11.7.15

Nós somos a próxima Grécia



Nicolau Santos, na caderno de Economia do Expresso de 11.07.2015 
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Dica (93)




«My conviction is that the German finance minister wants Greece to be pushed out of the single currency to put the fear of God into the French and have them accept his model of a disciplinarian eurozone.» 
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Jornalismo de bancada



«Depois da vitória do "Não", com 61%, e perante os festejos de gregos na rua com cartazes do "Oxi", uma jornalista da SIC perguntava a um comentador: "Estes gregos estão a festejar exactamente o quê?" - com toda a certeza, não estavam a festejar as notas no curso de jornalismo obtidas pela pivô.

Há uma espécie de desprezo em relação ao Syriza que justifica que os jornalistas digam o que lhes apetece, no tom que mais lhes agrada. (...) O resultado do referendo grego foi uma dor de cabeça para esta gente porque era mais fácil chamar radical ao Tsipras e ao Varoufakis do que a um povo. Torna-se complicado diminuir uma nação sabendo que existem pessoas que usam gravata e não vão a reuniões, com bancos, com uma t-shirt mal engomada e que deixa antever os mamilos. (...)

Este tipo de desinformação e comentário irónico tem sido uma constante neste assunto, o que me leva a concluir que a comunicação social é a grande derrotada deste referendo grego; e por números muito maiores do que o "Sim".

Resumindo, que estou a terminar, a nossa comunicação social fez tudo para justificar o voto e a vitória do "Sim", como se fôssemos a ir votar. Fosse eu uma pessoa desconfiada e diria que estão a treinar para qualquer coisa.»

João Quadros

10.7.15

Importam-se de repetir?

Menos um



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Dica (92)




«Syriza is hypocritically condemned for not achieving in five months what previous governments failed to make any progress on in five years of rather less insistent Eurozone demands.» 
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No país das pragas e dos pecados capitais



«O debate do Estado da Nação permitiu aos portugueses descobrirem que durante vários anos foram assolados por pragas e pecados capitais. Para todos os gostos. Se juntarmos uns e outros chegaremos à triste conclusão que PSD, PS e CDS não conseguem chegar à conclusão de quem tornou o país mais pobre, mais dependente e mais irrelevante. Mas há uma certeza: entre pragas e pecados quem pagou com a carne e com a alma foram os portugueses. (...)

Tudo o que se tem vivido nos últimos anos, entre o "despesismo" e os empréstimos e austeridade, que só serviram para reforçar o poder económico (como se viu nos dados agora revelados, das compras cada vez maior a Berlim aos juros cobrados) e político da Alemanha, a dívida serve para tudo. Até para que, à falta de melhores ideias sobre o modelo económico para Portugal e uma séria reflexão sobre o nosso futuro se o euro correr mal, se perceba a pobreza intelectual que reina na elite política nacional, entretida entre pragas e pecados. (...) Estamos mais pobres, é o retrato cruel. O nível de vida (no patamar da Eslovénia, Lituânia ou Grécia) está 20 a 30% abaixo do padrão europeu. Entre 2010 e 2013 o PIB per capita caiu 7% face ao mesmo padrão. Como base de tudo isto está a ficção que o euro trouxe aos portugueses: uma economia baseada no consumo privado e no crédito fácil. Os resultados, fruto das actuações de quem fala em pragas e pecados dos outros, são visíveis: uma dívida, pública e privada, astronómica, o fim da nossa autonomia face aos credores, um empobrecimento generalizado, um aumento de emprego precário, uma emigração enorme, um desemprego muito forte e impostos muito acima do razoável.

Ou seja, não é por acaso que vivemos anos de pragas e pecados e escusam-se os que contribuíram para isso de saltarem fora da carroça. (...) Só os portugueses comuns sofreram na carne as opções de outros.»

Fernando Sobral

9.7.15

«Não se pode enganar toda a gente o tempo todo!»



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Mercedes Sosa faria hoje 80



Mercedes Sosa nasceu em 9 de Julho de 1935, no Noroeste da Argentina, em San Miguel de Tucumán, cidade onde em 1816 foi declarada a independência do país.

Em 1979, durante o domínio de Jorge Videla, foi detida durante um concerto em La Plata, refugiou-se em Paris e em Madrid e só regressou a Buenos Aires, e ao magnífico Teatro Colón, três anos mais tarde.

