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30.3.24
Dúvidas pascais
- Pai, o que é a Páscoa?
- Ora, Páscoa é …uma festa religiosa!
- Igual ao Natal?
- É parecido. Só que no Natal comemora-se o nascimento de Jesus e na Páscoa a sua ressurreição.
- Ressurreição?
- Ressurreição é tornar a viver após ter morrido. Foi o que aconteceu com Jesus, três dias depois de ter sido crucificado. Ele ressuscitou e subiu aos céus. Entendido?
- Mais ou menos... Mãe, Jesus era um coelho?
- Que parvoíce é essa? Estás-te a passar! Coelho? Jesus Cristo é o Pai do Céu!
- Mãe, mas o Pai do Céu não é Deus?
- É filho! Jesus e Deus são a mesma coisa. Vais estudar isso na catequese. É a Trindade. Deus é Pai, Filho e Espírito Santo.
- O Espírito Santo também é Deus?
- É sim.
- É por isso que na Trindade fica o Espírito Santo?
- Não é o Banco Espírito Santo que fica na Trindade, meu filho. É o Espírito Santo de Deus. É uma coisa muito complicada, nem a mãe entende muito bem, para falar a verdade nem ninguém.
- Bom, se Jesus não é um coelho, quem é o coelho da Páscoa?
- Eu sei lá! É uma tradição. É igual ao Pai Natal, só que em vez de presentes, ele traz ovinhos.
- O coelho põe ovos? Não era melhor que fosse galinha da Páscoa?
- Era, era melhor, ou então peru.
- Jesus nasceu no dia 25 de Dezembro, não é? Em que dia é que ele morreu?
- Isso eu sei: na Sexta-feira santa. Morreu na Sexta-feira santa e ressuscitou três dias depois, no Sábado de aleluia.
- Um dia depois portanto!
- Não, filho - três dias!
- Então morreu na quarta-feira.
- Não! Morreu na sexta-feira santa... ou terá sido na quarta-feira de cinzas? Ouve, já me baralhaste todo! Morreu na sexta-feira e ressuscitou no sábado, três dias depois!
- Como !?!? Como !?!?
- Pai, qual era o sobrenome de Jesus?
- Cristo. Jesus Cristo.
- Só?
- Que eu saiba sim, porquê?
- Não sei não, mas tenho um palpite que o nome dele tinha no apelido Coelho. Só assim esta coisa do coelho da Páscoa faz sentido, não achas?
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A esquerda e a rua
«A esquerda portuguesa tem tido dificuldades em lidar com rua e com o quotidiano de todos. Ao invés de se envolver, de se instalar junto dos demais, parece que a rua espontânea e as gentes patrocinam alguma ameaça a quem a encabeça.
Esse comportamento é visível na relação que mantém, por exemplo, com o movimento climático ou com a diversidade, recorrendo a um certo tokenismo. Essa atitude é expressão da sua elite e perante as críticas correm a denominar-se aliados. Há coisas que a esquerda não pode fazer de bandeira para si própria, a interseccionalidade deve ser incorporada.
Nem tão pouco deve correr o risco de se fechar em si mesmo, criando fóruns que são mais do mesmo, sem nenhuma novidade integrativa e abrangente. Fóruns que apenas servem para promover os interlocutores de sempre a comentadores da praça ou empregados de instituições.
Já não há extremo na esquerda, nem tão pouco a dissidência necessária para mudar as vidas.»
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Alfredo Cunha, 25 de Abril (15)
«Amigos
A partir de agora, recomeço a publicar, na medida do possível, fotografias relativas ao livro "25 de Abril de 1974, Quinta feira". Espero que gostem tanto como eu gostei de o fazer.»
Alfredo Cunha no Facebook.
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Lugares-comuns, duplicidades, agendas escondidas no contínuo político-mediático
«“Palhaçada parlamentar” – Há uma coisa em que muitos jornalistas fazem o papel de alimentadores do Chega. O que aconteceu na Assembleia é mais normal do que anormal, dada a sua composição actual, e em nada justifica a série de designações pejorativas, de “palhaçada”, “teatro”, espectáculo lamentável”, “rebaixamento da Assembleia”, etc. De repente, o contínuo político-mediático encheu-se de gravitas.
O que seria anormal é que um nome proposto solitariamente por um único partido, sem maioria, sem qualquer negociação prévia, mas apenas “informação”, dado como um facto consumado para todos “engolirem”, passaria por uma espécie de carpete vermelha com a obrigação de todos o aprovarem sem reservas. Porquê? A maioria daquilo que se disse como sendo quase uma obrigação institucional não tem qualquer fundamento, nem legal, nem constitucional. Todos os nomes da Mesa da Assembleia vão a votos e ir a votos não é um pró-forma.
É legítimo os deputados, para isso é que a sua decisão é protegida pelo voto secreto, decidirem sobre os nomes propostos fazendo um julgamento moral e político individual. Reprovar um qualquer candidato é inteiramente legítimo, sem que isso signifique qualquer entorse nas regras constitucionais ou em práticas habituais que podem ser mudadas sem crise institucional. Aquilo a que se chama hábitos, procedimentos habituais, não são regras, muito menos regras para uma Assembleia com a composição da actual. Aliás, o facto de se tratar de um voto secreto mostra como, se os deputados tivessem mais vezes a liberdade do segredo, votariam de forma diferente das instruções partidárias.
