18.11.23

Museus

 


Museu de História de Arte, Viena, 1871-1891.
Arquitectos: Carl von Hasenauer e Gottfried Semper.


Daqui.
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Reflexões num sábado cinzento

 


Se em vez de terem deixado cair «Silva» e ficado apenas «António Costa», alguém tivesse omitido no MP estes dois nomes e o juiz só tivesse lido «Silva»? Lá teria Cavaco de abdicar sabe-se lá de quê. Talvez de escrever mais livros.
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Seriam 80, hoje

 

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As “cunhas” de cima e as “cunhas” de baixo

 

Arquivo Ephemera


«1. Afirmei e reafirmo que, se o que se encontra nas escutas telefónicas de uma “operação” chamada “influencer” – sinal de que os nossos agentes da Justiça vêem aqueles programas de absoluto vazio onde umas meninas e uns senhores fazem umas fitas no Tik-Tok para se venderem, em primeiro lugar a si próprios/as, e depois roupa e bugigangas – merecesse prisão, então todos os governantes, todos os autarcas, desde a estabilização da democracia estariam na cadeia.

2. É tráfico de influências no significado vulgar do termo? É, sem dúvida: A, por encomenda de B, dirige-se a C que conhece e pede-lhe um favor, muitas vezes sem nada de ilegal, e participa num jantar de luxo ou recebe uma avença pelos seus serviços em geral, move de facto “influência”. É uma prática tão comum que muito pouca coisa funciona sem esse sistema. É mau? É, principalmente, porque este tipo de promiscuidade pode abrir caminho à corrupção, mas, pelos vistos, no caso actual não existe até hoje qualquer sinal de corrupção. É mau, porque significa que não há mecanismos capazes e céleres para resolver muitos “problemas” de um Estado que, de cima a baixo, tem uma burocracia ineficiente e incompetente, que permite nos seus interstícios este sistema de favores e “cunhas”. Mas isto não é novo na democracia portuguesa e, em si, pode ajudar a agilizar o que é moroso e poupar dinheiro e recursos que se pagariam ou se estragariam de outro modo. Não é em si evitável na actual situação, mas tem perigos e riscos.

3. Claro que as “cunhas” e os favores, são como tudo numa sociedade em que alguns mandam e outros são desprovidos de qualquer poder, desiguais e muito injustos. Veja-se como as “cunhas” dos ricos, aquelas que este processo retrata, usam meios poderosos, no qual avultam as consultoras e os grandes escritórios de advogados de negócios. O que faz o sucesso dos grandes escritórios de advogados, sempre os mesmos, é o acesso ao poder. Eles conhecem muito bem as pessoas, os caminhos, as vantagens e dificuldades. Num certo sentido, eles são os “melhores amigos” de ministérios, secretarias de Estado, autarquias, chefes de gabinete, directores-gerais, entidades reguladoras, toda a gente que conta. Conhecem-nos pessoalmente, têm os seus números de telefone pessoais, sabem com quem devem falar para “desbloquear” um “problema” e fazem-se pagar a preço de ouro. Quando uma grande empresa internacional quer fazer um vultuoso investimento em Portugal, sabe também com que escritórios de negócios falar.

4. Esses escritórios e consultoras são constituídos por bons juristas e consultores, gente profissionalmente capaz, sem dúvida, mas o que atrai muitos dos seus grandes clientes, individuais e empresariais, é esse acesso privilegiado. Não estou a dizer que o façam por regra de forma ilegal, mas os mesmos escritórios são também os escolhidos pelo Estado, sem qualquer concurso público, para darem apoio jurídico. Os governos actuam assim neste duplo sentido – são sujeitos e são objecto. Pelos vistos, gerou um pequeno escândalo dentro do escândalo mais geral que um diploma tenha sido feito por um desses escritórios por conta da empresa envolvida, quando vários diplomas são feitos por esses mesmos escritórios por encomenda de ministérios e secretarias de Estado. É m negócio de milhões, muito pouco escrutinado, é o sistema de “cunhas” dos que têm muito dinheiro e muitos interesses para acautelar, é o sistema de “cunhas” dos muito “ricos”.

