4.2.23

Estado social e contas certas



 

«O ideário político da direita preconiza a substituição do Estado prestador pelo Estado regulador, assente na privatização não só de empresas do sector público empresarial, mas também de serviços essenciais como a educação e a saúde. Os cheques-ensino e os contratos de associação permitiriam às escolas privadas selecionar os alunos (essa sim, a verdadeira “liberdade de escolha”), deixando uma escola pública sem recursos destinada apenas aos mais pobres que a direita não se importa de deixar para trás. Na saúde, restaria um SNS reduzido ao mínimo, também para os mais pobres ou para tratar as doenças que não são rentáveis para os privados. Sistemas generalizados de seguros e o próprio Estado financiariam a saúde privada. E mesmo os serviços públicos administrativos, exceto os estritamente ligados à soberania, seriam subcontratados a empresas privadas.

Uma máquina do Estado leve e pequena, como a direita sempre pretendeu. A mesma direita que acusa aqueles que defendem o Estado social de terem um “preconceito ideológico”. Não é preconceito, é ideologia. Em ambos os casos.

O Estado social como o conhecemos e como a nossa Constituição impõe, seria posto em causa, abdicando-se da realização dos direitos sociais. Um retrocesso civilizacional.

O risco de desmantelamento do Estado social só pode ser contrariado de uma forma: garantindo a qualidade dos serviços públicos e a eficiência no exercício das funções do Estado. Isso exige investimento, não só reforçando os orçamentos destes setores (o que aconteceu, entre 2015 e 2023, com um aumento de 36% no orçamento inicial da educação e de 40% no da saúde — mais de 50% se considerarmos apenas o SNS), mas também executando na totalidade as verbas orçamentadas em cada ano (em 2022, por exemplo, o investimento terá ficado 26,8% aquém do orçamentado). E exige ainda a dignificação dos trabalhadores da Administração Pública: oficiais de justiça, médicos, enfermeiros, professores, forças de segurança, entre outros. O acordo plurianual assinado em outubro de 2022 é um passo fundamental, mas é preciso ir mais longe, ao nível dos salários, bem como ao nível das condições de trabalho, materiais, físicas e mentais.

A política de contas certas é muito importante para um país endividado como Portugal, mas não pode pôr em causa o futuro do Estado social, nem a qualidade dos serviços públicos. É preciso realizar (com limites razoáveis) despesa permanente e estrutural porque é de planeamento e de medidas estruturais que a Administração Pública precisa. A evolução positiva da economia, que se deve em grande parte às políticas adotadas pelo Governo, permite a realização dessa despesa e impõe-na como forma de redistribuição da riqueza. O crescimento económico deve ser usado para promover a justiça social.

Os cidadãos têm de sentir, tal como fizeram durante a pandemia, que o Estado não lhes falta quando mais precisam, que os serviços públicos dão resposta às suas necessidades essenciais com (pelo menos alguma) celeridade e conforto e que o fazem com qualidade e eficiência, senão um dia serão os próprios cidadãos a exigir a sua privatização. A direita agradeceria.»

.

0 comments: