4.8.18

Até os galináceos se refrescam


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Algum dos Pedros precisará de mim?



O Santana ou o Duarte?
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Dica (792)




«Portugal's first attempt to commemorate its long history of slavery with a monument has inflamed passions over how the country should confront its colonial past and face up to its multiracial present.»
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Marcelo e o PPD/PSD




O presidente da República de todos os portugueses a propósito da saída de Santana Lopes do PSD. «"Foi uma opção que ele fez, uma opção drástica, uma mudança de vida drástica, tendo sido uma figura importante do partido", disse Marcelo sobre Santana, acrescentando a sua opinião sobre o ato de desfiliação. "Tenho a filiação suspensa, mas para mim o partido é uma família e não se muda de família. Mas tenho grandes amigos que pensam o contrário e mudam de partido".»

Eles que tratem destes assuntos lá nas famílias deles.
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O CDS, a Europa e os “outros povos”



«O CDS decidiu antecipar-se e anunciar, a quase um ano de distância, a sua candidatura ao Parlamento Europeu. E o que escolheram aqueles que se dizem democratas-cristãos como tema preferencial? Os migrantes: “O espaço europeu pode ser um destino de acolhimento para outros povos mas exigimos respeito pelas nossas leis, valores, costumes. A segurança dos cidadãos é uma prioridade”, lê-se no flyer do CDS (PÚBLICO, 19.7.2018). A propósito desses “outros povos”, o repetente cabeça de lista, Nuno Melo, que, por um lado, gosta de falar do “humanismo” com que a Europa tem o dever de acolher “aqueles que procuram o nosso espaço comum porque fogem a essas guerras, porque fogem à fome, porque querem salvaguardar a sua vida e a vida dos seus familiares”, é o mesmo que, sempre que de refugiados se fala, vai direitinho ao discurso do medo. Melo repete há anos que “as migrações têm implicações na segurança”, que a questão “não pode ser vista numa perspetiva romântica” porque há muitos migrantes que, “sob pretexto” da procura de asilo, “se querem infiltrar na dita Europa fortaleza para cometer atentados” (Observador, 4.9.2015). É que, lembra ele, “a Europa está em guerra” - o CDS, pelo menos, está! - e “a mim preocupa-me bastante que neste momento haja mais de 50 mil pessoas que circulam livremente pela Europa, sem sabermos quem são, de onde vêm e ao que vêm”. Em Penafiel, há dois anos, Melo dizia que “o problema só se resolve na origem” e “não [acreditava] que isto se possa resolver sem uma intervenção militar da qual a Europa e os Estados Unidos façam parte” (Verdadeiro olhar, 3.4.2016).

É curioso que, de tão banal esta linguagem, já nem se dê importância a estes delírios belicistas! Para quem gosta de sublinhar que Portugal é uma exceção no quadro europeu de consolidação de uma extrema-direita xenófoba e neofascista, as tiradas de Nuno Melo sobre os refugiados deviam ensinar-nos a perceber onde estão os Salvinis e as Le Pens portuguesas - personagens que, lembremo-nos, preocupadas com a “segurança da Europa” e a “preservação do modo de vida europeu”, sempre rejeitaram ser racistas. O CDS (e o PSD) faz parte do Partido Popular Europeu (PPE) juntamente com a CDU alemã, por exemplo, mas também com os partidos de Viktor Orbán e de Berlusconi (o primeiro a trazer a extrema-direita para o governo italiano há 24 anos). Dominando a presidência da UE (Tusk), da Comissão (Juncker) e do Parlamento (Tajani) europeus, bem como a maioria dos governos da UE, o PPE preparou há meses um rascunho do seu programa eleitoral para 2019 no qual sobressaem algumas das teses tradicionais da extrema-direita: “o sucesso da Europa dependerá da nossa capacidade para (...) preservar o modo de vida europeu”, o que passa por “proteger as nossas fronteiras para travar as migrações ilegais” pelo que “precisamos de equipar as nossas fronteiras com a última tecnologia (…) e pelo menos dez mil novos guardas” para “assegurar o nosso direito sistemático a mandar equipas militares ou construir muros onde for necessário” (“EPP Group Priorities, draft programme”, 2018).

