Caro Marcelo
«Antes de mais tenho de lhe manifestar a minha mais prenhe gratidão por se ter lembrado de mim para o ajudar a descodificar o discurso do professor Aníbal Cavaco Silva na Universidade de Verão, sublinhando os meus profundos conhecimentos nesta matéria. É verdade que domino a ciência dos signos, criada por Ferdinand Saussure (embora muitos pensem que os signos nasceram por obra e graça da senhora dona Maya) e o conceito do panóptico, engendrado por Michel Foucault (que ao contrário do que muitos julgam, não está ligado a nenhuma multióptica), características que me permitem perceber as estranhas narrativas do ex-Presidente da República.
Investido destes predicados posso garantir-lhe, professor Marcelo, que os analistas políticos estão profundamente enganados na conclusão de que o discurso do professor Cavaco tinha indirectas para a sua pessoa e também para o primeiro-ministro Costa.
Antes de mais porque o professor Cavaco, enquanto teve funções políticas, destacou-se sempre pela natureza cristalina das suas mensagens. Basta lembrar a questão do tabu, a melhor maneira de comunicar é não dizer nada, ou a boca cheia de bolo-rei, que lá no fundo significava que ele estava a mastigar as ideias antes de as verbalizar. E depois porque os alvos eram nitidamente outros, como lhe comprovarei de seguida.
Por exemplo, quando disse, invocando Emmanuel Macron, que "em França não passa pela cabeça de ninguém um Presidente telefonar a um jornalista para lhe passar uma notícia", no fundo ele estava a atirar-se ao seu ex-assessor, Fernando Lima, que telefonou a um jornalista a inventar escutas telefónicas ao Presidente Cavaco e fez o trabalho tão mal feito que acabou por ser descoberto. Uma outra leitura, decorrente desta (aposto que Vasco Pulido Valente é da mesma opinião), é a de que um Presidente não deve telefonar a jornalistas, mas sim mandar terceiros ligar, para nunca sair chamuscado da coisa.
Já quando se referiu à bazófia do ex-ministro grego das Finanças, Yanis Varoufakis, ou da forma como o primeiro-ministro, Alexis Tsipras, "pôs a ideologia na gaveta", o que o professor Cavaco fez foi resgatar a honra portuguesa perdida naquela final do Euro 2004, em Lisboa, contra a selecção grega. Não nos deixaram ganhar, pimba, levaram com um terceiro resgate. Afinal, a vingança é um prato que se serve frio.
Já a referência aos que "querem realizar a revolução socialista" e "acabam por perder o pio ou fingem apenas que piam", embora o professor Cavaco tenha referido explicitamente o Governo na sua aula, esta evocação tratou-se de apenas uma manobra astuta para camuflar o verdadeiro destinatário da mensagem, dom Duarte Pio de Bragança, o qual persiste em ser rei, mas manda os outros piarem por ele.
Esta é a verdade verdadeira da aula dada pelo professor Cavaco na Universidade de Verão do PSD. E se o professor Marcelo por acaso tiver dúvidas desta leitura (o que acho que não acontecerá porque eu próprio não tenho dúvidas e raramente me engano), peça uma segunda opinião à Maria João Avillez, a terceira analista política portuguesa mais astuta, apenas ultrapassada por este insigne que sou eu e pelo inefável arquitecto José António Saraiva.
Por isso, vá por mim professor Marcelo, o professor Cavaco não piou para si.
Um amplexo deste seu,
Virgolino Faneca»
.