24.12.22

Natal na Ucrânia

 


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China – Nem dá para imaginar

 


«Avançado à porta fechada numa reunião das autoridades sanitárias chinesas, este número, que representa cerca de 18% da população do país, é muito superior à dimensão oficial da epidemia, que estima em mais de 62 mil os casos sintomáticos de 1 a 20 de dezembro.»

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É isto

 


Ou devia ser.
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No segundo Natal sem o Pedro

 

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É sobre o Irão, pode ler, s.f.f.

 


«Hoje é sábado, 24 de Dezembro, e amanhã é Natal. Sei que o Irão não vos interessa. É a 6500 quilómetros daqui e, em Portugal, vivem menos de dois mil iranianos — a relação é ténue e o tema pouco sexy.

Digo isto porque acabo de ver que, de tudo o que escrevi em 2022, os dois últimos Coffee breaks, que eram sobre o Irão, bateram os recordes dos textos menos lidos. Não esperava ter 100 mil leitores, como já aconteceu, mas 315 almas?

Lamento insistir, para mais no Natal. Mas vai ter de ser. Penso no Irão todos os dias, mal acordo.

O Pedro Adão, um querido amigo que foi diplomata em Teerão, falava farsi sem pronúncia. Chegou ao novo posto e dedicou-se a aprender a língua. A embaixada fechava e ele ia para casa estudar farsi com uma professora improvisada, que se tornou sua amiga. Nos primeiros seis meses, passou noites a falar farsi com ela e, do bê-á-bá, passou à conversação fluente. Ele queria perceber o que se passava à sua volta. Quando o visitei, estava ele em Teerão há três anos, conheci vários dos seus novos amigos. Eram todos iranianos. Actores, escritores, músicos, economistas, empresários. O que será feito deles e dos seus filhos?

Aqui vai, como primeira mensagem de Natal: há muitos funcionários públicos, diplomatas e outros, que servem Portugal de uma forma tão dedicada que comove.

E a segunda: veja o que se está a passar no Irão. Não veja em geral. Veja todos os dias.

Se for ao Twitter, verá as parvoíces de Donald Trump e Elon Musk. Mas também lerá coisas como isto: “O seu nome é Aida Rostami, uma médica que ajudou a tratar os manifestantes feridos nos protestos no Irão. A 12 de Dezembro, saiu do hospital e nunca mais voltou. No dia seguinte, a polícia disse à família que ela tinha tido um acidente. Ninguém acredita nas mentiras do regime.”

Ou isto: “Aida Rostami, uma médica presa por tratar manifestantes feridos nas suas casas, foi dada como morta pelo regime do Irão. O seu corpo apresentava sinais de tortura, com um dos olhos arrancado e metade do rosto esmagado. O regime diz que ela morreu num desastre de carro.”

A revolução que as mulheres iranianas começaram a fazer e fazem há três meses sem pausa é a coisa mais comovente que vi em anos e anos de coisas comoventes que se passam no mundo.

Vi hoje que o regime não enforcou mais nenhum preso político. Há 11 à espera. Alguns foram presos há menos de um mês. Todos tiveram julgamentos sumários, que violam as mais elementares leis internacionais. Poderão ser mortos a qualquer momento. Se calhar, amanhã acordamos com essa notícia.

Desde Setembro, o regime prendeu mais de 14 mil pessoas. Muitos são rapazes e raparigas. Há estudantes universitários e empregados de mesa, médicos e operários. Estão na rua a protestar contra o regime e não querem que a morte de Mahsa Amini, de 22 anos, seja em vão. Amini é a rapariga curda detida por “uso incorrecto” do hijab e que morreu sob custódia da “polícia da moralidade”. Foi de tal forma espancada, que entrou em coma e morreu.

Hoje também vi que a actriz Taraneh Alidoosti continua presa. Publicou uma frase no Instagram — “O nome dele era Mohsen Shekari. Todas as organizações internacionais que estão a assistir a este banho de sangue e que não estão a tomar medidas são uma desgraça para a humanidade” — e sete dias depois foi presa. A IRNA, agência noticiosa oficial, disse que Alidoosti “não apresentou provas em linha com as suas denúncias”.

Alidoosti, de 38 anos, é uma das actrizes mais famosas do Irão — entrou no filme O Vendedor, de Ashgar Farhadi, vencedor do Óscar para Melhor Filme Estrangeiro em 2016, e n’Os Irmãos de Leila, de Saeed Roustayi, em exibição nas salas portuguesas. Estará a ser torturada na prisão?