Estes muros e estes guardas fronteiriços são os mesmos de Trump ou Orbán. Desengane-se quem acha que tudo isto não passa de uma estratégia eleitoral para impedir que mais eleitores se passem de armas e bagagens para o campo da extrema-direita assumida – como se imitar Salvini fosse a melhor forma de evitar que se vote Salvini. Há quase 30 anos que as elites ocidentais, uma vez libertas do bipolarismo da guerra fria, apostaram nessa nova visão colonial do mundo que o “choque de civilizações” destilou, e, a partir dela, forçaram um reordenamento político dos Balcãs, da Ásia Central pós-soviética, do Norte de África e do Médio Oriente, que propiciou as al Qaedas e os Estados Islâmicos. De amálgama em amálgama, o mesmo terrorismo (dito) islâmico que foi (ou é) aliado militar do Ocidente em tantos cenários de guerra passou a ser tido como representação de um só e único “Islão”; dezenas de milhões de muçulmanos que há gerações (e, em muitos casos, há séculos) são europeus, viram-se percecionados como potenciais terroristas; e, por último, milhões de migrantes, de todas as origens, passaram a ser parte da categoria de “outros povos” com os quais, afinal, “a Europa está em guerra”, e entre os quais se escondem “terroristas” que querem ameaçar “o modo de vida europeu”.

Na Europa do desemprego juvenil, da precarização do trabalho e da exploração dos imigrantes, é de “invasores” e “guerra” que o CDS quer falar. Está percebido.»

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3.8.18

O tempora, o mores!


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Salazar caiu mesmo de uma cadeira? Foi em 3 de Agosto de 68?



Anda por aí uma discussão quanto à data em que Salazar terá caído de uma cadeira, no início de Agosto de 1968.

Sempre considerei que foi no dia 3, baseada em muitas e variadas fontes e, antes de mais, na minha «bíblia» neste domínio: o livro de Franco Nogueira, Salazar, o último combate, vol. VI. Na página 377 (na imagem), afirma explicitamente que foi nessa data, mas não ignora a celeuma: diz que a governanta chegou a falar de dia 5, que até 4 foi aventado, mas que o célebre calista, António Hilário, registou «pelo seu punho» que «a queda deu-se em 3 de Agosto de 1968».



Acontece que, há poucos anos, alguém terá descoberto um bilhete do mesmo calista sobre o facto, escrito em 1 de Agosto. Cereja em cima do bolo: uma empregada, que estava no Forte nesses dias, fez declarações divulgadas ontem pela tsf, nas quais afirma que só muito depois dos acontecimentos ouviu falar de uma queda e de uma cadeira de lona. Mais: recorda-se de que, por lá, só existiam cadeiras e mesas de verga...

Em suma, estamos a aproximarmo-nos de uma novela parecida com a de Tancos (terá havido cadeira? queda?). Mas, por favor, não nos roubem do nosso imaginário a cadeira de lona de 3 de Agosto de 1968!
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Itália




Bem a propósito, naquele país, nos dias que correm!
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Tempos inquietos e de poucas respostas



«Sir Walter Bagehot, o criador da revista "Economist", escreveu um dia que: "Para os ricos é difícil de entender porque é que os pobres, quando têm fome, não tocam a campainha para que lhes sirvam o jantar." No século XIX, quando Bagehot viveu, a separação entre ricos e pobres era clara. A democracia de consumo iludiu essa diferença, mas o regresso da idade da austeridade, com o descalabro das contas públicas de diferentes Estados em todo o mundo, parece estar a fazer com que estejamos a regressar aos tempos descritos por Charles Dickens. Depois de 30 anos de vitória das teorias liberais nascidas da escola austríaca e postas em prática por Margaret Thatcher e Ronald Reagan, da hegemonia financeira permitida pela globalização e da colocação da classe política (mesmo à esquerda) como gestora dos interesses do mercado, todo o toque de Midas prometido parece ter começado a transformar ouro em chumbo. Não há certezas e as sociedades, após a globalização financeira, estão a fechar-se. O comércio e o dinheiro circulam, mas as pessoas voltam a ter entraves para atravessar fronteiras.

