«Em Portugal estamos pior do que estávamos há três anos, com uma carga fiscal esmagadora, a consolidação orçamental por conseguir, uma dívida pública superior a 130% do PIB, uma taxa de desemprego a rondar os 15%, um crescimento quase nulo, os benefícios do "european way of life", designadamente a segurança social, em equilíbrio muito instável, uma crise institucional quase generalizada. Resta-nos a falsa vitória do regresso aos mercados, apresentado como uma grande conquista, que afinal nada tem a ver com a bondade da situação portuguesa, mas com a procura de segurança dos capitais que circulam livremente e que, em conjunturas menos favoráveis noutras geografias, procuram nas economias amadurecidas um porto de abrigo mais fiável.
De resto, a situação da Europa é de stress e de crise: na defensiva quanto à Ucrânia, sem uma estratégia diplomática que vá para além das sanções económicas sobre a Rússia; o "day after" do referendo da Escócia e a necessidade de repensar a posição do Reino Unido na UE; as réplicas que alguns nacionalismos, há séculos postos em surdina, podem provocar, a cada vez mais visível existência de duas Europas e a falta de capacidade de liderança demonstrada pela Alemanha, encapsulada nos seus preconceitos e atavismos, vai gerindo os seus equilíbrios sem conseguir perceber que a Europa é plural e que esse pluralismo constitui a sua maior força.
Não se trata de uma Europa a várias velocidades, mas verdadeiramente da existência suicidária de duas Europas na Zona Euro: uma a Norte onde o crescimento já vai dando provas de enfraquecimento, mas o estado social resiste e o desemprego se mantém a taxas aceitáveis e outra a Sul, onde as políticas de austeridade e as reformas estruturais, envolvendo a redução violenta do sector público e a privatização de sectores estratégicos, acentuam as desigualdades, e vão minando o crescimento económico. O efeito combinado destas divisões está a corroer os alicerces da União Europeia e a reacender nacionalismos e populismos.»
José Maria Brandão de Brito
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