16.4.07

Maria Natália Duarte Silva Teotónio Pereira (1930 - 1971)

Durante a preparação do meu livro, recolhi alguns documentos que acabei por não publicar, ou porque me não me pareceram adequados ou, pura e simplesmente, por critérios de razoabilidade quanto ao volume dos Anexos.

É o caso deste texto preparado por Nuno Teotónio Pereira para um colóquio no Museu da República e da Resistência, que teve lugar em 1996.

«1 - Convertida ao catolicismo já na idade madura, não suportou a flagrante contradição entre as solenes e sistemáticas declarações dos políticos do Estado Novo, e da grande maioria dos bispos, em prol da civilização cristã, e a traição permanente às exigências evangélicas, praticadas pela ditadura. Permanentemente revoltada contra a censura, as prisões arbitrárias, a tortura sobre os presos políticos, a violação dos mais elementares direitos da pessoa, a mentira instalada e a injustiça da guerra colonial, a sua luta não conheceu descanso, pois não chegou a ver o 25 de Abril. Pela força das suas convicções, pela coragem e pela determinação que punha em tudo em que se empenhava, pode dizer-se que foi a alma de muitas da actividades contra o regime desenvolvidas nos meios católicos desde a campanha de Humberto Delgado até à sua morte. E fê-lo sempre com um grande sentido de trabalho em comum, suscitando colaborações e entusiasmos.

2 - Entre essas actividades, podem destacar-se:
· o jornal clandestino Direito à Informação, policopiado, de que foram publicados dezoito números de 1963 a 1969;
· a vigília de S. Domingos, com a ocupação da igreja para um debate sobre a guerra colonial, durante toda a madrugada do 1º de Janeiro de 1969;
· o jornal Igreja Presente, impresso em Madrid, passado clandestinamente na fronteira do Caia e depois distribuído pelo país, quando da censura imposta à Imprensa sobre a viagem de Paulo VI à Índia;
· o Manifesto do 101, quando da farsa eleitoral de 1965, que bateu à máquina e para o qual se empenhou em angariar assinaturas;
· a Comissão Nacional de Socorro aos Presos Políticos , da qual foi, juntamente com Maria Eugénia Varela Gomes e Cecília Areosa Feio, uma das impulsionadoras;
· os cadernos GEDOC, publicados pelo Pe. Felicidade Alves também clandestinamente;
· os Sete Cadernos sobre a guerra colonial, que passou integralmente à máquina em 1970, publicados depois do 25 de Abril pela editora Afrontamento com o título Colonialismo e Lutas e Libertação, e de que foram distribuídos os primeiros exemplares quando da sua morte.


3 - No meio destas actividades, cultivou em alto grau as relações humanas e de solidariedade, através de contactos estreitos e frequentes com perseguidos pela PIDE ou pelo Patriarcado, nomeadamente padres católicos, entre os quais:
· D. António Ferreira Gomes, bispo do Porto, visitado por duas vezes no exílio, em Lourdes e em Alba de Tormes;
· Pe. Joaquim Pinto de Andrade e restantes padres angolanos deportados para Portugal, entre os quais o futuro cardeal de Luanda Alexandre Nascimento;
· Pe. Adriano Botelho, pároco e Alcântara e de S. João de Brito, exilado para a Patagónia pelo Cardeal Cerejeira;
· Pe. António Jorge Martins, obrigado a ir estudar para França pelo mesmo cardeal;
· Pe. Abel Varzim, visitado no seu desterro, na aldeia natal de Cristelo, pouco antes da sua morte; · Pe. Alberto Neto, visitado quando esteve iminente a sua ida compulsiva para o estrangeiro, felizmente não concretizada;
· Pe. Mário de Oliveira, visitado na sua paróquia de Macieira da Lixa, preso por duas vezes e julgado em Tribunal Plenário;
· Pe. José da Felicidade Alves, demitido de pároco dos Jerónimos e impulsionador dos cadernos GEDOC.


4 - Ao longo desses anos de luta, empenhava-se com a maior dedicação à resolução dos problemas familiares, à educação dos filhos e ao cultivo das amizades. Foi uma Mulher, uma Mãe e uma Amiga exemplar, não se poupando a esforços e a sacrifícios, a despeito da sua precária saúde, e dando-se inteiramente a quem precisava do seu apoio ou do seu conselho.
Organizou a publicação de uma colecção de livros para a juventude, em colaboração com Sophia de Mello Breyner e Madalena Ferin – Colecção Novo Mundo – de que foram publicados dez títulos.
Poetisa de rara sensibilidade, publicou o livro de poemas Mão Aberta. Colaborou com um grupo de jovens da JEC na revista Clube 21.
Em sua memória, foi publicado o livro Cada Pessoa Traz em Si Uma Vida, pela editora Afrontamento, há muito esgotado e no qual foram reunidos textos da sua autoria e numerosos e eloquentes testemunhos de pessoas com quem trabalhou ou que foram tocadas pelo seu exemplo».



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