Pretexto para recordar hoje a sua voz e a sua força.






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A América Latina não é a Europa



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Tsipras no Parlamento Europeu



O InfoGrécia traduziu a discurso que Alexis Tsipras fez ontem no Parlamento Europeu. Merece ser amplamente divulgado e por isso aqui fica:

Senhores Deputados, é uma honra para mim falar neste verdadeiro templo da democracia europeia. Muito obrigado pelo convite. Tenho a honra de me dirigir aos representantes eleitos dos povos da Europa, num momento crítico tanto para o meu país, a Grécia, como para a zona euro e também para a União Europeia como um todo.:

Encontro-me entre vós, apenas alguns dias após o forte veredicto do povo grego, seguindo a nossa decisão de lhes permitir expressar a sua vontade, para decidir directamente, para tomar uma posição e para participar activamente nas negociações sobre o seu futuro. Apenas alguns dias após o seu forte veredicto instruindo-nos a intensificar os nossos esforços para alcançar uma solução socialmente justa e financeiramente sustentável para o problema grego – sem os erros do passado que condenaram a economia grega, e sem a austeridade perpétua e sem esperança que tem aprisionado a economia num círculo vicioso de recessão, e a sociedade numa depressão duradoura e profunda. O povo grego fez uma escolha corajosa, sob uma pressão sem precedentes, com os bancos fechados, com a tentativa por parte da maioria dos meios de comunicação social de aterrorizar as pessoas no sentido que um voto NÃO levaria a uma ruptura com a Europa.

É um prazer estar neste templo da democracia, porque acredito que estamos aqui para ouvir primeiro os argumentos para, em seguida, poder julgá-los. “Ataquem-me, mas primeiro ouçam o que tenho para dizer”.

A escolha corajosa do povo grego não representa uma ruptura com a Europa, mas um retorno aos princípios fundadores da integração europeia, os princípios da Democracia, da solidariedade, do respeito mútuo e da igualdade.

É uma mensagem clara de que a Europa – o nosso projecto conjunto Europeu – a União Europeia, ou será democrática ou enfrentará enormes dificuldades de sobreviver, dadas as condições difíceis que estamos a enfrentar.

A negociação entre o governo Grego e os seus parceiros, que serão concluídas em breve, pretende reafirmar o respeito da Europa pelas regras operacionais comuns, bem como o respeito absoluto pela escolha democrática do nosso povo.

O meu governo e eu, pessoalmente, chegou ao poder há aproximadamente cinco meses. Mas os programas de resgate já estavam em vigor há cerca de cinco anos. Assumo total responsabilidade pelo que ocorreu durante estes cinco meses. Mas todos devemos reconhecer que a principal responsabilidade pelas dificuldades que a economia Grega enfrenta hoje, para as dificuldades que a Europa está enfrenta hoje, não é o resultado de escolhas feitas nos últimos cinco meses, mas nos cinco anos de implementação de programas que não resolveram a crise. Eu quero garantir-vos que, independentemente da opinião sobre se os esforços de reforma foram certos ou errados, o facto é que a Grécia, e o povo Grego, fez um esforço sem precedentes de ajustamento ao longo dos últimos cinco anos. Extremamente difícil e duro. Este esforço esgotou as energias do povo Grego.

É claro que tais esforços não tiveram lugar apenas na Grécia. Ocorreram noutros lugares também – e eu respeito totalmente o esforço de outras nações e governos que tiveram que enfrentar e decidir sobre medidas difíceis -, em muitos países Europeus onde foram implementados programas de austeridade. No entanto, em nenhum outro lugar esses programas foram tão duros e duradouros como na Grécia. Não seria um exagero afirmar que o meu país foi transformado num laboratório experimental da austeridade nos últimos cinco anos. Mas todos temos de admitir que a experiência não foi bem sucedida.

Nos últimos cinco anos, o desemprego disparou, a pobreza disparou, a marginalização social teve um enorme crescimento, assim como a dívida pública, que antes do lançamento dos programas ascendia a 120% do PIB, e actualmente corresponde a 180% do PIB. Hoje, a maioria do povo Grego, independentemente das nossas avaliações – esta é a realidade e devemos aceitá-la – sente que não tem outra escolha a não ser lutar para escapar deste caminho sem esperança. E esse é o desejo, expresso da forma mais directa e democrática que existe, que nós, como governo, somos chamados a ajudar a concretizar.

