
«Periodicamente, são publicadas notícias sobre intervenções de Pedro Passos Coelho. É normal. Foi primeiro-ministro e, a cada vez que intervém no espaço público, as suas palavras são sempre notícia. Mesmo que o seu discurso fosse vazio de conteúdo seria reproduzido pelos jornalistas, já que a sua voz tem peso institucional, pelo cargo que ocupou. Mas a verdade é que as palavras de Pedro Passos Coelho têm sido tudo menos vazias. Como o jornalista Filipe Santa-Bárbara analisou no PÚBLICO, o antigo líder do PSD tem, de forma sistemática, feito afirmações fortes e até críticas sobre a evolução da governação do país. A mais recente intervenção de Pedro Passos Coelho, a 31 de Outubro, foi mesmo muitíssimo crítica para com a governação de Luís Montenegro. Pedindo que o Governo avance com reformas, Pedro Passos Coelho defendeu que “chegou o fim das margens de manobra que permitem ir adiando decisões importantes”, alertou para que “já não vale a pena haver mais cálculos eleitorais” e afirmou que não se deve “perder tempo com preocupações distributivas”, sublinhando que “não chega” distribuir “um prémio aos reformados, a um ou outro sector da sociedade portuguesa”, e “fazer algumas habilidades orçamentais para salvar o ano”.
As intervenções críticas de antigos líderes do PSD em relação aos seguintes presidentes do partido, sobretudo quando ocupam a chefia do Governo, não são inéditas, basta lembrar Aníbal Cavaco Silva em relação a Pedro Santana Lopes. Mas tem havido uma tendência entre comentadores e analistas políticos para ver nas intervenções públicas de Pedro Passos Coelho um desejo de regressar à política, à liderança do PSD e ao cargo de primeiro-ministro. Há mesmo quem considere que Pedro Passos Coelho pode federar, em torno do PSD, partidos que vão do Chega à IL.
Uma federação das direitas que até poderia acontecer, já que tem sido Pedro Passos Coelho a adoptar um discurso populista de direita radical e até a inaugurar algumas das posições mais radicais de direita sobre imigração, como fez na campanha eleitoral da Aliança Democrática, em Fevereiro de 2024, em que relacionou imigração com segurança, ou mais recentemente, a 16 de Outubro, quando disse que os portugueses podem vir a “sentir-se estrangeiros na própria terra”.
Pedro Passos Coelho tem todo o direito a querer voltar. É legítimo que o deseje. E percebe-se que não digeriu bem a forma como foi parlamentarmente defenestrado da chefia do seu segundo Governo, em 2015, por uma maioria de esquerda, liderada pelo então secretário-geral do PS, António Costa. Afinal, tinha governado o país num momento dificílimo, quando, entre 2011 e 2015, o Estado português esteve submetido a um violento programa de intervenção e ajustamento determinado pela troika, constituída pela Comissão Europeia, o Banco Central Europeu e o Fundo Monetário Internacional, que possibilitou ao país contrair um empréstimo de 78 mil milhões de euros, de modo a impedir a iminência das consequências da bancarrota em que o segundo Governo socialista de José Sócrates deixara as contas públicas.
E teve de proceder a uma governação caracterizada por um brutal aumento de impostos, por um dramático corte no investimento público e nos serviços basilares do Estado social, pelo vertiginoso aumento do desemprego e por uma suicidária destruição do tecido económico. Herdando, em 2011, um país com um défice de 7,7%, Pedro Passos Coelho deixou-o nos 4,5%. Já a dívida pública, subiu de 114% do PIB para 131%, em 2015.
Desde então, as intervenções de Pedro Passos Coelho têm mostrado que nunca se desinteressou dos caminhos que o país leva e da acção governativa. E tem sido crítico, mesmo com o actual Governo, liderado por um seu sucessor que até foi seu líder parlamentar. Embora a solidez do Governo de Luís Montenegro não esteja, por agora, em causa, e até tenha acabado de ter o Orçamento do Estado para 2026 viabilizado pelo Parlamento, é sempre possível equacionar-se qual a durabilidade do poder de Luís Montenegro, assim como desenhar os hipotéticos cenários sobre o que pode acontecer se — e quando — o actual executivo chegar ao fim.
Mas será que Pedro Passos Coelho vai mesmo regressar à política activa? Fará sentido um ex-primeiro-ministro, que deixou de o ser há dez anos, voltar a liderar um partido para disputar e tentar vencer legislativas e vencê-las? Em Portugal, nunca aconteceu. No PSD, depois de ser dez anos primeiro-ministro, Aníbal Cavaco Silva regressou à política para ganhar eleições de novo e ser Presidente da República. Foi, aliás, o único político português que, em democracia, venceu cinco eleições, quatro delas com maioria absoluta. E mesmo o caso de Mário Soares, que foi mais de uma vez primeiro-ministro, vendo governos cair e, depois, voltando a ganhar legislativas e a ser primeiro-ministro, não o foi com um intervalo de dez anos, nem sequer para se candidatar a Presidente da República. Isto para não falar da aceleração do tempo histórico que vivemos. E frisemos: Pedro Passos Coelho não quis candidatar-se a Presidente da República nas eleições de 18 de Janeiro, em que seria o candidato natural da direita.
Haverá ainda espaço no país para Pedro Passos Coelho como líder do PSD? A memória da intervenção externa da troika já não domina a população dos grupos etários mais velhos? Sei que há novas gerações que vivem e formam o seu pensamento político nas redes sociais. Assim como tenho conhecimento de que o país virou à direita e que há jovens, sobretudo rapazes — seduzidos pela imagem de políticos que vêem como alguém que “mete isto na ordem” —, que estão a votar no Chega e que podem ser seduzidos pela figura mitificada de Pedro Passos Coelho. Mas será suficiente para o seu regresso?
Já agora, uma questão central: o PSD está preparado para ser liderado por Pedro Passos Coelho, de novo e uma década depois? O PSD de hoje em dia deseja mesmo o seu regresso? Aceitá-lo-á? Não há sangue novo, no PSD, novos dirigentes que assegurem a liderança do partido, no futuro? O que dirão, nesse momento, personalidades como Carlos Moedas, António Leitão Amaro e Hugo Soares, só para falar de três nomes que poderão vir a liderar o PSD no futuro.
O sebastianismo é uma realidade cultural profunda, até estrutural da política portuguesa. A mitificação de líderes passados como potenciais salvadores no futuro faz parte dos mecanismos de pensamento popular em Portugal. Talvez seja esse o pano de fundo cultural das interpretações que têm sido feitas das intervenções de Pedro Passos Coelho. Ou pode ser que o próprio alimente esse desejo. É legítimo, repito. Mas tenho para mim que as soluções futuras de poder no PSD terão de ser outras.»