De Calcutá para Lisboa, do Sol indiano para o mundo dantesco que passou a ser, intermitentemente, o dos aeroportos europeus, numa experiência que ultrapassa tudo o que as televisões possam tentar mostrar.
Passo a resumir. Depois de uma etapa Calcutá – Frankfurt, longa mas até relativamente repousante, deparámos com um primeiro e assustador «Cancelled» alinhado com o anúncio do nosso voo para Lisboa. Nem sonhávamos então o que viriam a ser as treze horas que se seguiram, de check-in em check-in até ao desespero quase total. Finalmente, o quarto cartão de embarque para a quarta fila de espera em aviões superlotados deu-me o último lugar no último voo da noite. Menor sorte tiveram alguns companheiros de viagem que, à hora em que escrevo, ainda não chegaram a casa.
Indo um pouco atrás. Se ninguém pode prever quando vem e para onde vai a malfadada nuvem, seria de esperar que a experiência de semanas tivesse servido para corrigir algumas aberrações, como, por exemplo, a rigidez da Lufthansa que, mesmo sabendo que a TAP, seu parceiro na Star Alliance, estava a voar para Lisboa com muitos lugares vagos, não nos encaminhou para os mesmos, insistindo em nos manter em filas de espera irrealistas nos seus próprios aviões. Se o caos é inevitável, não parece haver grande empenho ou profissionalismo em o minimizar.
Viagem Frankfurt – Lisboa, portanto? Não necessariamente: meia hora antes da aterragem, soubemos que esta aconteceria… no Porto, onde autocarros esperavam para nos trazer a Lisboa. Ironia de destinos vários: em Frankfurt, os voos para o Porto estavam a ser cancelados…
Na recolha das malas, verifiquei que a minha - e só a minha!... – não tinha vindo, facto que esteve na origem do episódio mais kafkiano da noite (já início do dia de hoje, pelas 6 da manhã). Depositada na Portela, impunha-se que fosse declarar que a minha bagagem não tinha chegado ao destino. Para isso, tinha de entrar por uma porta pela que é suposto que apenas se saia, já que se reclama o extravio de malas no átrio em que as mesmas são normalmente recolhidas, antes de se passar a alfândega e de sair para o hall das Chegadas. Eu estava do lado de fora, claro, porque não está previsto que se faça um voo… de autocarro! Nada convenceu os mais de vinte seguranças com que falei, das mais variadas empresas, a acompanhar-me, já que a nenhum competia essa tarefa. Todos me diziam que só me restava tomar o meu lugar numa fila para o minúsculo balcão de Apoio ao Cliente, com dois ou três funcionários, onde centenas de pessoas (milhares?) esperavam em serpentina, que, bem esticada, deveria dar a volta a todo o aeroporto. Dez subidas e outras tantas descidas depois, uma alma caridosíssima deu-me o telefone directo do balcão a que eu aspirava chegar há mais de uma hora e lá convenci uma senhora a vir-me buscar cá fora. A partir daí, tudo correu bem, até me pareceu que as duas funcionárias ensonadas ficaram contentes por ter algo para fazer, já que estavam ali enclausuradas, com o aeroporto encerrado, numa área deserta a que ninguém conseguia aceder, embora houvesse multidões com bagagens extraviadas, na tal terrível fila do Apoio ao Cliente.
Tudo isto é normal? Não me parece, mas enfim. Uma coisa é certa: viajar na Europa não voltará a ser o que era e, como em muitos outros domínios, a ferrugem parece ser quem mais ordena neste velhíssimo continente.
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