15.11.25

Marcelo depois de Belém?

 


«Presidente da República anuncia planos para lecionar nos EUA e aproveitar para assistir aos Jogos Olímpicos de 2028, em Los Angeles.»

Foi mesmo uma grande entrevista

 



Na opinião de gregos e de troianos.

15.11.1969 - Washington: «Give Peace a Chance»



Em 15 de Novembro de 1969 teve lugar «Moratorium March on Washington», considerado o maior protesto anti-guerra da história dos Estados Unidos, contra o conflito que então tinha lugar no Vietname: uma manifestação quase totalmente pacífica de meio milhão de pessoas, que se integrou num vasto movimento que percorreu a América, de S. Francisco a Boston, e não só. Apesar disso e como é sabido, a guerra em questão iria durar ainda quase seis anos, até 30 de Abril de 1975.

No protesto de Washington participaram políticos como Eugene McCarthy, George McGovern e Charles Goodell e cantores como Peter, Paul and Mary, Arlo Guthrie, John Denver e Pete Seeger que interpretou a celebérrimo canção «Give Peace a Chance» (lançada por John Lennon na Primavera desse ano), juntamente com os outros cantores e com a multidão que a terá repetido durante dez minutos.


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E nós com uma ministra em contramão

 


O papel destrutivo do deslumbramento tecnológico na educação

 


«A notícia diz isto: “O Governo quer dar a cada aluno um tutor de inteligência artificial,” A notícia refere que o ministro da Reforma Administrativa fez esta promessa na abertura do Web Summit, o que presumo deve ter dado grande satisfação ao crescente e altamente lucrativo negócio à volta da inteligência artificial. Esta é mais uma medida “modernizadora” na sequência do computador Magalhães, dos quadros interactivos, da supremacia dos ecrãs relativamente aos livros. O único travão a este caminho foi a proibição dos telemóveis nas salas de aula, que abrange um número escasso de estudantes e está longe de ser aplicada como norma. Duvido que o actual ministro da Educação esteja tão disponível para os tutores de inteligência artificial e duvido que ambos se tenham entendido.

Ter e saber usar um computador é bom? Certamente que é. Saber “navegar” na Internet é bom? Em absoluto é, é aliás fundamental. Saber usar os ecrãs de telemóveis e tablets é bom? De novo, certamente que é, em particular no uso do hipertexto. Começar a usar as enormes vantagens da inteligência artificial é bom? É excelente, se houver inteligência dos dois lados.

Convém é não esquecer uma realidade tão básica, e que devia entrar pelos olhos dentro, ensinada pelos tutores de inteligência artificial usados pelos governantes: os homens são analógicos e não digitais. Têm sentidos que os limitam, não vêem tudo que está à sua volta, não ouvem tudo que está à sua volta, não têm memória das máquinas, envelhecem e não lêem como os jovens, não têm a velocidade de processar dados dos computadores, e toda a sua experiência de uma vida, tudo o que vêem, tudo o que ouvem, tudo o que dizem cabe em escassos terabytes. Mas combinam tudo numa realidade cuja dimensão é a da sua humanidade, razão, emoções, virtudes, medos, coragem e, acima de tudo, vida, escassa, pobre, difícil por regra. Pode haver um dia em que tudo isto possa ser entendido pelas máquinas, mas mesmo assim faltará sempre alguma coisa.

O problema não está aqui, está no modo como cada um destes instrumentos entra na escola e de modo mais geral na vida quotidiana e no trabalho das pessoas, e no que é que eles substituem nas políticas de educação e como afectam o processo de aprendizagem e, mais importante ainda, de socialização. E é aqui que entra um dos mais perversos e poderosos mecanismos que é a moda, a moda impulsionada pelo deslumbramento tecnológico, a ideia de que é mais “moderno” usar os instrumentos das novas tecnologias para realizar tarefas que implicam outro tipo de conhecimentos e uma sociabilidade mais rica. Ora, o que acontece é que elas são usadas com escassa vantagem, com efeitos negativos que vêm do modo como se inserem na sociedade, acentuando o individualismo, a solidão, o antagonismo, o conflito, e a ignorância. Nenhuma destas coisas vem das máquinas, vem do modo como estamos a construir o nosso viver, só que as máquinas oferecem um amplificador gigantesco para estas perversões sociais, e isso muda muita coisa. Uma das áreas em que os seus efeitos são mais devastadores é na educação e no ensino, impulsionadas por governantes que só querem ser “modernos” nestas coisas, e pelo cada vez mais importante negócio tecnológico.

A primeira coisa que este “tutor” artificial vai fazer é minimizar o papel do professor. Ora, o mecanismo mais importante na eficácia do ensino é a relação de empatia entre o estudante e o professor. Falar com uma máquina é uma coisa muito diferente do que com um humano e se, pelas piores razões – infelizmente, hoje demasiado comuns –, isso cria habituação e dependência, isso vai cada vez mais acentuar formas de solidão modernas e de sociabilidade pobre. É como considerar que os likes são uma forma de amizade e aceitação afectiva.

Depois, vai acentuar o caminho de ignorar que o uso capaz de todas as tecnologias, a começar pelo modo como se “procura” na rede, quanto mais dialogar com o “tutor”, depende de literacias a montante, que vão desde o mais simples ler, escrever e contar, todas em risco nos nossos dias. E parte desse risco também é resultado do deslumbramento tecnológico, com a desvalorização da leitura, e da escrita resultante do modo gutural como se “escreve” nas redes sociais, do vocabulário cada vez mais reduzido e do modo como essas ignorâncias se reflectem em dificuldades de compreensão.

A ideia de que os estudantes podem ler livros como Os Maias, de Eça, com o vocabulário restrito que possuem e usam, como também com a ruptura de saberes que estão presentes na nossa tradição cultural, como é a da Bíblia ou do mundo clássico greco-romano, é mirífica. A minha experiência de falar em dezenas de escolas do ensino secundário é a de encontrar centenas de estudantes que não sabem quem são Adão e Eva (com excepção dos evangélicos), já para não falar de Aquiles ou do Cavalo de Tróia. Como é que podem ler Eça? E esses mesmos estudantes não sabem o significado de palavras correntes no português de hoje, quanto mais vocábulos menos comuns mas circulantes na literatura.

Acresce que é evidente a diferenciação social entre falar para estudantes de colégios ou escolas em zonas “da alta” e de zonas que um eufemismo designa como “desfavorecidas”, onde a socialização pela escola é praticamente nula na competição entre a rua, o bairro e o telemóvel. Embora eu tenha esta experiência directa, não me limito a ela, todos os estudos a confirmam perante a impotência de professores e autoridades governativas.

Quem saiba história sabe que momentos como este, na história do mundo, já se verificaram e todos acabaram mal. É a sociedade que manda nas máquinas, e não o contrário, e é a sociedade que está mal. Não façam um upgrade tecnológico desse mal, porque fica pior.»


Catarina e o Chega

 


14.11.25

Bufê

 


Bufè, feito para Morris & Co. Museu d'Orsay, Paris. Cerca de 1880.
Philipp Webb.


Daqui.

Mortágua e a Greve

 


Amadeo de Souza-Cardoso

 

Nasceu em Amarante, 14.11.1887.

Greve Geral, ainda

 




A greve inevitável

 


«Luís Montenegro acusou o PCP e o PS de usarem as centrais sindicais para marcar uma greve geral. Não se informou junto dos sindicalistas do seu partido que aprovaram a adesão da UGT a esta greve. Por unanimidade. Poucas greves gerais terão sido tão inevitáveis como esta. Nem a que se fez durante a troika. Porque nem então se propôs, como agora, que não ficasse pedra sobre pedra do direito do trabalho. Juntas, as quase 150 alterações do Código do Trabalho e de outras leis laborais permitem, na prática e de forma mais ou menos dissimulada, o despedimento quase livre, a precariedade eterna e uma vida familiar ainda mais difícil. Se os sindicatos de todas as cores não fizessem uma greve por isto, o direito à greve não serviria para grande coisa. É irónico, aliás, que esta proposta apareça quando, com o Código do Trabalho em vigor, temos pleno emprego, crescimento económico, aumentos de salários e a grande dificuldade é conseguir mão de obra. Prova que a economia não precisa destes radicalismos legislativos.

A AD não disse ao que vinha nas eleições. Pelo contrário, anunciou, no programa eleitoral, “relações laborais estáveis”, “uma melhor conciliação da vida pessoal, familiar e profissional” e “concertação so¬cial”. Agora é tudo ao contrário. Em vez de contratos mais estáveis, as várias modalidades de contratação a prazo são prolongadas no tempo e com portas mais largas para recorrer a ela. A de nunca ter conseguido, por exemplo, um contrato permanente, o que quer dizer que, por ter-se começado precário, se pode ficar precário até à reforma. Até os contratos de muito curta duração (até 35 dias), antes pensados para o turismo e para a agricultura, são alargados a todos os sectores. Quanto à família, a proposta deixa de proteger, no trabalho noturno e aos fins de semana, os pais com filhos com menos de 12 anos ou deficientes, introduz limitações no direito à amamentação e quer repor o banco de horas individual, que é uma forma de desregular, pela porta do cavalo, os horários. Se são contra a imigração e dificultam a natalidade, expliquem como não seremos seis milhões em 2100. E reduzem-se as horas de formação profissional obrigatórias. Porque a escolha é proteger uma economia de baixos salários, baixas qualificações e alta precariedade.

Se juntarmos a norma que retira ao trabalhador o direito de optar pela reintegração se o tribunal declarar o despedimento ilícito, a redução da capacidade de defesa em caso de despedimento por justa causa (quem despede não tem de apresentar provas, quem é despedido não pode recorrer a testemunhas) e a redução da intervenção da Autoridade para as Condições do Trabalho, temos, na prática, despedimentos mais livres, contornando a proibição constitucional do despedimento sem justa causa. É só pagar a indemnização a quem chega à idade mais complicada ou levanta a cabeça. Mesmo em caso de acordo para despedimento, o empregador recupera e reforça o poder de chantagear o despedido para que prescinda de tudo o que tenha em dívida. Permite-se o recurso ao outsourcing para substituir trabalhadores objeto de despedimento coletivo ou de extinção de posto de trabalho. Descriminaliza-se o trabalho não declarado para domésticas e recua-se na capacidade de os trabalhadores das plataformas digitais e outros falsos recibos verdes reivindicarem um contrato de trabalho. E, como se reduz o direito à greve e o papel da contratação coletiva, serão, depois desta contrarreforma, muito menores os instrumentos legais para defender o que restar do direito do trabalho.

