumamos valorizar mas que suportam o nosso dia-a-dia. Têm em comum salários baixos e, muitas vezes, vínculos laborais precários. Algo está profundamente errado.

Precisamos de reformas profundas na estrutura salarial do nosso país. As funções sociais têm de ser altamente valorizadas e são uma aposta estratégica para o futuro. Não haverá robots ou plataformas digitais que substituam tarefas que exigem proximidade e, quantas vezes, afecto e carinho. As funções de suporte da vida quotidiana também não podem continuar a ser esquecidas, nas margens da precariedade e da rotina.

Há uma reforma estrutural a fazer que implica o reconhecimento dos trabalhadores essenciais e a definição de caminhos para a sua valorização pessoal, profissional e salarial. Não tenho visto muita gente preocupada com isto, porque é mais fácil, quando se vive uma crise com tantas incertezas, procurar culpados. Não, a “culpa” não é dos pobres, dos idosos, dos imigrantes, dos bairros vulneráveis. E não basta criar regimes legais extraordinários, imprescindíveis na emergência, mas que não podem ser prorrogados indefinidamente. Nem acreditar que o “novo normal” trará de volta um turismo de que ficámos tão dependentes. Temos de ir à raiz das questões. Temos de enfrentar com coragem o retrato do país desigual que somos – e dar passos firmes para fundar uma verdadeira “economia do cuidar” que abarque o planeta, os modos de produção, transformação e consumo, os territórios e as pessoas. Sem isso não haverá plano de recuperação económica e social que nos valha.»

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8.7.20

Vidas antes desta Covida (5)



Monges budistas em Luang Prabang, Laos, 2009.

[Centenas de monges saem ao nascer do dia e andam pelas ruas da cidade a recolher oferendas, em espécie ou dinheiro. Em cada família, há todos os dias uma pessoa que reúne o que pode e entrega aos monges, na convicção de que aquilo que é dado alimentará (também) os seus próprios antepassados.]
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No desemprego, dr. Centeno?




Vem aí a apanha da pêra rocha, que tem sempre falta de mão de obra.
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Brasil



Quando lá chegámos era assim.
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Empresas loiras, com olhos azuis



«Quando dizemos que a maior parte das empresas portuguesas são PME, nem sempre percebemos o alcance desta afirmação. Se dissermos que elas geram cerca de 60% da riqueza nacional e de 80% do emprego, já sabemos mais. E se, por fim, usarmos um termo de comparação em voga, estamos a falar de 300 vezes a TAP, em matéria de emprego; ou de 20 vezes, se compararmos o seu peso no PIB. Já consegue sentir o cheiro a napalm? Talvez isto ajude: de acordo com um inquérito recente, em resultado da pandemia, 47% das PME portuguesas perdeu mais de metade do seu volume de negócios e 34% recorreu ao layoff. Tic-tac, tic-tac, tic-tac.

É por isso que quando o ministro das Infra-estruturas se inquieta com uma potencial insolvência da TAP, as pernas do ministro da Economia deveriam começar a tremer. O que, aliás, não tem nada de mal: o medo é um dos maiores aliados da sobrevivência e precisamos desse instinto mais do que nunca.

O problema é que os sinais de que alguma coisa esteja, efetivamente, a ser feita para impedir a insolvência das nossas PME são escassos, para não dizer que são nulos. Maio terminou com as insolvências a crescerem 16%, face ao período homólogo. E, para junho, não são esperadas boas notícias. É certo que o governo prometeu criar um processo extraordinário de viabilização empresarial, mas, um mês depois, o silêncio é constrangedor. E o pouco que se conhece sobre o tema também não augura nada de bom.

A ideia de que o acesso a um processo extraordinário para evitar a insolvência esteja limitado às empresas “afetadas pela pandemia” faz soar todos os alarmes. Parece que o governo se prepara para estender a mão a empresas cuja dificuldade económica seja, exclusivamente, consequência da covid-19. Afastando, assim, as empresas que já atravessassem algum tipo de dificuldade no final de 2019.

Esta abordagem é o corolário da conveniente ficção de que vivíamos, no final de 2019, um momento de enorme fulgor económico, com empresas sãs e um futuro risonho. Até pode parecer, à luz do que temos hoje, mas é uma ideia errada, que se pode tornar perigosa.