5. Por debaixo desse sistema milionário de “cunhas” está todo um sistema de favores dos mais remediados e pobres que não tem estes meios, mas que também se movem no acesso ao poder político. Já escrevi e repito que, na Assembleia, quando todo o Governo está presente e há um intervalo, ou acabam os trabalhos, há um certo número de deputados que se dirigem à bancada para falarem com membros do Governo. O que fazem é levar um “problema” da sua terra mediado pelos conhecimentos do partido local, da sua autarquia, de uma qualquer colectividade, que querem ver resolvido.

6. Como acontece com muitas “cunhas”, elas são muitas vezes a única forma de ultrapassar uma burocracia complicada e pouco eficiente, assente em muitos interesses, dependentes do pequeno poder que um funcionário detém e exerce, e são um último recurso que não envolve qualquer interesse ilícito. Condenar as “cunhas” em geral devia sempre ser precedido da crítica a uma burocracia que não é assente no mérito, mas na modorra, na inércia, quando não no interesse próprio de uma miríade de microinteresses, muitas vezes pessoais, de carreira e, no limite, corruptos.

7. Isto para as “cunhas” de baixo, porque as de cima fiam mais fino, são em si mesmas o prolongamento dos grandes negócios, custam caro e inserem-se num sistema de favores que garante muito dinheiro, bons empregos e influência. Muitas vezes tenho referido que é uma ilusão pensar que são os deputados, governantes ou autarcas os alvos de muito jornalismo de retaliação e vingança, que serve de porta-voz do Ministério Público e alimenta o populismo, que detém o poder em Portugal. Errado. O círculo do poder real é discreto e anónimo, move-se longe dos holofotes, mas detém poderes muito importantes.»

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17.11.23

Jarrões

 


Jarrão de vidro soprado e esmaltado com borboletas, muito antigo, encontrado numa colecção particular da Flórida.
Émile Gallé.

Daqui.
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Praga, 17.11.1989 – A «Revolução de Veludo»

 


Poucos dias depois da queda do Muro de Berlim, com início no campus universitário e concentração final na mítica Praça Wenceslas, teve lugar uma marcha pacífica de estudantes, que pretendia assinalar a morte de Jean Opletal em 1939 e o encerramento das universidades checas pelos nazis. A manifestação foi fortemente reprimida pela polícia, facto que desencadeou uma onda de eventos que iria durar até final do ano e que congregou um número crescente de participantes.

Momento alto em 27 de Novembro, dia de greve geral, em que Mikhaïl Gorbatchev fez uma declaração em que condenou a operação do Pacto de Varsóvia, que pôs termo à Primavera de Praga em 1968, numa clara demonstração de ausência de suporte ao governo da Checoslováquia por parte da União Soviética.


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A urgência do recurso de amparo

 


«As comemorações dos 50 anos do 25 de Abril, no próximo ano, e dos 50 anos da Constituição em 2025, ganharam uma importância que vai além do mero simbolismo. Com o regime democrático, o imperativo da domesticação dos poderes, sobretudo dos poderes públicos, pelo Direito foi resgatado. Com a Constituição de 1976 reconheceu-se a vinculação do Estado à garantia, defesa e respeito pelos direitos fundamentais das pessoas.

Durante uma semana assistimos ao desprezo de garantias e direitos fundamentais de qualquer pessoa, mesmo que essa pessoa exerça funções políticas. Cinco cidadãos estiveram detidos, fora de flagrante delito, durante seis dias, sem que nada indique que se tenham recusado a participar em diligência para a qual tenham sido convocados. No dia da detenção, o Ministério Público levou a cabo diversas diligências com a espetacularidade que lhe é muitas vezes conhecida, suscitando intensa comoção social: 17 buscas domiciliárias, cinco buscas em escritório e domicílio de advogado, 20 buscas não domiciliárias, incluindo na residência oficial do primeiro-ministro, no Ministério do Ambiente e na Secretaria de Estado da Energia.