A própria situação de Portugal no quadro desta crise da União Europeia e da sociedade ocidental não surge por mero acaso. Se o capitalismo tem uma capacidade notável para se reinventar, não é menos verdade que o crescimento do desemprego e o decrescente poder de compra das classes médias parece estar a pôr em causa o contrato social sobre o qual foi erigida a democracia ocidental e o Estado social. Vivemos tempos de inquietação.

Em Portugal, claro, apenas se discute a espuma dos dias (as aventuras imobiliárias de Robles, se há comboios amanhã, porque no Algarve há médicos nos hospitais privados e não os há no SNS), sem profundidade alguma. No meio de tudo não há uma discussão séria sobre uma estratégia de transportes rodoviários em Portugal, sobre o financiamento a prazo do SNS, sobre as alterações climáticas que vão colocar este país à beira de fogos incontroláveis durante muitos períodos do ano, sobre os limites das migrações. Em Espanha, por exemplo, após a política de "braços abertos" de Pedro Sánchez, assiste-se agora a uma discussão sem paralelo sobre a capacidade espanhola de albergar dezenas de milhares de migrantes, sobretudo depois de alguns terem utilizado, para entrar, cal viva, deitando-a para cima de polícias e queimando-os. Essa discussão não faz parte do nosso dia-a-dia político, como se fosse desnecessária.

Há também um outro tema que rapidamente vai ser fulcral: o do turismo. Este ano já se assiste a um refreamento da "loucura" dos turistas para vir para Lisboa ou para o Algarve. Melhor (e mais barata) oferta em países do Mediterrâneo, a política de praticar preços obscenos em restaurantes e alojamento, qualidade deficiente, oferta cultural e divertimento muito sofrível, transportes públicos miseráveis, são questões que estão a minar a chamada galinha dos ovos de ouro há alguns anos. Se este sector entrar em declínio, para valores mais normais e estáveis, que se irá fazer? Nada disso se discute, numa sociedade em completa mutação. Mas será com esse novo mundo que a classe política se terá de defrontar daqui a pouco tempo. E terá de ter ideias para ela. De outra forma algum radicalismo as terá por eles.»

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Salazar? Pardon my French


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2.8.18

Google na China




A pouco e pouco, a censura entra como piolho por costura e a democracia esvai-se.

«De acordo com as notícias, o Google estará a criar, em articulação com as autoridades chinesas, uma aplicação para Android com um motor de busca que vai filtrar os resultados que não agradam ao regime de Pequim. Isto inclui referências a opositores políticos, e a temas como direitos humanos e religião.»
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Ryanair



Carta a tripulantes da Ryanair entregue a autoridades nacionais.

«Numa carta dirigida aos trabalhadores, a empresa referiu que não serão pagos vários componentes do salário, incluindo bónus de produtividade, e que as ausências são "levadas em conta, tal como outros fatores relevantes de desempenho em avaliações para oportunidades de promoções e de transferências".
Referindo que estas cartas dizem respeito a dias de greve, a dirigente sindical informou que foram entregues à ACT e ao ministério responsável pelas relações laborais.
"Na Ryanair, fazer greves tem algum tipo de consequências, estar doente tem consequências, não vender raspadinhas tem consequências, querer tirar licença, tem consequências para tripulantes. Aparentemente só não há consequências para a administração".»
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Assim vai a Itália