E o cineasta Jafar Panahi, preso em Julho e a cumprir uma pena de seis anos de prisão por ter apoiado protestos em 2010? Está a ser torturado? O seu filme No Bears — feito às escondidas — acaba de se estrear em Nova Iorque. E Mohammad Rasoulof, outro cineasta preso no Verão, está a ser torturado?

E Mahsa Peyravi, de 25 anos, presa em Outubro por ter tirado o lenço da cabeça e tê-lo rodado no ar, que acaba de ser condenada a dez anos de prisão por “incentivo à corrupção, depravação” e “imoralidade”, está a ser torturada?

No próximo Natal, vou tentar escrever um postal mais interessante. Este ano, só consegui isto.»

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23.12.22

Póstumos Natais

 


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Jorge de Sena e o Natal

 


Natal de 1971

Natal de quê? De quem?
Daqueles que o não têm?
Dos que não são cristãos?...
Ou de quem traz às costas
as cinzas de milhões?
Natal de paz agora
nesta terra de sangue?
Natal de liberdade
num mundo de oprimidos?
Natal de uma justiça
roubada sempre a todos?
Natal de ser-se igual
em ser-se concebido,
em de um ventre nascer-se,
em por de amor sofrer-se,
em de morte morrer-se,
e de ser-se esquecido?
Natal de caridade,
quando a fome ainda mata?
Natal de qual esperança
num mundo todo bombas?
Natal de honesta fé,
com gente que é traição,
vil ódio, mesquinhez,
e até Natal de amor?
Natal de quê? De quem?
Daqueles que o não têm,
ou dos que olhando ao longe
sonham de humana vida
um mundo que não há?
Ou dos que se torturam
e torturados são
na crença de que os homens
devem estender-se a mão?

Jorge de Sena
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A entidade reguladora não regula bem

 


«Agora que parece ter terminado o fascinante debate que se gerou a propósito da deliberação da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) sobre o facto de André Ventura não ter sido convidado para ir ao programa “Isto É Gozar Com Quem Trabalha”, gostaria de aproveitar esta altura em que já ninguém se interessa pelo assunto para finalmente participar. A primeira alínea da deliberação apresenta também o primeiro problema, uma vez que a ERC “delibera: a) Verificar que, durante o período eleitoral para as eleições legislativas de 2022, no programa ‘Isto É Gozar Com Quem Trabalha’, foram entrevistados todos os líderes partidários que tinham obtido representação parlamentar nas eleições anteriores com excepção do Partido Chega (…).” Esta é uma verificação que, infelizmente, não se verifica. A frase “foram entrevistados todos os líderes partidários que tinham obtido representação parlamentar nas eleições anteriores com excepção do Partido Chega” não é verdadeira, dado que o Partido Ecologista Os Verdes tinha obtido representação parlamentar nas eleições anteriores e o seu líder também não foi convidado. Ninguém chora pelas injustiças que os programas de entretenimento infligem ao PEV, e é provavelmente por isso que o ambiente está como está. Mas é com base nessa verificação que a ERC conclui, deliberando “recomendar à SIC a necessidade de compensar, se necessário, na restante programação, os desequilíbrios gerados num determinado programa em matéria de igualdade de oportunidades e de tratamento das diversas candidaturas, assegurando o pluralismo político-partidário nas suas emissões (…)”. Sucede que, se uma injustiça tiver sido de facto cometida, esta deliberação é extremamente insatisfatória. A ERC não obriga a SIC a compensar o injustiçado. Trata-se de uma mera recomendação. No entanto, ao passo que recomenda uma necessidade, acrescenta imediatamente: “se necessário”. Ora, recomendar uma necessidade se necessário não é bem recomendar. Suponhamos que, ao verificarmos que a nossa amiga Clotilde se prepara para sair de casa, lhe recomendamos a necessidade de, se necessário, levar um guarda-chuva. Não é uma recomendação útil porque a Clotilde, muito provavelmente, já sabia que as necessidades só são necessárias se necessário. Em princípio, não travamos amizade com pessoas que acreditam em necessidades desnecessárias.

