Crónica de Diana Andringa, hoje na Antena 1:
Há muito, muitos anos, li um dos livros que gostaria de ter escrito – creio que todos nós temos livros assim – mas que logo compreendi não ter, infelizmente, qualidade para escrever. Chamava-se Let Us Now Praise Famous Men, que entendi à letra como Louvemos Agora Grandes Homens, mas que a editora brasileira «Companhia das Letras» titulou Elogiemos os Homens Ilustres.
O livro resulta de uma grande reportagem feita em 1936 pelo jornalista James Agee e o fotógrafo Walter Evans, retratando os efeitos da Grande Depressão na população rural do sul dos Estados Unidos.
Recusada pela revista «Fortune», que a encomendara, a reportagem viria a sair em livro em 1941. Acompanhado pelas fotografias a preto e branco de Walter Evans, o texto de Agee, simultaneamente preciso e poético, dá-nos não apenas a dor e o desespero, mas também a dignidade daqueles que retrata, tornando-se uma referência para estudantes de Jornalismo e de Antropologia.
Lembrei-me de Agee ao ler um pequeno livro – um conjunto de cadernos atados com fio vermelho – editado pela «Cooperativa Outro Modo» e a edição portuguesa de «Le Monde Diplomatique». Nele não há fotografias, apenas – e neste apenas não há qualquer menorização – vozes de pessoas, recolhidas e enquadradas por sociólogos e antropólogos, vozes que falam sobre a sua vida e o seu trabalho, como diz o pós-título. Chama-se Tempos Difíceis, estes tempos em que um homem vê o mundo a fugir-lhe pelas mãos e fica cada vez mais desgastado, como o senhor I , ou uma trabalhadora de um call center desata a chorar no meio de uma chamada porque, vivendo sozinha com a filha, acaba de ser despedida, ou uma «manipuladora de aves», pomposo nome para quem anda de joelhos no estrume a apanhar animais para o matadouro, ao fim da noite já não consegue andar em posição nenhuma, as costas a não aguentar tanto tempo dobradas, os joelhos marcados por um calo de estrume, mas também tempos em que se recorda o sonho de um Portugal mais solidário, mais feliz, onde toda a gente tivesse pão para comer, direito à habitação, à instrução e à cultura, toda a gente tivesse direito ao trabalho e onde as desigualdades sociais não fossem tão abismais. Um livro que nos mostra as pessoas que existem para além do Excel, que mais do que viver acima das suas possibilidades querem ter a possibilidade de viver, a quem os cofres do estado cheios não garantem comida no frigorífico nem salário ao fim do mês.
Um pequeno grande livro, a ler, porque, mesmo que nada nele nos pareça desconhecido, é outra a forma de mostrar a realidade. Um pequeno livro que talvez pudéssemos depôr nas entradas de S. Bento ou da Gomes Teixeira, na esperança de que algum ministro, algum Secretário de Estado, algum assessor, pudesse passar-lhe os olhos antes de vir asseverar, com a voz bem colocada, que o país está, visivelmente, a melhorar.
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