Procuramos um acordo com os nossos parceiros. Um acordo, no entanto, que ponha termo definitivamente à crise. Que traga a esperança de que, no fim do túnel, haja luz. Um acordo que proporcione as necessárias e confiáveis reformas – ninguém se opõe a isso – mas que transfira o fardo para aqueles que realmente têm a capacidade de com ele arcar – e que, durante os últimos cinco anos, foram protegidos pelos governos anteriores e não carregaram esse fardo – que foi colocado inteiramente sobre os ombros dos trabalhadores, os reformados, daqueles que não o podem mais suportar. E, claro, com políticas redistributivas que irão beneficiar as classes baixa e média, de modo que um crescimento equilibrado e sustentável possa ser alcançado.

A proposta que estamos a apresentar aos nossos parceiros inclui:

– Reformas credíveis, baseadas, como disse anteriormente, na distribuição equitativa dos encargos, e com o menor efeito recessivo possível.

– Um pedido de cobertura adequada das necessidades de financiamento de médio prazo do país, com um programa de crescimento económico forte; se não nos concentrarmos numa agenda de crescimento, então nunca haverá um fim para a crise. O nosso primeiro objectivo deve ser o de combater o desemprego e incentivar o empreendedorismo,

– e, claro, o pedido para um compromisso imediato para iniciar um diálogo sincero, um debate profícuo para abordar o problema da sustentabilidade da dívida pública.

Não podem existir assuntos tabu entre nós. Precisamos encarar a realidade e procurar soluções para ela, independentemente de quão difíceis essas soluções possam ser.

A nossa proposta foi apresentada ao Eurogrupo, para avaliação durante a Cimeira de ontem. Hoje, enviaremos um pedido para o Mecanismo Europeu de Apoio. Comprometemo-nos, nos próximos dias, a fornecer todos os detalhes da nossa proposta, e tenho a esperança de que seremos bem sucedidos a dar resposta para atender aos requisitos da presente situação crítica, tanto para o bem da Grécia, como da zona euro. Eu diria que, principalmente, não só por uma questão financeira, mas também para o bem geopolítico da Europa.

Quero ser muito claro neste ponto: as propostas do governo Grego para financiar as suas obrigações e reestruturar a sua dívida não se destinam a sobrecarregar o contribuinte europeu. O dinheiro dado à Grécia – sejamos honestos -, nunca chegou realmente ao povo Grego. Foi dinheiro dado para salvar os bancos Gregos e Europeus – mas ele nunca foi para o povo Grego.

Para além disso, desde Agosto de 2014, a Grécia não recebeu quaisquer parcelas de pagamento, em conformidade com o plano de resgate em vigor até ao final de Junho, pagamentos que ascendem a 7200 milhões de euros. Eles não foram concedidos desde Agosto de 2014, e eu gostaria de salientar que o nosso governo não estava no poder entre Agosto 2014 a Janeiro de 2015. As parcelas não foram pagas porque o programa não estava a ser implementado. O programa não estava a ser implementado durante esse período (ou seja, Agosto de 2014 a Janeiro de 2015) não por causa de questões ideológicas, como é o caso hoje, mas porque o programa então, como agora, não possuía consenso social. Na nossa opinião, não é suficiente um programa estar correto, é também importante para que seja possível a sua implementação, que exista consenso social, a fim de que ele seja implementado.

Senhores Deputados, ao mesmo tempo que a Grécia estava a negociar e a reivindicar 7200 milhões de pagamentos, este teve que pagar – às mesmas instituições – parcelas no valor de 17500 milhões de euros. O dinheiro foi pago a partir das parcas finanças do povo Grego.