Durante esse período, assistiram-se a violações do segredo de justiça, com fugas estratégicas de informação relativamente não só ao que constava dos autos e da indiciação mas também ao que teria sido encontrado nessas buscas. Revelaram-se pormenores totalmente alheios aos interesses da investigação em curso, mas que atingiram fatalmente a intimidade, o bom-nome e a reputação dos arguidos.

É verdade que este caso reveste um especial interesse público, pois envolve protagonistas políticos, figuras publicamente próximas do primeiro-ministro e, potencialmente, o próprio primeiro-ministro. Mas nenhuma destas pessoas se pode ver, por essas circunstâncias, privada dos seus direitos fundamentais. Mantêm o seu direito à privacidade e à presunção de inocência, limites absolutos à atuação não só do Estado mas também dos jornalistas, no exercício das liberdades constitucionais de informação e de expressão.

A situação produziu consequências indeléveis na vida destas pessoas e das suas famílias. A desproporção da sua detenção, face aos indícios que quase quatro anos de inquérito produziram, e às medidas de coação aplicadas, salta à vista. É certo que a decisão do juiz de instrução criminal será ainda objeto de reapreciação judicial. E que o poder judicial, consubstanciado nessa mesma decisão, se mostrou imperturbável perante o circo mediático, comprovando que a sua independência é um elemento precioso do Estado de direito português. Recorde-se que essa independência, marca de água do rule of law, é também uma conquista de Abril, que temos obrigação de proteger.

Mas há insuficiências que persistem. Apesar das conquistas em matéria de direitos fundamentais, estes valores conhecem, demasiadas vezes, difícil tradução nos processos judiciais concretos. Acusamos um défice acentuado de meios formais para reagir a violações de direitos fundamentais. O défice mais notório é a ausência de um recurso de amparo que permite a apreciação judicial, em regra pelo Tribunal Constitucional, de violações efetivas de direitos fundamentais por atos do poder público.

No processo de revisão constitucional em curso verificou-se, pela primeira vez, que a criação deste mecanismo integrava os projetos de vários partidos em simultâneo (PSD, IL e PCP). Havia alguns sinais positivos relativamente ao potencial acordo do PS, cuja aprovação seria imprescindível. Perdeu-se uma oportunidade ímpar para, finalmente, preencher este défice no nosso quadro constitucional. Muitos dos atropelos às garantias constitucionais em processo criminal só serão suficientemente reprimidos com um mecanismo deste tipo, que permita ao Tribunal Constitucional sancionar devidamente desvirtuações desses e de outros valores básicos.

O processo atual suscitará reflexões imprescindíveis em matéria de reforma da Justiça. Na minha opinião, essa reforma deve começar por aqui.»

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Isto mesmo

 

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16.11.23

Invernos

 


Vaso Inverno, cerca de 1900.
Daum Nancy.


Daqui.
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A «vítima» Mário Centeno

 


Este senhor toma-nos por mais ignorantes do que somos, não sabe ele que os versos de David Mourão-Ferreira têm a ver com a prisão de Peniche e considera-se vítima de sabe-se lá de quê?



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Cenários políticos para o futuro: quase todos trágicos

 


«Independentemente da investigação do Ministério Público e do que ela revela sobre o papel de algumas figuras e escritórios de advogados no acesso ao poder político, ao perverso padrão das escutas por arrastão e à forma deplorável como se despeja informação sobre o processo e as buscas na comunicação social, temos de ir falando um pouco do futuro. Sendo evidente que o Ministério Público falhou clamorosamente o primeiro teste do algodão, não sabemos o que decidirá o Supremo Tribunal de Justiça quanto ao envolvimento de António Costa. Nem se o decidirá antes das eleições. Mas podemos prever que a forma como esta demissão aconteceu e o risco de termos uma gestão política da fuga de informações tornam imprevisível o resultado eleitoral de 10 de março.

Podemos assistir à destruição do sistema partidário. Nos países onde isso aconteceu, ele nunca mais se reergueu, tornando-os ingovernáveis e não resolvendo a corrupção sistémica. Porque essa resolve-se no quotidiano rigoroso da justiça e com um escrutínio mediático sério, não com frágeis megaprocessos que pretendam abalar os alicerces do regime.