Em democracia, os parlamentos são o retrato das diferenças e não lugares de "consenso" – A Assembleia não é, como se disse, o “local onde se fazem acordos”, é o local onde se manifestam as diferenças, as “partes” que são o ar da democracia. Só a nostalgia da não-política e a obsessão de que a boa política é o “consenso” – uma das sombras deixada pelos 48 anos de censura e de demonização da política – explicam a pseudo-indignação com o que se passou.
Haver acordos depende do contexto, da composição política, da ecologia política e dos interesses. Ora, a ecologia política dos nossos dias é a da radicalização, verdade seja dita, hoje mais à direita do que à esquerda. E os acordos devem ser julgados não porque tenham de necessariamente existir, mas pelo seu conteúdo e pelo apoio parlamentar que têm.
"Governo de combate" – Outro lugar-comum sistematicamente repetido é a história do “governo de combate”. Mais uma vez, esta designação não significa nada. Ou significa muito, se a entendermos (como não é feito pelos que a usam) como designando um governo cuja prioridade não vai ser governar, mas fazer combate político à oposição e evitar a todo o custo cair. A designação não é inocente, destina-se a minimizar aquilo que, se o Governo fosse do PS, estaria a ser dito por todo o lado: é um governo de partido, em que as escolhas traduzem fidelidades e compromissos partidários antes de competências. Seria, se tivesse outra cor política, designado como um “governo de boys”, o que pode ser injusto para o actual, como para o anterior. Mas o domínio da direita no comentário político e a impregnação do espaço público com classificações convenientes exercem os seus efeitos.
"Oposição de combate" – Interessante verificar que ninguém fala de uma “oposição de combate”, porque isso seria imediatamente classificado como uma posição radical. Orwell explicou há muito que quem manda nas palavras manda em muito mais do que as palavras.
Duplicidade – A duplicidade é o mais perverso processo em curso. Até à queda do Governo do PS, o silêncio era falta de transparência, agora é recato. Se este Governo fosse do PS, havia um clamor sobre um “governo de partido”, que “não se abriria à sociedade”, feito a partir do aparelho partidário, em que a tão elogiada “experiência política” seria vista como uma coisa negativa, etc., etc.
O que é um bom governo em democracia (1) – O ciclo democrático distingue a democracia da demagogia, sua irmã perversa. Um dos aspectos fundamentais que distinguem a democracia da demagogia é não ser uma democracia directa, mas representativa, parlamentar, em que o povo escolhe quem os representa e dá-lhes um poder por um determinado período. Em algumas das democracias, a constituição diferencia, nos corpos eleitos, o tempo entre eleições conforme a natureza das decisões e a sua gravidade, menos tempo para o “governo” corrente, mais tempo para decisões de fundo, em particular o Orçamento, as Forças Armadas, a paz ou a guerra. A razão é permitir tomar decisões difíceis sem a pressão imediata de ganhar eleições. Por isso, o ciclo democrático implica usar o estado de graça para tomar decisões difíceis no início dos mandatos e as mais fáceis, as “eleitoralistas”, no fim. Em democracia, governar para ganhar eleições é normal e aceitável, com a condição de se manter a capacidade de tomar decisões impopulares, mas entendidas como necessárias.
Bem sei que este Governo não tem tempo para cumprir o ciclo democrático habitual, mas se governar apenas a pensar nas próximas eleições, governará mal.
O que é um bom governo em democracia (2) – É não ser um governo assente na resposta a reivindicações. Deste ponto de vista, PS e PSD comportaram-se em campanha do mesmo modo, e uma das fragilidades deste período final do Governo do PS sob tutela presidencial foi criar um vácuo de poder que tornou as reivindicações de professores, polícias e médicos, e de outros grupos profissionais, no cânone das promessas de governação. O que vai acontecer é que ou não se cumprem as promessas, o que é um bónus para a demagogia, ou se cumprem nos termos em que foram aceites e não há “excedente” que resista. Nem “excedente” para o fazer, nem poder político sólido para o recusar. Quem faz a cama acaba por ter de se deitar nela.»
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29.3.24
Rota da Seda, ainda
Detalhe da porta do Mausoléu Gur Emir, túmulo de Timur também conhecido por Tamerlane (1336-1405) - o último dos grandes conquistadores nómadas da Estepe Eurasiática, que construiu um enorme império que se estendeu da Índia ao Mediterrâneo. Samarcanda, Uzbequistão.
A fotografia foi tirada por mim em 2011.
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29.03.1974 - “Grândola” no Coliseu pelo fim da ditadura
Há 50 anos, o Coliseu de Lisboa assistiu a uma das últimas acções públicas contra a ditadura, durante a qual se cantou, pela primeira vez em público em Portugal, “Grândola, Vila Morena” de José Afonso.
Um detalhado resumo deste acontecimento AQUI.
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“Já chega de Chega”
Um podcast em que MST retoma o tema do texto que aqui divulguei esta manhã, mas não só.