Como bem sabe quem lida com o tecido empresarial português, os primeiros sinais de crise já se faziam sentir há largos meses e o perfil das nossas PME – a começar pela sua estrutura de capitais próprios – não era, propriamente, auspicioso. É por isso que lançar a bóia apenas às empresas modelo – loiras, com olhos azuis – é ignorar a maior parte da economia nacional e atirar milhões de trabalhadores para um precipício. No fundo, é como reservar ventiladores aos mais jovens e abandonar à sua sorte os mais velhos. Uma espécie de eugenia económica, que tem tudo para dar errado.

De resto, até a própria Comissão Europeia percebeu isso, quando admitiu alargar o Quadro Temporário de auxílio às micro e pequenas empresas que já se encontravam em dificuldades antes de 31 de dezembro de 2019, reconhecendo que estas empresas são cruciais para a recuperação económica da União e atendendo a que o impacto do atual surto veio agravar as dificuldades que já sentiam, por exemplo, no acesso ao financiamento.

A nacionalização de uma TAP falida é apenas a exceção que confirma a regra. Ou a triste confirmação de que, para empresas de sangue azul, não importa a cor do cabelo.»

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7.7.20

Vidas antes desta Covida (4)



São-tomenses à porta da casa onde nasceu Almada Negreiros, na Roça Saudade, hoje transformada em restaurante-museu, S. Tomé, 2019.
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Turismo: Sol na eira e chuva no nabal?




Mas estava-se à espera de quê? Que os turistas estrangeiros, sobretudo jovens, fossem deitar-se cedo, depois de rezar o terço e as orações da noite? Turismo de massa e regras de desconfinamento como temos, nomeadamente no Algarve? Sol na eira e chuva no nabal …

E já se imaginou o eco que estas multas e proibições vai ter na imprensa dos países de onde vêm?
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Mesmo sem atirar setas



… é mais ou menos isto que nos espera.
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Uma questão de responsabilidade



«A resposta inicial do Governo à crise sanitária gerou um consenso político raramente visto, mas perfeitamente justificado tendo em conta a natureza e gravidade da situação.

Não espanta, no entanto, que à medida que as crises económica e social se agravam surjam importantes divergências sobre a dimensão e direção das medidas de recuperação. Como se impede uma explosão de pobreza e fome? Como se fortalecem os serviços públicos essenciais? Que lições se tiram da vulnerabilidade causada pela precariedade laboral e o que se faz com essas lições? Como se cria emprego e em que setores? Para onde se dirige o investimento público?

A resposta de cada força política a estas questões vai marcar o debate do Orçamento para 2021, que será apresentado dentro de três meses. Nesse debate, toda a responsabilidade democrática será pouca. O país pagaria caro no futuro se, em outubro, soluções fortes cedessem lugar a consensos falsos.

O Orçamento Suplementar de 2020, por outro lado, serviu para financiar as medidas excecionais e de emergência já tomadas. Sem reabrir ou refazer todo o Orçamento de 2020, aprovado em fevereiro, o Suplementar cumpriu três propósitos relevantes: i) autorizou a Segurança Social a gastar mais 2600 milhões de euros em apoios extraordinários e de emergência; ii) tão ou mais importante: fez uma transferência extraordinária para a Segurança Social de forma a que os apoios de hoje não prejudiquem as pensões futuras; e iii) reforçou o SNS em 500 milhões.

Foi por estas razões que o Bloco cedo anunciou a sua viabilização, mesmo considerando as suas grandes insuficiências. No final do processo de especialidade, essas razões e essas insuficiências mantinham-se, apesar de alguns avanços conseguidos pelos partidos da Esquerda.

É certo que bastariam outros para viabilizar este diploma. Mas o Bloco vota com o seu voto - e não com o dos outros. Votar contra este Orçamento Suplementar seria recusar ao país, num contexto excecional, o urgente financiamento de medidas de emergência, mesmo sendo elas insuficientes. Mas que não se engane o PS. Esta não foi a primeira volta para o Orçamento do Estado para 2021. Esse, para ser viabilizado à Esquerda, tem de responder à crise pela Esquerda. É esse o nosso mandato, e também a nossa responsabilidade.»

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6.7.20

Vidas antes desta Covida (3)



A fazer pela vida, perto da Barragem das Três Gargantas, Rio Yangtze, China, 2004.

[Quando a barragem ainda nem estava pronta e não sonhávamos que viria a ser gerida por quem manda na EDP.]
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Venham as burkas




Com mais esta novidade do dia, agora é que as burkas têm a sua grande oportunidade.
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Ennio Morricone (1928-2020)



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A pandemia e a questão social



«Trabalho há mais de vinte anos no contexto territorial onde se verificam os maiores níveis de pobreza e exclusão social da cidade do Porto. Conheço bem o assistencialismo e a caridade religiosa. São estratégias e instrumentos importantes, sobretudo em contextos de crise e emergência social. Valorizo a solidariedade e o voluntariado, mas como refere o professor José Reis, da Universidade de Coimbra, é na ação coletiva e na esfera pública que se travam as lutas decisivas.