Não é surpreendente que a recomendação seja tão vaga. Toda esta questão assenta numa conversa que é afluente do eterno debate sobre o poder do humor. Certos místicos acreditam que o humor e os programas humorísticos têm muito poder, apesar de não haver qualquer indicação nesse sentido. Ninguém formulou esse pensamento de forma mais eloquente do que o professor de economia da Universidade do Minho, Luís Aguiar-Conraria, aqui mesmo, no Expresso. Disse ele: “Sem o poder demonstrar, estou totalmente convencido de que a Iniciativa Liberal elegeu o seu primeiro deputado graças à prestação do seu líder nesse programa.” Repare-se que Aguiar-Conraria não está levemente desconfiado ou até fortemente inclinado para acreditar em algo que não consegue demonstrar. Não, não: está “totalmente convencido”. Ao fenómeno psíquico de estarmos totalmente convencidos de uma coisa que não somos capazes de demonstrar costuma chamar-se fé. E, de facto, a responsabilidade da eleição do primeiro deputado da Iniciativa Liberal só pode ser atribuída ao programa “Isto É Gozar Com Quem Trabalha” se formos tomados por um fervor espiritual bastante intenso. Estávamos em 2019 e esse programa nem existia, nem era exibido na SIC, nem era líder de audiências. Carlos Guimarães Pinto foi a um espaço televisivo chamado “Gente Que Não Sabe Estar”, que era o suplemento humorístico do “Jornal das 8”, na TVI. Nesse dia, uma quinta-feira, 3 de Outubro de 2019, a tabela dos programas mais vistos da televisão portuguesa ficou assim ordenada: em primeiro lugar, a novela da SIC “Nazaré”, com 13,8% de audiência; em segundo, a novela da SIC “Golpe de Sorte”, com 12,6%; em terceiro, “Jornal da Noite”, da SIC, com 11,5%; em quarto, o espaço “Tempo de Antena”, emitido na SIC às 19h52, com 9,2%; em quinto o jogo de futebol Feyenoord-FC Porto, na SIC, com 8,9%; em sexto, finalmente, o “Jornal das 8”, da TVI, com 8,8%. Portanto, nesse dia, Carlos Guimarães Pinto foi convidado de um espaço integrado num programa que teve menos audiência do que o “Tempo de Antena”, e teve uma prestação de tal modo notável que aqueles eleitores que definem o seu sentido de voto com base em coisas que viram em programas de entretenimento decidiram premiá-lo elegendo João Cotrim de Figueiredo, que não foi convidado e concorria por outro círculo eleitoral. É disto que Aguiar-Conraria está totalmente convencido.

Há duas ou três coisas das quais, a propósito da influência do “Isto É Gozar Com Quem Trabalha”, eu estou totalmente convencido. Por exemplo, estou totalmente convencido de que o líder do PEV não foi ao programa e o seu partido desapareceu do Parlamento. Estou totalmente convencido de que o líder do CDS foi ao programa e o seu partido também saiu do Parlamento. Estou totalmente convencido de que o Ventura não foi e o seu partido subiu de 1 para 12 deputados. Estou totalmente convencido de que João Oliveira foi e não só não conseguiu ser eleito como o seu partido caiu de 12 para 6 deputados. E felizmente posso demonstrar tudo.

No dia 12 Dezembro de 2020, no Twitter, André Ventura informou o país do seguinte: “Deus confiou-me a difícil mas honrosa missão de transformar Portugal.” O Criador, no âmbito da sua actividade de administrador do universo, teria dedicado algum do seu tempo a pensar omniscientemente em Portugal e, após observação cuidada, concluíra que o país precisava de uma transformação e que a pessoa mais bem colocada para a operar seria aquele comentador de futebol que discutia foras-de-jogo com Aníbal Pinto na CMTV. É este mesmo candidato, cuja carreira é patrocinada por um ser omnipotente, que se queixa de não ser convidado por um palhaço para um programa de entretenimento. Talvez a ERC devesse recomendar a Nosso Senhor a necessidade de compensar os outros candidatos. Se necessário, evidentemente.»

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22.12.22

Problema resolvido

 


Entretanto no Afeganistão

 




Muitos estudantes masculinos abandonaram um exame como forma de protesto contra a decisão de excluir as raparigas.


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Animem-se!

 


Só faltam quatro para 26! E os dias já estão a crescer.
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Habitação (jovem) em Portugal: até quando se vai adiar esta geração?

 


«Poderá um jovem comprar uma casa? Poderá um jovem arrendar uma casa? Ou continuar-se-á a adiar esta geração?

Esta é a primeira questão que devemos levantar, aprofundando de seguida os porquês. Os trabalhos são extremamente precários, um flagelo que urge combater se efectivamente pretendemos capitalizar o nosso país e dar oportunidade a esta nova geração de puder vingar onde nasceu e não onde foi compelido a ir, construindo-se um novo contrato social. É imprescindível combater o desemprego jovem que atingiu, em 2021, 23% entre os 15 e os 24 anos. Como combater o desemprego jovem? Oferecer bons vencimentos, contratos de trabalho justos e que garantam a estabilidade financeira e emocional, proporcionando-se a escolha entre um home office ou um modelo híbrido ou totalmente presencial.