Parece-me evidente que PS e PSD não sonham com maiorias absolutas. É em blocos que temos de pensar. Um dos poucos resultados que poderia garantir alguma estabilidade política seria uma maioria à esquerda. A “geringonça” é natural para Pedro Nuno Santos. O problema é que este candidato tenderá a comer eleitorado do BE e do PCP. Claro que esta dinâmica pode não acontecer, por causa do desgaste do PS com oito anos de poder e por causa este caso. Aí, teríamos um governo do PS com apoio ou participação dos partidos à sua esquerda.

É curioso que o candidato centrista do PS tenha voltado às dúvidas que foram levantadas, em 2015, por Cavaco Silva contra a “geringonça”, que correspondeu ao governo mais bem avaliados pelos portugueses (e dos mais estáveis) neste século.

Também pode acontecer que o PS vença as eleições, por concentração de voto útil à esquerda, mas com uma maioria de direita, mais fragmentada. Repete-se a geringonça, mas agora à direita? Legitimo. Só que uma geringonça de direita teria de contar com o Chega. Imaginam a fragilidade de um governo em que o PSD fosse a segunda força e dependesse da extrema-direita? E quem poderia pedir ao PS para viabilizar um governo do PSD se a primeira força fosse o próprio PS?

A outra possibilidade é o PSD ficar em primeiro. Se conseguir uma maioria com a IL fica, como à esquerda, tudo resolvido. É outro resultado que nos pode oferecer estabilidade. Mas para isso suceder o Chega não poderia ter o resultado que hoje se prevê. Só o teria se a direita, no seu conjunto, conseguisse uma votação esmagadora. Não está com ar disso, mas, como digo, não fazemos ideia que ambiente teremos daqui a quatro meses.

Se o PSD ganhar, mas só conseguir maioria com o Chega, há três possibilidades: o Chega viabiliza o governo sem qualquer exigência, Montenegro faz um acordo com Ventura ou o PS viabiliza um governo PSD-IL. No primeiro ou segundo caso, teremos um governo de curta duração. Sem condições para pôr o Chega no governo, teremos um líder a quem o poder caiu no colo a ter de fazer concessões à extrema-direita para governar.

Se não tiver perdido por muito, Pedro Nuno Santos tem condições para se manter na liderança do PS, a que terá acabado de chegar – não é fácil responsabilizá-lo, recebendo o partido despois deste escândalo, por uma derrota digna – enquanto a direita, no poder, se afunda nas suas contradições. E a corda romperá em pouco tempo.

A alternativa proposta por José Luís Carneiro, do PS viabilizar um governo entre o Passos Coelho dos pequeninos e o mais radical partido liberal da Europa é muito difícil de vender. Alem de que dizer, neste momento, que se viabiliza um governo do PSD é dizer aos eleitores de direita que podem votar, sem qualquer risco, no Chega, que o PS lá estará para garantir a alternância. Tem o efeito exatamente oposto ao do PSD dizer que não governa com o Chega.

O novo governo terá um orçamento aprovado até ao final de 2024, só não terá como aprovar um retificativo. Mas não será Pedro Nuno Santos a garantir qualquer longevidade maior de um governo desta natureza. O PS escolherá um líder apagado para permitir essa solução, sustentando o governo mais à direita da nossa história democrática e entregando a liderança da oposição ao Chega. Não é difícil imaginar o que poderia acontecer ao centro-esquerda. Talvez, no meio desta crise, seja bom parar para pensar um pouco mais do que no curto prazo. Este é o momento para dizer que um voto no Chega impede soluções de governo.

Só dois resultados não são uma tragédia: uma maioria de esquerda ou uma maioria PSD-IL. Olhando para o cenário que se avizinha, não são os mais prováveis. Mas ainda a procissão vai no adro. Quando chegarmos ao fim deste processo, que não há razões para acreditar que venha a ter um fim diferente de outros semelhantes, se fará o balanço. Não é provável que se aprenda alguma coisa com isso. Quando as democracias entram em decadência e os seu necrófagos saem vitoriosos, as sociedades deixam, em geral, de conseguir fazer balanços.»