No Porto há centenas de crianças que não têm computador nem acesso à internet, famílias que ficaram com o frigorífico vazio porque os filhos deixaram de almoçar na escola, utentes que esperam mais de dois meses para realizarem atendimento presencial nos serviços da Segurança Social. A Rede Local de Intervenção Social que apoia os carenciados residentes na zona oriental da cidade acolheu mais alguns milhares de processos de apoio por estes meses, mas não viu transferidos para a IPSS os meios correspondentes por parte da Segurança Social para reforçar a sua equipa técnica.

Convém explicar que muito antes da tragédia do vírus da covid-19 invadir as nossas vidas já os pobres sofriam na pele a incerteza, a humilhação, a vergonha, o risco, a privação, a dependência, a necessidade de se fazerem à vida através da economia informal ou com estratégias de sobrevivência desviantes para garantirem um prato de comida na mesa. As políticas socias da direita (e o PS nunca foi de esquerda) sempre foram de mínimos: salário mínimo, rendimento mínimo, prestações sociais de mínimos. Dizem os construtores de opinião de serviço que o país não cria riqueza suficiente para distribuir mais. Os recursos são escassos. Queria só recordar que para o Novo Banco a última tranche de dinheiro público foi de 580 milhões de euros. Para suportar as rendas com as Parcerias Público-Privadas rodoviárias o Estado vai gastar este ano 1500 milhões de euros.

Estes recursos financeiros permitiriam financiar um conjunto de medidas de apoio extraordinário para quem perdeu rendimentos e não tem acesso a proteção social, como os trabalhadores independentes e informais, um subsídio de desemprego temporário de subsistência, facilitar as regras de acesso ao subsídio social de desemprego, aumentar e alargar o abono de família, pagar integralmente do salário a quem está em layoff, entre outras medidas tão urgentes e necessárias como a criação de emprego, a valorização dos salários e o investimento nos serviços públicos.

As políticas sociais do capitalismo destruíram a integração económica dos cidadãos através da falta de emprego, flexibilizaram as leis laborais, privatizaram bens e serviços essenciais (água, eletricidade, transportes, telecomunicações, habitação) desindustrializaram o país, venderam as principais empresas a grupos económicos estrangeiros, amarraram Portugal aos tratados orçamentais e às metas cegas do défice de Bruxelas, faliram o estado social. E agora, com a maior das hipocrisias, alguém acorda do pesadelo e, por causa da crise pandémica, grita bem alto.

Precisamos de outro modelo de crescimento económico, que respeite a natureza, os direitos e a dignidade do ser humano. Precisamos de adotar outros modos de vida, mais ecológicos e menos consumistas. Precisamos de voltar à normalidade, mas como diz Frei Bento Domingues, a vida normal já demonstrou as velhas e novas desigualdades vergonhosas. Não acredito, sinceramente, que esta crise seja uma verdadeira oportunidade para operacionalizar políticas que favoreçam mais coesão, justiça e igualdade social.

Nas crises cíclicas do capitalismo já sabemos que quem paga a conta e sofre com as consequências são sempre os mais vulneráveis, os mais desfavorecidos, aqueles que dispõem de menos recursos económicos, culturais, escolares e simbólicos. Mas também é verdade, como afirma D. José Ornelas, líder da Conferência Episcopal Portuguesa, que uma sociedade que não é justa e não garante dignidade aos seus cidadãos, ou gera escravos ou bandidos. A globalização económica vai ter capacidade de se adaptar, vai aproveitar todas as vulnerabilidades causadas pela pandemia para explorar mais, oprimir mais, lucrar mais. Não sei se vai ser com vigilância eletrónica, com teletrabalho ou sugando os recursos do Estado, mas sei que o esclarecimento, a informação, a consciencialização e a politização dos pobres é o único caminho de resistência indestrutível.»

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5.7.20

Vidas antes desta Covida (2)



Mulheres uzbeques muçulmanas com os seus belos vestidos coloridos, em Samarcanda, Uzbequistão, 2011.
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Agora não...



Mas, já agora, só tirem o sofá depois do desconfinamento. Pode ser?
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Uma rua azul em Lisboa?



«A nossa vida mudou nestes meses e assim têm de mudar as cidades» - dizem eles.