À luz de um estudo da Fundação Francico Manuel dos Santos, que teve por base um universo de 2,2 milhões de jovens entre os 15 e os 34 anos de idade, os rendimentos de três quartos dos jovens (72%) não ultrapassam os 950 euros líquidos por mês. Quantos anos é que um jovem demorará a juntar os 10% de entrada para uma casa? 100 anos? 50? Demorará talvez um, se viver a pão e água. O preço das casas subiu 50% nos últimos cinco anos e o valor mediano das casas em Portugal ultrapassou os 2400 euros por metro quadrado em Outubro de 2022. Somente 12% dos jovens pretendem viver em casas arrendadas; e os restantes 88% que pretendem ter casas próprias? A solução da habitação tem de abranger ambas as escolhas.

Como é que um jovem pode solicitar um crédito para habitação quando apresenta pouca fiabilidade de cumprimento para com a instituição financeira? É-lhe exigido fiador, contratos “seguros”, garantias. Portugal é o país da União Europeia (UE) onde os jovens mais tarde voam e se emancipam, saindo de casa dos pais aos 33,6 anos, sendo que a média comunitária é de 26,5 anos. Medidas relevantes para superar esta adversidade seriam o Estado, através da Caixa Geral de Depósitos, financiar a 100% os créditos aos jovens até aos 35 anos na compra da primeira habitação própria permanente, bem como, através de um mecanismo de garantia mútua pública, o Estado passava a ser o fiador do jovem.

É fundamental isentar o IMT e o imposto de selo na compra da primeira habitação própria permanente do jovem, bem como isenção de IMI nos primeiros cinco anos. Por outro lado, o Estado português apresenta actualmente um parque habitacional de 2%, valores muito baixos quando comparamos com outros países da UE: a Holanda, por exemplo, apresenta um parque habitacional entre os 20 e os 30%, sem esquecer que a média comunitária se fixa nos 12%. Para tal, deve ser aumentado pelo menos 5% por ano até se atingirem valores que nos permitam combater naturalmente a especulação imobiliária.

Neste parque público de habitação, uma percentagem deve ser exclusiva para jovens, existindo imóveis para venda a custos controlados/não especulativos para jovens, uma outra fatia deve ser destinada a arrendamento jovem, assegurando a liberdade de escolha entre os preferem a instalação permanente e os que elegem a mobilidade geográfica. Uma outra parte deve ser alocada a habitação social pulverizada, acabando-se com a “guetização”. Paralelamente, as cooperativas de habitação devem ser “acreditadas” novamente, não as deixando cair em desuso, impulsionando-as, garantindo um maior apoio financeiro, jurídico e técnico. Devem ser criadas e estimuladas cooperativas de habitação jovem.

Deve isentar-se o IVA sobre todos os materiais de construção da primeira habitação própria permanente dos jovens e para as cooperativas de habitação. Todavia, toda e qualquer estratégia de habitação pública deve priorizar os imóveis devolutos pertencentes ao erário público, asseverando uma optimização e não desperdício de recursos públicos. Em relação ao mercado do arrendamento, deve existir uma limitação do aumento mediante as condições económico-financeiras dos jovens, assim como um limite mínimo temporal no vínculo contratual nesta senda, apostando-se ainda em estratégias de subarrendamento. É igualmente importante realizar um estudo sobre o impacto das parcerias público-privadas em matéria de construção de habitação pública.

O futuro depende de todos nós, do Estado, do sector privado e da sociedade civil. Cumpriremos o nosso papel? Estará o direito à habitação a ser efectivado? Ou o artigo 65 da nossa Constituição é “letra morta”? Os jovens não querem casas de lego, querem casas reais.»

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21.12.22

Ovos

 


Ovo Fabergé com a réplica do Gatchina Palace (um palácio a sudoeste de São Petersburgo, onde a realeza residia no Inverno), São Petersburgo, 1901.
Feito sob a supervisão de Peter Carl Fabergé, foi um presente de Nicolau II a sua mãe, Maria Feodorovna, na Páscoa de 1901.

Daqui.
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Carlos do Carmo

 


Seriam 83 hoje


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Irão - palavras para quê

 

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Sr. ministro, sem professores não há ministros!

 


«Não há ministros, não há engenheiros, não há médicos, não há advogados, não há nada.