Há quem diga que a greve é extemporânea. Que deveria acontecer quando tudo já estivesse aprovado e já nada se pudesse travar. Que ainda está tudo em negociação. Só que não. Há meses que o Governo empurra a negociação com a barriga, adiando reuniões e não respondendo aos parceiros. E há pontos de partida impossíveis, sobretudo quando se diz que o ponto de chegada não pode ser muito diferente. A ministra mais radical deste Governo, que sonha com um “Código Palma Ramalho”, disse aos sindicatos que não negoceia as “linhas mestras” da sua proposta. E essas “linhas mestras” são tudo o que é inaceitável para os sindicatos. Queria negociar pormenores com a UGT para a poder exibir na fotografia. Se a UGT não quisesse cumprir esse papel, ia para o Parlamento sem acordo e o Chega cumpria a sua função, recebendo umas vitórias simbólicas e irrelevantes para salvar a encomenda dos patrões. Só perante a marcação da greve o primeiro-ministro acordou. Tarde demais. O ponto de partida é tão inaceitável que não chega ceder aqui e ali. O problema são mesmo as “linhas mestras” da ministra.»


13.11.25

Vasos mil

 


Vaso de cerâmica “Penas de Pavão”, Fábrica Fornaci San Lorenzo, Florença, 1906-1910.
Galileo Chini.

Daqui.

E ninguém fala deste candidato?

 


«A ideia é os mais escuros ficarem mais claros e os mais claros, como os habitantes da Escandinávia, que agora há muitos no meu bairro, ficarem mais escurinhos”: Manuel João Vieira explica no podcast Posto Emissor uma das suas propostas eleitorais, promover a “igualdade total de pigmentação”.


Safari humano com turistas italianos na Bósnia

 



Eu sou mais de centro do que tu

 


«Vejam como são as coisas. Se, há 60 anos, duas pessoas se fechassem numa sala com um homem e apertassem com ele, perguntando-lhe insistentemente se ele era de esquerda, e ele resistisse a responder, esse homem seria um herói. Na semana passada foi exactamente isso que aconteceu a António José Seguro — e ele foi criticado. Duas jornalistas do “Público”, Ana Sá Lopes e Maria Lopes, submeteram-no a intenso interrogatório, mas ele bateu-se muito bem, e surpreendeu: naquela inquirição, foi o interrogado que recorreu à tortura do sono, dando as respostas mais chatas de que se lembrou. Por exemplo, quando lhe perguntaram “é um homem de esquerda, certo” optou por responder à pergunta imaginária “como definiria a sociedade portuguesa?”, e disse: “a sociedade portuguesa é uma sociedade profundamente dividida. Há demasiadas divisões, e muitas das divisões são artificiais”. As jornalistas/inspectoras insistiram. Perguntaram se os valores de Seguro não estariam um pouco mais à esquerda que os de Marques Mendes e Gouveia e Melo. Era uma pergunta mais fácil, porque em teoria é possível estar à esquerda de Marques Mendes e Gouveia e Melo sem se ser de esquerda. Mas Seguro não cedeu, e pediu que parassem de “distribuir rótulos pelas pessoas” e de as “encaixar em gavetas e em departamentos”. Dias depois, na RTP, Seguro encaixou-se numa gaveta e num departamento, quando disse ao jornalista Vítor Gonçalves que se tinha exprimido mal, e que era inequivocamente de esquerda. E acrescentou, para justificar o erro: “sou um ser humano”. Esta última informação talvez seja mais danosa do que a primeira. Se Seguro receava que o eleitorado o rejeitasse por ser um candidato de esquerda, devia recear mais ainda que os cidadãos ficassem a saber que ele é um ser humano, tendo em conta a quantidade de eleitores que parecem preferir um ser desumano.

Ficou então estabelecido que Seguro é de esquerda, mas também parece ter ficado claro que existe o temor, justificado ou não, de que ser de esquerda possa ser uma desvantagem. Durante muito tempo, verificou-se o contrário. Não me lembro de Cavaco Silva ter dito alguma vez que era de direita. Até o CDS se chama Centro Democrático e Social, para desmentir qualquer inclinação à direita. Mesmo agora, Gouveia e Melo tem feito um esforço enorme para se declarar de centro, do exacto centro do centro. O problema de ser do centro do centro é que é um abuso da moderação. Quem se diz de centro pretende declarar-se moderado. O centro-esquerda é esquerda moderada; o centro-direita é direita moderada. Mas o centro-centro, sem nenhuma inclinação, significa que se é da moderação moderada. Ora, ser moderado na moderação é ser imoderado. Talvez a ciência política devesse estudar — e alertar para os perigos — do extremo-centro.»


12.11.25

Deve-se combater o Chega na justiça ou não vale a pena?

