«Nestas eleições, Montenegro tem uma vantagem e uma desvantagem, que são a mesma: é o candidato apoiado pelo partido que governa. Vantagem, porque é o partido mais votado e, não se afastando dessa base de apoio, permite-lhe aparecer como forte candidato a ir a uma segunda volta. Fazer o oposto que António José Seguro, numa estratégia suicida, tem feito com o seu campo político. Desvantagem, porque é um partido que concentra tal poder, que a teoria soarista de que os portugueses não gostam de pôr os ovos todos no mesmo cesto seria, neste caso, esmagadora.
Nunca tantos ovos pesaram no mesmo cesto. O PSD é o partido com mais deputados (e a direita tem maioria qualificada), tem o Presidente da Assembleia da República, governa o país e as duas regiões autónomas, tem a presidência da Associação Nacional de Municípios e os presidentes das cinco maiores autarquias. Nunca houve um domínio tão grande de um partido.
Soares venceu as eleições para as presidenciais, era Cavaco primeiro-ministro. Cavaco venceu, era Sócrates primeiro-ministro. E Marcelo venceu, era Costa primeiro-ministro. Curiosamente, os três foram reeleitos com estes mesmos primeiros-ministros. A exceção a tudo isto foi Sampaio, cuja vitória aconteceu, ainda assim, menos de três meses depois da chegada de Guterres ao poder, mas depois de um longuíssimo período de poder do PSD, quando o candidato às presidenciais da direita era quem tinha estado uma década a governar.
Se Marques Mendes vencesse, faltando três anos para as próximas legislativas, seria o segundo caso de um Presidente que teria pelo menos grande parte do seu primeiro mandato com um governo da mesma área política. Sendo que, com Sampaio, o início dos mandatos foram quase simultâneos. E, ignorando todas as diferenças mais substanciais, uma coisa separa Jorge Sampaio de Marques Mendes: o primeiro foi derrotado por Guterres, Marques Mendes é amigo próximo de Montenegro. Nem sequer é Marcelo Rebelo de Sousa, a quem o seu partido chamou, numa moção interna, de “cata-vento”. É, como Catarina Martins, António Filipe, Jorge Pinto ou Cotrim de Figueiredo, um mero prolongamento do seu partido.
Como nem sequer consegue fazer o pleno do PSD, sabe que, para chegar a uma segunda volta, não se pode descolar um milímetro. E basta olhar para as últimas semanas.
Sobre a absurda junção da votação da lei do Orçamento de Estado e da lei da nacionalidade, que o primeiro-ministro celebrou, numa conferência de imprensa inédita, Marques Mendes disse: “devemos valorizar os momentos positivos: há um Orçamento de Estado viabilizado à esquerda e uma lei da nacionalizada viabilizada à direita. Em qualquer circunstância, é o diálogo a funcionar”. Como candidato, repetiu a tática do primeiro-ministro, juntando duas leis sem qualquer relação entre si para passar a ideia da AD como o ponto de equilíbrio entre o Chega e o PS. E apressou-se a afastar as dúvidas de vários constitucionalistas, ficando-se por aquela que o próprio governo previu quando separou da lei e atirou para uma alteração do código penal – a sanção acessória de perda de nacionalidade.
Sobre a contrarreforma laboral, repetiu o que disse o primeiro-ministro, fingindo ignorar que a concertação social está paralisada por culpa da ministra. Se andarmos para trás, o padrão é sempre o mesmo: Montenegro dá o mote, Marques Mendes segue a linha. Não tem autonomia estratégica. Ontem, lá corrigiu o tiro, criticando a inédita desconsideração da UGT e do direito à greve vinda de um partido que tem forte influência naquela central sindical.
Confrontado com o seguidismo, que não se deseja num Presidente, Mendes recorda as vezes que, como comentador, criticou o PSD. Sim, criticou Rui Rio, fazendo o jogo do atual primeiro-ministro. Fora isso, picou o ponto, apontando quase sempre problemas de comunicação, critica que fazem os amigos em horas difíceis.
Num momento em que há uma maioria de direita de dois terços, que o mesmo partido concentra o poder em todas as instituições e que o primeiro-ministro dá perigosos sinais de arrogância – não quer saber do Presidente, não responde à comunicação social, usa a ameaça de crise contra a oposição e despreza a concertação social –, tudo o que o país não precisa é de um Presidente que leve São Bento para Belém.
Deixando de fora Ventura, que anuncia uma espécie de estado de emergência e manda deputados discursar em congressos neonazis, Seguro é o vazio, Gouveia e Melo a incógnita. Mas Marques Mendes é a certeza de mais desequilíbrio para o que já está demasiado desequilibrado.»

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