Não sei se sabe que os professores são a base de uma sociedade. São eles que formam os profissionais, aqueles que são tão bons que as empresas estrangeiras os vêm buscar e lhes oferecem ordenados que Portugal não lhes paga.

Sim, são os professores que os formam, sabia? Os da primária, os do segundo, do terceiro ciclos, os do secundário e os da faculdade. E se não tiverem umas boas “bases”, não irão longe… Ora, sendo assim, todos os professores são importantes!

E não só em termos de conhecimento, mas também em termos de cidadania. A educação que os professores incutem aos seus alunos também é importante, uma vez que os pais estão tão ocupados a trabalhar. Os pais têm de confiar! Se não o fizeram, os filhos também não o farão. É uma questão de princípio.

Porém, os princípios vêm de cima e têm de ser os dirigentes a dar as grandes lições. Assim sendo, têm de compreender que os professores são as canas da sociedade, aquelas que ensinam as pessoas a pescar. O que está a acontecer atualmente é uma política de baixo esforço. Embora eu seja professora de Português, tenho a clarividência, talvez herdada pelo meu pai, formado em Economia, de que não se deve dar o peixe, deve-se, sim, ensinar a pescar. Ora, ao dar-se subsídios sobre subsídios não se resolve o problema.

Apostem na formação. Levem as pessoas para as escolas. Deem aos professores bons motivos para ensinar, motivando os alunos a aprender. Quem quer ensinar e sujeitar-se a levar um pontapé, a ser insultado, a ficar longe de casa, a ganhar miseravelmente, a não progredir na carreira, a não ser reconhecido? Ninguém! Está tudo errado! O ensino precisava de uma reviravolta! Uma daquelas em que um professor seria o mestre dos anos 80, aquele com quem eu aprendi, aquele que eu respeitei e que me fez escolher ser quem eu sou hoje.

No dia em que já não houver professores, em que todos decidirem ir embora, talvez o sr. ministro ou os que vierem se recordem destas palavras: os professores são a base da sociedade. Sem eles não há ministros. Nem a sociedade fará qualquer sentido, sr. ministro. Por isso, abra bem os seus ouvidos. Há grandes lições a aprender! Ser humilde é uma grande virtude que só cabe aos grandes sábios!»

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20.12.22

Vasos

 


Vaso Arte Nova Folhas de Outono, 1919.
Colecção Daum do Museu de Belas Artes de Nancy, França.


Daqui.
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O CDS e o «país real»

 


A imagem andava pelas redes e pensava-se que podia ser «fake». Só que não.


«À margem do debate sobre a revisão constitucional, discutiu-se também que linhas norteadoras devia o partido abraçar. O constitucionalista Tiago Duarte, que é também sócio da PLMJ, considerou que o público-alvo do discurso do CDS deverá ser “casais de 30 anos” com “filhos no colégio” e “empregada para pagar”.
“O CDS tem de ter um discurso para um casal de 30 anos com dois filhos que quer colocar no colégio privado. Isto é o nosso país real: dois jovens que chegam a casa depois de um dia de trabalho e não têm dinheiro para pagar à empregada”, considerou o constitucionalista.»
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20.12.1973 – «… más alto que Carrero Blanco!»

 


«Arriba Franco, más alto que Carrero Blanco!» – dizia-se em Espanha, há 49 anos.




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Petróleo para a fogueira

 


«Neste final de ano, a grande medida política anunciada pelo Governo português e a avançada pelo Banco Central Europeu (BCE), podendo não parecer, têm um traço comum: as duas constituem experimentações perigosas, que perspetivam o lançamento de mais petróleo na fogueira dos sacrifícios a impor aos trabalhadores e aos povos, nos tempos próximos.

O primeiro-ministro, numa estranha entrevista, anunciou uma nova prestação extraordinária de 240 euros, a que chamou "um outro aumento" (não é aumento, é ajuda momentânea) para "um milhão de famílias que têm prestações mínimas". A ajuda a estas famílias é mais que necessária e bem-vinda, e pode, como disse o comentador-mor do reino, "fazer a diferença". Fará, e muita. Ainda recentemente uma senhora reformada dizia, numa rádio, que os anteriores 125 euros lhe deram imensa alegria: comprou medicamentos que deve tomar todos os dias e já não tomava há muito tempo, e cumpriu o sonho de dar uma prenda ao seu neto.