 

Nuno Melo e os seus helicópteros

 


12.11.1975 - O «Cerco»




No dia 12 de Novembro de 1975, operários da construção civil iniciaram o chamado «Cerco à Constituinte», que durou até ao fim da manhã do dia 13. Um breve resumo.

«Perante a decisão governamental de encerrar as instalações do Ministério do Trabalho na Praça de Londres, os dirigentes sindicais conduziram os associados (…) num desfile que subiu do Terreiro do Paço até à Alexandre Herculano, inflectindo então para a sede do poder político, onde encheu a Praça de S. Bento e adjacentes.
Depois de um encontro, inconclusivo, com o ministro Vítor Crespo (…), os representantes dos trabalhadores foram recebidos, em audiência, pelo chefe do executivo, Pinheiro de Azevedo.
Ao fim de três horas de discussão (…), Pinheiro de Azevedo comprometeu-se a fazer sair o Contrato Colectivo de trabalho, vertical, com o sector, até ao próximo dia 27, e a abrir um inquérito ao Ministério do Trabalho [com algumas contrapartidas por parte dos sindicatos]. (…)
Terminada a reunião, o primeiro-ministro acede a falar aos manifestantes. Ao aparecer à varanda, porém, Pinheiro de Azevedo é “largamente vaiado” pelos manifestantes, que mal o deixam concluir as primeiras frases. (…)
Decididos a permanecer no local até que um acordo favorável seja alcançado, os manifestantes fecham o cerco a S. Bento, onde os deputados constituintes se vêem obrigados a permanecer durante 16 horas. (…)
A saída dos sequestrados, ao fim da manhã [do dia 13], por entre alas dos manifestantes, que apupam uns e vitoriam outros (à esquerda do PS), alguns dos quais correspondem erguendo o punho, ficará como uma das imagens mais fortes do processo revolucionário em curso.»

In: Adelino Gomes e José Pedro Castanheira, Os dias loucos do PREC.







Marques Mendes: demasiados ovos para um cesto cheio

 


«Nestas eleições, Montenegro tem uma vantagem e uma desvantagem, que são a mesma: é o candidato apoiado pelo partido que governa. Vantagem, porque é o partido mais votado e, não se afastando dessa base de apoio, permite-lhe aparecer como forte candidato a ir a uma segunda volta. Fazer o oposto que António José Seguro, numa estratégia suicida, tem feito com o seu campo político. Desvantagem, porque é um partido que concentra tal poder, que a teoria soarista de que os portugueses não gostam de pôr os ovos todos no mesmo cesto seria, neste caso, esmagadora.

Nunca tantos ovos pesaram no mesmo cesto. O PSD é o partido com mais deputados (e a direita tem maioria qualificada), tem o Presidente da Assembleia da República, governa o país e as duas regiões autónomas, tem a presidência da Associação Nacional de Municípios e os presidentes das cinco maiores autarquias. Nunca houve um domínio tão grande de um partido.

Soares venceu as eleições para as presidenciais, era Cavaco primeiro-ministro. Cavaco venceu, era Sócrates primeiro-ministro. E Marcelo venceu, era Costa primeiro-ministro. Curiosamente, os três foram reeleitos com estes mesmos primeiros-ministros. A exceção a tudo isto foi Sampaio, cuja vitória aconteceu, ainda assim, menos de três meses depois da chegada de Guterres ao poder, mas depois de um longuíssimo período de poder do PSD, quando o candidato às presidenciais da direita era quem tinha estado uma década a governar.

Se Marques Mendes vencesse, faltando três anos para as próximas legislativas, seria o segundo caso de um Presidente que teria pelo menos grande parte do seu primeiro mandato com um governo da mesma área política. Sendo que, com Sampaio, o início dos mandatos foram quase simultâneos. E, ignorando todas as diferenças mais substanciais, uma coisa separa Jorge Sampaio de Marques Mendes: o primeiro foi derrotado por Guterres, Marques Mendes é amigo próximo de Montenegro. Nem sequer é Marcelo Rebelo de Sousa, a quem o seu partido chamou, numa moção interna, de “cata-vento”. É, como Catarina Martins, António Filipe, Jorge Pinto ou Cotrim de Figueiredo, um mero prolongamento do seu partido.

Como nem sequer consegue fazer o pleno do PSD, sabe que, para chegar a uma segunda volta, não se pode descolar um milímetro. E basta olhar para as últimas semanas.

Sobre a absurda junção da votação da lei do Orçamento de Estado e da lei da nacionalidade, que o primeiro-ministro celebrou, numa conferência de imprensa inédita, Marques Mendes disse: “devemos valorizar os momentos positivos: há um Orçamento de Estado viabilizado à esquerda e uma lei da nacionalizada viabilizada à direita. Em qualquer circunstância, é o diálogo a funcionar”. Como candidato, repetiu a tática do primeiro-ministro, juntando duas leis sem qualquer relação entre si para passar a ideia da AD como o ponto de equilíbrio entre o Chega e o PS. E apressou-se a afastar as dúvidas de vários constitucionalistas, ficando-se por aquela que o próprio governo previu quando separou da lei e atirou para uma alteração do código penal – a sanção acessória de perda de nacionalidade.