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Terá sido mais ou menos assim?

 

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15.11.23

Biscoitos

 


Recipiente para biscoitos com decoração esmaltada e estrura metálica prateada. Cerca de 1900.
F.rançois Théodore Legras.

Daqui.
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15.11.1969 - Washington: «Give Peace a Chance»

 



Há 54 anos, teve lugar «Moratorium March on Washington», considerado o maior protesto anti-guerra da história dos Estados Unidos, contra o conflito que então tinha lugar no Vietname: uma manifestação quase totalmente pacífica de meio milhão de pessoas, que se integrou num vasto movimento que percorreu a América, de S. Francisco a Boston, e não só. Apesar disso e como é sabido, a guerra em questão iria durar ainda quase seis anos, até 30 de Abril de 1975. 


No protesto de Washington participaram políticos como Eugene McCarthy, George McGovern e Charles Goodell e cantores como Peter, Paul and Mary, Arlo Guthrie, John Denver e Pete Seeger que interpretou a celebérrimo canção «Give Peace a Chance» (lançada por John Lennon na Primavera desse ano), juntamente com os outros cantores e com a multidão que a terá repetido durante dez minutos.




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Viesse a demissão do governador do Banco de Portugal, que isto está demasiado morno

 


«Com as redações inundadas por escutas, resultados de buscas e bocados do processo enquanto se exige que os visados respeitem o tempo da Justiça, desenvolveu-se uma segunda novela que chegou ao fim sem se saber quem rasteirou quem: a do convite a Mário Centeno para refletir sobre a possibilidade de liderar um governo sem que se fosse a eleições. Nem perco tempo com a centésima novela entre Marcelo e Costa. A ideia é tão despropositada que a atribuo à perda de norte de alguém apanhado inesperadamente por esta ventania.

Uma solução deste género nunca poderia ser proposta pelo primeiro-ministro demissionário, que não se sente em condições políticas para continuar a governar. E nunca resultaria num governo estável e muito menos forte. Seria o destroço de uma crise.

O que aconteceria depois? Supondo que Pedro Nuno Santos será o eleito, teríamos um primeiro-ministro que não é sequer militante do PS, um líder da maioria parlamentar com mais legitimidade política do que o primeiro-ministro e os dois discordando provavelmente em bastantes coisas. Isto, depois da maior crise política que abalou a nossa democracia constitucional.

Convidar o governador do Banco de Portugal seria sempre um problema. Ao contrário do que uma corrente ideológica tem conseguido impor, ser governador de um banco central é e sempre foi um cargo político. Com exceção de Tavares Moreira, que não acabou bem, e Carlos Costa, que acabou pior, todos os governadores tiveram funções políticas executivas. É da banca, que regulam, que têm de ser realmente independentes, coisa que parece não preocupar ninguém. Aparentemente, este convite incomodou o BCE, dirigido por dois políticos de carreira, uma delas sem formação económica, que tiveram funções executivas. Que nunca deixaram de ser políticos com agendas ideológicas não sufragadas.

Ainda assim, fazer um convite a um governador em exercício para transitar para o governo depois de ter vindo desse governo é um exercício arriscadíssimo. Ainda mais quando não se tem a certeza absoluta se o Presidente da República vai aceitar a proposta. Para piorar, António Costa resolveu fazer um comício em frente à sede do PS, transformando esta ideia frustrada em arma do seu último confronto com Marcelo.

Depois, veio a confusão das declarações de Centeno ao Financial Times. O que passou delas é que terá sido convidado pelo Presidente e o primeiro-ministro, coisa que Marcelo e o próprio Centeno acabaram por desmentir. Seria uma gafe relevante noutra altura, agora temos de ponderar a importância de cada assunto, com o risco de destruirmos o país.

Uns por causa do que disse ao FT, outros porque acham que a sua independência está posta em causa (os mesmos que defenderam a recondução de Carlos Costa depois da hecatombe do BES), várias vozes defenderam a demissão de Mário Centeno. São bons momentos para verificar como algumas pessoas que enchem a boca com a estabilidade e a forma como os mercados olham para nós, quando isso é útil ao seu programa político (sobretudo se ele for impopular), atiram tudo para o largo quando é conveniente.