«Réagissant à la une du magazine catholique "Famiglia Cristiana" la semaine dernière, qui titrait "Vade retro Salvini", Salvini a répliqué par un tweet, le jour de l'anniversaire de Mussolini, né le 29 juillet 1883 : "Tanti nemici, molto onore", "Beaucoup d'ennemis, beaucoup d'honneur". Une variation du fameux "molti nemici, molto onore" que le "Duce" utilisa, paraît-il, lorsqu'il se sentit encerclé par les démocraties européennes.»
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O nosso general Rovisco



«Elvis Presley tinha um grande fascínio pelo mundo militar. Em 1970, em apenas três dias, gastou 20 mil dólares a comprar armas. O seu filme favorito, que revia múltiplas vezes, era "Patton: Lust for Glory", sobre o general americano que se tornou um herói nacional durante a II Guerra Mundial. Patton era considerado louco e sobre ele poderia mesmo aplicar-se as palavras do rei Jorge II, que não morria de amores pelos militares que o cercavam, sobre o general Wolfe: "Ele é louco? Então eu desejaria que ele pudesse morder alguns dos meus outros generais." Não consta que tenha cumprido os desejos do rei. Já Patton acreditava que era a reencarnação de Aníbal, o general de Cartago, considerado "o rei da estratégia". O que levou alguns contemporâneos dele a dizer que ele "não estava bom da cabeça". A história assistiu à existência de todo o tipo de militares. Uns acabaram como heróis. Outros saíram pela porta mais pequena da memória. Mas nenhuma sociedade lhes ficou indiferente.

Portugal tem muito a dever aos seus militares. Mas também tem os seus "irritantes". O mais óbvio é o mistério de Tancos, novela policial que poderia ter sido escrita por Agatha Christie. Ou poderia ser mesmo um filme de Monty Python. A última cena desta obra foi agora desempenhada pelo general Rovisco Duarte, o homem que, sorridente, deu a boa nova aos portugueses de que todo o material "furtado" de Tancos tinha sido recuperado, até com o bónus de uma caixinha. Agora Rovisco Duarte foi ao Parlamento, disse que o Exército nunca deu garantias de que o material recuperado correspondia ao roubado e que a lista das armas e munições espoliadas estava em segredo de justiça, pelo que não a podia divulgar aos deputados. Parece que ninguém sabe o que aconteceu! O melhor momento foi quando disse, sem se rir: "Não sei o que estou aqui a fazer." Não sabe, nem nós sabemos porque ainda é CEME. E porque é que o incógnito Azeredo Lopes ainda é ministro da Defesa. Deve tratar-se de um lapso de comunicação, que ainda está, também, em segredo de justiça.»

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1.8.18

Passos Coelho?



Passos Coelho vai ser professor catedrático na Universidade Lusíada.
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Madonna dixit




«É um país católico, o que é muito bom para mim. Lisboa lembra-me Cuba porque as pessoas não têm muito, mas têm sempre a porta de casa aberta, podes ir a qualquer canto e haverá sempre música.»

Ela que experimente deixar a porta da casa dela aberta! E como disse alguém no Facebook: «O Salazar está a dançar o Like a Virgin lá no outro mundo!»
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Catarina Martins



Entrevista à RTP3 (31.07.2018) sobre a questão Robles e não só.
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O populismo mata



«O que está a matar os refugiados no Mediterrâneo é o populismo e o crime. Do lado africano, os maiores culpados são os criminosos que traficam corpos como se fossem mercadoria sem valor. Do lado europeu, é o discurso populista dos líderes de esquerda e de direita que buscam ganhos de curto prazo agitando o medo face aos estrangeiros.

Em Itália, um navio devolveu à Líbia mais de cem imigrantes recolhidos em águas internacionais, num claro desvio à lei internacional. E isto ao mesmo tempo em que os líderes protofascistas do novo Governo de Roma facilitam uma vaga de ataques racistas um pouco por todo o país.

Já em Espanha, Pablo Casado, o novo líder do Partido Popular espanhol, fez questão de começar o seu mandato alinhando com o discurso vulgar e populista de Órban, primeiro-ministro húngaro, e seus amigos. É pena que o tenha feito. Ao agitar o fantasma da chegada de “milhões de imigrantes” e a “defesa das fronteiras”, pode ter ganho notoriedade, mas teve um discurso ao nível de um líder de uma sociedade feudal dos idos de 1300.