Senhores Deputados, apesar do que mencionei, eu não sou um daqueles políticos que afirma que os “estrangeiros maus” são os responsáveis pelos problemas do meu país. A Grécia está à beira da falência porque os anteriores governos Gregos criaram, durante muitos anos, um estado clientelar, apoiaram a corrupção, toleraram ou mesmo apoiaram a interdependência entre a política e a elite económica, e ignoraram a evasão fiscal de vastas quantidades de riqueza. De acordo com um estudo realizado pelo Credit Suisse, 10% dos Gregos possuem 56% da riqueza nacional. E esses 10% de Gregos, no período de austeridade e crise, não foram tocados, não contribuíram para os encargos como os restantes 90% dos Gregos têm contribuído. Os programas de resgate e os Memorandos nem sequer tentaram lidar com estas grandes injustiças. Em vez disso, infelizmente, exacerbaram-nas. Nenhuma das supostas reformas dos programas do Memorando melhoraram, infelizmente, os mecanismos de colecta de impostos que desabaram apesar da ânsia de alguns “iluminados”, bem como de funcionários públicos justificadamente assustados. Nenhuma das supostas reformas procurou lidar com o famigeradamente conhecido triângulo de corrupção criado no nosso país há muitos anos, antes da crise, entre o establishment político, os oligarcas e os bancos. Nenhuma reforma melhorou o funcionamento e a eficiência do Estado, que aprendeu a operar para atender a interesses especiais em vez do bem comum. E, infelizmente, as propostas para resolver estes problemas estão agora no centro das atenções. As nossas propostas centram-se em reformas reais, que visam mudar a Grécia. Reformas que os governos anteriores, a velha guarda política, bem como aqueles que conduziram os planos dos Memorandos, não quiseram ver implementadas na Grécia. Esta é a verdade pura e simples. Lidar eficazmente com a estrutura oligopolista e as práticas de cartel em mercados individuais – incluindo o mercado não regulado de televisão – o reforço dos mecanismos de controlo em matéria de receitas públicas e o mercado de trabalho para combater a evasão e a fraude fiscais, e a modernização da Administração Pública constituem as prioridades de reforma do nosso governo . E, claro, esperamos o acordo dos nossos parceiros com estas prioridades.

Hoje, vimos com um forte mandato do povo Grego e com a firme determinação de não chocar com a Europa, mas de chocar com os interesses velados no nosso país, com as lógicas e atitudes estabelecidas que mergulharam a Grécia na crise, e que têm um efeito de arrastamento para a Zona Euro, também.

Senhores Deputados,

A Europa está numa encruzilhada crítica. O que chamamos de crise Grega corresponde à incapacidade geral da zona euro de encontrar uma solução permanente para a crise da dívida auto-sustentável. Na verdade, este é um problema europeu, e não um problema exclusivamente grego. E um problema europeu requer uma solução europeia.

A história europeia está repleta de conflitos, mas de compromissos também. É também uma história de convergência e de alargamento. Uma história de unidade, e não de divisão. É por isso que falamos de uma Europa unida – não devemos permitir que ele se torne numa Europa dividida. Neste momento, somos chamados a chegar a um compromisso viável e honroso a fim de evitar uma ruptura histórica que iria reverter a tradição de uma Europa unida.

Estou confiante de que todos nós reconhecemos a gravidade da situação e que responderemos em conformidade; assumiremos a nossa responsabilidade histórica.

Obrigado. 
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Anos de inox?



«Um dos grandes axiomas deste Governo é a sua capacidade de síntese: frases feitas e ideias fixas. E a vaidade de se ver ao espelho e acreditar que é Claudia Schiffer capaz de fazer suspirar Portugal e o mundo cada vez que desfila.

Passos Coelho, no debate sobre o Estado da Nação, fez do elogio próprio a sua filosofia política: "Sabemos que a estratégia que seguimos de rigor, de crescimento e de credibilidade foi a mais acertada." Só acredita quem quer. (...)

Portugal, a acreditar no auto-elogio governamental, é hoje aço inoxidável capaz de resistir à corrosão dos elementos, seja a dívida pública que não pára de aumentar, o desemprego crónico, a carga fiscal insustentável e mesmo o humor dos mercados. É claro que os indicadores económicos que Passos Coelho levou para o Parlamento são os que mais lhe ficam bem na lapela. E o argumento de que Portugal não é a Grécia é de prestidigitador: se Atenas sair da Zona Euro o tabu implode e qualquer país pode ser corrido a pontapé da moeda única. E Portugal está ali, em terra de ninguém, como um alvo disponível. Protegido por Angela Merkel, enquanto lhe der jeito.»

