12.8.23

Entradas

 


Edifício Arte Nova, Winschoten, Países Baixos, 1903-1904.
Arquitecto: K. de Grooth.

Daqui.
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Galeano

 

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12 de Agosto – Dia Mundial do Elefante

 




Estes são do Pinnawala Elephant Orphanage (Sri Lanka), fundado em 1975 para recolher sete pequenos elefantes órfãos. São agora muitos, de todas as idades, e os primeiros já são avós. Vi-os em 2011 e eram então 96.

Em 2021, nasceram dois gémeos neste orfanato, o que não acontecia no Sri Lanka há 80 anos!

(Em casa e no banho que vão tomar duas vezes por dia.)
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Borla fiscal habitual

 


«A despesa fiscal com os residentes fiscais não habituais (RNH) – a diferença entre os impostos que pagam e os que pagariam, se lhe fossem aplicadas as regras a que estão sujeitos os outros contribuintes – aumentou 55%, entre 2020 e 2022, de 972 para 1508 milhões de euros. A inflação não explica este aumento, até porque a receita de IRS cresceu menos de metade: 21% no mesmo período.

A taxa de 20% aplicada aos rendimentos dos RNH com profissões de alto valor acrescentado, que vão de engenheiros a médicos, passando por uma vasta lista de profissionais liberais, investidores, administradores e gestores, é uma borla fiscal para os mais ricos. O mesmo é verdade para os pensionistas. São os mais ricos que passam a reforma no lugar ao sol do paraíso fiscal português, o que gera o descontentamento nos países de origem que os governos finlandês e sueco (pelo menos) assinalaram, a seu tempo. O Governo finlandês denunciou o tratado de dupla tributação com Portugal em janeiro de 2019. Mesmo depois de a tributação dos pensionistas RNH ter aumentado de zero para 10%, o Governo sueco não ficou satisfeito e revogou, igualmente, o acordo de dupla tributação, a partir de janeiro de 2022.

Na prática, os fiscos sueco e finlandês podem agora tributar as pensões dos seus reformados residentes em Portugal. A decisão unilateral destes dois governos levanta questões relativas a outras fontes de rendimento de cidadãos suecos e finlandeses residentes em Portugal, pelas chatices acrescidas de navegar entre dois regimes fiscais sem o chapéu protetor de um acordo de dupla tributação. Segundo uma notícia do Expresso de março deste ano, o Governo estaria a “envidar esforços para a conclusão das negociações bilaterais em curso”, para obviar às grandes dificuldades vividas pelas empresas com negócios nestes dois países nórdicos. A reputação do Estado português sai beliscada, como é óbvio, o que não deve ajudar ao sucesso dos esforços envidados – alegadamente, uma vez que fontes oficiais das embaixadas da Finlândia e da Suécia citadas na mesma peça afirmam que não há negociações em curso.

Segundo as estatísticas de IRS, a taxa efetiva de tributação (isto é, o que cada contribuinte paga, a dividir pelo seu rendimento bruto) foi, em 2021, de 32% para quem ganhou entre 100 e 250 mil euros de rendimento bruto por ano, e de 45% para quem ganhou mais de 250 mil euros. As pessoas com rendimentos brutos entre 50 e 100 mil euros têm uma taxa efetiva de 23%. Para a taxa efetiva de IRS baixar dos 20%, é preciso ir aos rendimentos brutos entre 40 e 50 mil euros. A comparação com a carga fiscal dos sortudos RNH, pensionistas ou não, é flagrante.

Que tipo de efeitos positivos na nossa economia justificam tamanha injustiça fiscal? Não sabemos, porque quem tem obrigação de nos justificar esta torpeza – o Governo – não justifica; provavelmente porque não sabe. Como explica o relatório New Forms of Tax Competition in the European Union: an Empirical Investigation, publicado em novembro de 2021 pelo European Union Tax Observatory, estes esquemas de discriminação positiva de ricos cresceram como cogumelos na União Europeia na ausência quase total de estudos credíveis acerca dos seus efeitos.

