Sob a forma de carta aberta, por Henri Pena RuizTexto original em francês e tradução em português, divulgados por
República e Laicidade.
Especialmente oportuno, na véspera das eleições francesas.
Sob a forma de carta aberta, por Henri Pena RuizTexto de Fernando Penim Redondo
(também publicado em http://dotecome.blogspot.com)
Fernando Penim Redondo desenvolveu a sua actividade profissional no domínio dos Sistemas de Informação, nomeadamente na IBM. Publicou, juntamente com Mª Rosa Redondo, Do Capitalismo para o Digitalismo ( Campo das Letras, 2003). Actualmente, é um fotógrafo exímio e um cibernauta compulsivo.Foi membro do PCP durante 27 anos.
Nasci numa família um pouco esquizofrénica no plano religioso.Por um lado o meu pai era, e ainda é aos 94 anos, profundamente anticlerical. Por outro, a minha mãe foi praticando abnegadamente o catolicismo até que, depois do 25 de Abril e com mais de 60 anos, se afastou irremediavelmente da igreja.
Eu, levado pela minha mãe desde muito cedo, frequentei as missas e só nos meus dezasseis anos me "zanguei" com a igreja sob o pretexto das perguntas indiscretas, e insistentes, durante a confissão dos meus ingénuos "pecados sexuais".
A maravilhosa disponibilidade da adolescência levou-me directamente da admiração pelas realizações do Salazar, descritas ao pormenor no Diário de Notícias, para a militância clandestina no PCP, em 1966. Devo isso a alguns amigos que me acompanharam, e acompanham, ao longo da vida.
Vem isto a propósito do livro da Joana,"As Brumas da Memória", para que se perceba por que vou dizer aquilo que vou dizer.
A juventude é dada aos fanatismos e eu, confesso, pensei durante muito tempo que os fanatismos se dividiam entre os bons, que eram os nossos, e os maus que eram os dos outros. No caso dos católicos progressistas a imagem que eu tinha, na minha fase militante da juventude, era mais a dos equivocados que embora subordinados a um fanatismo dos maus queriam "dourar a pílula" com uns "tagatés" ao contrário.
Uma vez ou outra o funcionário do Partido com que na altura me encontrava lá mencionava uma vigília qualquer, como quem diz "não estamos sós", mas a coisa tinha um certo ar folclórico quando comparada com as elaboradas técnicas conspirativas que nós praticávamos.
Só muito mais tarde a vida me ensinou a abominar os fanatismos todos. O meu problema agora é cuidar, todos os dias, de não os abominar fanáticamente.
Tal como os vírus que habitam, sem consequências, os nossos corpos também o fanatismo, nas suas várias formas, pode permanecer inócuo. Em determinadas circunstâncias degenera em formas agudas de imposição aos outros de "verdades inquestionáveis". A cadeia de raciocínios é simples: se a "verdade" é inquestionável torna-se incompreensível que alguém a não queira ou que a ela resista; essa recusa da "verdade" indicia incapacidade ou perfídia; em qualquer dos casos, como a "verdade" é inquestionavelmente favorável, resulta legítimo impô-la aos relapsos mesmo contra a sua vontade.
O facto de rejeitarmos o fanatismo não significa que devamos rejeitar a adesão a ideais, ideologias, misticismos ou utopias. Significa, isso sim, a adopção da relatividade e falibilidade dos julgamentos humanos que reserve para casos extremos, prementes e inevitáveis, a substituição da persuasão pelo uso da violência física ou intelectual.
Talvez por tudo isto penso que a Joana escreveu o livro no tempo certo; pelo que vai no mundo, porque há uma geração que começa a despedir-se e, para além de tudo o mais, porque só agora eu já estou em condições de o ler.
Se tivesse escrito antes talvez eu não fosse capaz de apreciar a hábil mistura de marcantes experiências pessoais, episódios pitorescos e verdadeiros "factos históricos".
Talvez a ternura com que os leio não tivesse sido possível.

Durante a preparação do meu livro, recolhi alguns documentos que acabei por não publicar, ou porque me não me pareceram adequados ou, pura e simplesmente, por critérios de razoabilidade quanto ao volume dos Anexos.
É o caso deste texto preparado por Nuno Teotónio Pereira para um colóquio no Museu da República e da Resistência, que teve lugar em 1996.
«1 - Convertida ao catolicismo já na idade madura, não suportou a flagrante contradição entre as solenes e sistemáticas declarações dos políticos do Estado Novo, e da grande maioria dos bispos, em prol da civilização cristã, e a traição permanente às exigências evangélicas, praticadas pela ditadura. Permanentemente revoltada contra a censura, as prisões arbitrárias, a tortura sobre os presos políticos, a violação dos mais elementares direitos da pessoa, a mentira instalada e a injustiça da guerra colonial, a sua luta não conheceu descanso, pois não chegou a ver o 25 de Abril. Pela força das suas convicções, pela coragem e pela determinação que punha em tudo em que se empenhava, pode dizer-se que foi a alma de muitas da actividades contra o regime desenvolvidas nos meios católicos desde a campanha de Humberto Delgado até à sua morte. E fê-lo sempre com um grande sentido de trabalho em comum, suscitando colaborações e entusiasmos.
