4.2.23

Cartões, muitos cartões

 


4.5 megabytes de dados em 62.500 cartões perfurados, 1955.

Daqui.
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Miguel Torga

 

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Rosa Parks

 


Seriam 110.
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Estado social e contas certas



 

«O ideário político da direita preconiza a substituição do Estado prestador pelo Estado regulador, assente na privatização não só de empresas do sector público empresarial, mas também de serviços essenciais como a educação e a saúde. Os cheques-ensino e os contratos de associação permitiriam às escolas privadas selecionar os alunos (essa sim, a verdadeira “liberdade de escolha”), deixando uma escola pública sem recursos destinada apenas aos mais pobres que a direita não se importa de deixar para trás. Na saúde, restaria um SNS reduzido ao mínimo, também para os mais pobres ou para tratar as doenças que não são rentáveis para os privados. Sistemas generalizados de seguros e o próprio Estado financiariam a saúde privada. E mesmo os serviços públicos administrativos, exceto os estritamente ligados à soberania, seriam subcontratados a empresas privadas.

Uma máquina do Estado leve e pequena, como a direita sempre pretendeu. A mesma direita que acusa aqueles que defendem o Estado social de terem um “preconceito ideológico”. Não é preconceito, é ideologia. Em ambos os casos.

O Estado social como o conhecemos e como a nossa Constituição impõe, seria posto em causa, abdicando-se da realização dos direitos sociais. Um retrocesso civilizacional.

O risco de desmantelamento do Estado social só pode ser contrariado de uma forma: garantindo a qualidade dos serviços públicos e a eficiência no exercício das funções do Estado. Isso exige investimento, não só reforçando os orçamentos destes setores (o que aconteceu, entre 2015 e 2023, com um aumento de 36% no orçamento inicial da educação e de 40% no da saúde — mais de 50% se considerarmos apenas o SNS), mas também executando na totalidade as verbas orçamentadas em cada ano (em 2022, por exemplo, o investimento terá ficado 26,8% aquém do orçamentado). E exige ainda a dignificação dos trabalhadores da Administração Pública: oficiais de justiça, médicos, enfermeiros, professores, forças de segurança, entre outros. O acordo plurianual assinado em outubro de 2022 é um passo fundamental, mas é preciso ir mais longe, ao nível dos salários, bem como ao nível das condições de trabalho, materiais, físicas e mentais.

A política de contas certas é muito importante para um país endividado como Portugal, mas não pode pôr em causa o futuro do Estado social, nem a qualidade dos serviços públicos. É preciso realizar (com limites razoáveis) despesa permanente e estrutural porque é de planeamento e de medidas estruturais que a Administração Pública precisa. A evolução positiva da economia, que se deve em grande parte às políticas adotadas pelo Governo, permite a realização dessa despesa e impõe-na como forma de redistribuição da riqueza. O crescimento económico deve ser usado para promover a justiça social.

Os cidadãos têm de sentir, tal como fizeram durante a pandemia, que o Estado não lhes falta quando mais precisam, que os serviços públicos dão resposta às suas necessidades essenciais com (pelo menos alguma) celeridade e conforto e que o fazem com qualidade e eficiência, senão um dia serão os próprios cidadãos a exigir a sua privatização. A direita agradeceria.»

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3.2.23

E não viu as facturas deste Janeiro...

 

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Vai tudo correr bem...

 

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Há 70 anos, o massacre de Batepá



Estive em S.Tomé em 2019, passei por Batepá, e sobretudo por Fernão Dias, onde se recorda um dos momentos mais trágicos da História desse magnífico país.

Na fotografia que está no topo deste «post» figuram os nomes de uma parte das vítimas, cujo número nunca foi possível apurar exactamente, mas que S.Tomé quantifica oficialmente em 1.032.

O novo memorial inaugurado em Fernão Dias, em 2015:



Este texto é um bom resumo do que é indispensável saber:


«Os acontecimentos que tiveram início a 3 de fevereiro de 1953, hoje feriado nacional em São Tomé e Príncipe, vitimaram, a mando do governador português Carlos de Sousa Gorgulho, um número indeterminado de forros, o grupo etnocultural dominante nas ilhas e que também designa os naturais ou ‘filhos-da-terra’, por, não estando abrangidos pelo Estatuto do Indigenato, recusarem o trabalho a contrato nas roças de cacau e café.