Com a investigação do Parlamento britânico descobriu-se que já na campanha do “Brexit” um dos argumentos mais populares a favor da saída da União Europeia foi a iminente “entrega de vistos aos 75 milhões de turcos”, algo que revela uma reacção própria do tempo das cruzadas.

E nem sequer interessa que uma das vítimas dos ataques racistas em Itália tenha sido uma atleta italiana. Ou que os pedidos de asilo em Espanha se reduzam a menos de 20 mil por ano. Ou que Bruxelas nunca tenha sequer considerado a hipótese de abrir as fronteiras à Turquia. Os factos valem pouco, quando o que interessa é agitar emoções. E estamos em tempos de indignação – em que se empunham facilmente as forquilhas virtuais para discutir nas redes sociais, ampliando o discurso de ódio e propagando ainda mais a ignorância.

Estes discursos revelam mais do que as necessidades de ganhos de curto prazo. Revelam o desprezo pelo espaço público e pela comunidade que estes políticos devem servir. Quando à verdade se sobrepõe a demagogia, a democracia está em risco e a política morre mais um bocadinho.

Se estes políticos querem reforçar as fronteiras, que se preocupem em construir uma União Europeia mais forte – porque é garantido que não será a fronteira em Melilla ou a costa escarpada da Sardenha que vão, por si só, impedir de existir o problema dos imigrantes. Se o querem resolver, ajudem a criar uma política verdadeiramente continental e parem de bloquear os esforços para o conseguir. Mas isso exigiria postura de Estado, algo que neste momento não abunda na Europa.»

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31.7.18

Dica (791)




«A new study by Thomas Curran and Andrew Hill in the journal Psychological Bulletin finds perfectionism is on the rise. The authors, both psychologists, conclude that “recent generations of young people perceive that others are more demanding of them, are more demanding of others, and are more demanding of themselves.”»
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Entradas de Macron e saídas de sendeiro



Francisco Louçã, Expresso diário, 31.07.2018:

«Na sexta-feira passada, Costa e Macron aproveitaram uma rotineira cimeira sobre ligações energéticas, em Lisboa, para receberem na Gulbenkian um “Encontro com cidadãos”. Durante hora e meia, os dois governantes responderam a perguntas sobre a Europa, como já antes tinha sido feito por Costa e Merkel, na sua recente visita ao Porto. Tudo cordial, não se regista nenhuma vaga de fundo, conversamos e vamos à nossa vida.

Pode no entanto quem lê este jornal ser apanhado de surpresa, pois esta reunião representa mais do que o seu modesto título indica. É um “encontro”, pela certa, com “cidadãos”, também é evidente. Mas é mais do que isso, é a ressurreição de uma ideia que Macron incluiu com alguma ingenuidade mas muito europeísmo no seu programa eleitoral. Pois ele prometia, o que só um candidato francês se lembraria, que de maio a outubro de 2018 se realizariam “Convenções Democráticas” em todos os países para preparar as eleições europeias, ouvir o povo e, a palavra é dele, iniciar a “reconstrução” da União. O menu era entusiasmante, consultas abertas na internet, debates locais, convenções nacionais, tudo em linha.

Se já tropeçou na vontade napoleónica de definir em eleições francesas o que devem fazer os restantes países europeus, não se preocupe, é mesmo assim. La France c’est la France. O problema é que o patusco da iniciativa não comoveu as chancelarias, que têm mais com que se entreter e trataram o assunto como uma bizarria do homem que se faz apodar de Júpiter. Entretanto, para satisfazerem o presidente francês deram-lhe esta terminação, de convenções nacionais passou-se a encontros com cidadãos, menos refundadores, mas a pose é tudo. Curiosamente, não consta que os euroentusiastas de sempre se tenham manifestado com particular fulgor na Gulbenkian. Temo que estejam à coca das prometidas convenções para dizerem das suas e que vamos ter que esperar.»
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Tancos?

