«Regresso, ainda, à entrevista do Presidente da República - ou terá sido do analista e comentador Marcelo Rebelo de Sousa? - a propósito dos seus sete anos em Belém. De entre as várias frases duras e diretas, ditas ao governo e à oposição, o entrevistado - talvez, no final, chegue a alguma conclusão sobre quem esteve, afinal, naquela cadeira - esclarece, de forma analítica, a diferença entre uma "maioria aritmética" e uma "maioria política". Considera que, nesta altura, dizem as sondagens, há uma maioria "aritmética" de direita, mas essa mesma direita não foi ainda capaz de gerar uma "maioria política" correspondente. Muito por culpa do partido "liderante do hemisfério", no caso, o PSD. Marcelo entende que só quando existir uma "grande distância" entre o maior partido da direita e os restantes, pode começar a falar-se em "maioria política". Ou seja, o PSD terá de estar mais forte e mais robusto, nas sondagens, deixar o Chega e a IL mais longe, ser claramente a força dominante. Tal como aconteceu no outro "hemisfério" com o PS e as condições que levaram à formação da geringonça.
Estamos, portanto, numa paz podre, de calculismo, tática, deixa-andar; "se por um lado" a maioria política "ainda" não existe, "por outro lado" a maioria aritmética não se mostra "ainda" como alternativa. Por outras palavras, a "maioria requentada e cansada", o governo que "perdeu um ano", vai continuar a governar, tranquilamente. E, avisa o entrevistado, "já" não faltam "três anos e meio, mas dois anos e meio porque o último ano é de campanha eleitoral". E eis que, o Presidente - ou o analista - assume assim, de forma cândida, que seja qual for o governo, vai passar o último ano de mandato a "fazer campanha".
Ainda estas e outras palavras faziam eco e, nos Açores, a "quase geringonça" - porque prevê um acordo de governo com três partidos e um apoio parlamentar com mais dois, acordo que, depois, passou apenas a um partido e a um deputado do Chega que se tornou independente - abanava com a governação insular.
O governo PSD/CDS/PPM está, agora, sem suporte maioritário no parlamento, depois de um deputado independente e outro da Iniciativa Liberal terem "rasgado" o acordo de suporte parlamentar. A consequência foi, para já, o Governo Regional considerar que tem todas as condições para continuar, e reclamar-se como a força da "estabilidade", mas nem por isso propôs uma moção de confiança, para clarificar as águas.
E, do outro lado, a nova maioria parlamentar, não só não apresenta nenhuma moção de censura, como diz que este não é o tempo para "eleições antecipadas". Para o caso dos Açores, o mesmo analista poderia utilizar a fórmula ao contrário. "Ainda" há uma maioria política, apesar de "já" não existir uma "maioria aritmética".
Entre a aritmética e a política, o "já" e o "ainda", a resistência de quem está no poder e a cobardia de quem se encontra na oposição, em Ponta Delgada como em Lisboa, a política, a alta política, vive bem no charco, no pântano, nas meias-tintas, no assim-assim.
E cá se vai andando, nunca pior, diz o povo, "eles são todos iguais".
Num tempo marcado por populismos emergentes, extremismos à la carte, policiamento da linguagem, sindicatos inorgânicos, movimentos criados a partir das redes sociais, sem rosto, sem regras e, por isso, sem responsabilidade, o pior que pode acontecer a uma democracia que se quer viva, pluralista, forte e robusta, é permitir esta sensação de "deixa andar". Quando se adormece no pântano, pode acordar-se atolado.»
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