Os artigos académicos existentes contam-me pelos dedos de uma mão e são, mesmo assim, limitados no âmbito da sua análise. Henrik Kleven, Camille Landais e Emmanuel Saez, publicaram dois artigos, em 2013 e 2014, respetivamente, nas prestigiadas revistas científicas American Economic Review e Quarterly Journal of Economics (este último também em co-autoria com Esben Schultz). O primeiro analisa o mercado dos jogadores de futebol em 14 países europeus e o segundo estuda em detalhe o esquema dinamarquês; ambos confirmam que estes esquemas atraem pessoas de rendimentos elevados.

Acontece que para demonstrar que estes benefícios fiscais são uma boa política pública não basta mostrar que eles efetivamente atraem pessoas. Em primeiro lugar, não sabemos que efeitos positivos elas têm na economia que os recebe. No caso português, nem sequer sabemos onde trabalham, se o fazem no contexto de uma empresa, onde a sua experiência profissional pode criar valor para os colegas, que tipo de empresas e de que dimensão, em que sectores – nada! Aliás, não fazemos ideia de quantos efetivamente trabalham. Não sabemos, igualmente, se investiram na economia portuguesa e em que sectores, para além do imobiliário.

O nosso conhecimento dos efeitos negativos é igualmente inexistente. É altamente provável que encareçam as casas, mas nem para isto temos um número que se aproveite. A estatística do preço por metro quadrado (50% superior quando pago por não residentes) não diz diretamente respeito aos residentes não habituais. É bastante provável, também, que encareçam vários serviços não transacionáveis (isto é, com preços determinados pela procura local, como a restauração), o que é uma má notícia para quem os consome e uma ótima notícia para quem os vende. Nada disto está minimamente estudado.

O artigo que analisa a migração de futebolistas mostra que os benefícios fiscais beneficiam a contratação de estrangeiros em detrimento dos residentes e o que estuda o caso dinamarquês estima que o rendimento antes de impostos dos beneficiários é mais baixo do que na ausência do benefício fiscal. Os empregadores estariam, assim, a absorver uma parte do benefício, o que ajudaria a explicar a preferência por não residentes. É outro efeito potencialmente negativo, que não fazemos ideia se existe, nem em que sectores ou profissões. Quero que fique claríssimo que considero que todas estas pessoas são bem-vindas ao nosso país. Aliás, muitas delas são cidadãs europeias e a liberdade de circulação é uma conquista fundamental do mercado único. O que não é justo nem desejável é que não paguem os impostos que correspondem ao seu nível de rendimento.

Até ver, os únicos efeitos conhecidos e indiscutíveis desta borla fiscal são minar a progressividade do imposto sobre o rendimento e gerar negócio para empresas de consultoria e advocacia que ajudam estas pessoas a pagar menos impostos do que qualquer família remediada portuguesa. Parafraseando a ministra das Finanças sueca, em entrevista ao PÚBLICO em 2022, é “interessante” e até “fascinante” observar “como os portugueses aceitam isto”.»

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11.8.23

Portas

 


Porta Art Nova, Casa Cama i Escurra Barcelona, 1905.
O desenho do edifício foi assinado por Joan Baptista Feu, mas é atribuído a Francesc Berenguer y Mestres, um estudante de Gaudí.

Daqui.
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Uma «Redacção da Guidinha»


 

[Quase a meio de Agosto, com meio país de férias e outro meio a arder, com mais de meio do mundo aos trambolhões, um bom meio de respirar fundo é não falar de desgraças meio a sério e tentar pelo menos um meio sorriso com uma das célebres redacções de Sttau Monteiro.]