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Acarinhá-los? Não: enfrentá-los e derrotá-los
Hugo Pinto
«Despachado como pára-quedista para chefiar a lista da AD no Algarve, o vice-presidente do PSD, Miguel Pinto Luz, teve uma derrota tão previsível quanto humilhante, atrás do PS e do Chega. Talvez a pensar já na desforra a curto prazo, não perdeu tempo a namorar os eleitores do Chega, afirmando que eles têm de ser “acarinhados”. Mas, verdade seja dita, o instinto de compreensão e tolerância para com o milhão e cem mil eleitores do partido de André Ventura contagiou todos ou quase todos os que foram chamados a enfrentá-lo nas eleições de 10 de Março, começando logo por Pedro Nuno Santos. Era preciso, explicaram-nos, entender as razões da sua “revolta”, do seu justo desencanto com a política e o estado do país, de igual forma que a mesma compreensão, e até rendição, era necessária para com a revolta do braço armado do Chega — os polícias de camisas negras, a cantar o hino como patriotas de excepção e a ameaçar um motim público, todavia juntando à solidariedade óbvia de Ventura também a do Bloco de Esquerda ou de comentadores como Daniel Oliveira. Até parece que não perceberam o que têm pela frente: não se trata só de combater ideias “racistas e xenófobas”, como repetem preguiçosamente (e, como se viu, sem sucesso), mas de tentar deter uma onda galopante de demagogia desenfreada e populismo de taberna que tornará o país ingovernável e, por arrasto, a democracia indefesa.
Quando oiço os dirigentes políticos da democracia falarem do Chega, percebo até que ponto é restrita a liberdade de pensamento de quem faz da política a sua profissão e da necessidade de ganhar votos a sua sobrevivência. De quem, como Pinto Luz, precisa de namorar todos os eleitores, incluindo aqueles que os desprezam. Eles não podem dizer, nem sequer murmurando, aquilo que salta à vista, que é o inimigo a enfrentar: não André Ventura, que lançou a semente à terra e a rega e aduba inteligentemente, mas sim os que o seguem como a um Messias. Quem já viu desfilar na TV brasileira os inúmeros canais das Igrejas Evangélicas (que já têm também representantes na bancada parlamentar do Chega) não ignora as semelhanças: o problema não são os “sacerdotes” e “bispos” daquelas confrarias de bandidos da fé, mas sim o “rebanho” de descamisados sem causa, de alienados à mercê de aldrabões de feira. O problema, meus caros senhores, não é André Ventura, o único verdadeiro dirigente da confraria: o problema é mesmo o povo, o povo do Chega.
Divido esse povo em duas categorias: os mal informados e os mal formados. Os mal formados são os tais racistas por doença mental, xenófobos por nacionalismo pacóvio e saudosistas do Estado Novo por conforto pessoal — são a minoria, os “intelectuais” do partido. Os mal informados, a grande maioria, são uma amálgama entre aqueles que, ignorando tudo sobre o estado do mundo, que confundem com as “verdades” que lhes debita o algoritmo das redes sociais a eles destinado, acham que Portugal só não é um país triunfante entre todos porque “eles”, os que nos governam, são corruptos e inimigos do povo; e, por outro lado, aqueles que sempre existiram e que representam o Portugal no seu pior: os maledicentes profissionais de café, os intriguistas, os invejosos, os frustrados, os falhados, os que nunca reconhecem o mérito alheio nem aceitam o mérito como critério na sua actividade — a grande coligação dos medíocres. Esses confundem democracia com prosperidade e preferem sempre o seu bem-estar pessoal à liberdade colectiva e individual. Esses — não todos, mas a maior parte — precisam que apareça alguém a dizer-lhes que o seu mal-estar nunca é culpa própria, mas “deles”, e que lhes explique que a frase de Kennedy deve ser lida ao contrário: “Pergunta o que o teu país pode fazer por ti.” Porque não se informam, ignoram tudo sobre a conjuntura internacional e pensam que só por mau governo e má vontade é que Portugal não é um oásis de prosperidade. Porque não pagam impostos nem se preocupam com a despesa ou a dívida do Estado, acreditam nos milagres económicos, tão evidentes e tão simples, que Ventura lhes propõe como alternativa. Porque não são livres, não se importam de viver na dependência e, porque não são sérios na sua forma de estar, não gostam de ver os imigrantes estrangeiros na “sua” terra, mesmo a fazer os trabalhos que eles não querem fazer e que o tal “sistema” que tanto odeiam os subsidia para não terem de fazer — ao contrário do que os seus pais e avós fizeram outrora, sem desfalecimento, durante a “prosperidade” do salazarismo, naquelas comunidades de emigrantes cujos descendentes agora, vá-se lá saber porquê, também deliram com o Chega, porque estão “revoltados”.
Revoltados? Revolta é uma coisa séria, isto não o é. Sim, há sobejas razões de revolta: uma globalização que ajudou os miseráveis mas desprotegeu os simplesmente fracos ou pobres; um capitalismo que desregulou o mercado, capitulando perante os grandes interesses e corporações; uma cultura woke levada ao extremo da idiotice que agride e afasta multidões de gente simples; uma geração de líderes sem rasgo nem coragem, com medo de dizer as verdades e de fazer opções claras — aliás, muito aterrorizados por um populismo que não sabem ou não querem enfrentar em campo aberto. Mas essa revolta, para ser séria, não pode alimentar-se da ignorância, da demagogia e do triunfo da mediocridade.
Não, eu não tenho a menor vontade de acarinhar os votantes do Chega, sejam eles quantos forem. Quem deve ser acarinhado são os outros: os que votam na democracia, os que acreditam na liberdade como primeiro valor da vida colectiva, os que não querem depender nem esperar por milagres ou embustes prometidos mas abrir caminho por si, pelo seu esforço, o seu trabalho, a sua criatividade, a sua contribuição para a sociedade. Os 80% que não votaram no Chega. Esses é que têm de ser acarinhados, apoiados, empurrados para cima, para que não fiquem apea¬dos por falta de oportunidades, enquanto se gastam atenções e recursos com os inúteis sentados nos cafés a dizer mal do “sistema”, só porque desta vez descobriram as virtudes do sufrágio universal e lá se dignaram levantar o cu da cadeira e ir votar na alternativa do Dr. Ventura.