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Somos todos precários



«O direito à greve está consagrado na lei laboral. Fazer greve é, cada vez mais, um ato de coragem. Como o prova, sem qualquer subterfúgio, o mail enviado pela Ryanair aos funcionários que paralisaram nos últimos dias 25 e 26 de julho. Além de perderem os prémios de produtividade relativos a esse mês, a empresa deixa claro que eventuais promoções na carreira desses trabalhadores estão postas de parte. Essas benesses não são, obviamente, para quem se atreve a fazer greve.

Nada que outras empresas não pratiquem, apenas se escusam a avisar de forma tão transparente os trabalhadores. Este é apenas um episódio que vem mostrar, de forma inequívoca, quão débil é a situação de quem trabalha, precário ou não. Afinal, hoje em dia, bem vistas a coisas, somos todos precários, "redundantes".

Havia dúvidas? Se as havia, o inquérito do Instituto Nacional de Estatística, divulgado na segunda-feira pelo JN, dissipa-as. Os patrões - quase metade dos inquiridos, mais precisamente 47 por cento - consideram que despedir trabalhadores continua a ser fácil. Os obstáculos aos despedimentos, afirmam, são muito reduzidos, ou até inexistentes.

Michael O’Leary, da Ryanair, sabe o que faz quando envia um mail aos grevistas a alertá-los do risco de não serem promovidos ou verem rejeitados pedidos de transferência. Se quiser, ele sabe, com grande facilidade substitui os grevistas por outros, de preferência mais dóceis.

A troika já não anda por Portugal e, aparentemente, no poder há um Governo de Esquerda. Todavia, pouco ou nada mudou na legislação do trabalho, o setor que levou o mais rude golpe no período de crise que vivemos. Bem pode António Costa, primeiro-ministro, vangloriar-se da taxa de desemprego ter descido. É verdade, não à custa da melhoria da vida das pessoas. Estamos num tempo em que o importante é ter emprego, já não importa que emprego e em que condições. Salazar, o poderoso presidente do Conselho, no Estado Novo, considerava a greve "um crime". Ainda não recuamos tanto, mas é preciso ficar atento.»

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30.7.18

Dica (790)



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Belíssimas pontes para peões!



Ver outras aqui.


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Robles




Foi uma decisão que só pecou por ser tardia. Ontem à tarde, publiquei no Facebook o texto que abaixo transcrevo. Embora mais apropriado para aquela plataforma, fica aqui também.

«Nada escrevi até agora, à espera de ver se a poeira assentava. Segui todas as notícias dos últimos dias e muito do que se escreveu aqui pelo Facebook, o que me provocou por vezes verdadeiras náuseas, nem tanto pelo conteúdo, mas pelo frenesim, para mim misterioso, que levou algumas pessoas a publicarem dezenas de «posts» e centenas de comentários sobre o tema.

1 – Do Bloco sou, e continuarei a ser, eleitora e apoiante.

2 – Não tenho qualquer opinião pessoal sobre Ricardo Robles, não o conheço e nem sequer sabia da sua existência até à campanha para as últimas autárquicas.

3 – Nada tenho a acrescentar a tudo o que foi escrito, dito ou ouvido, nem estou disposta a discutir detalhes, e apenas me apetece dizer que, sem pôr em causa a legitimidade do que quer que seja ou a honestidade de alguém, considero que a situação é complexa e tem dados que geram conflitos de interesses passados e futuros.