A Graça vai ser um país de turismo

Isto cá na Graça vai de mal a pior por causa dos preços mas a gente esta semana teve uma ideia bestial e vai transformar tudo num país de turismo é o que eu digo a Graça vai concorrer com a Espanha com a França com Portugal e com a Itália para começar mandamos imprimir uns folhetos dizendo COME SPENS YOUR VACATIONS IN GRAÇA BECAUSE LE SOLEIL IS THERE com fotografias de mulheres de biquini de raparigas a beijocarem rapazes e de uns rapazes que não se sabe bem quem é que estão a beijocar nem interessa saber estes folhetos foram copiados dos da pirilândia (Algarve) que parece que trazem fregueses mas não ficámos aí estamos a modificar os nomes das lojas a mercearia A Pérola da Graça passa a chamar-se The Pearl of the Graça a tasca do senhor Pombo que se chama Pombo & Filhos Lda. passa a chamar-se Chez les Fils du Pigeon e a barbearia do senhor Jaime passa a chamar-se D. Juan Hair Stylist mas além disso estamos a fazer modificações na actividade comercial os letreiros das lojas por exemplo vão ser modificados onde o Cruz da taberna tem um letreiro que diz Hoje há passarinhos vamos pôr um letreiro iluminado a néon que diz Today are little birds aujourd'hui avons petites oiseaux onde a Dona Isaura escreveu Tenho fava rica vamos pôr I has rich bean e à porta do snack na lista dos comes e bebes onde está Cadelinhas ao natural e à Bulhão Pato vamos pôr Little bitches the Bulhão Duck way enfim progressos por todos os lados para se ver bem como o nosso espírito de iniciativa é bom basta dizer que vamos ter 2.7 piscinas sem gastarmos um tostão para isso vamos encher de água os buracos das ruas outra iniciativa é criarmos uma zona livre no jardim do largo em que ninguém paga impostos já lá pusemos um letreiro com a frase TAX FREE PUBLIC GARDEN FOR TOURIST e vamos ter uma free shop à saída da Graça do lado que dá para Almirante Reis nessa free shop os turistas podem comprar as nossas especialidades que já estão a ser inventadas por uma comissão eleita por uma outra comissão que por sua vez foi eleita por uma quarta comissão o projecto só ainda não começou porque um dos membros da segunda comissão tinha sido saneado por se ter descoberto que um terceiro primo dele era da União Nacional de Barrotes de Cima e vai o homem conseguiu provar que isso era mentira mas com tanto azar que a prova chegou quando as coisas tinham mudado e agora continua saneado por o tal primo não ter sido da União Nacional de Barrotes de Cima há pessoas com muito azar coitadas mas o que tem graça é que as pessoas que o sanearam da primeira vez são as mesmas que o sanearam da segunda se calhar é por essas e por outras iguais que a minha Pátria se chama Graça é que há quem ache graça a essas coisas enfim os nossos planos não ficam por aqui vamos ter um profissional de chapéu de palha na cabeça encostado à esquina da igreja vamos ter outro profissional a fumar droga à porta do restaurante e vamos pôr em cima das retretes em vez das letras wc que ninguém sabe o que querem dizer grandes cartazes com a palavra WELCOME em tinta fluorescente para não haver erros e para toda a gente fazer o que tem a fazer em lugares próprios porque disso que as pessoas fazem já nós temos a mais fora das retretes o que nos falta para isto tudo acabar em beleza é um fundo de turismo mas isto cá na Graça é como em Portugal os únicos fundos que estão à vista são os dos cofres o que é chato olá se é o que vale é que isso não nos assusta nem nos mete medo antes pelo contrário porque não havendo fundos não há quem os administre nem há economistas a viver à custa da gente e onde não há dessa gente não há decepções o meu Pai anda muito aflito porque chamaram um economista para o emprego dele que até agora não precisara de subsídios nem estava falido e ele diz que a partir de agora está tudo perdido porque a obrigação de qualquer economista que se preza é lixar tudo com os seus conhecimentos teóricos aprendidos na Rua do Quelhas e além disso diz o meu Pai que basta terem de pagar o ordenado ao tal economista para a empresa entrar em crise mas nestes períodos de crise não há outro remédio senão fazer a vontade a quem não sabe nada é por isso que os períodos são de crise enfim para a semana tenho grandes notícias para todos notícias que vão espantar muita gente olá se vão adeus adeus adeus.

O Jornal, 18.05.1979. 
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Não há heróis do mar

 


«Não há nadadores-salvadores suficientes. A frase é antiga e repete-se todos os verões. Este ano, a solução foi recrutar profissionais do Brasil.

Os anos passam e o país quase se habitua às notícias de mortes em meio aquático - só no ano passado foram 88. Ouvimos lamentos, promessas, propostas, mas, na verdade, governantes e partidos políticos nunca encararam a segurança balnear como uma prioridade.

Não é preciso ser um especialista na matéria. A formação dos nadadores-salvadores em Portugal é quase uma brincadeira, a atividade é pouco mais de que uma forma dos mais novos ganharem algum dinheiro extra, alguns materiais são obsoletos, outros comprados pelos próprios.

O país tem mais turistas, tem mais praias, tem mais tecnologia, tem, fruto das alterações climáticas, uma época balnear mais longa do que o que foi estipulado no papel. Mas não tem menos mortes.