A uma crise política sem precedentes houve quem quisesse juntar a demissão imediata do governo, sem aprovação do Orçamento de Estado, ficando o país em duodécimos durante meio ano, em plena aplicação do PRR. E a isso ainda quisesse juntar a demissão do governador do Banco de Portugal em plena crise reputacional.

Construindo este cenário dantesco, que inevitavelmente transformaria uma crise política numa crise financeira e económica, seria fácil, no dia seguinte às eleições, ignorar tudo o que se disse na oposição e se prometeu em campanha. Quem, independentemente das culpas do primeiro-ministro, junta tanta irresponsabilidade, não está à espera do diabo para vencer as eleições. Está a chamar o diabo para a narrativa que precisa depois das eleições.»

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14.11.23

Prédios e borboletas

 


Bela borboleta Arte Nova em ferro. Casa Szenes, Budapeste, 1906.
Arquitecto: lstván Nagy.

Daqui.
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Patti e Joan

 


Que maravilha!
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Galamba demitiu-se. Pedro Nuno ainda o vai resgatar?

 



Oiçam, oiçam – as nossas realidades de cada dia.
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Duas correntes rosa no lamaçal

 


«O país está submerso, há uma semana, num lamaçal político, com repercussões tentaculares em diversas instituições. Depois de termos sido varridos por um tsunami judicial que detonou o Governo, eis que surgem outros episódios que descredibilizam o funcionamento das instituições. Os erros do Ministério Público nas escutas que afinal não implicam o primeiro-ministro, mas o seu ministro António Costa Silva, e no processo que envolve vários autarcas, como Isaltino Morais, que culminou na anulação da acusação por não terem sido cumpridos os preceitos legais, e a libertação dos cinco detidos no âmbito da Operação Influencer, com a queda da principal acusação (corrupção), maculam a confiança dos portugueses na justiça em geral, e na atuação do Ministério Público, em particular. O lamentável folhetim do convite de Marcelo Rebelo de Sousa a Mário Centeno para chefiar o Governo que afinal não existiu revela, no mínimo, falta de discrição e bom senso ao mais alto nível na gestão de um dossiê delicado ou, numa interpretação menos benigna, a instrumentalização do Banco de Portugal pelo ainda primeiro-ministro com a publicitação do seu presidente.

É neste contexto que no PS, o partido que suporta o Governo caído em desgraça, avança para a corrida à liderança Pedro Nuno Santos, o ambicioso e aguerrido “enfant terrible” que chegou a ser um superministro até se incompatibilizar com Costa, depois do discreto e moderado José Luís Carneiro ter dado o tiro de partida no sábado, tentando capitalizar a reputação que amealhou como um dos mais consensuais ativos deste Governo. De um lado, um dos quatro jovens turcos (outro, João Galamba, é também um dos protagonistas do dia ao demitir-se, finalmente, sem que tivesse sido destituído pelo chefe de Governo), de discurso incendiário contra a troika, mas que foi um dos maestros da geringonça que permitiu ao PS governar sem maioria. Do outro, um católico mais conservador, costista assumido, que já fez questão de separar as águas em relação ao seu opositor, ao preferir o diálogo com o centro-direita. Com o Governo em funções durante mais de quatro meses e exposto a um desgaste diário, falta saber como Pedro Nuno Santos e José Luís Carneiro vão tentar conquistar o PS e o país.»

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13.11.23

Mais lustres

 


Lustre da Casa Mezzara, Paris, 1911.
Projecto de Hector Guimard.


Daqui.
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Mais adequado é difícil

 

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Portugal, 13.11 2023, 14:30

 

Costa sondou Centeno para PM,
Costa falou com Marcelo sobre Centeno,
Centeno diz que Marcelo o convidou,
Marcelo diz que não e Centeno confirma.
E Costa? Não diz nada.

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Prémio Nobel da Paz para António Costa, já!

