11.5.24

Outro vaso

 


«Vaso Floral», 1895-1900.
Criador holandês desconhecido.
Museu de Arte da Filadélfia.


Daqui.
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Isto anda tudo ligado

 


O ambiente ajuda e os dinheiros do PRR também.

«O diretor do ANTT, em declarações à Lusa, disse que, no âmbito do Plano Recuperação e Resiliência (PRR), financiado pela União Europeia, a cumprir até 2026, é prioridade da Torre do Tombo “a digitalização do arquivo de Salazar e a sua disponibilização ao público.»
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11.05.1904 – Salvador Dali

 


Chegaria a uns mais do que improváveis 120.
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Lamento, mas as eleições europeias serão sobre Portugal

 


«Quando me perguntam se saí do Parlamento Europeu mais optimista ou mais céptico sobre a Europa, a minha resposta é imediata e sem hesitação: saí mais céptico, saí bastante mais céptico. O Parlamento Europeu é, para milhões de europeus, e em particular para os portugueses, uma abstracção que consideram inútil, a não ser quando se trata de transformar o voto europeu em nacional, votar sobre a situação política portuguesa, para se ser ouvido em Portugal e não em Bruxelas ou Estrasburgo. Não é inteiramente assim, mas é bastante assim. E isto não é uma mera opinião, nem uma afirmação de que deveria ser ou não, é.

Percebo o afã com que os candidatos às eleições europeias dizem que “não, senhor”, é preciso votar nestas eleições pela Europa, por uma concepção qualquer do papel da Europa e às vezes, a medo, para defender os interesses nacionais na Europa. Mas eles sabem muito bem que os votos que receberem nestas eleições vão ter apenas um significado político nacional, e os candidatos serão pouco importantes. Deste ponto de vista, a AD escolheu bem, porque lhe interessa o festival cá dentro e não a representação lá fora, se bem que esse festival se passe essencialmente naquilo que agora se chama a “bolha mediática”. Para umas eleições pouco mobilizadoras é o barulho dentro da “bolha” que conta, porque é feito para quem anda pendurado nas redes sociais, no Facebook e no chamado “comentariado”, e que ouve a logomaquia comunicacional “moderna”. Mas não venham com tretas sobre a “importância das eleições europeias”, quando eles mesmos as desvalorizaram.

Passemos do que é para o que devia ser. A situação da Europa continente, a situação na União Europeia, a situação de Portugal em ambas, é, nos dias de hoje, a mais grave desde 1945 e é também por isso que há muita irresponsabilidade dos partidos portugueses em não a discutirem. Não o fizeram nas eleições legislativas, pensando que podiam prometer tudo e mais alguma coisa, em particular prometer normalidade, sem terem a coragem de defrontar os riscos actuais, e agora vão fazer a mesma coisa, mesmo quando é suposto discutir a Europa.

O que é que seria hoje uma discussão a sério sobre a Europa? Em primeiro lugar, sobre a guerra russa contra a Ucrânia. Depois, sobre a duplicidade moral entre as sanções contra a Rússia e nenhuma penalização a Israel pelos massacres de Gaza. Por fim, e não menos importante, sobre o processo obscuro e pouco democrático como uma parte da soberania portuguesa, nomeadamente em matéria orçamental, passou, sem o voto dos portugueses, para a burocracia europeia e para os governos mais poderosos da Europa – a Alemanha, a França, os Países Baixos, etc.. Duvido muito de que haja essa discussão, depois de umas legislativas em que os aspectos da situação europeia que mais importantes são para o nosso futuro, nomeadamente a questão da guerra e da paz, e da defesa, terem sido olimpicamente ignorados.

Em que parte do mundo pensam que estão? Nas Seychelles? Uma grande potência convencional e nuclear, governada por um ditador e uma oligarquia que exercem um poder absoluto, invadiu um país vizinho, ocupou parte do seu território, anexou formalmente não só o território que ocupa, mas outras partes que ainda não controla militarmente, e ameaça todos os dias com um ataque nuclear, e isto não é absolutamente dominador em qualquer agenda política europeia? Como é que se trava este invasor para o mandar para dentro das suas fronteiras, para o fazer pagar os custos da reconstrução do que destruiu num país soberano, sem haver um enorme esforço militar, que vai dos orçamentos de defesa à preparação das Forças Armadas nacionais (sim, inclusive as portuguesas) até, no limite, à guerra. Macron pode ter mil e uma razões de política interna francesa para dizer o que diz sobre a guerra, mas tem razão. Da força bruta, ou aceitamos ser servos ou nos revoltamos contra os que querem ser nossos senhores.