Entretanto, não se pode ouvir música alta na praia, só se pode jogar à bola em áreas afetas a esse fim. E há multas para quem pescar entre o nascer e o pôr do sol, para quem passear o cão ou para quem levar búzios para casa. Temos leis a mais. Bom senso a menos.

Há ano e meio que a nova Lei de Bases da Prevenção do Afogamento está em processo de revisão. Ano e meio! O processo ainda está na fase dos contributos de todas as partes interessadas, o que quer dizer que talvez em meados do próximo ano a legislação esteja em vigor.

Se a atividade de nadador-salvador passar a ser considerada uma carreira profissional, a espera terá valido a pena. Caso contrário, a segurança nas praias continuará dependente de quem faz um curso numa piscina durante um mês.»

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10.8.23

Vaso com prímulas

 


Vaso com prímulas rosa. Nancy, 1900-1904.
Émile Gallé.


Daqui.
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O Papa não foi à Serafina

 


«Ir à Serafina sem ver as condições indignas de habitação, para este século e até para o anterior, de uma parte da população é como… “ir a Roma e não ver o Papa”. Na sua visita ao bairro que me viu crescer, o Papa Francisco foi vítima daquilo que denunciou: “A maquilhagem.” O que lhe foi dado a ver no seu trajeto de carro foi somente a parte superior do bairro, a que nós chamamos “bairro novo”, feito de vivendas, assim como a moderna Paróquia S. Vicente de Paulo, que é de facto uma instituição que colmata falhas do Estado em matéria de apoio social, saúde e educação.

Mas não foi só na Serafina que a aparência se revelou diferente da realidade, a maquilhagem foi uma constante nesta Jornada Mundial da Juventude, parecendo por vezes que estávamos a assistir a um filme com legendas erradas ou mal dobrado. Quando se ouviam palavras como humildade, igualdade e inclusão de “todos, todos, todos”, viam-se pessoas com bandeiras LGBTI+ a serem excluídas, viam-se palcos megalómanos, via-se hierarquia, viam-se homens de Igreja à frente ou acima, mulheres da Igreja atrás misturadas com o povo, povo este separado das zonas VIP para as quais se congratularam socialites no Instagram por terem sido convidadas.

Onde se ouvia separação do Estado e da Igreja, Constituição e democracia, viam-se políticos em bicos dos pés para aparecer na foto, via-se o Estado como patrocinador oficial do evento. Onde se ouvia paz e preocupação com o dinheiro investido em armas, viam-se a PSP e as Forças Armadas. Onde se ouvia recato e reserva, via-se uma performance voyeurista de numerosos confessionários públicos.

O evento foi um sucesso segundo a organização religioso-estatal, mas apesar da maquilhagem deixou a descoberto cicatrizes na democracia que importa não camuflar. O evento acabou, mas o mundo continua a girar, e pur si muove!, e existem transformações político-societais que precisamos de levar a sério. Os poderes religiosos não se coíbem de participar nessa transformação. Se não nos ocuparmos da religião, ela ocupa-se de nós. E exemplos disso é o que não falta no mundo, basta olhar para os EUA ou Itália e para os retrocessos a que estamos a assistir em matéria de direitos das mulheres e das pessoas LGBTI+.

Fosse a religião, e nomeadamente a católica, uma pura escolha privada, uma prática individual ou mesmo coletiva, mas sem incidência na polis, muito deste debate não seria necessário. Aliás, que debate? Não houve, nem há, debate. As poucas vozes que ousaram pôr em causa o discurso dominante e consensual, apontar as contradições como “não façais da casa de Meu Pai uma casa de negócio”, que ousaram lembrar o legado imoral da Igreja e a sua contribuição fundamental para a preservação de estruturas patriarcais, imperialistas e supremacistas ainda vigentes, foram desde logo castigadas. Foram submersas numa narrativa chantagista, difamatória e até humilhante, tendo sido acusadas de “intolerância religiosa”, de prática de “discurso de ódio”, de defesa de “extinção da fé” ou outras designações menos informadas de jacobinismo ou anticlericalismo.