Fernando Sobral
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8.7.15

Dica (91)




«We urge you to take this vital action of leadership for Greece and Germany, and also for the world. History will remember you for your actions this week. We expect and count on you to provide the bold and generous steps towards Greece that will serve Europe for generations to come.» 
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Quando me despedi do Alberto sem o saber



Alberto Vaz da Silva morreu ontem. Mais um companheiro de várias caminhadas, que desaparece. Dói.

Estive com ele em Dezembro, numa festa em que foi lançado um livro de homenagem a um amigo comum de sempre – o José Manuel Galvão Teles. Ainda estava bem, ou parecia estar. Conversámos, rimos de tudo e de nada. Tanto ele como eu tínhamos escrito textos para o livro em questão. Brincámos com o que tinha dito no seu: 

«Por que me vêm sucessivamente à memória, arco-íris sobre o tempo, a Joana Lopes, a mana Olívia, o Jorge Sá Borges? Lutamos até ao fim da vida com os nossos estranhos corações. 
Atingimos nesses anos 60 e 70 inegáveis picos, alguns perigosos abismos, mas também cumes recobertos por neves eternas, "sempre à espera de estarmos na véspera de vivermos grandes coisas", como sentia Pasolini em New York, em 1966. 
O difícil foi manter a proporção humana, anos tão doces, anos tão bons em que o ar rescendia ao perfume da flor de osmanto, e o podermos, como Cléofas, convidar o desconhecido com quem fazíamos o caminho de Emaús para entrar connosco na estalagem, porque já era tarde e a noite chegava.» 

O Sá Borges já desapareceu há uns anos e há que tempos que nada sei da mana Olívia. La nave va, mas não é fácil. 

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Uma foto dos tempos que o Alberto refere, «sempre à espera de estarmos na véspera de vivermos grandes coisas». 

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Com o debate sobre o estado da nação em pano de fundo

Euro: o telhado que destruiu o edifício

7.7.15

Obrigada, gregos



Crónica de Diana Andringa, hoje, na Antena1:

E, contra os vaticínios da maioria dos comentadores e as ameaças dos dirigentes da Europa a 18 – aquela da conta dos 19 menos um – o povo grego votou «Não».

Não sendo economista nem especialista de política europeia, a minha opinião tem apenas a validade da de qualquer outro cidadão ou cidadã.

E foi como cidadã que reagi, com uma emoção parente da que senti quando vi hastear as bandeiras das colónias tornadas independentes – recordando os inúmeros sacrifícios feitos para que a independência fosse possível – ou assisti à posse do primeiro presidente negro dos Estados Unidos – recordando Rosa Parks, Martin Luther King e as inúmeras vítimas da Ku Klux Klan.

E recordando, no «Não» dos gregos, muitas outras coisas, que vão de frases da Bíblia – «Que a tua palavra seja Sim Sim, Não Não, porque Deus abomina os mornos e os vomita de sua boca» – a alguns versos do If de Kipling – «If you can force your heart and nerve and sinew / To serve your turn long after they are gone» ou do Mostrengo de Pessoa – «Aqui ao leme sou mais do que eu: Sou um povo que quer o mar que é teu» – a uma personagem de Malraux – Katow partilhando entre dois jovens aterrorizados a cápsula de cianeto que o salvaria de morrer queimado na fornalha – ao final do poema de Aragon sobre os membros do grupo de resistentes Manouchian fuzilados pelos nazis, esses 23 estrangeiros no entanto nossos irmãos, que amavam a vida ao ponto de sacrificá-la, e que gritaram «Viva a França» enquanto caíam – ou a Pete Seeger lembrando defensores dos direitos civis dos negros cantando «I’m not afraid of your jail, because I want my freeddom, I want my freedom now».
E, naturalmente, à visão da Europa de Camus em Cartas a um Amigo Alemão.

De tudo isso, dessa mistura de referências, algumas extra-europeias, colhidas em jovem, se fez a minha noção de cidadania – que, com o seu Não contra o medo e os novos Adamastores, os cidadãos gregos me devolveram.

Obrigada, gregos.