Não é um combate fácil, mas, sobretudo, tem de ser travado e tem de ser ganho — não dando tréguas na luta das ideias, no desmascaramento das mentiras e na exposição do embuste. E governando bem, governando a pensar no país e não no partido, privilegiando não quem mais exige mas quem mais retribui, não quem mais grita e tem mais palco mas quem mais produz, mais inova e mais arrisca. Acordando no que é essen¬cial em cada momento e discordando no que é diferente, mas, acima de tudo, não tendo medo de contrapor sempre a verdade e os factos contra a demagogia e o facilitismo de dizer ao povo o que o povo quer ouvir e não o que o povo precisa de ouvir.
Cito e subscrevo aquilo que Francisco Mendes da Silva escreveu no “Público” há 15 dias: “O tal povo ‘esquecido’ que vota em Ventura é muito mais ouvido do que se pensa. Determina muito mais do que se julga as prioridades mediáticas do país.” Isto é um facto, e a imprensa também tem muitas responsabilidades no assunto. Esta nossa doentia tendência para dar sempre mais voz e mais importância a quem mais berra ou desfila pelas ruas a cantar o hino tem como contrapartida o esquecimento de todos os outros. E os outros são os 80% que não votaram no Chega ou os 50% que pagam IRS. Só num país desnorteado é que a prioridade são aqueles e não estes. Olhemos para cima e para a frente, não para trás ou para baixo. Deixem que o diga com todas as letras: aquela senhora que eu vi na televisão a dizer que ela, a filha e a neta desta vez tinham decidido ir votar e todas tinham votado no Chega, para “ver se as coisas melhoram”, não me inspira compreensão alguma — apenas desprezo. Vai fazer 50 anos que a senhora só podia votar em eleições de fantochada e aposto que não estava melhor na vida.»
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28.3.24
Rota da Seda
Kalta Menor, minarete de azulejos multicoloridos, Khiva, Uzbequistão. 1852, reconstruído em 1996-97.
Daqui.
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Alfredo Cunha, 25 de Abril (14)
«Amigos
A partir de agora, recomeço a publicar, na medida do possível, fotografias relativas ao livro "25 de Abril de 1974, Quinta feira". Espero que gostem tanto como eu gostei de o fazer.»
Alfredo Cunha no Facebook.
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A vitória quase invisível do Chega
Daniel Rocha
«Quanto à análise do que aconteceu na última terça-feira, remeto para o texto de ontem. Ao apresentar Francisco Assis como candidato à Presidência da Assembleia da República, depois de um acordo furado entre o PSD e o Chega, o PS tinha conseguido que a pressão ficasse onde tinha de estar: nos dois partidos que assumiram ter uma maioria e depois se desentenderam.
Mas, apesar da pressão estar sobre o Chega, foi o PS que não a aguentou. Chamado a resolver os problemas a Montenegro quando Ventura lhe falha, era evidente que assumiria o papel de “adulto na sala”, como o discurso político pueril gosta de dizer, amarrando-se ao papel que já se percebeu que terá. Se tem agora, quando não está em causa nada de fundamental para os cidadãos, imaginem quando for a sério. O que eu não esperava é que juntasse à mera desistência da sua candidatura, que ficou em primeiro duas vezes, um acordo absurdo.
Se o impasse continuasse o PS acabaria por eleger José Pedro Aguiar-Branco. Não iria criar um impasse institucional. Mas teria de fazê-lo sem negociações ou moedas de troca para além, talvez, da recusa do nome de Pacheco Amorim para vice-presidente da AR. Como o PSD só fez asneira, tudo estava a favor do PS, que podia determinar os seus tempos, sem se envolver em acordos. Tinha o candidato mais votado e os argumentos que PSD e Chega lhe ofereceram de borla. Mas não se limitou a retirar a pressão sobre o Chega ao fim de 24 horas. Foi muito mais longe, achando que estava a conquistar alguma coisa: firmou, do ponto de vista simbólico, um acordo de bloco central para uma legislatura. Isto depois do PSD o ter ignorado, ter preferido falar com o Chega e ainda ter acusado o PS de convergir com Ventura.
Sem mérito do PS, o PSD deu-lhe uma oportunidade rara e o PS não aguentou 24 horas de pressão. Este era um momento pouco importante para a vida das pessoas, mas vai a determinando o padrão do que vai acontecer. E o que vai acontecer é isto: quando o Chega saltar fora (e é o que fará sempre que sentir que o PS pode estar a ganhar a liderança da oposição), o PSD chama o PS, como plano B, e amarra-o. Este foi o teste. Nos outros vai ser pior, porque estarão em causa a continuação do governo e questões relevantes para a vida das pessoas. O que quer dizer que, se o padrão de ontem se repetir, o PS nunca conseguirá fazer oposição.
Porque é que este acordo é pior do que seria a simples cedência, com abandono da candidatura? Porque é uma fraude prática e uma tragédia simbólica.
Na prática, o PS fica com a presidência da Assembleia da República na segunda parte do mandato que só os muito otimistas acreditam virá a acontecer. Ou o PS acredita que esta legislatura dura até ao fim, ou está satisfeito porque partilhou um queijo suíço e ficou com os buracos.