Sem esquecer o ataque à liberdade de expressão de “artivistas” como Bordalo II e a falsa e problemática equivalência entre o apoio do Estado às artes e à religião, confundido um mundo de liberdade e de constante recriação com um mundo da autoridade, do dogma e das verdades eternas, esquecendo ainda a Constituição e as razões que levaram à essencial separação do Estado e das Igrejas.

Maquilhar o interlocutor de demónio é uma estratégia bastante eficaz de diversão e de silenciamento, e que permite a abstinência do incómodo do debate de fundo. Estamos longe da capacidade de diálogo do arcebispo Onaiyekan e da deputada conservadora britânica Ann Widdecombe face aos ateus militantes Hitchens e Fry, no célebre debate sobre a papel da Igreja católica no mundo, que vale a pena ver ou rever. Um dos únicos argumentos várias vezes repetidos às vozes críticas foi o exemplo do “Papa mais progressista”, confirmando assim, involuntariamente, os argumentos das vozes críticas.»

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10.08.1912 - Jorge Amado

 



Faria hoje 111 e continuam, com toda a justiça, referências à sua vida, a muitos dos livros, às suas estadias em Portugal.

Recordo o «acessório»: o que foi, entre nós, o retumbante sucesso de Gabriela, cravo e canela, a primeira de todas as telenovelas emitidas pela RTP, entre Maio e Novembro de 1977, com base na obra de JA com o mesmo nome. Companhia da hora do jantar, cinco dias por semana, em casa ou em cafés (eram muitas as famílias que ainda não tinham aparelhos próprios), era assunto generalizado de conversa, trouxe para a língua portuguesa termos e expressões brasileiras e transformou Sónia Braga num ídolo. 

A «Gabrielomania» fez parar literalmente o país: a Assembleia da República interrompeu os trabalhos pelo menos quanto foi emitido o último episódio (era vital saber se Gabriela ficava ou não com Nacib...).  

No dia seguinte à última emissão, o Diário de Lisboa discutiu o corte de trinta episódios, de que a telenovela terá sido objecto em Portugal.

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9.8.23

Tinteiros

 


Tinteiro Arte Nova em vidro iridescente e latão. Viena, cerca de 1905.
Loetz.

Daqui.
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Nagasaki para além da bomba

 



A acção da célebre ópera de Puccini, Madame Butterfly, passa-se em Nagasaki e relata uma relação trágica entre um oficial da marinha americano e Cio-Cio-San (butterlfy ou borboleta), uma gueixa de 15 anos.

Entre 1915 e 1920, o papel de Cio-Cio San foi interpretado por uma célebre cantora japonesa, Tamaki Miura, e há uma estátua sua, e outra de Puccini, no magnífico Jardim Glover que se situa numa colina sobre Nagasaki e ao qual se acede pelo maior e mais íngreme complexo de escadas rolantes, que alguma vez me foi dado ver e utilizar.

Aí se visita também a residência de Thomas Blake Glover, um empresário escocês que muito contribuiu para a modernização industrial do Japão - uma lindíssima casa de estilo ocidental, a mais antiga que resta naquele país.



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O navio desumano do Reino Unido

 


«O Bibby Stockholm é um navio atracado em Dorset, no Sul do Reino Unido, que tem capacidade para albergar até 500 pessoas. Na prática, é um edifício cinzento, de três andares, com dois pátios quadrados interiores que parece uma prisão. Tem a particularidade de ser flutuante e representa a mais cruel e desumana política de imigração que a Europa já viu.

Este navio começou na segunda-feira a receber os seus primeiros “hóspedes”, pessoas refugiadas que chegam ao Reino Unido de forma ilegal, atravessando o Canal da Mancha em pequenos barcos. É a resposta do Governo conservador britânico perante a pressão das migrações, após ter aprovado em Julho uma dura lei anti-imigração, que pretende restringir as condições para que se possa requerer o estatuto de refugiado no Reino Unido.

As novas regras vieram aumentar o nível de provas necessárias para que uma pessoa possa ser considerada refugiada, reduziram a gravidade de crimes que podem levar um requerente de asilo a perder o título de refugiado e, acima de tudo, introduziram um sistema de duas vias: tratam de forma distinta as pessoas que chegam ao país em busca de asilo, penalizando as que atravessam de barco o Canal da Mancha. Estas serão deportadas, ponto final.