Havia outras questões relevantes para se discutir sobre a Europa, algumas das quais me tornaram céptico nos meus anos de Parlamento Europeu. Perceber por que o Parlamento e os seus debates têm pouco a ver com a política de muitos países europeus, como seja a primeira fractura, a existente entre europeístas e antieuropeus, que cria uma amálgama bizarra que só tem correspondência com o Reino Unido e deu o "Brexit". Só depois funcionam outras fracturas mais correspondentes com as políticas nacionais, como seja a divisão esquerda-direita, a entre partidos que estão no poder nos seus países e os que são oposição, a entre países do Norte e do Sul da Europa, etc.. Depois há uma miríade de questões políticas com estrita base nacional, mas muito mais mobilizadoras em comparação com a retórica europeia, como a que opõe os “defensores do peixe” aos “defensores da pesca”, ou a pressão dos agricultores subsidiados contra a protecção ambiental.

Mas mesmo tudo isto hoje perde importância face à questão da guerra e da paz, entre os colaboracionistas com os russos, os que não se querem meter em nada e os que se lhes querem opor. Estão a ver os eurodeputados portugueses a assumirem compromissos nesta matéria e a ganhar legitimidade para falarem por nós na questão da guerra e da paz? Sim, o PCP, que quer a rendição da Ucrânia, mas e o resto vai para lá com alguma força no debate de cá? É que a “bolha” não serve, nem a demagogia sobre a Europa, mas isso é que tornaria significativas as eleições europeias.»

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10.5.24

Vitrinas

 


Vitrina em galhas de carvalho esculpido e marchetaria em madeira castanha. Cerca de 1900.
Le Lierre.

Daqui.
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O doce passado colonial português

 

«Quantos de nós não escutamos, regularmente, as seguintes afirmações? “A colonização portuguesa é que foi.” “Não teve nada a ver com a colonização inglesa, que só quis explorar as potencialidades económicas das suas colónias.” “Os portugueses gostam de mistura, pois até dormiam com as pretas”. “Portugal não é um país racista”.

Uma boa parte da sociedade portuguesa gosta da ideia de que a colonização portuguesa foi mais suave, mais ligeira, menos horrível do que as outras colonizações.

Toda a História, ou pelo menos, a esmagadora maioria da narrativa histórica sobre o passado colonial português, é construída a partir do olhar colonizador de Portugal, sendo que as frases partilhadas no início deste artigo encontram suporte, em larga escala, nesta diegese.»

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10.05.1958 – Humberto Delgado: «Obviamente demito-o!»

 


Durante a conferência de imprensa de lançamento da sua campanha para as eleições presidenciais, no Café Chave d’Ouro em Lisboa, Humberto Delgado proferiu uma frase que viria a ficar célebre: «Obviamente, demito-o!»

Interessa o seu significado, independentemente das outras versões da frase em questão, que foram sendo reivindicadas.

«A 10 de maio de 1958, no café Chave d` Ouro, no número 38 do Rossio, em Lisboa, o candidato da oposição às presidenciais deu a conferência de imprensa em que o correspondente em Lisboa da agência noticiosa France Presse (AFP), Lindorfe Pinto Basto, fez a pergunta.
"Senhor general, se for eleito Presidente da República, que fará do senhor Presidente do conselho?", perguntou, depois de ter notado que, num país que vivia em ditadura, os jornalistas "estavam todos `nas encolhas`".
"Vi que os meus colegas estavam todos nas encolhas. Eles não podiam falar. Eu pertencia à France Presse. Fiz a pergunta. Tinha de a fazer. O general parecia que estava à espera", lembrou Lindorfe Pinto Basto numa conversa com Iva Delgado, filha do general que "perdeu" as eleições para o candidato do regime, Américo Thomaz, no meio de acusações de fraude.
"Obviamente demito-o!" foi a resposta usada pelos jornalistas, mas, mesmo passado meio século, as versões não são todas coincidentes, como descreve o neto do general, Frederico Delgado Rocha, no livro "Humberto Delgado - Biografia do General sem Medo" (Esfera dos Livros), agora reeditado por ocasião dos 50 anos do seu assassinato.
A frase, lê-se no livro, foi registada com "nuances" pelos diferentes jornalistas desde a pontuação ao tempo verbal e à própria ordem das palavras.
As duas variações assinaladas no livro são: "Demito-o, obviamente" e "mas obviamente demito-o".
Em 1998, numa conversa com Iva Delgado, Pinto Basto, que era correspondente da AFP desde 1948, registou outra frase: "Demito-o, é óbvio".»