Quando, em inícios dos anos 1950, se torna evidente a crescente escassez de mão-de-obra nas ilhas, associada aos constrangimentos que dificultavam a importação de trabalhadores contratados de Angola, o clima de tensão na hierarquizada sociedade são-tomense intensifica-se. Nos meses que precedem o massacre desencadeiam-se medidas repressivas contra os forros e reforça-se a difusão de rumores de que seriam despromovidos à condição de indígenas, estatuto legal que não se lhes aplicava. Essa tentativa de forçar ou convencer os forros ao trabalho a contrato nas roças é rapidamente desmentida pela administração colonial, que se apressa a negá-la em notas oficiosas afixadas em algumas zonas da ilha de São Tomé.

É neste contexto que alguns forros decidem protestar, arrancando as declarações oficiais do Governo nas ruas de Trindade e Batepá, localidades tidas como bases geográficas privilegiadas da elite forra. A reação das autoridades portuguesas é imediata e rapidamente escala em termos de violência. No período mais intenso de uma semana, embora se tenha prolongado durante vários meses, regista-se um conjunto de procedimentos que tem como alvo preferencial a população forra: verificam-se rusgas constantes e casas incendiadas; há prisioneiros encarcerados numa rapidamente sobrelotada prisão central ou enviados para um campo de trabalhos forçados, localizado em Fernão Dias, com o intuito de ali se construir um cais acostável; ocorrem violações; torturas com uma cadeira elétrica improvisada e dá-se a transferência para o exílio, no Príncipe, de alguns dos membros mais destacados da elite local, como assinalado, entre outros, nos testemunhos recolhidos por Lima (2002).»

Um vídeo com informação importante:


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Quem é o irresponsável por isto?

 


«Mais uma vez recai sobre mim a tarefa sempre desconsiderada de dizer o óbvio. É um destino um pouco cansativo, mas as coisas são o que são — outra evidência que quando é assinalada por mim se considera banal, mas quando é notada por Parménides toda a gente recebe com grande admiração. Injustiças.

A constatação óbvia desta semana é a seguinte: o altar-palco que vai receber em Lisboa o representante de Deus na Terra é baratíssimo. €5,3 milhões mais IVA é um assalto dos contribuintes à Mota-Engil. Este tipo de estrutura tem características particulares, e nós sabemos quais são porque Deus as comunica a Moisés no livro do Êxodo, capítulo 25 e seguintes. São as instruções para a construção do tabernáculo, a palavra com que antigamente eram designados os altares-palcos. Pessoalmente, não gostaria de vos maçar com os pormenores, mas Deus não tem o mesmo pudor. O Senhor tem ideias muito claras em termos de imobiliário. Não será por acaso que Lhe chamam o Supremo Arquitecto. O tabernáculo requer ouro, prata e cobre, peles de carneiro e texugo, madeira de acácia, pedras preciosas e cortinas de linho. No centro, terá uma arca de dois côvados e meio de comprimento, um côvado e meio de largura e outro tanto de altura, cheia de ouro puro. Também em ouro puro devem ser forjados um vaso, dois querubins, um castiçal, sete lâmpadas e um altar para queimar incenso. Uma pia para lavar as mãos poderá ser de cobre, bem como os utensílios do altar de holocaustos, todo em madeira de acácia. O tabernáculo terá quatro colunas de madeira de acácia cobertas de ouro, erigidas sobre quatro bases de prata. E o pátio será ornado por 20 colunas em base de cobre com faixas de prata. Quanto ao piso, o Criador pensou num parquet: tábuas de dez côvados de comprimento e côvado e meio de largura. Ciente de que a qualidade dos materiais não garante, por si só, a excelência da obra, Deus exige uma aplicação muito específica do pavimento: 20 tábuas para a banda do meio-dia, ao sul, sobre 40 bases de prata; 20 tábuas para a banda do norte, sobre outras 40 bases de prata; e seis tábuas para o ocidente.

Quanto à escolha do empreiteiro, o Todo-Poderoso opta, tal como a Câmara de Lisboa, pela modalidade do ajuste directo: devem ser Bezalel, filho de Uri, e Aiolabe, filho de Aisamaque, a realizar a obra. A ideia de concurso público é contrária aos planos do Senhor.