Do ponto de vista simbólico, a imagem dos dois partidos do “sistema” a chegarem a um acordo para partilharem uma cadeira é, nas águas onde o Chega pesca, perfeita. É acompanharem a campanha digital desenvolvida pelas suas figuras mais populares nas redes – que os media desconhecem – para perceber como a bolha vive uma realidade paralela à dos seus potenciais apoiantes. Não há acordo que dê menor dignidade institucional ao “bloco central” do que este. A presidência rotativa (que não nasce de qualquer tradição europeia, mas como solução de emergência) é o melhor que o Chega poderia ambicionar desta novela. Como bónus, a traição não lhe valeu o voto do PSD no seu vice-presidente, o que prova que o objetivo preferencial de Montenegro, depois do desastre, era prender o PS, não era entalar o Chega.
Teria sido francamente melhor o PS limitar-se a deixar passar o nome, sem exigências vazias e simbolicamente prejudiciais. Na prática daria no mesmo e não passaria a pior imagem. E o PS nem sequer exigiu o afastamento de Pacheco Amorim da vice-presidência, aceitando que o PSD mantenha o apoio ao vice do Chega no preciso momento em que vai bater à sua porta para o salvar de uma traição do Chega.
O PSD percebeu que o PS não aguenta 24 horas de pressão, mesmo quando o jogo é a feijões. Sabe que só tem de o prender à “responsabilidade” de o suportar e de entregar a oposição ao Chega, preparando o caminho para o voto útil pela democracia na AD. Apesar do enorme dano na sua imagem, o PSD teve uma vitória que parece uma derrota – tem o PS mais amarrado. O PS tem uma derrota que parece uma vitória – perdeu autonomia, em vez de a ganhar. E o Chega tem os dois tão junto como os queria.
No fim, temos uma situação caricata: BE, PCP e Livre apoiaram o PS na sua candidatura à Presidência da Assembleia da República, sem falharem com um voto; o PS saltou disso para um acordo com o PSD depois do PSD ter feito um acordo com Chega que correu mal; e, apesar disto, o PSD manteve o voto no vice-presidente proposto pelo Chega depois deste lhe roer a corda. É como se existisse um respeito institucional gradativo que vai indo da esquerda para a direita. Não se pode criticar quem mais ganha com ele.
Resta esperar que Aguiar-Branco, que teria sido eleito à primeira se a liderança do PSD não se tivesse revelado tão incompetente, seja bom presidente numa AR que promete ser a mais difícil de sempre.»
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27.3.24
Diogo Pacheco de Amorim eleito VP da AR
Hoje sai mesmo apenas o chavão:
Não foi para isto que aconteceu o 25 de Abril. E até acrescento: nem mesmo o 25 de Novembro.
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Presidência repartida?
Espero que o acordo entre PSD e PS fique POR ESCRITO e assinado por Luís Montenegro e Pedro Nuno Santos em nome dos respectivos partidos.
«Por isso mesmo, o acordo entre os dois maiores grupos parlamentares implicará que o social-democrata José Pedro Aguiar-Branco renuncie no termo da segunda sessão desta legislatura»
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Ninguém conseguiria tramar o PSD como o PSD se tramou
«A ver se consigo reconstituir o essencial do primeiríssimo e desastroso momento da maioria de direita. O PSD decide chegar a um entendimento para troca de votos com o Chega, garantindo a eleição de Pacheco de Amorim – já tinha sido a sua posição em 2022 – e o voto dos 50 deputados de extrema-direita em José Pedro Aguiar-Branco. Não fez, nem antes nem depois, um esforço de entendimento com o PS, deixando claras as suas preferências para o futuro, no que não corresponda a prender os socialistas a um orçamento para o impedir de fazer oposição.
Nas 12 horas seguintes, a AD deixa que Nuno Melo e Paulo Rangel neguem o entendimento com o Chega que nunca foi recusado por quem tem responsabilidades parlamentares. Apesar das pantomimas habituais, o Chega mostra compreensível incómodo por ser tratado como “intocável” por quem não deixa de querer os seus votos. E como é o Chega, tira o tapete ao PSD sem qualquer aviso.
Não satisfeito com o disparate, Miranda Sarmento resolve acusar o PS (com quem nem sequer falou) de se aliar ao Chega (com quem o PSD tinha um acordo), numa total inversão dos factos (a aliança que correu mal era entre PSD e Chega) e dinamitando pontes que ainda pudessem existir com os socialistas que decidira ignorado. E ainda tem a lata de ir pedir ao PS que seja uma espécie de suplente do Chega, substituindo os votos que este negou à última da hora.
Assim começou o mandato de Luís Montenegro como líder de uma curta maioria parlamentar. Prova-se que gerir silêncios não chega para ser um bom líder, muito menos quando o contexto político é tão difícil como este. A sorte é isto não ser importante para a vida concreta dos portugueses.
Algumas lições que o PSD pode tirar de um episódio que, se não tiver cuidado, se pode transformar no padrão desta legislatura. Um começo que já está a ajudar a marcar o lugar que cada um ocupará neste complexo xadrez político.
1 – O País não é a Câmara Municipal de Lisboa. As regras não são as mesmas, as consequências de uma crise não são as mesmas, o que está em jogo para cada um dos partidos não é o mesmo, o dramatismo de cada derrota não é o mesmo e o escrutínio mediático não é o mesmo. A “estratégia Moedas” de ir apresentando coisas a ver quem chumba para depois se vitimizar encontrará muito mais dificuldades e resistência. Duvido que funcione como tem funcionado em Lisboa.