Obrigada, Varoufakis, por nunca teres aparecido como pedinte, torcendo nas mãos um boné puído, mas com a assertividade de um igual. E por te teres permitido ser considerado arrogante pelos que se julgam com direito a humilhar todos os outros.

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A outra pessoa devo um agradecimento. Trato-a pelo nome com que a conheci: Maria Barroso.

Morreu hoje, mas recordo-a quando, vigiada pela PIDE, impedida de representar e muitas vezes de declamar, atendeu ao pedido de alguns jovens estudantes de Medicina de Lisboa e, numa Sala de Alunos cheia, não se escusou a recitar vários dos poemas que sabia serem interditos, ajudando a ensinar-nos o valor da dignidade e da coragem.

E, naturalmente, o valor da poesia.


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Azar


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Maria Barroso



Foi há muitos anos, nem sei exactamente quantos (mais de 40, obviamente), que uma Pró-Associação tentou celebrar o 8 de Março, Dia da Mulher. A reitoria da Clássica de Lisboa cedeu o anfiteatro, este encheu-se e a mesa era constituída pela Maria Barroso, pela estudante Isabel Hub Faria e por mim, então jovem assistente em Filosofia. Mal a sessão foi aberta, a PIDE invadiu a sala e esvaziou-a, embora nada de «revolucionário» estivesse previsto.

Conheci pessoalmente a MB, o meu marido foi aluno do Colégio Moderno, o meu filho também, do infantário ao 12º ano. Mas nunca esquecerei o sorriso dela quando descemos no palco, naquele 8 de Março – «mais uma, é a vida!»

Respect.
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Lenine em Atenas



«Lenine passeia-se pelas ruas de Atenas. Um passo à frente, dois à retaguarda, sussurra, sem precisar de erguer uma bandeira vermelha. Sai Varoufakis, o demolidor de burocratas europeus, entra um outro ministro mais maleável com as palavras.

Muda a táctica, mantém-se a estratégia. Tsipras não é Lenine, mas o voto que recebeu dá-lhe fôlego para continuar a capturar o seu captor. (...) O medo não é uma táctica nos Balcãs e há muito, se lessem um pouco de história, os dirigentes europeus das famílias políticas que mandam teriam percebido isso. (...)

A Grécia tornou-se uma barragem a desabar pela força das águas: a norte da Europa a extrema-direita prepara o assalto ao poder se a UE ceder; a sul a extrema-esquerda pensa o mesmo se a UE não ceder. E, em Bruxelas, os burocratas analfabetos esquecem que o Syriza não está sozinho no governo (a direita nacionalista também lá está) e a força do voto do "não" é um sintoma de uma nação que está farta de ser humilhada por tudo e por todos. No meio de tudo isto a Grécia pode suicidar-se (com uma "pequena" ajuda da Europa), mas, se isso acontecer, o glorioso futuro do euro será um buraco negro. Não há anjos nesta história. Mas a Europa deveria lembrar-se da reestruturação da dívida alemã em 1953. Se não tivesse acontecido, o que seria hoje a Europa? O tempo de indecisões acabou.»

Fernando Sobral

Dica (90)




«O referendo grego exibiu a confusão política que é a Europa. E revelou a inconsistência dos governantes que mandam: antes não acreditaram que podiam ser desafiados, durante toda a semana não acreditaram que podiam ser vencidos e agora não sabem o que fazer.» 
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6.7.15

As instituições quiseram humilhar e falharam



Pedro Santos Guerreiro, no Expresso diário de 06.07.2015.
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E não desistem


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Euclid Tsakalotos



Em Dezembro de 2014, antes das ultimas eleições gregas, reproduzi parte de uma entrevista que Jorge Nascimento Rodrigues fez ao novo ministro das Finanças grego. Matéria interessante para ser relida agora.
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Alô, Zandinga?

Quiseram dizer «Não», mesmo que fiquem sem comer



«“As pessoas quiseram dizer 'não', mesmo que fiquem sem comer”. Stavros Stellas tem 60 anos e anda de lágrimas nos olhos na Praça Sintagma com a bandeira de Portugal quando a jornalista Joana Pereira Bastos o topa. Porquê a bandeira? Porque estamos a passar pelo mesmo, diz. Mas não da mesma maneira: “O governo português vai ter de explicar ao seu povo porque não lutou pelos direitos das pessoas, como lutou o nosso aqui na Grécia. Vai ter de explicar porque disse que sim a tudo, porque nunca fez frente à UE.” Ouve-se isto e engole-se em seco. (...)