Como me parece óbvio, o nosso altar-palco não cumpre estas especificações. Vamos receber o Papa numa estrutura humilde, sem qualquer metal precioso, sem um único material medido em côvados, e sem nada que se assemelhe a uma pele de texugo. O nosso despojado altar-palco de €5,3 milhões mais IVA é paupérrimo, em respeito a Jesus Cristo, que se fez pobre por nós. Mesmo assim, gera protestos. Não há maneira de agradar a esta gente.»

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2.2.23

Chifres

 


Chifre de caça de prata dourada e esmalte, Viena, cerca de 1890.
Karl Bank.


Daqui.
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A vinda do papa - ainda

 


Vi ontem à noite a entrevista sobre a Jornada Mundial da Juventude, feita na RTP 3 a Américo Aguiar, bispo auxiliar de Lisboa.

Do princípio ao fim, estive sempre a pensar que, no caso de esta epopeia correr bem, se deve entregar o governo do país aos principais responsáveis por um êxito que me parece quase mais improvável do que D. Sebastião regressar numa manhã de nevoeiro.

Ainda estou boquiaberta. São dezenas (ou centenas…) de iniciativas, ainda em fase de «projecto», para mais de um milhão de pessoas que andará a serpentear por Lisboa e arredores para ver o papa, para rezar, comer e dormir e até para dançar temas de muitos países, numa miríade de mega ou mini palcos (pelo menos 50, ninguém sabe ainda onde, nem quanto custarão…).

Tudo isto daqui a seis meses menos um dia. Bravo!

A entrevista pode ser vista AQUI.
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O preço dos baixos salários

 


«O Banco Central Europeu (BCE) vai aumentar hoje a taxa de juro diretora, mimetizando uma decisão tomada ontem pela Reserva Federal norte-americana. O dinheiro vai ficar mais caro. Na realidade, já está. O tema infiltrou-se quer na mais privada conversa de café sobre o preço dos bens alimentares quer na discussão pública sobre a despesa decorrente da visita papal à Jornada Mundial da Juventude, em agosto.

Quando discorremos sobre o custo de vida, convém não perder a noção da realidade. O BCE tem o objetivo louvável de fazer regressar, a prazo, a inflação aos 2%, mas ninguém sustenta a família com esse fim em mente. É necessário agora ter 1091 euros para comprar os mesmos bens e serviços que custavam 1000 euros em 2019.

E será que 91 euros representam um gasto significativo? Os salários perderam valor ao longo do tempo, quer devido à inflação quer à ausência de atualizações em muitos setores de atividade. Em segundo lugar, mesmo que tenha ocorrido um aumento na remuneração, esse acréscimo é facilmente absorvido pela subida dos custos com telecomunicações ou com combustíveis.

Dando o salto do lado dos problemas para o lado das soluções, ninguém desdenharia que o Governo português eliminasse o IVA nos alimentos essenciais, à imagem do que sucedeu em Espanha. No entanto, verificou-se no país vizinho que muitos comerciantes aproveitaram a medida para manter ou até aumentar as suas margens, anulando assim o impacto pretendido.

A liquidez dada pela menor retenção de IRS, medida tomada em Portugal, pode revelar-se eficaz, embora muitos temam que seja insuficiente. O mesmo se poderá dizer das ajudas diretas às famílias. Portugal era e continua a ser um país de baixos salários. O paradigma tem de mudar. Fixar os melhores é um objetivo viável se as vistas não forem curtas. A inflação até pode "ir embora" mais cedo do que se espera, como diz o Governo, mas os nossos jovens qualificados vão esperar?»

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1.2.23

Hoje an AR

 



Apresentação da proposta de comissão de inquérito sobre a TAP.
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Naquela semana de Agosto

 


Vou tentar não sair de S. Domingos de Benfica, onde creio que não haverá papa, nem palcos, nem confessionários, nem peregrinos.