Todavia, uma medida pontualmente positiva evidencia desgraças, por várias razões. Primeira, a sucessão de transferências monetárias ocasionais para os pobres, mantendo-lhes os apoios sociais em valores de pobreza, transforma-se numa fábrica de pobres agradecidos, e induz na sociedade a valorização da esmola e a aceitação do recuo dos direitos sociais. Este filme é muito velho em Portugal e uma das maiores pechas no nosso processo de desenvolvimento.

Segunda, quem sobrevive dependendo sempre da caridade alheia - venha ela da esmola de cidadão com posses, de instituições privadas e públicas, ou da vontade momentânea de um Governo - vê a sua dignidade delapidada, perde capacidade reivindicativa, é acantonado na sociedade, corporiza retrocesso social. Um pequeno exercício de memória poderá relembrar o Partido Socialista de que não há verdadeiros partidos socialistas/sociais-democratas sem direitos sociais.

Terceira, a pobreza tem origens concretas e o Governo combate-as pouco. As políticas salariais e de pensões ficam-se pelo esgrimir de dados estatísticos que não têm em conta os impactos da inflação, cujos efeitos são perenes, provocando a sua continuada desvalorização real. Os benefícios oferecidos, via IRS, a camadas de muito baixos rendimentos são engolidos pelo brutal agravamento dos preços de bens de primeira necessidade. E as precariedades são geradoras de mais pobreza.

Quarta, qual a razão para o valor da "prestação extraordinária" ser aquele valor de 240 euros e não um mais elevado? O Governo, suportado numa maioria absoluta, impõe Orçamentos do Estado de contenção - insulta quem argumenta a existência de disponibilidades financeiras para mais solidariedade e investimento -sabendo que fica com folgas para fazer as transferências que entender e a quem lhe apetecer: em regra transfere chorudas quantias para grandes poderes económicos e financeiros e tostões, em apoios de contingência, aos mais necessitados.

Por seu lado, o BCE veio anunciar um agravamento das taxas de juros e prometer mais dois no início de 2023. No mesmo discurso, com total desfaçatez, aposta na recessão económica, prevê-a e clama que nos preparemos para ela. Não há prova, no atual contexto de "desglobalização", de que a subida das taxas de juros seja instrumento adequado para baixar a inflação, mas existe uma certeza: esta subida penaliza fortemente os cidadãos e grande parte de empresas e serviços do nosso tecido empresarial.»

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19.12.22

Mais um candeeiro

 


Grande candeeiro de bronze, assinado por A. Rollet, com abajur atribuído a Legras Montjoye.

Daqui.
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A morte saiu à rua num dia assim

 

Desenho de Dias Coelho 


José Dias Coelho tinha 38 anos e era membro do PCP na clandestinidade quando foi assassinado pela PIDE, no dia 19 de Dezembro de 1961, junto ao Largo do Calvário, em Lisboa, numa rua que tem hoje o seu nome.




 

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19 de Dezembro – Piaf e O’Neill

 


Pouco terá havido em comum entre Édith Piaf e Alexandre O'Neill, excepto que no dia em que Alexandre nasceu Édith festejou o seu nono aniversário, já pelas estradas de França com os pais, em circos itinerantes, depois de uma aparente cegueira cuja cura foi atribuída a um milagre de Santa Teresa de Lisieux.

Ambos nasceram a 19 de Dezembro (de 1915 e de 1924), ambos foram grandes e todos os pretextos são bons para os trazer de volta. 


De O'Neill:

A história da moral

Você tem-me cavalgado
seu safado!
Você tem-me cavalgado,
mas nem por isso me pôs
a pensar como você.

Que uma coisa pensa o cavalo;
outra quem está a montá-lo.

Alexandre O'Neill, De Ombro na Ombreira, 1969


Quanto a Piaf, escolher é sempre difícil. Uma das mais belas canções sobre Paris e outra das minhas preferidas desde sempre:




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Eutanásia: a lei penal é laica num país que mudou mais do que Marcelo

 


«No lançamento do livro "Professor Mário Pinto", na Universidade Católica, perante Passos Coelho e Cavaco Silva, Marcelo Rebelo de Sousa atribui a aprovação da lei da eutanásia à “menor presença ou relevância de católicos nas decisões coletivas”. E responsabilizou a "indiferença de bastantes” por “recusa a abordar a substância, preferindo a forma, ou por resignação cívica ou por afastamento antissistémico". Lamentou que as exceções estivessem “cada vez mais circunscritas a clássicas áreas do posicionamento católico, não necessariamente às mais representativas nas decisões coletivas ou comunitárias".