Nos últimos anos, o Reino Unido, pela mão dos governos conservadores, tem vindo a endurecer as suas políticas de imigração para além do que era possível supor. Fez, em 2022, um acordo com o Ruanda para enviar para aquele país migrantes e requerentes de asilo, um ano após ter manifestado preocupação com as denúncias de tortura e as falhas no apoio a vítimas de tráfico humano por parte de Kigali.

A ministra do Interior, Sarah Dines, admitiu esta segunda-feira que a proposta de deportar pessoas para o Ruanda até podia ser substituída por outro plano. Qual? Mandar as pessoas para a ilha de Ascensão, uma ilha pequena e isolada junto à linha do Equador que é território britânico ultramarino. “Estamos bastante confiantes de que [recorrer ao] Ruanda é uma política legal. É nisso que estamos focados. Mas, como qualquer governo responsável, temos em conta outras medidas adicionais. Estamos a analisar tudo para garantir que a nossa política funcione”, afirmou à Times Radio.

A ideia de usar a ilha de Ascensão tinha começado a ser estudada em 2020, escreveu o Financial Times, pelo gabinete da ex-ministra do Interior Priti Patel, que se demitiu do cargo no ano passado após uma série de polémicas. Patel, da estrita confiança de Boris Jonhson, defendia abertamente que o Reino Unido não podia ser “um shopping de pedidos de asilo”, lançou as bases da actual lei da imigração e, em 2021, chegou a apelar à guarda costeira que devolvesse à França os barcos com migrantes que atravessavam o Canal da Mancha.

O Governo de Rishi Sunak segue o mesmo caminho: o Bibby Stockholm é o navio da vergonha, o navio que não poderia existir, e a ilha de Ascensão ou as prisões do Ruanda não são alternativa. O Reino Unido e a Europa não podem substituir auxílio humanitário por deportações automáticas.»

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09.08.1945 - Nagasaki, 11:02 a.m.

 

(Museu da Bomba Atómica, Nagasaki)

Já tinha estado em Nagasaki, mas sem visitar o Museu da Bomba Atómica. Fi-lo há cinco anos e este é o relógio parado na hora em que se deu a tragédia. 

Três dias depois de Hiroshima, os EUA lançaram, em Nagasaki, uma bomba que matou 80.000 pessoas. Em 15 de Agosto de 1945, o Japão rendeu-se – no chamado Dia V-J que esteve na origem ao fim da Segunda Guerra Mundial.




Hoje, Parque da Paz de Nagasaki:





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8.8.23

Edifícios

 


Riga, Letónia, 1902.
A fachada do edifício está decorada com plantas estilizadas - canas, papoilas, narciso e folhas de castanha. Elementos da flora também são vistos nos corrimões da varanda e nos trabalhos metálicos no telhado.
Arquitectos: Heinrich Karl Scheel, Friedrich Scheffel.

Daqui.
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08.08.1937 – Dustin Hoffman

 


Chega hoje aos 86. Parece impossível, mas o calendário não perdoa.

Protagonizou dezenas de filmes, mas eu fixei sobretudo os da sua primeira fase. E se The Graduate (1967) não foi o seu primeiro filme, foi certamente aquele em que alcançou fama e que o lançou no mundo do cinema. Com ele, e com Rain Man, ganhou dois Óscares.

Mas não consigo separá-lo de um outro – Kramer vs. Kramer – que vi e revi nem sei quantas vezes.

Dois vídeos AQUI.
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Raul Solnado

 



14 anos sem ele, mas podemos sempre voltar a ver e a ouvir esta pérola.
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Calor abrasador

 


«Quando nos acostumamos a medir os graus Celsius como se de uma competição se tratasse, é a melhor prova de um inusitado aumento exponencial das temperaturas nesta época do ano. Não é a primeira vez que o Alentejo ganha esta “competição”, mas temos de nos preocupar com a sequência de dados extremos que condicionam diretamente o desenvolvimento das atividades quotidianas. As ondas de calor no Mediterrâneo, principalmente em Itália, Grécia e Espanha, que estão a ocorrer deste os finais de julho, e que em Portugal parecem ter chegado um pouco mais tarde, obrigam a preocupações reforçadas. Não é por acaso que muitos espaços naturais passaram a alertas vermelhos devido ao risco extremamente alto de incêndio.