Sobre a contrarreforma laboral, repetiu o que disse o primeiro-ministro, fingindo ignorar que a concertação social está paralisada por culpa da ministra. Se andarmos para trás, o padrão é sempre o mesmo: Montenegro dá o mote, Marques Mendes segue a linha. Não tem autonomia estratégica. Ontem, lá corrigiu o tiro, criticando a inédita desconsideração da UGT e do direito à greve vinda de um partido que tem forte influência naquela central sindical.

Confrontado com o seguidismo, que não se deseja num Presidente, Mendes recorda as vezes que, como comentador, criticou o PSD. Sim, criticou Rui Rio, fazendo o jogo do atual primeiro-ministro. Fora isso, picou o ponto, apontando quase sempre problemas de comunicação, critica que fazem os amigos em horas difíceis.

Num momento em que há uma maioria de direita de dois terços, que o mesmo partido concentra o poder em todas as instituições e que o primeiro-ministro dá perigosos sinais de arrogância – não quer saber do Presidente, não responde à comunicação social, usa a ameaça de crise contra a oposição e despreza a concertação social –, tudo o que o país não precisa é de um Presidente que leve São Bento para Belém.

Deixando de fora Ventura, que anuncia uma espécie de estado de emergência e manda deputados discursar em congressos neonazis, Seguro é o vazio, Gouveia e Melo a incógnita. Mas Marques Mendes é a certeza de mais desequilíbrio para o que já está demasiado desequilibrado.»


11.11.25

Da ministra mais radical deste Governo

 


«Maria do Rosário Palma Ramalho garantiu esta noite em entrevista à RTP que o Governo não irá retirar "toda" a proposta de revisão do Código do Trabalho. Para a ministra, foi "extemporâneo" o anúncio da UGT, porque ainda decorrem negociações com esta central sindical, que tem reuniões para oficializar a adesão à greve geral esta quinta-feira.»


Dizem que é “o” candidato da esquerda

 


As reformas e os tarefeiros

 

«Desde que a democracia é plena que andamos numa missão inacabada: reformar o país. Seja lá o que isso for. Das dores iniciais e ajustes ideológicos pós-ditadura, passando pela adesão à Europa e pela gestão dos muitos milhões que, nas décadas de 80 e 90 do século passado, distribuímos sem grande critério, do virar do milénio e do progressivo esbatimento das diferenças sociais e melhoria generalizada das condições de vida, até aos dias de hoje, do rigor orçamental, da pobreza energética e de uma profundíssima crise de habitação, Portugal nunca soube verdadeiramente responder à sacramental inquietação: que reformas precisamos para darmos o salto? Com relativa facilidade concluímos que temos de evoluir na educação, na justiça, na saúde e na relação dos cidadãos com o Estado, sobretudo no que respeita ao esforço fiscal pedido. Todos os pactos políticos foram feitos em cima desta evidência. E as reformas sendo sussurradas aos nossos ouvidos sempre que havia mudança de turno governamental.»

Continuar a ler AQUI.

É o dia delas

 



A terceira margem da direita

 


«Jacques Danton e Robespierre eram inimigos íntimos, e um acabou por levar o outro à guilhotina. Mas, antes de subir ao cadafalso, Danton terá murmurado a Robespierre: “tu vens atrás”. E foi. E foi nessa sucessão de quedas internas que Jacques Mallet du Pan acaba por encontrar a imagem que atravessou o fim do século: as revoluções, como Saturno, devoram sempre os seus próprios filhos.

Há sempre um momento em que a energia que rasgou a porta do palácio começa a desconfiar dos que estão dentro do palácio. O poder deixa de ser o alvo da ira. O poder passa a ser o prémio. Nos Estados Unidos, a fratura na direita radical abriu-se antes de termos linguagem para a descrever. O movimento MAGA desenhava fronteiras e, à sua volta, crescia uma juventude que já nem reconhecia fronteira nenhuma. Dali nasceu um novo tipo de energia política que se alimenta do sentimento de que a História foi sequestrada e de que o futuro já está escrito noutro lado, por outros. E essa energia cruzou o Atlântico. Chega a Portugal como ecos que parecem locais, mas que trazem o desenho inteiro de outra história.

É que, por cá, esse movimento é incorporado por grupos como a Reconquista, que tratam a exclusão como um destino português e a palavra como uma arma simbólica. É um subterrâneo que opera com uma lógica própria: os argumentos que lançam (como a importação do conceito de remigração) servem para sinalizar pertença. Pedro Frazão grava um vídeo e promete que o Chega é um “aliado” de quem vive desse subsolo. Não foi um desvio. A pergunta é a outra: porquê arriscar a associação do Chega a um movimento encabeçado por quem defende que só os homens devem votar, que vê o sufrágio como filtro biológico?

Para se perceber a estratégia — porque é calculada —, é preciso olhar para o berço da direita radical. Nos Estados Unidos, a nova direita já se fragmentou há uns anos em dois corpos distintos mas interdependentes, que se alimentam mutuamente enquanto se corroem: a direita radical institucionalizada (o movimento MAGA) e o corpo marginal das comunidades digitais (representada sobretudo por Nick Fuentes, cabecilha dos “Groypers” e que, ao longo dos anos, expressou em registos públicos admiração por Adolf Hitler).

