
Nos últimos meses, tenho lidado quase diariamente com Edmundo Pedro, esse grande senhor da resistência e da democracia, à beira de completar uns 90 anos, tão lúcidos e tão activos, que deixam de rastos todos os que com ele têm de trabalhar numa qualquer militância – fala quem «sofre»... Para além de tudo o mais, tanspira força e determinação, como julgo que é visível nesta fotografia tirada há meia dúzia de dias.
Preso pela primeira vez aos quinze anos, deportado para o Tarrafal com dezassete, publicou já o primeiro volume das suas Memórias (leitura absolutamente mandatória!) (*) e está a terminar o segundo.
Uma ligeira gripe impediu-o de se deslocar a Berlim ontem, 13 de Maio, a convite de um
Forum de Jovens Europeus para a preservação da Memória Histórica. Mas enviou uma comunicação que já publiquei na íntegra numa
outra frente e da qual deixo aqui largos excertos (**).
«No fim da minha longa vida, (...) a minha participação na vossa reunião, teria representado, para mim, um momento cheio de significado. Teria tido a oportunidade de apresentar um testemunho vivo do que foi, em Portugal, o regime totalitário inspirado pelo nazismo. A repressão não atingiu, no meu país, os aspectos dantescos, quase inconcebíveis, que caracterizaram o regime hitleriano. Mas, apesar disso, conhecemos a experiência concentracionária inspirada pelo modelo nazi, com tudo o que ela representou de humilhação e de degradação da condição humana.
Eu próprio (...) estive preso num campo de concentração quando tinha dezassete anos. Fui libertado no fim da segunda guerra mundial, com vinte e sete. Se Hitler tivesse ganho a guerra, o mais provável teria sido que eu e os meus companheiros tivéssemos morrido naquele campo de pavor que foi chamado «Campo da morte lenta», onde foram assassinados dezenas de prisioneiros, na sua maioria jovens.
Nessa época, eu era um jovem comunista convencido de que estava ao serviço de um projecto libertador. Enganaram-me. Mas a disposição de me sacrificar até à morte para aceder a um mundo mais livre e mais justo continuou a ser um valor para o Homem, na luta histórica pela dignidade da sua condição. Esta luta nunca termina. Ela é sempre actual. Passa pelo combate contra todos os regimes que não respeitam os Direitos Fundamentais do Homem, contra todos os inimigos da Liberdade – inclusive os que, insidiosamente, mascaram os seus projectos totalitários com aparências libertadoras.
Levar-vos-ia, portanto, meus caros jovens, o testemunho vivo de alguém que partilhou, com outros milhões de seres humanos, por toda a parte na Europa, as consequências do terror nazi que não poupou os países europeus mais ocidentais – esta Europa Comunitária, que hoje partilhamos em conjunto, e na qual não são tolerados regimes totalitários.
O futuro pertence-vos. Sois vós, portanto, caros jovens europeus, que tendes o dever de defender as aquisições sociais e políticas da nossa Comunidade de paz e de progresso, mas também de prosseguir os esforços para os aprofundar e consolidar.
A mensagem que vos dirijo é uma mensagem de esperança no futuro da construção colectiva da nossa comunidade. Mas é também uma mensagem que vos incita a uma vigilância permanente. A Liberdade não é uma aquisição garantida para sempre. É a vós, fundamentalmente, que pertence a tarefa de evitar o regresso a esse passado de horror a que, felizmente, fostes poupados. Sede vigilantes!
Incito-vos (...) a continuar não só a vossa reflexão, mas também a acção concreta contra todas as tentativas de regresso a esse passado de humilhação e de ignomínia que foi o da Europa da minha juventude.»
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(*) Edmundo Pedro,
Memórias. Um Combate pela Liberdade, Âncora editora, Lisboa, 2007, 554 p.
(**) O original do texto está escrito em francês, traduzi-o eu para português.