4 – Assim sendo, se eu estivesse na posição do vereador do Bloco renunciaria ao cargo por julgar que tinha deixado de ter condições para o exercer, por mais que considerasse ter a razão do meu lado e qualquer que fosse a decisão da direcção do partido. E se pertencesse à dita direcção, já tinha substituído o Ricardo Robles na CML. Era só.»
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O funeral dos comboios



«Houve um tempo em que os comboios anunciavam o progresso. Fontes Pereira de Melo, no século XIX, acreditava mesmo nisso. Por isso dizia, empolgado: "O Governo espera, sendo aprovadas estas medidas, que dentro de poucos anos não se diga, como desgraçadamente se diz hoje lá fora, que para cá dos Pirenéus está a África." Para Alexandre Herculano os caminhos-de-ferro traziam uma outra versão do Inferno: a absorção por Espanha. Os comboios iriam uniformizar as ideias e os costumes. Esse debate apaixonado persiste ainda hoje. Foi por isso que, de forma subterrânea, se foi assistindo ao estrangulamento lento e amoral dos caminhos-de-ferro. Fecharam-se linhas, encerraram-se estações, deixou de se fazer investimentos. Tudo de forma calma. Ganhou o mundo das auto-estradas, mais rentável. Mas esqueceu-se, ao longo de décadas, a importância dos caminhos-de-ferro para a mobilidade de quem tem de se deslocar no interior do país e, nos grandes centros urbanos, vive nas periferias. Basta ver os comboios das horas em que o sol ainda não nasceu. E são estes com que a CP acaba. Para que deixem de andar de comboio. E nunca mais voltem a fazê-lo.

Na discussão sobre a falência da CP e da Refer tem muitos equívocos. Poderia começar-se por um: a junção da Refer com a Estradas de Portugal para criar esse monstro das bolachas que é a Infraestruturas de Portugal foi o derradeiro passo para atirar os comboios para o cemitério. Só o túnel do Marão ficou a ganhar com isso. A guerra de alecrim e manjerona entre um diletante ministro Pedro Marques e um ovni, o deputado Nuno Melo, é um momento de humor. O sector ferroviário em Portugal foi destruído por sucessivos governos, do PS e do PSD (e CDS), sem que alguém vertesse uma lágrima. Agora chegou-se ao caos: não houve renovação (ou electrificação com fundos comunitários) da via férrea, porque o poder político não quis; o material circulante está a cair de podre e já não há composições nem peças para tapar buracos. O funeral foi feito há muito. E agora há quem esteja admirado.»

Fernando Sobral
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29.7.18

Dica (789)




«This week, Washington and Brussels struck an unexpected agreement to lift levies in the tariff conflict between the U.S. and the EU. The move represents a victory for all sides, but especially beleaguered European Commission President Jean-Claude Juncker.»
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Chico e Gilberto Gil, ontem




Gilberto Gil e Chico Buarque participam no espetáculo "Lula Livre!" em apoio ao ex-Presidente.
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Grécia: as imagens do horror




Ver e ler.
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De que serve doar material escolar a Moçambique? De muito e de nada



Excertos de uma longa reportagem de Bárbara Reis e Nuno Ferreira Santos no Público de hoje:

«Moçambique está em constante experimentação. Reduzir a formação dos professores é hoje aceite como uma má decisão. Há professores que mal sabem ler. Uma empresa portuguesa deu um contentor de material escolar. Foi bem vindo, mas é uma gota no oceano.»

«“Quem vem a pé do Norte, chega aqui e acha que isto é Paris”, diz o escritor António Cabrita, sentado na varanda do seu apartamento em Maputo, semivazio, mas cheio de livros. A frase é dita com tristeza, mas sobretudo como conselho: é preciso sair da capital para perceber o que se passa com a educação em Moçambique.

Três dias a visitar escolas e a ouvir moçambicanos permitem perceber que há milhares de adolescentes acabados de chegar ao ensino primário, milhares de crianças que aos dez anos, com a 4.ª classe feita, não sabem ler nem escrever, e que um milhão não está sequer na escola. Para não falar das aulas debaixo das árvores, das escolas sobrelotadas, das “segundas turmas”, das salas com 70 alunos, da média de uma hora e 41 minutos de aulas por dia, ou da fraca formação dos professores primários: com a 10.ª classe (10.º ano português) e um ano de formação psicopedagógica, qualquer pessoa recebe uma bata branca para ensinar.