Mas a corrosão está a culminar numa guerra interna que deixou de ser retórica para se tornar um desenho estratégico. A direita institucional descobriu que já não controla o timbre da sua base mais jovem. E a base mais jovem percebeu que pode viver sem mediação. Nick Fuentes reapareceu não porque a opinião pública tenha decidido que ele é, afinal, tolerável, mas porque a nova arquitetura dos media digitais elimina a função de porteiro. E é nesse vazio que se instala a guerra civil da direita americana: de um lado, os que tentam instrumentalizar o perímetro democrático; do outro, os que entendem a própria destruição do perímetro como o gesto político fundador. É uma fratura que actua de fora para dentro, até que dentro e fora se tornem indistinguíveis.

O Chega conhece este risco. E Pedro Frazão sabe o que está a fazer quando acende um fósforo no pavilhão da Maia. No plano imediato, cola o partido à linguagem que sobe das margens. No plano estratégico, tenta neutralizar a ameaça futura de uma fuga geracional que aconteça à direita do Chega. A mensagem é menos sobre o evento em si. Frazão quer, com a participação no evento, assegurar que o partido é ainda o vértice da energia radical, antes que alguém, daqui a dois ou três anos, possa roubar-lhe esse centro de gravidade. E é neste ponto que o gesto ganha densidade política: para o Chega, não é a adesão ideológica que importa, é o medo de perder a pulsão que deu a vida ao partido.

O gesto que nasce como afronta ao sistema termina sempre como ambição pelo trono do sistema. Querem ser a exceção, mas também quem define a regra. E, quando este momento chegar, a tensão deixa de ser entretenimento. Torna-se política. O Chega percebe isso. Tenta agarrar as margens antes que as margens o dispensem. E o país, que ainda lê estes episódios como fricções laterais, vai descobrir que o que realmente está em jogo não é a explosão do perímetro.

É quem fica com o perímetro na mão depois de ele cair.»


11.11.1975 – Independência de Angola

 



50 anos.

10.11.25

Mais uma porta e é azul

 


Porta Arte Nova, Nancy, 1903.
Arquitecto: Émile André.


Daqui.

Catarina e RAP

 



10.11.1948 – Mário Viegas

 


Mário Viegas festejaria hoje os 77, mas morreu novo, muito novo, antes de chegar aos 48. Fundou três companhias de teatro, actuou em vários países, participou em mais de quinze filmes e só quem for muito jovem não se recordará das séries televisivas «Palavras Ditas» (1984) e «Palavras Vivas» (1991).

Celebérrima ficou a sua leitura do Manifesto Anti-Dantas de Almada Negreiros:



Mas existiu também um Manifesto Anti-Cavaco, lançado por Mário Viegas durante a campanha eleitoral para as legislativas de 1995, em que foi candidato independente na lista da UDP (candidatou-se também à Presidência da República).



E inesquecíveis:




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Um pacote laboral ao estilo troika merece uma greve geral como na troika

 


«É suposto que a direita governe à direita. Foi pena que o programa eleitoral da AD que foi a votos em Maio fosse totalmente omisso sobre as mudanças às leis laborais.

O Governo tem legitimidade formal para mudar o que quiser porque, com a Iniciativa Liberal e o Chega, dispõe de uma enorme maioria de direita para acabar com vários direitos dos trabalhadores.

A legitimidade é formal mas não política: se Luís Montenegro tivesse dito na campanha ou escrito no programa eleitoral o que estava a preparar sobre as leis do trabalho, talvez alguns eleitores tivessem mudado o sentido de voto. Não se sabe se uma coisa destas (não revelar na campanha eleitoral o que se tenciona fazer depois, sem que tenha havido mudança de conjuntura sequer) configura uma matéria que Gouveia e Melo, caso venha a ser eleito Presidente da República, considere que a dissolução da Assembleia da República é justificada. Pelo menos, o candidato presidencial já disse que usaria o veto político.

A não existência no programa eleitoral da AD de uma palavra sobre as medidas mais gravosas deste pacote laboral revela zero transparência democrática. Há, no entanto, no programa que o Governo levou a votos, uma exclamação muito trabalhista: “Um trabalhador não pode ser pobre!”. Uma exclamação muito vazia perante o que está em causa.

Fica claro a AD vendeu gato por lebre nas eleições. E foram só precisos meia-dúzia de dias para que no programa do Governo já estivessem inscritas as alterações às leis laborais. Só se pode concluir que já estava tudo pensado – mas não foi revelado aos eleitores por medo de represálias nas urnas.

A CGTP e a UGT não se coordenavam para convocar uma greve geral desde 2013, um dos anos negros da troika. As duas centrais sindicais não se amam exactamente nem cooperam muito por aí além. A UGT assina vários acordos com o patronato. O facto de estarem agora unidas contra o pacote laboral e terem marcado juntas uma greve geral para 11 de Dezembro é um símbolo de como, desta vez, o Governo ultrapassou várias barreiras.

A liberalização dos despedimentos que vai acontecer por desaparecer a obrigação de reintegração do trabalhador em caso de despedimento ilegal manda uma mensagem a todo o mundo laboral: a segurança no emprego passa a ser facultativa. A mensagem é reforçada com o aumento do tempo em que um trabalhador pode estar em contrato a prazo.