Como é seu hábito, tentou dar contexto à análise: "O primeiro referendo sobre a interrupção voluntária da gravidez mostrara como se avizinhava uma viragem cultural numa sociedade na qual a Igreja Católica diminuíra a sua influência, sobretudo em sectores de expressão cultural, na comunicação social, na juventude e nas decisões políticas nacionais, regionais e locais. E o segundo referendo sobre a IVG confirmou o processo vivido". Tudo não passaria de uma análise legitima, não fosse o Presidente da República dizer que estas realidades "tornam mais espinhosas magistraturas chamadas a arbitrar". Porque raio a perda de poder político de uma Igreja, que informa a posição oficial dos católicos, em matéria penal tornam o papel do Presidente mais “espinhoso” e não mais fácil?

A igreja e as associações de católicos, de juristas a médicos, não podiam ter sido mais ativas neste processo, organizando protestos e participando no debate. E bem. Não sou dos que acham que a religião tem de ficar na sacristia. Mas pode dar-se o caso, confirmado no último referendo do aborto e que não escapou ao Presidente, destes setores não representarem a maioria dos católicos. Pode não haver “indiferença” ou “resignação” dos católicos, apenas uma divergência de muitos deles com as “cada vez mais circunscritas a clássicas áreas do posicionamento católico”, onde Marcelo se inclui. Talvez uma boa parte dos católicos não se tenha conformado, mas abraçado a natureza laica do Estado, assumindo que as suas escolhas morais não têm de ser vertidas para as leis que se aplicam a todos.

Ao fazer este discurso, como Presidente da República, Marcelo não só se esqueceu da laicização do Estado como um dos fatores para esta mudança cultural, como se esqueceu de a ter em conta na sua postura pública. Ser católico pode influenciar as convicções do Presidente. Ser um católico conservador, coisa que o distingue de milhões de outros católicos, também. E as suas convicções terão seguramente influência nas suas decisões. O que me parece discutível é o Presidente de um Estado laico lamentar junto de outros católicos o facto de o deixarem demasiado sozinho na “espinhosa” tarefa de resistir à mudança cultural do país.

O Estado laico tem sabido respeitar as várias convicções morais e religiosas dos cidadãos, permitindo que, dentro das balizas que temos como consensuais, a lei inclua as opções individuais de cada um. As convicções dos católicos (ou dos católicos mais conservadores) manifestam-se quando decidem não interromper a gravidez ou não recorrer ou ajudar num processo de eutanásia. Não se devem refletir na lei, usando os poderes coercivos do Estado para impor as convicções religiosas de um grupo.

Ao recordar o referendo à despenalização da interrupção voluntária da gravidez, Marcelo reconheceu uma de duas coisas: ou que os católicos, como corrente de pensamento, já não são maioritários; ou que grande parte deles não o acompanha na vontade de usar a lei para o impor as suas convicções religiosas. Decidiu atribuir a isso a uma qualquer passividade, como se um católico que não acompanhe as suas opiniões sobre o aborto ou a eutanásia estivesse diminuído na sua condição religiosa.

De tudo isto, o mais lamentável é ter sido o Presidente da República a trazer para um debate político e penal a questão religiosa, coisa que quase todos os atores políticos têm evitado. Ao fazê-lo, torna legitima a leitura de que os pedidos de fiscalização da constitucionalidade (um dia discutiremos se “lesão definitiva de gravidade extrema” são é indeterminada do que “malformação fetal” ou igualmente determináveis por médicos, sem que a lei tenha de ser mais precisa) não são movidos pelas dúvidas do jurista e os seus vetos pelas discordâncias do político, mas umas e outros por motivações religiosas. Ao apelar a participação dos católicos, e não do conjunto dos cidadãos, o Presidente apelou a combates religiosos em torno de leis penais. E se devemos recusar que posições morais, mesmo que maioritárias, restrinjam direitos individuais essenciais, ainda menos podemos aceitar que a fé de alguns se imponha como lei do Estado.

Felizmente, o país mudou mais do que Marcelo. A laicidade do Estado não é, para a esmagadora maioria dos católicos, um problema. É para alguns setores, que aparentemente incluem o Presidente. Perderam no referendo à despenalização do aborto, com a desastrada ajuda de Marcelo. Voltarão a perder se, como no aborto, tentarem transformar um debate sobre a lei penal num confronto religioso. É que os católicos continuam a participar na vida cívica, como antes. Apenas são mais autónomos. Porque católicos há muitos e muito diferentes uns dos outros. Não são, como não se espera que sejam em sociedades livres, um corpo político uniforme e obediente.»