 


«Primeiramente, faz-se necessário atribuir autoria ao título deste artigo. Roubei-o a um comentário feito pelo meu grande amigo e colega Daniel Pinéu numa publicação minha na rede social X (antigo Twitter). Eu estava a comentar que bastou uma crise governativa em Portugal, seguida da dissolução da AR e chamada antecipada de eleições pelo Presidente da República, para que a guerra de Israel contra o Hamas e a Faixa de Gaza praticamente deixasse de existir nos noticiários nacionais.

Como consumidora de informação de noticiários portugueses, penso que esta mudança de ventos é exemplificativa de um paradigma de produção e consumo de informação que precisamos rever como sociedade. Estivemos a esmiuçar 30 dias de guerra ao detalhe. Analisámos, opinámos, espalhámos informação e até desinformação.

Eu ouvi de tudo. Ouvi que era injusto que palestinianos pudessem ir viver para Israel enquanto os israelitas não podem viver em Gaza (errado e absurdo, quem quer viver numa prisão a céu aberto voluntariamente?). Ouvi que, embora quiséssemos, em casos de guerra, não podemos esperar reduzir as "casualidades civis” para “perto de zero” (quando a respeitada organização Defense for Children International estimou que a cada 10 minutos (!!) uma criança perdeu a sua vida em Gaza no último mês e pouco). Ouvi que deslocamento forçado de populações em guerra para a indigência, num contexto agreste sem água, eletricidade e comida, é normalíssimo, que isso não pode ser uma violação do direito internacional humanitário e que o Egipto que abra a fronteira e receba este povo todo (afinal, eles que são árabes que se entendam, não é?). Ouvi que o Hamas não é uma organização terrorista, porque vale tudo na luta de resistência anticolonial. Ouvi até que os civis judeus que, se não quisessem ser chacinados com suas crianças e bebés ao colo, não deviam ter ido viver para ao pé de uma zona cerceada e estrangulada social, económica, política e culturalmente (embora eu ainda tenha de facto dificuldade em compreender como é que um festival de música se lembrou de ir comemorar a paz e a “liberdade eterna” ao pé de uma prisão a céu aberto, sem considerar a falta de respeito e humanidade que isto significa). Pouco cuidado vi em garantir que tanta informação incorreta fosse colocada no plano óbvio da opinião-em-jeito-de-bitaites-de-bar, e em esclarecer a diferença entre achismo e evidência histórica/política.

Durante este mês, que terminou precisamente no dia em que nos chegou a informação acerca do escândalo permeando altas instâncias do Governo português e que levaram ao pedido imediato de demissão do primeiro-ministro, os espectadores foram bombardeados com imagens e breaking news, discussões sobre a terceira guerra mundial e a potencialidade/eventual probabilidade de utilização de armamento nuclear ao pé da Europa, conversas de claque que ignoram (todos) os seres humanos (ainda) envolvidos nestes massacres, representações estereotipadas de um “outro” muito distante e de imensa ansiedade relacionada com a normalização da guerra – transmitida em direto, já agora, em substituição de outra.

Toda esta situação deveria nos levar a refletir sobre como queremos informar e que tipo de comunicação é eficaz para construir sociedades e democracias resilientes, desconstruir simplificações e estereótipos incongruentes e diminuir o risco de radicalização, polarização e extremismos. A "verdadeira resolução da guerra" pela queda do Governo é um exemplo premente de como estamos a produzir e consumir informação numa perspectiva episódica, reativa e alarmista. Os produtores de informação devem se perguntar que tipo de sentimentos pretendem/estão a suscitar nas suas audiências. Queremos com a informação detalhada e baseada em grandes crises que as pessoas se tornem mais conscientes, mais humanas, mais solidárias e mais empáticas? Ou estamos inconscientemente a reproduzir um paradigma de medo, ansiedade e ameaça – os últimos claramente mobilizados de forma hábil pelos movimentos políticos de espectro extremista?

Em tempos de eleições antecipadas, mais do que nunca precisamos nos perguntar: estamos com o nosso trabalho a contribuir para a democracia, a construção de sociedades inclusivas e informadas e a resiliência democrática ou, pelo contrário, estamos contribuindo para o fortalecimento do campo de florescimento de narrativas fáceis, instrumentalizáveis e extremistas? Sugiro a reflexão.»