PUB Em Moçambique, isto representa progresso. Em 1975, havia 3% de pessoas alfabetizadas, durante anos o país esteve em último lugar nos índices mundiais de pobreza, após duas décadas de guerra civil os livros tornaram-se um luxo exótico, as elites políticas têm uma formação muito frágil, o Estado não dá prioridade à educação, as exigências no ensino não param de baixar.

No entanto, bastaram 15 minutos no centro de Maputo a folhear exames finais do 1.º ano da faculdade — os alunos de António Cabrita — para ser evidente a dimensão do problema. Que é gigantesco, concordam professores, políticos, funcionários de organizações não governamentais, especialistas em educação, jornalistas e analistas ouvidos pelo PÚBLICO.

“Os alunos chegam à universidade tão mal preparados que, no primeiro dia de aulas, peço sempre que leiam um texto em voz alta. Percebo logo os que têm dificuldade em ler qualquer coisa que não seja muito simples. Alguns parecem miúdos de sete anos. Moçambique perdeu o contacto com os livros durante 19 anos. Hoje, nas universidades, apanhamos os filhos desse vazio”, diz Cabrita, escritor português e antigo crítico do semanário Expresso que, “vítima de um erro de geografia amorosa”, se mudou para Maputo há 15 anos. (…)

“Não foram só as pontes que foram destruídas nos anos da guerra”, diz António Cabrita, professor de Dramaturgia na Escola de Comunicação e Artes, um braço da UEM. “As províncias ficaram isoladas. Um livro sai aqui e não chega a Nampula”, a “capital do Norte”. “Mas também não chega a Quelimane”, mais a sul, mas a 1600 quilómetros de Maputo. “A última livraria de Nampula fechou há um ano.”

É um de muitos sinais num país que, como diz, tem uma elite que não lê e que cresceu sem livros. “Nas revistas, quando aparecem as casas dos políticos, só se vêem bibelots. Os livros têm tiragens de 200 exemplares, mesmo o Mia Couto faz tiragens de 300.” Quando foi à Beira lançar Os Crimes Montanhosos (edições Cavalo do Mar, 2018), com poemas seus e de Mbate Pedro, venderam quatro exemplares na sessão de lançamento, e no debate na universidade, a seguir, não venderam nem um. “E 80% dos escritores moçambicanos são da Beira!” Nos quase 20 anos de guerra, “não se fizeram livros, não se importaram livros, as poucas livrarias que existiam desapareceram, e quebrou-se o circuito dos bens culturais”, diz num fôlego. “Maputo ficou numa redoma.” Em 1975, o Instituto do Livro e do Disco fazia edições de 30 mil exemplares. “Hoje está praticamente parado e as últimas edições tinham tiragens de 200.” A professora primária Delfina Jamince, da escola de Guava, é um bom exemplo da preocupação do escritor. Gosta “muito de ler”, sim. Por exemplo: “Livros de histórias... a Bíblia e livros com ensinamentos.”

Nada disto perturba Isaias Wate, um homem grande com um sorriso proporcionado à sua altura. Operacional da Ajuda de Desenvolvimento de Povo para Povo há 22 anos, é ele que nos guia pelas escolas de Manhiça. No escritório, mostra os manuais escolares que a ADPP editou em línguas locais e português, para responder à nova política do ensino bilingue. Onde muitos vêem o futuro comprometido, Wate vê sobretudo a “marcha da educação em progresso”: “Muitos professores têm a paragem do ‘chapa’ a 15 quilómetros da aldeia onde estão colocados para ensinar o ABC. Há chuva, têm dificuldades. Há vento, têm dificuldades. Nasci em 1964 na aldeia de Manjacaze, em Gaza, onde a escola era sinalizada pela árvore mais alta. Não havia mais nada. Foi debaixo dessa árvore que me tornei um cidadão activo. Há alguma dúvida? O professor é um herói nacional.”»
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