Todos os governos – e este também – enchem a boca com a “protecção à maternidade”. Talvez já tenham desistido disso: as grávidas passaram a ter filhos fora dos hospitais de uma forma de que ninguém já se lembra, a não ser quando o parto em casa, há mais de 60 anos, era comum. Se ter um filho num hospital voltou a ser um luxo, a “perseguição” às mulheres que amamentam revela também muito do que este Governo interpreta como protecção à maternidade.

Em vez de se preocupar com o que não arrecadou de impostos de grandes empresas – como a EDP – ou dos imigrantes ricos, o Governo está preocupado com mães que mentem e dizem que dão de mamar e afinal não dão (daí os atestados médicos) ou que andam a dar de mamar para lá dos dois anos da criança (coisa que a Organização Mundial de Saúde até recomenda). Não será a maioria das mulheres que consegue, ou quer, dar de mamar até aos dois anos.

Se o Governo quisesse incentivar a maternidade, defenderia o horário reduzido para todas as mães (alternando com os pais) até aos dois anos da criança, dessem ou não de mamar. Mais do que aumentar a antigamente chamada “baixa de parto” esta redução do tempo de trabalho nos primeiros dois anos é fundamental numa altura delicada da vida das crianças.

Pelo contrário, o Governo penaliza a maternidade, obrigando também ao trabalho aos fins-de-semana. Como o mesmo Governo, em simultâneo, está a dificultar a imigração e a obtenção da nacionalidade, não haverá em breve crianças para ninguém e talvez Portugal, que já é só uma faixa litoral, se torne um imenso interior.

Quando se iniciou a fase de governos PS em 2015 e o salário mínimo começou a ser sucessivamente aumentado, o PSD durante muito tempo esteve contra. Preferia indexar o aumento do salário mínimo “à produtividade”. Depois, eventualmente porque durante algum tempo os governos PS foram populares, rendeu-se aos aumentos do salário mínimo. Agora, inverte a marcha em relação aos direitos dos trabalhadores – porque acha que pode e não é penalizado.»


9.11.25

Ficámos sem Yves Montand em 09.11.1991

 


Yves Montand só chegou aos 70. Nasceu italiano, naturalizou-se francês, foi cantor e actor e formou um dos pares mais célebres do cinema francês quando se casou com Simone Signoret em 1951.

Algumas das suas interpretações, entre muitas, AQUI.
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09.11.1975 – «O povo é sereno, é apenas fumaça!»

 


Há 50 anos, a pouco mais de duas semanas do 25 de Novembro, os ânimos andavam bem exaltados.

PS e PPD, secundados por CDS, PPM e PCP(m-l), convocaram uma manifestação de apoio ao VI Governo Provisório e ao primeiro-ministro, com o lema: «Pinheiro, em frente, tens aqui a tua gente!». O Terreiro do Paço encheu-se, mas ninguém recordaria hoje o facto (todos os espaços se enchiam, dia sim dia sim…) sem as granadas de fumo e de gás lacrimogéneo e mais alguns tiros que deflagraram durante o discurso de Pinheiro de Azevedo. Iniciativa de autoria não muito clara e objecto de acusações cruzadas, mas que foi um enorme susto para muitos e gáudio para a esquerda da esquerda que viu a cena em casa, em directo televisivo.

«O povo é sereno, é apenas fumaça!», gritou o então primeiro-ministro, numa tirada que ficou para a pequena história dos últimos dias do PREC e que pode ser ouvida neste vídeo:


09.11.1989 – O dia em que caiu um muro em Berlim

 


O eventual regresso de Pedro Passos Coelho e o sebastianismo português

 


«Periodicamente, são publicadas notícias sobre intervenções de Pedro Passos Coelho. É normal. Foi primeiro-ministro e, a cada vez que intervém no espaço público, as suas palavras são sempre notícia. Mesmo que o seu discurso fosse vazio de conteúdo seria reproduzido pelos jornalistas, já que a sua voz tem peso institucional, pelo cargo que ocupou. Mas a verdade é que as palavras de Pedro Passos Coelho têm sido tudo menos vazias. Como o jornalista Filipe Santa-Bárbara analisou no PÚBLICO, o antigo líder do PSD tem, de forma sistemática, feito afirmações fortes e até críticas sobre a evolução da governação do país. A mais recente intervenção de Pedro Passos Coelho, a 31 de Outubro, foi mesmo muitíssimo crítica para com a governação de Luís Montenegro. Pedindo que o Governo avance com reformas, Pedro Passos Coelho defendeu que “chegou o fim das margens de manobra que permitem ir adiando decisões importantes”, alertou para que “já não vale a pena haver mais cálculos eleitorais” e afirmou que não se deve “perder tempo com preocupações distributivas”, sublinhando que “não chega” distribuir “um prémio aos reformados, a um ou outro sector da sociedade portuguesa”, e “fazer algumas habilidades orçamentais para salvar o ano”.