Além da perceção imediata, as investigações e os dados científicos são incontestáveis. O calor extremo registado na Europa no verão de 2022, que foi o mais quente do continente europeu desde pelo menos 1880, está na origem de 61 672 mortes prematuras em 35 países, segundo um estudo da “Nature Medicine”.

A revista especializada refere que Portugal está entre os países europeus que mais mortes tiveram devido ao calor, com 211 óbitos por cada milhão de pessoas, com a Itália a liderar o ranking, seguida da Alemanha, Grécia e Espanha. O estudo indica que o número equivale a 41% a mais de mortes atribuídas a altas temperaturas médias do que nos verões do período entre 2015 e 2021. Qualquer previsão de que essa evolução pare por si só corresponde ao pensamento mágico, sobretudo quando sabemos que os efeitos dos picos de calor recaem sobre os idosos, nos quais a conjugação de várias doenças, nomeadamente cardiovasculares, pode desencadear um efeito fatal.

A tentação suicida negacionismo diante da emergência climática esbarra em dados como os do verão de 2022 e que este ano poderã ainda ser reforçados. A intensificação do aquecimento global está aí e a necessidade de medidas de prevenção mais eficientes tem de ser pensadas.»

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7.8.23

Colares

 


Colar de esmalte e pingente de ouro Arte Nova, cerca de 1900-1902.
Composto por uma longa placa representando uma procissão de cinco vestais velados, contra um fundo azul meia-noite.
René Lalique.

Daqui.
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JMJ – Foi um bom servicinho

 

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Caetano Veloso 81?

 

Dizem que sim, parece mesmo que não.
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A Jornada Mundial da Juventude 2023 e os ajustes diretos

 

“Acorrupção exprime a forma geral da vida desordenada do ser humano decaído (…) é mais desastrosa do que a lepra infame (…) “ela nasce de um coração corrupto e é a pior chaga social”
Papa Francisco, in “Corrosão: combater a corrupção na Igreja e na sociedade / Peter K. A. Turkson, Vittorio V. Alberti, (ed. Paulinas), janeiro 2018.

Assistimos por estes dias a um dos mais magnificentes eventos para a comunidade católica (na qual me incluo) – a Jornada Mundial da Juventude, uma emulsão profilática da fé individual expressa na Igreja universal, de inegável conforto espiritual para todos quanto nela participam e irrefutável valor para o reforço e futuro da congregação cristã.

Sobre esta peregrinação da juventude vinda dos quatro cantos do mundo, para neste Estado laico, mas de maioria católica, se encontrarem com Sua Santidade o Papa Francisco, considerável vozearia tem ecoado, não tanto sobre a oportunidade do evento, mas antes no que sugere a opção do seu modelo de financiamento.

Portugal decidiu (ao contrário do que sucedeu por exemplo em Espanha em 2011, em que os 50 milhões de euros gastos na preparação do evento foram integralmente financiados por privados, incluindo peregrinos) por uma solução do género “parceria público-privada”: constituiu-se a Fundação JMJ, entidade que representa juridicamente a organização da Jornada, de caráter privado, na qual três entidades públicas (Governo e Câmaras Municipais de Lisboa e Loures) investiram o que não se conseguiu ainda apurar com precisão, postergando-se para ulterior momento, a contabilidade final do evento.

Estima-se, contudo, que o impacto económico global da JMJ seja francamente superior ao investimento, de acordo com o estudo encomendado à PWC Portugal, pela Fundação. Um evento desta envergadura, com uma organização necessariamente complexa, não podia ter deixado de ser eficientemente planeado, relativamente a todas as suas condicionantes. Mas em Portugal, sê português.

Ao contrário do que os mais elementares princípios de gestão pública exigem, e como mestres que somos da arte da improvisação, ao termos assistido impávidos à natural (e sempre ávida) inexorável passagem do tempo (aliás dilatado, atendendo à situação pandémica), sem concretizar atempada e eficazmente as várias fases do projeto, através de uma estrutura inequívoca de comando que se responsabilizasse pelo sucesso deste, eis que, no que à condicionante financeira respeita, desatámos a contratar freneticamente, com recurso a, pois claro, ajustes diretos.

E foi assim que, com suporte na hábil norma jurídica introduzida no Orçamento Geral do Estado (artigo 118.º da Lei n.º 24-D/2022), votada favoravelmente inclusive por aqueles que, na oposição, brandem agora a espada da transparência, 82% do total da contratação pública para efetuar este evento foi realizada através de ajuste direto, em especial a 10 singelas empresas, as quais arrecadaram cerca de 85% do valor total contratado.