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12.11.23

Relógios

 


Relógio âncora, Viena, 1913.
Arquitecto: Franz von Matsch.


Daqui.
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Longe vão os tempos…

 


Lisboa, Autárquicas 1993.
Resultado: 56,66%
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António Costa começa a perceber o camião que lhe caiu em cima

 


«Da declaração do primeiro-ministro deste sábado, o que será mais doloroso? Um primeiro-ministro só perceber ao fim de oito anos que não pode ter “melhores amigos” – com relações com o Estado, evidentemente – ou fazer uma afirmação em que acaba a deixar cair um amigo de sempre, Diogo Lacerda Machado, num dos piores momentos da sua vida?

A ideia inicial da conferência de imprensa era explicar que, como o primeiro-ministro disse, a administração pública não devia ficar “paralisada” com medo da justiça. Costa diz que a frase “à política o que é da política, à justiça o que é da justiça” vale para os dois lados: o confronto entre várias instituições do Estado é normal e a administração pública não pode ficar com medo da lei. E a frase “à política, o que é da política…” também significa, diz Costa, que “aos futuros governos de Portugal tem que ser garantida a liberdade de acção política” e que “não é o facto de haver lei a que estamos todos obrigados [que] deve levar à paralisia ou medo de violar a lei”.

Ao dizer isto, Costa diz que sugere que muito do que tem vindo a público pode ser a justiça a interferir na esfera da acção política. Mas dizer que está a interferir na justiça, como já está a ser acusado, não faz qualquer sentido.

O que também não faz qualquer sentido é António Costa afirmar não ter falado com o homem que tanto o envergonhou, o ex-chefe de gabinete Vítor Escária, que guardava cerca de 78 mil euros na sala do lado. Mandou alguém falar? Pediu à secretária que dissesse a Vítor Escária que não o queria ver mais à frente e devia arrumar já as suas coisas (incluindo os 78 mil euros)? Nada disto faz sentido, mas o pedido de desculpas do primeiro-ministro aos portugueses só peca por tardio.

A ideia que a conferência de imprensa deste sábado sugere é que só agora António Costa percebeu o camião que lhe passou por cima. Obviamente, ainda não tinha percebido tudo quando fez aquela conferência de imprensa à porta da Comissão Política do PS na quinta-feira, em que atirou o nome de Centeno para primeiro-ministro, sem cuidar dos riscos que isso acarretava para o governador do Banco de Portugal.

Agora, poupou Centeno, quando disse que o governador não tinha aceitado o cargo por não ter falado antes com o Presidente da República. Mas se Centeno foi poupado, é óbvio que todo este processo foi uma espécie de declaração de incapacidade assinada pelo primeiro-ministro ao seu partido. A “escolha” de Centeno foi uma decisão bicéfala – Costa com Carlos César –, ignorando olimpicamente o partido que, como na quinta-feira o próprio primeiro-ministro fez questão de lembrar, foi o verdadeiro candidato às eleições legislativas e não o próprio António Costa. A única certeza que toda a gente tem é que Mário Centeno, que não é militante do PS, não foi candidato em nenhuma lista. Até ao último dia, Costa achou, ao propor o nome de Mário Centeno ao Presidente da República antes de o fazer ao PS, que o partido é uma coutada sua e faria o que ele quisesse.

António Costa assumiu que "com probabilidade" não iria "exercer mais nenhum cargo público", tendo em conta o tempo que provavelmente vai demorar o processo judicial. É o fim de uma época e da carreira política do homem que acabou por ser, ao longo de décadas, quase sempre um vencedor.

P.S.: José Luís Carneiro anunciou a sua candidatura, que acabou abalrroada pela conferência de imprensa do primeiro-ministro. Quanto vale, dentro do PS, assumir-se hoje, depois do afastamento de Costa, como o verdadeiro herdeiro do costismo? Não sabemos.»

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É tal a crise

 


… que Pacheco Pereira estava mesmo, ontem à noite, de cabelos em pé.
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