2 – Aconselha-se o respeito político pelos oponentes. O PSD teve 29% dos votos, a pior percentagem (somada com o CDS) de sempre, e tem 78 deputados, exatamente o mesmo que o PS – na realidade, se o CDS valer o mesmo que o pior resultado de sempre, com Francisco Rodrigues dos Santos, o PSD vale menos 30 mil votos do que o PS. É deslocada a arrogância com que entrou neste processo.
3 – PSD, PS e Chega estão lutar pela sua autonomia estratégica que pode determinar a sua própria sobrevivência política. Isso será, em grande parte, decidido nestes primeiros meses, em que ficará claro que se o PSD tem um interlocutor preferencial, se fica em condições de o prender à sua governação e se terá condições para o responsabilizar por uma crise política. Será isto que dará mais ou menos liberdade de cada um decidir o que fazer a qualquer momento – no caso do PS, isso inclui oposição construtiva, só possível se não ficar sob chantagem. Nenhum aceitará ser usado sem dar muita luta. O PSD terá de decidir se quer matar o PS, amarrando-o ao seu governo, ou se prefere normalizar o Chega, abrindo o diálogo com ele. Tudo mau, mas é o que resulta das eleições.
Os jogos de sombras, as meias palavras, os acordos escondidos, as chantagens dissimuladas só resultariam com muita arte política. Aquela que conhecemos, como a poucos, a António Costa. E que Luís Montenegro está muito longe de ter. Não tendo, deve evitar brincar com o fogo. Neste jogo, o PSD terá de fazer escolhas e aceitar o preço dessas escolhas. Quando quiser fazer acordos com o Chega, terá de os assumir. Quando quiser falar com o PS, não fala antes com o Chega (os socialistas não aceitam conversar tripartidas) e tem em conta que está a conversar com um partido que tem os mesmos deputados que ele.
O primeiro dia do resto da vida do PSD não podia ter sido mais desastroso. Juntou-se o amadorismo ao cinismo, uma combinação politicamente explosiva. O Chega mostrou a massa de que é feito e que não aceita ser o amante escondido. O PS mostrou que não cai facilmente em ciladas e não aceita ser o plano B do PSD.
O Chega conseguiu o caos de que se alimenta. O PS conseguiu uma primeira volta em que houve três blocos e o da esquerda é maior e uma segunda em que já só o Chega, que ficou pelo caminho, pode ser pressionado. O PSD, com a sua displicência arrogante e o seu jogo dúplice, ofereceu ao PS todas as condições para apresentar o seu próprio candidato. E ofereceu ao Chega o poder de decidir. Ninguém conseguiria tramar o PSD como o PSD se tramou.»
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26.3.24
Esgotos
Estação de bombeamento de Crossness, sob as ruas de Londres, parte da reconstrução do sistema do esgoto da cidade. 1859-1865.
Construtor: William Webster.
Daqui.
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As direitas começam bem
Líderes do PSD e do Chega tinham combinado apoio, mas Aguiar Branco não foi eleito: só teve 89 votos a favor (134 votos brancos e 7 nulos).
P.S. 19:00 - A AD retirou a candidatura, nova reunião às 21h para apresentação de outras hipóteses pelos vários partidos.
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Eleições e coligações
«Como é sabido, com o nosso sistema eleitoral, a distribuição dos lugares de deputados depende muito da existência ou não de coligações pré-eleitorais. Com essa vantagem, a AD ganhou, embora por pouco, as legislativas de 10 de março. Mas com os dados apurados é agora possível compreender qual teria sido a distribuição dos mandatos se tivessem existido outras coligações pré-eleitorais, tanto à esquerda como à direita. É o resultado deste exercício que aqui se apresenta no gráfico com a distribuição atual de mandatos no círculo de dentro e com a que resultaria de potenciais coligações no círculo de fora.
Se a "Esquerda + Verde" (PS+BE+CDU+Livre+PAN) tivesse concorrido coligada e obtido o mesmo número de votos, o número de mandatos conquistados teria aumentado dos actuais 92 (78+5+4+4+1) para 106, resultando na diminuição de uma potencial coligação de centro-direita (AD+IL) dos atuais 88 (80+8) para 84 mandatos e numa redução ainda mais significativa do Chega, que teria obtido 40 em vez dos 50 mandatos.
Na verdade, o reforço da representação parlamentar da "Esquerda + Verde" não teria, no entanto, sido suficiente para atingir a maioria absoluta, ficando ainda a 10 mandatos de distância. No entanto, com os mesmos votos, os papéis teriam ficado trocados.
Teria sido naturalmente Pedro Nuno Santos o indigitado para a formação de governo e seria a Luís Montenegro que se pediria que, em nome da estabilidade, viabilizasse um programa da "Esquerda + Verde" e os seus orçamentos. E se, como noutros países, a maioria relativa fosse suficiente, não seria mesmo necessário pedir a Luís Montenegro, como agora se pede a Pedro Nuno Santos, esse exercício de responsabilidade.
De qualquer forma, é claro que a existência de coligações pré-eleitorais pode fazer a diferença. Fez a diferença nestas eleições com a vitória da AD. E espero que também a possa fazer no futuro para uma "Esquerda + Verde".»
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25.3.24
Tinteiros
Tinteiro Jugendstil banhado a prata, em forma de coruja estilizada com olhos de vidro. 1906.
WMF, Alemanha.
Daqui.
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Viabilizar o governo da AD?