Quando muito, alguns jovens transviados vão mostrar-me um mapa para perguntarem se o papa vai passar por aqui, como fazem quando procuram o Museu do Benfica ou o Jardim Zoológico.
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Chega: quem anda a alimentar a besta

 


«O que deveria ser mais um congresso do Chega para corrigir mais uma trapalhada estatutária de um partido unipessoal não se limitou a merecer uma cobertura mediática absurda, tendo em conta a regularidade das convenções e o facto de ser um formalismo imposto pelo Tribunal Constitucional, que Ventura aproveitou para mais uma eleição norte-coreana. Teve direito à presença do vice-presidente do PSD que, em 2020,quando foi candidato à liderança, defendeu que as alianças com extrema-direita eram possíveis e da ministra dos Assuntos Parlamentares, umas das figuras mais importantes do PS. E isso chegou para que o congresso, onde nem uma solução para seja que assunto fosse foi mencionada, ganhasse centralidade política. O que nunca precisa de muito, porque os jornalistas, sendo viciados em novidades, tendem a alimentá-las até as suas profecias se tornarem realidade.

A presença de Miguel Pinto Luz no encerramento da convenção é a confirmação do que qualquer pessoa atenta às várias declarações de Luís Montenegro já percebeu há muito tempo: se o PSD precisar do Chega, e é provável que venha a precisar, haverá acordo sem qualquer hesitação. E quanto mais sinais der disso aos eleitores mais votos perderá para o Chega, à direita, porque dá utilidade a esse voto, e mais precisará dele. Percebendo a centralidade que lhe dão, André Ventura subiu a parada: quer ministros. E a sede de poder da direita será tal que, se for essa a sua exigência, os terá.

O teste do algodão será a Madeira. Não tenho dúvidas que a organização que governa a região há meio século, com todos os abusos e impunidades que tanto tempo garante ao poder, não hesitará em dar lugares ao Chega. Nem me parece que este debate diga qualquer coisa ao PRI madeirense. E não acho que o efeito venha a ser aquele a que assistimos nos Açores. Muita coisa mudou desde então: o PS encarregou-se de institucionalizar que o Chega é quem lhe faz oposição, valorizando-o; a comunicação social encarregou-se de transformar o confronto político em nada mais do que casos (com a ajuda do governo); e o PSD tratou de normalizar a extrema-direita como apenas mais uma potencial parceira. Natural, quando foi o passismo que criou a besta.

De tal forma que a nova direção IL, saída de um congresso onde ficou claro que quase metade do partido poderia ser do Chega, até está apostada, mais pela nova versão "social" de Ventura do que por causa das liberdades de quem não tem dinheiro, em distinguir-se de Montenegro nesta opção.

O Chega terá apenas um problema e não será aqueles que muitos pensam – deixar de ser um partido de protesto. Por essa Europa fora a extrema-direita tem mostrado uma enorme adaptabilidade. Consegue estar dentro mantendo-se aparentemente fora e impor a agenda populista na violação dos direitos das minorias enquanto aceita o “status quo” económico e social. Por isso querem a Administração Interna ou a Justiça e deixam as pastas económicas para aqueles de quem, quando não estão a caçar votos, não discordam assim tanto.

O problema do Chega é o seu maior trunfo: André Ventura. Não sei se por insegurança, autoritarismo (inevitável num partido de natureza autoritária) ou as duas coisas, o líder do Chega não deixa que nada brilhe à sua volta, tornando o partido pouco atrativo para quem não seja destituído. Não há naquele grupo parlamentar ninguém que pudesse ser ministro para além do próprio Ventura. E no dia que houver será rapidamente despachado. Só resistem à limpeza, bem evidente neste congresso devidamente enxuto de discordâncias, velhos fascistas ou intelectuais há muito à procura de abrigo que ambicionam uma coisa que não tem interesse para Ventura: o poder das suas convicções.

Quanto à presença de Ana Catarina Mendes, em representação do governo, é ainda mais significativa. Claro que o PS, ao contrário dos futuros aliados do Chega, não esteve presente. Mas ao decidir que o governo está presente e ao escolher uma das suas principais ministras e uma das principais dirigentes do partido, e não uma figura de quarta linha, Costa quis valorizar o Chega. E é o que continuará a fazer, passando a ideia que qualquer alternativa tem de passar pelo Chega, para assustar moderados: ou eu, ou o caos. O que Macron tem feito, destruindo todo o sistema partidário francês.

Só há um problema: as coisas estão a chegar a um ponto em que até o PS parece estar a perder votos para a extrema-direita. Costa está a alimentar um monstro que lhe garantirá a sobrevivência a curto prazo, mas põe a democracia em perigo no médio e longo prazo. O problema não são os inimigos da democracia. São os que estão demasiado ocupados consigo mesmos para a defender.»