As intervenções críticas de antigos líderes do PSD em relação aos seguintes presidentes do partido, sobretudo quando ocupam a chefia do Governo, não são inéditas, basta lembrar Aníbal Cavaco Silva em relação a Pedro Santana Lopes. Mas tem havido uma tendência entre comentadores e analistas políticos para ver nas intervenções públicas de Pedro Passos Coelho um desejo de regressar à política, à liderança do PSD e ao cargo de primeiro-ministro. Há mesmo quem considere que Pedro Passos Coelho pode federar, em torno do PSD, partidos que vão do Chega à IL.

Uma federação das direitas que até poderia acontecer, já que tem sido Pedro Passos Coelho a adoptar um discurso populista de direita radical e até a inaugurar algumas das posições mais radicais de direita sobre imigração, como fez na campanha eleitoral da Aliança Democrática, em Fevereiro de 2024, em que relacionou imigração com segurança, ou mais recentemente, a 16 de Outubro, quando disse que os portugueses podem vir a “sentir-se estrangeiros na própria terra”.

Pedro Passos Coelho tem todo o direito a querer voltar. É legítimo que o deseje. E percebe-se que não digeriu bem a forma como foi parlamentarmente defenestrado da chefia do seu segundo Governo, em 2015, por uma maioria de esquerda, liderada pelo então secretário-geral do PS, António Costa. Afinal, tinha governado o país num momento dificílimo, quando, entre 2011 e 2015, o Estado português esteve submetido a um violento programa de intervenção e ajustamento determinado pela troika, constituída pela Comissão Europeia, o Banco Central Europeu e o Fundo Monetário Internacional, que possibilitou ao país contrair um empréstimo de 78 mil milhões de euros, de modo a impedir a iminência das consequências da bancarrota em que o segundo Governo socialista de José Sócrates deixara as contas públicas.

E teve de proceder a uma governação caracterizada por um brutal aumento de impostos, por um dramático corte no investimento público e nos serviços basilares do Estado social, pelo vertiginoso aumento do desemprego e por uma suicidária destruição do tecido económico. Herdando, em 2011, um país com um défice de 7,7%, Pedro Passos Coelho deixou-o nos 4,5%. Já a dívida pública, subiu de 114% do PIB para 131%, em 2015.

Desde então, as intervenções de Pedro Passos Coelho têm mostrado que nunca se desinteressou dos caminhos que o país leva e da acção governativa. E tem sido crítico, mesmo com o actual Governo, liderado por um seu sucessor que até foi seu líder parlamentar. Embora a solidez do Governo de Luís Montenegro não esteja, por agora, em causa, e até tenha acabado de ter o Orçamento do Estado para 2026 viabilizado pelo Parlamento, é sempre possível equacionar-se qual a durabilidade do poder de Luís Montenegro, assim como desenhar os hipotéticos cenários sobre o que pode acontecer se — e quando — o actual executivo chegar ao fim.

Mas será que Pedro Passos Coelho vai mesmo regressar à política activa? Fará sentido um ex-primeiro-ministro, que deixou de o ser há dez anos, voltar a liderar um partido para disputar e tentar vencer legislativas e vencê-las? Em Portugal, nunca aconteceu. No PSD, depois de ser dez anos primeiro-ministro, Aníbal Cavaco Silva regressou à política para ganhar eleições de novo e ser Presidente da República. Foi, aliás, o único político português que, em democracia, venceu cinco eleições, quatro delas com maioria absoluta. E mesmo o caso de Mário Soares, que foi mais de uma vez primeiro-ministro, vendo governos cair e, depois, voltando a ganhar legislativas e a ser primeiro-ministro, não o foi com um intervalo de dez anos, nem sequer para se candidatar a Presidente da República. Isto para não falar da aceleração do tempo histórico que vivemos. E frisemos: Pedro Passos Coelho não quis candidatar-se a Presidente da República nas eleições de 18 de Janeiro, em que seria o candidato natural da direita.

Haverá ainda espaço no país para Pedro Passos Coelho como líder do PSD? A memória da intervenção externa da troika já não domina a população dos grupos etários mais velhos? Sei que há novas gerações que vivem e formam o seu pensamento político nas redes sociais. Assim como tenho conhecimento de que o país virou à direita e que há jovens, sobretudo rapazes — seduzidos pela imagem de políticos que vêem como alguém que “mete isto na ordem” —, que estão a votar no Chega e que podem ser seduzidos pela figura mitificada de Pedro Passos Coelho. Mas será suficiente para o seu regresso?

Já agora, uma questão central: o PSD está preparado para ser liderado por Pedro Passos Coelho, de novo e uma década depois? O PSD de hoje em dia deseja mesmo o seu regresso? Aceitá-lo-á? Não há sangue novo, no PSD, novos dirigentes que assegurem a liderança do partido, no futuro? O que dirão, nesse momento, personalidades como Carlos Moedas, António Leitão Amaro e Hugo Soares, só para falar de três nomes que poderão vir a liderar o PSD no futuro.

O sebastianismo é uma realidade cultural profunda, até estrutural da política portuguesa. A mitificação de líderes passados como potenciais salvadores no futuro faz parte dos mecanismos de pensamento popular em Portugal. Talvez seja esse o pano de fundo cultural das interpretações que têm sido feitas das intervenções de Pedro Passos Coelho. Ou pode ser que o próprio alimente esse desejo. É legítimo, repito. Mas tenho para mim que as soluções futuras de poder no PSD terão de ser outras.»