«A coligação vencedora propõe-se fazer crescer a despesa pública por diversas vias (aumento dos salários e revisões das carreiras da função pública, aumento do Complemento Solidário para Idosos, criação de um Suplemento Remunerativo Solidário, universalização do acesso a creches, aumento das dotações orçamentais em diferentes áreas de governação), ao mesmo tempo que pretende diminuir a receita fiscal (baixa geral do IRS, redução progressiva do IRC, isenção de impostos e contribuições para prémios de produtividade), prometendo mesmo assim continuar a reduzir a bom ritmo a dívida pública sobre o PIB. A AD diz que tudo isto será possível porque as suas políticas vão pôr a economia portuguesa a crescer muito acima do que é esperado. Talvez seja pedir demasiado aos partidos da oposição que validem fantasias milagrosas.»
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24.03.1976 – Argentina: os «desaparecidos»
Jorge Vileda explica porque «desapareceram» milhares de pessoas:
Eduardo Galeano, Los Hijos de los Dias.
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O caso Fernando Medina
«Comecemos pelo princípio: Fernando Medina perdeu as eleições contra Carlos Moedas num domingo que foi inesquecível. As sondagens indicavam uma vitória segura de Medina e ninguém estava preparado para aquele resultado, a começar pelo próprio Carlos Moedas. Os eleitores de esquerda não estavam muito conscientes de que nas autárquicas não existem coligações pós-eleitorais possíveis para ganhar o executivo. O caso de última hora de Margarida Martins em Arroios também ajudou. Medina perdeu por pouco, mas perdeu. Sabe Deus que se as eleições se tivessem repetido no dia seguinte Medina ganharia.
Foi um dos melhores presidentes de câmara que já passaram por Lisboa e não me esqueço que António Costa consta da lista. Falhas e erros existiram, mas foi tão bom que permitiu que a história de Carlos Moedas enquanto presidente de câmara se possa resumir a fazer marketing e comunicação.
Na serra algarvia diz-se: “Pais fuções, filhos barões.” “Fução” é uma palavra que não existe na língua portuguesa, mas muito importante na serra. Significa trabalhador obstinado. Carlos Moedas é o filho barão do pai fução Fernando Medina. Vive descontraidamente dos rendimentos do património construído pelo seu antecessor. Não precisa de fazer muito. Inaugura obras e projetos que Fernando Medina deixou começados, projetados, com os concursos públicos lançados e alguns com financiamento já assegurado (como o plano de drenagem da cidade).
Pelo caminho, ainda deixou na gaveta projetos fundamentais para a estrutura ecológica da cidade, como o Vale de Alcântara ou o Vale do Forno, que concretizavam a visão de Ribeiro Telles para Lisboa, que Sá Fernandes quase concluiu. Para a gaveta foram também vários projetos de habitação acessível. Não construiu ciclovias e ainda acabou com a da Avenida de Berna. Privilegia os carros e revela uma visão retrógrada de cidade. Mas tudo passa de fininho. Moedas sabe investir e inovar na sua própria propaganda enquanto explora um legado que lhe permite disfarçar um vácuo total nas políticas da cidade.
E eis que agora pode repetir-se a proeza.
Não fui a maior adepta da lógica de contas certas seguida por Fernando Medina enquanto ministro das Finanças. Mas é certo que o seu trabalho foi notável e que existe um excedente orçamental histórico. E qual é o resultado disto? É que novamente será a direita a fazer um brilharete às custas da sua herança.
Medina deixa a Luís Montenegro os meios para, por exemplo, satisfazer as reivindicações das classes profissionais a que o Governo de António Costa não cedeu. Porque não cedeu? Em nome de uma lógica governativa de gestão rigorosa, precisamente a que possibilitou gerar este excedente. Montenegro poderá colher os frutos dessa gestão e fazer a parte simpática: dar os aumentos que todos exigem legitimamente. E inverte-se assim aquilo de que as governações socialistas têm sido acusadas: de deixar o país em maus lençóis ou, como a direita gosta de dizer, em bancarrota.
Fica aberta uma brecha para Montenegro arrancar com uma governação em que a direita faz as pazes com funcionários públicos e sectores profissionais ressentidos. Esse arranque poderá garantir a Montenegro a sua reeleição caso não leve o seu mandato até ao fim, como é altamente previsível.
Viver em democracia e num sistema em que os governantes têm mandatos curtos de quatro ou cinco anos é uma conquista. Nunca se pensou em nada melhor, pelo menos melhor para as pessoas. Mas nada é perfeito. Este sistema democrático desmotiva os políticos a tomarem decisões e a fazerem políticas cujos impactos apenas se façam sentir findos os seus mandatos. É preciso ganhar eleições. Os cálculos são feitos de forma a deixar a parte da distribuição de riqueza e aumento da despesa para o final dos mandatos. Não costuma falhar.
Claro que, desta vez, trocaram as voltas a Fernando Medina. Num governo de maioria absoluta fazia sentido que contasse levar o mandato até ao fim. Haveria tempo, e mais importante: dinheiro, para distribuir numa segunda fase que não chegou a acontecer.
Não pretendo avaliar se acabei de escrever um elogio ou uma crítica a Fernando Medina. Como elogio, digo que é um dos políticos mais preparados e competentes que temos. Por onde passa os celeiros transbordam. Como crítica, digo que Medina melhorou o país, mas não melhorou a vida das pessoas. Uso as palavras que Montenegro usou para elogiar Passos Coelho. É justo. Montenegro é o filho barão que se segue.»