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31.1.23

Colares

 


Colar «Princesa Distante» em esmalte opaco sobre ouro, diamantes e ametistas, 1898-1899.
Rene Lalique.

Daqui.
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31 de Janeiro rima com Revolta do Porto

 




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JMJ: Quando eu julgava que já sabia tudo…

 


E afinal…Os 150 confessionários estarão na «Cidade da Alegria», situada em Belém. Ou seja: peca-se na Trancão e tem-se transportes gratuitos para obter perdão a uns quilómetros? Complicado.
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Morrer com um sorriso

 


«"A sedação começa e ela não perde o sorriso. As suas netas dizem que a amam e ela despede-se desejando felicidades para todos. São onze e meia e paira no ar um espírito de paz, dignidade, respeito pela vida e pelo processo de morrer que nunca havia experimentado".

Este relato na primeira pessoa do médico espanhol Jesús Medina feita ao jornal "El País" espelha um ato polémico que em Espanha já foi legalizado e que em Portugal o conservadorismo do Tribunal Constitucional ainda não o permitiu. Esta eutanásia, feita a 15 de novembro de 2021, é uma das duas centenas realizadas até hoje no país vizinho. Na altura, Jesús Medina relatou que a paciente pediu que não falhasse com ela, uma idosa de 86 anos com cancro do cólon terminal.

Vale a pena recordar as palavras que o médico resolveu partilhar. "Estamos aqui os três: as duas enfermeiras e eu. Dedicamos alguns momentos para dizermos o quanto estamos nervosos, mas convictos de que estamos a realizar um ato médico, movidos pelo amor e pelo respeito à liberdade individual. No quarto há filhos e muitos netos. O marido é o membro mais frágil da família. Ela está esplêndida com um pijama branco e um roupão florido. Maquilhada, perfumada, com um ramo de flores que as netas acabaram de lhe dar. Ela conforta quem está perto. Está preparada, forte, serena e contraditoriamente parecendo cheia de vida. Ela vai para o quarto e deita-se na cama com bastante naturalidade. Fala connosco num tom jovial sobre detalhes específicos e questões importantes. Agradece-me pelo meu acompanhamento nos últimos meses, conta-me coisas muito bonitas que não consigo reter. Digo-lhe que tivemos uma paixão à primeira vista, que nunca vou esquecê-la". Todos estamos de acordo que a eutanásia é transversal e não tem ideologia. A lei da morte medicamente assistida não pode ser inconstitucional, mas também estamos de acordo que o Parlamento irá fazer o seu trabalho e aprovar uma legislação que proteja quem sofre e quem deseje parar esse sofrimento.»

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30.1.23

Mudam-se os tempos...

 

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Gandhi, assassinado há 75 anos

 


Mahatma Gandhi foi assassinado em 30 de Janeiro de 1948, com 78 anos, depois de ter sido o artífice lendário e decisivo dos direitos cívicos que levaram à independência da Índia. Mas nem tudo foi fácil depois e vale a pena ouvir uma curta descrição em «Os Dias da História»

Raj Ghat, memorial e local onde se encontram as cinzas de Ganghi, em Nova Deli, por onde já passei duas vezes. Continua a ser a grande, a enorme referência do país:



A morte e a multidão de dois milhões de pessoas que terão acompanhado o funeral:



Londres, 20.10.1932, um discurso que ficou célebre:


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30.01.1937 – Vanessa Redgrave

 


Vanessa Redgrave, essa grande actriz, chega hoje aos 86.

Com participação em mais de 80 filmes e seis nomeações para Óscares, foi também activista política desde muito nova (várias vezes candidata em eleições gerais, entre 1974 e 1979, pelo Partido Revolucionário Trotskista), mantendo-se depois disso sempre ligada a muitas iniciativas de solidariedade e de protesto, como, por exemplo, a uma campanha contra a guerra no Iraque.