É exactamente por causa desta tibieza política e pela opção pela dissimulação consentida em Portugal que se olha para o povo grego e se admira a coragem, mesmo que ela abra portas para salas tenebrosas onde não há uma só luz que alumie o futuro. Ajuda? Os gregos não precisam de esmola, precisam de um plano que funcione). O que é indisputável é o contrário, os gregos querem ajuda. Não estão a virar as costas à Europa, estão a abrir o peito da sua dignidade e a mostrar com as suas próprias cicatrizes – desemprego, recessão, pobreza, cortes de salários, de pensões e noção esclarecida de que vai ser assim durante décadas – que a austeridade levou de mais e trouxe de menos. Não é só ser doloroso, é ser estúpido insistir num modelo que, trazendo austeridade, não traga mais que austeridade. (...)

É também por isso que as reportagens da noite de domingo estão cheias de emoção, daqueles que falam e também de muitos que lêem. Festeja-se uma espécie de liberdade que não vem da vitória em si mas da dignidade de quem, mesmo sabendo que vai passar fome, não aceita mais planos de austeridade inférteis. Stavros Stellas é só mais um e nós devíamos perceber que aquela bandeira portuguesa que ele leva nos braços não é a representação de um credor mas de um povo. Afinal, é isso que eles são, o povo grego. Afinal, é isso que nós nunca seremos, o povo da Europa. E se desistimos deles, desistimos de parte de nós. É que o “não” ganhou. E cinco anos de austeridade depois, os gregos não estão a querer tirar, estão a querer dar. Para que o sacrifício valha a pena. O deles. E o nosso.»  

Pedro Santos Guerreiro

Uma vitória da Europa

5.7.15

V-I-T-Ó-R-I-A !!!


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E consegue dizer isto sem corar de vergonha?

Obrigado, Grécia



«Em 2011, em entrevista ao The Guardian, o histórico cineasta francês Jean-Luc Godard propunha, de forma provocatória, uma solução simples e original para a crise grega, baseada nessa dívida da humanidade para com os gregos. “Deram-nos a lógica e a razão, devemos-lhes isso”, dizia.

Aristóteles deu-nos o advérbio “portanto”, que utilizamos milhões de vezes. Logo se pagássemos direitos de autor sobre a palavra, ou se aquela fosse taxada sempre que usada, seria fácil aos gregos abater a sua dívida, alegava Godard. Sempre que Angela Merkel dissesse aos gregos “emprestamos-vos dinheiro, portanto terão de o pagar com juros”, ela teria em primeiro lugar de pagar-lhes direitos de autor, afirmava ele. (...)

A acção do governo grego, para lá de quaisquer motivações ideológicas, (...) mostrou-nos a verdadeira face da actual União Europeia. Hoje é claro que existem duas Europas e que os países mais fortalecidos economicamente não só não querem caminhar ao ritmo dos mais lentos, como não se importam de o fazer ao seu revés, o que também não se entende, porque há interdependência. Percebeu-se o desnorte, a ausência de soluções, os insondáveis jogos de bastidores e a insistência na austeridade, como se por si só essa pudesse ser a solução seja do que for. É claro que o governo grego também cometeu erros e não está isento de censura aqui e ali, mas com a desproporção de forças e a intoxicação da opinião pública outra coisa não se poderia imaginar.

Aconteça o que acontecer hoje, e nos próximos dias, aquilo que a questão grega mostrou é que esta Europa tem que mudar. É verdade que não existe transformação sem alguma dose de risco, mas o maior perigo neste momento é não haver mudança. O que a acção do governo grego expôs é que, mais do que as dívidas, é a qualidade da democracia e o caminho que a Europa deseja seguir no futuro próximo que está em causa. O que vier a acontecer agora é decisivo. Seria um erro colossal pensar que os gregos é que estão mal, que nós por cá nos vamos aguentando. Os gregos já fizeram imenso, expondo a situação. Devemos-lhe isso. Agora deveria ser com a opinião pública de toda a Europa.»

Vítor Belanciano