E eu acrescento: estamos muito longe de conhecer os efeitos colaterais da Covid-19. Esta gente ensandeceu.
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Às cegas


«Tenho poucas certezas sobre o que nos está a acontecer. Só uma se vai instalando: que isto vai durar. Que teremos más notícias durante muito tempo. Podemos começar a disparar uns contra os outros, para ver se as culpas caem no vizinho. Ou podemos começar a discutir a fase seguinte: como vamos lidar com o vírus de forma a não sacrificar o futuro dos nossos filhos, a não destruir a economia e a democracia e a não viver numa sociedade patologicamente deprimida em nome da ilusão da imortalidade? Gostava de ser merecedor da herança dos que estiveram dispostos a morrer em nome da minha liberdade. Isso implica correr riscos para que a vida em comunidade não se torne numa paranoia infernal. Não estou disposto a fechar a juventude da minha filha em casa por dois anos para viver até aos 90. Nem a sacrificar os mais pobres. Nem a retirar a infância às crianças. Nem a destruir o SNS, onde se reduziu o tratamento de AVC em 32%. Nem a transformar a vida em televida, o trabalho em teletrabalho, a universidade em teleuniversidade. O que queria em troca? Que o Estado preparasse o país para reduzir riscos onde eles podem ser reduzidos. Isso não se faz às cegas, com o palpite no lugar da informação.»

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Pólvora seca e vespeiros



«O tempo para se adotarem políticas eficazes com vista à saída da crise escasseia e Portugal surge cada vez mais enredado em dois complicados bloqueios: primeiro, as anunciadas bazucas da União Europeia (UE) vão perdendo atualidade e correm o risco de se tornarem tiros de pólvora seca; segundo, a eficácia das bazucas nacionais depende das europeias e de se conseguir deslindar imbróglios que enredam algumas grandes empresas e setores da economia.

As ditas bazucas foram concebidas a partir de um cenário que nos apresentava uma recessão que batia no fundo, mas de que recuperávamos rapidamente com o regresso pleno ao trabalho. A partir dessa conceção, bastava "manter as luzes da economia acesas" durante o confinamento, através da continuidade da produção dos setores essenciais, da garantia de liquidez às empresas e de algum rendimento de substituição aos trabalhadores desempregados ou em regime de lay-off.

O que se está agora a desenhar é algo bem diferente. O regresso ao trabalho reacendeu o rastilho da pandemia, por razões que a semana passada aqui identifiquei. Configura-se, portanto, uma situação prolongada de confinamento parcial alimentado por picos de contágio mais ou menos ocasionais e localizados, e pelas múltiplas cautelas das pessoas. Daí resultam impactos socioeconómicos diversos, supressão prolongada de parte da capacidade produtiva e contínua perda de emprego.

As chamadas injeções de liquidez nas empresas e as garantias de rendimento de substituição não são sustentáveis durante muito tempo e, mesmo que fossem, a prazo confrontar-se-iam com limites à capacidade de oferta. Se somarmos a isto a pressão crescente para se reverter o financiamento público em nome da sustentabilidade das dívidas, temos o cenário montado para a tempestade perfeita: supressão de capacidade produtiva combinada com retração da procura.

Face a isto, os pacotes financeiros prometidos pela UE, que ainda nem sequer estão definidos nem aprovados, deixam de parecer tão avultados. Precisamos de modos de financiamento que não envolvam endividamento, e medidas que garantam o aprovisionamento, sobretudo em bens e serviços essenciais. As bazucas europeias não são uma coisa nem outra.

A armadura europeia vem tolhendo Portugal no seu processo geral de desenvolvimento. Essa armadura ajudou a enfraquecer serviços públicos fundamentais, mas é também fonte de condicionalismos impostos a algumas grandes empresas e setores da economia.

Hoje, quando se observa o que se passa na TAP, vemos que está ali um vespeiro onde é urgente, mas muito difícil, meter as mãos. As opções políticas e de gestão erradas, quando não criminosas, adotadas ao longo do tempo respaldaram-se, tantas vezes, em determinações da UE. Aconteceu o mesmo no vespeiro-mor que é o setor financeiro.

Há urgência na resolução de complicados imbróglios. O setor da saúde vem dando respostas no limite. Em breve bastantes empresas grandes e médias necessitarão de resgastes e imensas pequenas estão dolorosamente entregues à sua sorte. E não nos esqueçamos da Banca, setor onde, provavelmente, as desgraças irão culminar.

É inquietante ver o Governo demasiado sensível ao comentário mediático, técnica e politicamente muito pobre, a desvalorizar a inteligência coletiva e a continuar à espera, quando são já tão visíveis nuvens negras.»

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