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18.12.22

Conselho para pessimistas

 

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18.12.1961 – Goa: o primeiro golpe no império de Salazar

 


Foi na manhã de 17 de Dezembro de 1961 que tiveram início as operações militares que levaram à ocupação da cidade de Pangim, capital de Goa, na noite do dia seguinte. O «império português» levou então uma grande machadada com a anexação de parte do seu território pela União Indiana. Lembro-me bem da consternação quase generalizada que os acontecimentos provocaram no país, mesmo em certos meios da oposição. Houve algum tempo depois uma peregrinação a pé a Fátima (julgo que para que os céus nos devolvessem a «católica» Goa).

Os factos são conhecidos, mas vale a pena recordar o célebre discurso que Salazar fez na Assembleia Nacional, em 3 de Janeiro de 1962 (*). É um longo elogio (de 24 páginas A5) ao «pequeno país» que manteve o seu território «com sacrifícios ingentes», ignorados e combatidos por quase todos e, antes de mais, pela ONU, desde sempre objecto de um ódio muito especial.

Ficam algumas passagens a começar pela primeira frase do texto: «Não costumo escrever para a História e sinto ter de fazê-lo hoje, mas a Nação tem pleno direito de saber como e porque se encontra despojada do estado Português da Índia». Mais: «Não sei se seremos o primeiro país a abandonar as Nações Unidas, mas estaremos certamente entre os primeiros. E entretanto recusar-lhes-emos a colaboração que não seja do nosso interesse directo.» Há que perguntar se vamos no bom caminho «quando se confiam os destinos da comunidade internacional a maiorias que definem a política que os outros têm de pagar e de sofrer».

Amplamente conhecida é a frase que encerra o discurso: «Toda a Nação sente na sua carne e no seu espírito a tragédia que se tem vivido, e vivê-la no seu seio é ainda uma consolação, embora pequena, para quem desejara morrer com ela.»

(*) Estava afónico «com as emoções das últimas semanas» e quem o leu, de facto, foi Mário de Figueiredo.
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Imigração: é preciso virar a página

 


«Há um dado sobre 2021, no trabalho da Pordata, a propósito do Dia Internacional dos Migrantes, que brada injustiça. “Concedeu-se mais a nacionalidade portuguesa a pessoas a viver no estrangeiro do que a viver em Portugal.”

Aqueles que rumaram ao nosso país, para todos os dias, sob a mesma chuva e o mesmo sol que o resto da população, aqui conseguirem fazer a sua vida, têm menos direitos do que quem, muitas vezes sem ter posto o pé neste extremo ocidental da Europa, tem conseguido, com razoável simplicidade, obter a nacionalidade portuguesa.

A justificação de uma reparação histórica legítima, a da perseguição aos judeus por parte do Estado português, criou esta injustiça, ao permitir que a obtenção de nacionalidade se tornasse um negócio — que está sob inquérito judicial, após as investigações do PÚBLICO. Em 2011, cerca de duas mil pessoas a residir no estrangeiro obtiveram a nacionalidade portuguesa, enquanto no ano passado foram mais de 30 mil, para um total de 54.537 pessoas, que passaram a ser cidadãos nacionais.

Para uns, sem grande controlo, basta um atestado de ascendência sefardita, mais uns tantos documentos e algum dinheiro para contratar um escritório de advogados, enquanto outros têm de se arrastar em morosos processos no Instituto dos Registos e Notariado (IRN) que chegam a ultrapassar em dez vezes os prazos estabelecidos pela lei.

O Estado que falhou miseravelmente na lei dos sefarditas é o mesmo Estado que continua a falhar na forma como trata os que, dentro de portas, querem obter a nacionalidade portuguesa, como falha com quem quer obter uma autorização de residência. Os milhares de chamadas telefónicas que é preciso fazer para encontrar uma vaga no Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) para regularizar a sua situação, as burlas no negócio de senhas para as intermináveis filas de espera, os 200 mil pedidos de residência em Portugal para avaliar são exemplos da violência a que estão sujeitos estes cidadãos.

Num país com graves problemas demográficos, que em 30 anos pode ver a sua população passar para sete ou oito milhões de pessoas, com todas as questões que daí advirão, é de uma estupidez criminosa tratar assim os querem ficar para sempre ligados ao nosso destino comum. Precisamos de melhores serviços no IRN, precisamos de virar a página do SEF, esperando que a nova Agência Portuguesa para as Migrações e Asilo não seja só uma mudança de nome. Estamos a desperdiçar riqueza, a comprometer o futuro e, antes de tudo, a tratar mal e injustamente quem devíamos receber de braços abertos.»

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