Em 1978 recebeu o Óscar de Melhor Atriz Secundária pelo papel de «Julia» no filme com o mesmo nome, onde actuou ao lado de Jane Fonda e de Meryl Streep. Foi grande então a polémica que o filme provocou e vale a pena ouvir o que ela disse na cerimónia de recepção do prémio:



Julia, 1977:



Julgo que as primeiras imagens dela guardo são de Blow-up (1966) e Isadora (1968):




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O grande problema do Governo tem um nome: professores

 


«Passa nesta segunda-feira um ano desde que as eleições legislativas deram a vitória ao PS com maioria absoluta e não se pode dizer que os últimos meses, desde a posse em finais de Março de 2022, tenham sido desafogados para António Costa e os seus ministros. E não o foram, em parte, porque a política (ou antes, a politiquice) está a ganhar às políticas.

O que tem distraído os portugueses da crise inflacionária e contribuído para a sua falta de confiança nas instituições não são as políticas erradas que o executivo tem escolhido. À falta dessas, o espaço tem sido tomado por histórias como: os milhões da indemnização de Alexandra Reis; a fita do tempo que Pedro Nuno Santos reconstituiu; as eventuais incompatibilidades de membros do Governo e do Parlamento; as supostas luvas nas autarquias; os ajustes directos sem controlo; processos intermináveis que levantam suspeitas sem as concretizar em tempo útil; e, mais recentemente, o esbanjamento que alguns de nós querem levar a cabo numa Jornada Mundial da Juventude que se realiza dentro de 183 dias em Lisboa.

Se retirarmos estes casos (ou este caos) da equação, o que está neste momento no centro do furacão é uma classe profissional que acumula anos de cansaço, de sensação de desrespeito e de esquecimento. Os professores tornaram-se o grande problema que o Governo tem para resolver, ao ponto de terem iniciado uma greve inédita, por tempo indeterminado e de consequências imprevisíveis, até para a imagem pública dos próprios.

A manifestação deste fim-de-semana, a lembrar os tempos da troika, mostra muito mais do que o estado de desmotivação da classe docente. Mostra o desespero. Cada professor é uma história de desencanto com a profissão, com o sistema educativo, com os sucessivos governos e com as suas próprias perspectivas de futuro. Pensar que se podiam descongelar carreiras como se nada tivesse ficado perdido funcionou como um longo rastilho de uma bomba que está agora a explodir. Afinal, os professores não se esqueceram disso e, para eles, a questão parece longe de estar ultrapassada — apesar de o Governo insistir que, do seu lado, a porta para recuperar os anos de serviços congelados está definitivamente fechada.

Seis anos, seis meses e 23 dias. De acordo com a Fenprof, é este o tempo perdido. Há muito mais coisas em causa para os sindicatos, algumas em negociação, mas esta é a pedra no sapato dos docentes desde que Pedro Passos Coelho deixou de ser primeiro-ministro. Em 2019, ainda com a “geringonça”, o tema quase fez cair o Governo, que chegou a ameaçar com eleições antecipadas quando a oposição se juntou para aprovar a recuperação desses anos. Acabou por não acontecer, com uma pequena grande ajuda do PSD de Rui Rio.

Agora, em maioria absoluta, o cenário é totalmente diferente. Em teoria, ninguém pode obrigar o PS e o executivo a fazerem o que não querem (na prática, há as maiorias sociais de que falou Catarina Martins no domingo, que podem fazer estragos). Mas até já entre os socialistas há quem tenha percebido que o problema não é irrelevante. Neste domingo, em entrevista à Lusa, Carlos César aconselhou o Governo a debruçar-se “e atender a esses problemas”, sobretudo os que resultaram dos anos da pandemia. “É altura de, caso a caso, resolvermos esses problemas. Alguns estão a ser resolvidos – e de certeza que o problema dos professores também começará a ter um desenho na sua resolução que vai permitir-lhes terem confiança num processo que não seja interrompido de recuperação daquilo a que entendem ter direito”, acrescentou o presidente do PS.

Está na hora de Governo e oposição discutirem soluções em vez de entrarem numa espécie de campeonato da desonestidade. Está na hora de as políticas voltarem ao centro da política.»

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29.1.23

Palácios

 


Palácio Gresham, Budapeste, 1904-1906.
Arquitectos: Zsigmond Quittner e Jozsef Vago.


(Agora Hotel "Four Seasons")

Daqui.
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Lagosta ou carapau

 



Para rir ou para chorar.
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«O Tempo e o Modo» – 60 anos

 


O primeiro número saiu em 29 de Janeiro de 1963. Alguns recordarão a importância que teve o lançamento desta revista, como plataforma de um diálogo possível em tempos de censura bem dura, na sociedade portuguesa daquele início da década de 60. Pessoalmente, tive a sorte de nela participar.