Esta constatação teria o interesse que lhe quiséssemos dar, malgrado uma panóplia (também ela inexorável) de alertas e proclamações públicas (bem prega Frei Tomás, faz o que ele diz, não faças o que ele faz) disseminadas em:

1. Estratégia Nacional Anticorrupção 2020-2024/Regime Geral de Prevenção da Corrupção: “as entidades públicas … adotam as medidas que, de acordo com as circunstâncias, se revelem adequadas e viáveis no sentido de favorecer a concorrência na contratação pública e de eliminar constrangimentos administrativos à mesma, desincentivando o recurso ao ajuste direto”;

2. “Acompanhamento da Contratação Pública abrangida pelas Medidas Especiais previstas na Lei n.º 30/2021”, Tribunal de Contas: “o risco [de fraude e de corrupção] aumenta quando os processos de formação dos contratos não são concorrenciais”;

3. Recomendações de 2015 e 2019 do Conselho de Prevenção da Corrupção sobre prevenção de riscos de corrupção na contratação pública;

4. Relatório anual de contratação pública em Portugal 2021, IMPIC: “o peso dos valores contratuais [de ajustes diretos] comunicados ao portal BASE representou 6,40% do PIB, que face ao ano anterior representa um acréscimo de 1,19 pp. Dos contratos celebrados durante o ano de 2021, o tipo de procedimento a que se recorreu com maior frequência foi o ajuste direto, representando 53,2% do número total de procedimentos”, e

5. A lista, não fosse tornar-se fastidiosa, podia continuar.

É facto unanimemente considerado que o recurso (excessivo e indevidamente justificado) a ajustes diretos na contratação pública constitui um risco sério de distorção da transparência administrativa, favorece a despesa pública desnecessária, alimenta os conflitos de interesses e carbura lentamente a ordem jurídica democrática.

Termino como comecei citando Sua Santidade o Papa Francisco: “Não sejam patrões clérigos de Estado, mas pastores do povo de Deus. Que a Igreja seja sempre lugar de misericórdia e esperança, onde cada um possa ser acolhido, amado e perdoado”.»

Rute Serra
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6.8.23

06.08.1966 – «Salazar» foi o seu nome de baptismo

 



E, no entanto, com a sagacidade que o caracterizava, o presidente do Conselho de Ministros previu o que viria a acontecer alguns anos mais tarde. Antes do início das cerimónias da inauguração, ao ver o seu nome num dos pilares, terá perguntado: «As letras estão fundidas no bronze ou simplesmente aparafusadas? É que, se estão fundidas no bloco de bronze, vão dar muito trabalho a arrancar.»


No dia na inauguração, claro não se escapou a mais um discurso de Américo Tomás:



Atravessei a Ponte alguns dias depois de ter sido inaugurada, no velho carocha de um amigo, com um bote em cima, a caminho da Arrábida. Começava uma nova vida, chegava-se muito mais rapidamente ao paraíso das nossas férias, sem cacilheiros dependentes de nevoeiros, nem longas filas de espera quando era preciso embarcar também um automóvel.

Para quem vivia «do lado de lá», foi a facilidade quase inimaginável de alcançar Lisboa mais facilmente para chegar ao trabalho, ao liceu ou à faculdade ou simplesmente para passear. Não deve ser fácil para quem nasceu mais tarde imaginar Lisboa sem «a Ponte».
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06.08.1945 – Hiroshima: os relógios pararam às 8:15

 




Foi nesta data que a humanidade viveu um dos dias mais terríveis do século XX. Quem alguma vez passou por Hiroshima não saiu de lá como entrou, ficou certamente marcado para sempre como eu fiquei.

Se eu apenas pudesse guardar duas fotografias, dos milhares que fui tirando por esse mundo fora, escolheria estas. De má qualidade, sem dúvida, mas que me recordam dois objectos expostos no Museu de Hiroshima, que nunca mais esquecerei. Numa, um relógio que parou à hora exacta em que a bomba explodiu. A outra fala por si.

Para ver uma série de fotografias do actual «Parque Memorial da Paz de Hiroshima» e um vídeo, clicar AQUI.
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