2 - Entre essas actividades, podem destacar-se:
· o jornal clandestino Direito à Informação, policopiado, de que foram publicados dezoito números de 1963 a 1969;
· a vigília de S. Domingos, com a ocupação da igreja para um debate sobre a guerra colonial, durante toda a madrugada do 1º de Janeiro de 1969;
· o jornal Igreja Presente, impresso em Madrid, passado clandestinamente na fronteira do Caia e depois distribuído pelo país, quando da censura imposta à Imprensa sobre a viagem de Paulo VI à Índia;
· o Manifesto do 101, quando da farsa eleitoral de 1965, que bateu à máquina e para o qual se empenhou em angariar assinaturas;
· a Comissão Nacional de Socorro aos Presos Políticos , da qual foi, juntamente com Maria Eugénia Varela Gomes e Cecília Areosa Feio, uma das impulsionadoras;
· os cadernos GEDOC, publicados pelo Pe. Felicidade Alves também clandestinamente;
· os Sete Cadernos sobre a guerra colonial, que passou integralmente à máquina em 1970, publicados depois do 25 de Abril pela editora Afrontamento com o título Colonialismo e Lutas e Libertação, e de que foram distribuídos os primeiros exemplares quando da sua morte.
3 - No meio destas actividades, cultivou em alto grau as relações humanas e de solidariedade, através de contactos estreitos e frequentes com perseguidos pela PIDE ou pelo Patriarcado, nomeadamente padres católicos, entre os quais:
· D. António Ferreira Gomes, bispo do Porto, visitado por duas vezes no exílio, em Lourdes e em Alba de Tormes;
· Pe. Joaquim Pinto de Andrade e restantes padres angolanos deportados para Portugal, entre os quais o futuro cardeal de Luanda Alexandre Nascimento;
· Pe. Adriano Botelho, pároco e Alcântara e de S. João de Brito, exilado para a Patagónia pelo Cardeal Cerejeira;
· Pe. António Jorge Martins, obrigado a ir estudar para França pelo mesmo cardeal;
· Pe. Abel Varzim, visitado no seu desterro, na aldeia natal de Cristelo, pouco antes da sua morte; · Pe. Alberto Neto, visitado quando esteve iminente a sua ida compulsiva para o estrangeiro, felizmente não concretizada;
· Pe. Mário de Oliveira, visitado na sua paróquia de Macieira da Lixa, preso por duas vezes e julgado em Tribunal Plenário;
· Pe. José da Felicidade Alves, demitido de pároco dos Jerónimos e impulsionador dos cadernos GEDOC.
4 - Ao longo desses anos de luta, empenhava-se com a maior dedicação à resolução dos problemas familiares, à educação dos filhos e ao cultivo das amizades. Foi uma Mulher, uma Mãe e uma Amiga exemplar, não se poupando a esforços e a sacrifícios, a despeito da sua precária saúde, e dando-se inteiramente a quem precisava do seu apoio ou do seu conselho.
Organizou a publicação de uma colecção de livros para a juventude, em colaboração com Sophia de Mello Breyner e Madalena Ferin – Colecção Novo Mundo – de que foram publicados dez títulos.
Poetisa de rara sensibilidade, publicou o livro de poemas Mão Aberta. Colaborou com um grupo de jovens da JEC na revista Clube 21.
Em sua memória, foi publicado o livro Cada Pessoa Traz em Si Uma Vida, pela editora Afrontamento, há muito esgotado e no qual foram reunidos textos da sua autoria e numerosos e eloquentes testemunhos de pessoas com quem trabalhou ou que foram tocadas pelo seu exemplo».



«A passagem do ano de 1968 para 1969 foi marcada por um acontecimento de forte impacto. Depois de uma missa, celebrada pelo Cardeal Patriarca na Igreja de S. Domingos em Lisboa para assinalar o Dia Mundial da Paz, representantes de muitas dezenas de pessoas informaram‑no de que permaneceriam em vigília na igreja durante toda a noite. Acusaram os bispos portugueses de revelarem "mais uma vez a realidade do compromisso político da Igreja frente ao Estado", em nota pastoral datada de 13 de Dezembro, na qual convidavam os católicos a participarem nas iniciativas de celebração do Dia da Paz e se referiam aos "povos ultramarinos que integram a Nação Portuguesa". Os promotores da vigília pretenderam, nomeadamente, "assumir publicamente, como cristãos, um compromisso de procura efectiva da Paz frente à guerra de África", que disseram não poder "desconhecer, camuflar ou silenciar"». Uma "Cantata da Paz", com versos de Sophia de Mello Breyner e música de Francisco Fernandes – Vemos, ouvimos e lemos –, ficaria para sempre associada a este evento» (Entre as Brumas da Memória..., p. 133). Vemos, ouvimos e lemos
Não podemos ignorar
Nós, o Povo de Deus,
Reunidos imploramos
A graça da Paz .
Vemos, ouvimos e lemos
Relatórios da fome,
O caminho da injustiça,
A linguagem do terror.
A bomba de Hisoshima,
Vergonha e todos nós,
Reduziu a cinza
A carne das crianças.
O corpo humano foi
Queimado em Buchenwald.
Os países inventam,
A máquina produz
Bombas e prisões,
Perfeitas sujeições.
E no terceiro mundo,
Nos campos e na rua,
A fome continua.