António Alçada Baptista, João Bénard da Costa, Pedro Tamen, Nuno Bragança, Alberto Vaz da Silva e Mário Murteira, todos católicos, concretizaram um projecto que, desde o seu início, foi aberto à colaboração de não crentes, o que hoje parece absolutamente trivial, mas que esteve longe de o ser e foi mesmo objecto de uma votação. Não resisto a resumir o que então se passou: antes de a dita votação se efectuar, foi rezada uma Avé-Maria para que o Espírito Santo iluminasse os presentes. A decisão, pela positiva, foi tomada por cinco votos a favor e dois contra, o que permitiu que tivessem sido colaboradores, desde o início, Mário Soares, Salgado Zenha, Jorge Sampaio e Sottomayor Cardia, entre outros. Este episódio, hoje dificilmente compreensível, revela bem o peso da mentalidade então vigente e a importância histórica dos que contra ela lutavam – «abertura» passou a ser um dos sinais de marca de O Tempo e o Modo.

Em 1964, por ocasião do primeiro aniversário da revista, António Alçada Baptista comentou, bem à sua maneira: «O Tempo e o Modo pretendeu ser essa mesa onde as pessoas se conheceram e à volta da qual alguns se quiseram sentar. Depois, e à mesma mesa sentados, acharam que era possível falar. Conversados, reconheceram que muitas preocupações lhes eram comuns e que, talvez, ao tentarem resolvê-las, o poderiam fazer em equipa.» (O Tempo e o Modo, nº 12, Janeiro de 1964, p. 1.)

Foi longa e atribulada a história da revista, publicada entre 1963 e 1977. Actualmente, estão disponibilizados online todos os números das diversas fases.
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Quem tem medo da guerra colonial?

 


«PS, PSD e Chega chumbaram uma proposta do Bloco de Esquerda de desclassificação de documentos militares anteriores a 1975 por três razões diferentes, mas todas elas injustificadas. Os socialistas entendem que os historiadores devem ter acesso a todas as fontes documentais para fazerem o seu trabalho, mas também garantem que são poucos os documentos daquela época que estão classificados e que estes apenas se encontram na Marinha. Pois bem. Certamente que quem estuda a guerra colonial terá muito interesse em saber o conteúdo dessa escassa documentação que continua secreta e porque é que ela se mantém nesse estado.

O PSD e Chega não estão preocupados com a escassez dos textos classificados. O que mais os apoquenta são os efeitos que o seu conhecimento público poderá ter na “abertura das feridas” que a guerra colonial inevitavelmente provoca na sociedade portuguesa. Esta proposta de desclassificação do BE, que se refere especificamente ao período da guerra colonial, entre 1961 e 1974, tem tudo para que tal aconteça. Mas o oposto não resolve nada. Quem faz História não é o BE.

Por fim, a desclassificação contribuiria para o “achincalhamento das forças armadas”. O Parlamento optou por manter o estado de negação, fingir que o trauma não existe, ignorar que um regime repugnante fez muitas vítimas inocentes cá e lá, em nome de uma guerra sem razão. Apesar do chumbo, as feridas vão continuar abertas e silenciosas, e não se trata de denegrir quem foi obrigado a combater em África, mas sim de conhecer as circunstâncias históricas em que tal aconteceu.

Todas as guerras são traumáticas. E nem todos os países se sentiram à vontade para confrontar a sua memória, como é o exemplo clássico da Alemanha Ocidental do pós-guerra. A catarse espanhola do Governo de Pedro Sánchez sobre a guerra civil e as vítimas do franquismo é um acto de justiça com a memória destas e com os seus familiares, uma forma de melhor desvendar o passado e de sanar, de uma vez por todas, as tais feridas abertas.

Depois do cinquentenário do massacre de Wiriyamu em Moçambique, quando as principais figuras do Estado assumiram essa ferida, não há muitos argumentos para continuar a persistir no tabu. Ele permanece, como explica o historiador Manuel Loff, porque ainda há protagonistas da guerra que estão vivos e porque ainda há quem encontre legitimidade na dominação colonial. Só faz o luto a sério quem tem coragem de o enfrentar.»

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