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24.3.24
Jornalistas
«Imaginemos 24 horas sem jornalistas em todo o mundo.
É um enredo para um livro distópico de terror.
Em 24 horas, todos estariam livres, humanos e máquinas, para produzir milhões de bytes de informação falsa ou até eventualmente verdadeira, mas não haveria ninguém para as distinguir. Nenhum órgão de comunicação social estaria em funcionamento para nos acalmar sobre as prováveis notícias loucas, alarmistas e falsas que circulariam.
E se não fossem 24 horas, mas uma semana de ausência total de jornalistas? Ou um mês? Ou um ano?
Nesse período, facilmente com notícias falsas indistinguíveis das verdadeiras, se escalariam ódios em relação a certas minorias, ou populações determinadas, e em relação a certas pessoas; poderiam circular notícias de tempestades iminentes na nossa cidade, notícias de assaltos numa certa zona da cidade; em suma, seria um caos total e uma desconfiança absoluta: o que será que está a acontecer? Ninguém saberia responder.
Poderíamos, então, fazer um livro de ficção com a premissa: e nesse dia acabaram os jornalistas em todo o mundo. E veríamos que esse livro de ficção descreveria a seguir um mundo em que ninguém saberia o que estava verdadeiramente a acontecer e que por isso seria gradualmente caótico, uma distopia que terminaria numa guerra civil generalizada. Porém, evidentemente, nunca saberíamos se essa guerra civil teria mesmo acontecido ou se seria apenas uma falsa informação.»
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Alfredo Cunha, 25 de Abril (13)
«Amigos
A partir de agora, recomeço a publicar, na medida do possível, fotografias relativas ao livro "25 de Abril de 1974, Quinta feira". Espero que gostem tanto como eu gostei de o fazer.»
Alfredo Cunha no Facebook.
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Um PS acha que “há vida para lá do excedente”, o outro PS não
«A frase politicamente mais interessante deste sábado foi a do presidente do PS, Carlos César, a falar como “se não fosse presidente do PS”, uma vez que sendo, como é, presidente do PS, a declaração que decidiu fazer à entrada para a comissão nacional do partido é partidariamente incorrecta: “Espero que o excedente [orçamental] não seja um excesso.”
A alegada “esperança” de César é quase uma declaração de guerra ao passado governativo do PS. E tem um subtexto: a teimosia do Governo Costa em não resolver problemas sociais, como os de várias carreiras da Função Pública, professores, polícias, Serviço Nacional de Saúde, para não gastar o “ouro do Banco de Portugal”, pode muito bem ter custado as eleições ao PS.
Vamos a ficar a saber a percentagem exacta do excedente orçamental esta segunda-feira, mas o Banco de Portugal já diz que será de 1,1%, um valor superior à percentagem “excedentária” de 0,8% para que o Governo apontou. É provável que o número se confirme ou venha a ser superior e então o excedente é capaz mesmo de se revelar “um excesso”. É provável que nesse “excesso”, e nas inúmeras classes zangadas (com razão) com o Governo e com os serviços públicos, se possa explicar uma parte da votação no Chega.
Se é um facto que a votação no Chega torna absolutamente inequívoca a vitória da direita, a votação na AD não corresponde de todo à euforia que por estes dias se vive nas hostes sociais-democratas e centristas. Obviamente, ganharam. Mas o facto de o PSD vir a ter na Assembleia o mesmo número de deputados que o PS não é um cenário que possa deixar os sociais-democratas despreocupados com o futuro.
Segundo os dados finais das eleições, agora publicados, a coligação alcançou a vitória pela margem mais curta de sempre. O partido do primeiro-ministro elegeu o mesmo número de deputados que o partido do líder da oposição – 78. Só dois deputados do CDS perfazem a maioria que permitiu a Montenegro ser esta semana indigitado primeiro-ministro. A diferença de votos entre PS e AD é de uns minimais 54 mil votos. Claro que por um voto se ganha e por um voto se perde – mas isto obriga a que, depois do desgaste de oito anos de Governo PS, PSD e CDS não se iludam com a euforia do regresso ao poder e façam uma reflexão tão séria como aquela a que o PS está, neste momento, obrigado.
A verdade é que na campanha do PS, Pedro Nuno Santos abraçou todo o legado, incluindo o excedente. Apesar de ser opositor de António Costa e de Fernando Medina nesta questão da utilização das margens orçamentais, só muito sibilinamente o ia dizendo em público. A súbita demissão de António Costa – por causa do dinheiro encontrado na sala do chefe de gabinete e do famoso parágrafo do comunicado da PGR – obrigava a uma rápida união do PS, o que podia não ser fácil.
Na campanha, o Pedro Nuno Santos que muitas vezes foi contra a linha oficial do partido sumiu e deu lugar a uma figura deslocada, com extrema necessidade de defender todo o legado (repetiu milhões de vezes o mantra das contas certas) e minimizar as diferenças. Pode-se fazer o raciocínio oposto: teria o PS ainda menos votos se não abraçasse como abraçou o “legado”? Não descartar.
Mas a verdade (e eleições à parte) é que, dentro do PS, o legado dos excedentes orçamentais – em detrimento da solução dos problemas das pessoas – já começa a ser fortemente questionado. A declaração de César, que é hoje o principal conselheiro de Pedro Nuno Santos, é disso prova. Só faltou ao presidente do PS recuperar um slogan velhinho, de há quase 30 anos, de António Guterres quando combatia Cavaco Silva: “As pessoas primeiro.” »
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