(Fonte)

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O teste IRC (ou a revisão da matéria dada)

 


«1. O que é notável no novo ministro das Finanças é que, em poucas semanas, nunca desperdiçou uma oportunidade de arruinar a sua credibilidade. Primeiro, foi o desastre na gestão do processo de eleição do novo presidente da Assembleia da República. Depois, o país percebeu com choque e pavor que as promessas eleitorais da AD sobre a descida do IRS, de que Sarmento foi o mentor, afinal eram da autoria do governo do PS. Já no Governo, e menos de um mês após ter enviado para Bruxelas um Programa de Estabilidade em que previa 0,3% de excedente orçamental que não incluíam as suas propostas políticas, veio agora anunciar ao país que as contas públicas estão em estado comatoso. Foi rápida e liminarmente corrigido por economistas que explicaram pacientemente a diferença entre contabilidade pública (entradas e saídas avaliadas num dado momento) e contabilidade nacional (apuramento no final do exercício orçamental). Restam ainda dúvidas sobre supostas “despesas não cabimentadas”, que até agora o ministro não se dignou a esclarecer.

O problema é que já vimos este filme. Há 20 anos, o choque fiscal prometido por Durão Barroso morreu subitamente às mãos do discurso do “país de tanga”; e a “mentira” do corte do subsídio de Natal na campanha de 2011 tornou-se uma verdade dolorosa assim que Passos assumiu o poder. Sem criatividade ou arte, parece certo que Miranda Sarmento quer abrir espaço ao incumprimento das promessas eleitorais da AD. Assim, a questão que hoje se coloca é saber quais as promessas que irão cair.

A única opção que parece política e orçamentalmente viável é arrepiar caminho na promessa de corte no IRC. A AD estimava que esse corte implicava uma redução brutal da receita pública: 1 500 milhões de euros. Os dados oficiais mostram que iria beneficiar, no essencial, as grandes empresas. Porque quase metade das empresas em Portugal não paga IRC, muitas outras pagam já taxas efetivas reduzidas ou a redução que iriam ter seria marginal. Mas para as grandes empresa - as que se incluem nos 0,3% de empresas que asseguram quase metade da receita do IRC - esta promessa era uma festa. Empresas como a Galp, que teve no ano passado o melhor resultado da sua história; a EDP, que aumentou os resultados em 40%; ou setor da banca, que lucrou 12 milhões por dia. Como anunciaram a distribuição da quase totalidade dos lucros aos acionistas, percebe-se que uma “borla” fiscal não iria fazer criar mais emprego ou puxar pelo crescimento da economia.

Por isso, Miranda Sarmento enfrenta agora um teste. Se a sua “narrativa” das dificuldades orçamentais é verdadeira, o corte do IRC não pode avançar porque o seu impacto num cenário orçamental “preocupante” seria perigoso. Se, pelo contrário, a borla fiscal às grandes empresas for avante, só podemos concluir que a sua narrativa de dificuldades nas contas públicas é falsa. A credibilidade futura do atual ministro das Finanças depende da resposta a este teste. Se o corte do IRC avançar, então é porque o ministro mentiu ao país ou é irresponsável. Não há uma terceira interpretação.

2. Depois de rasgar as vestes em público sobre o empenho do Governo em negociar com o PS, o líder parlamentar do PSD disse ao país com uma candura assinalável que tinha andado a negociar com o Chega sobre os dossiers do IRS e das ex-SCUT. E disse mais: contou que, na última hora, o Chega “furou” o acordo. Daí que o Chega tenha viabilizado, por abstenção, as propostas da esquerda.

Podíamos pensar que Ventura, por uma vez sem exemplo, decidiu honrar o compromisso eleitoral, dado que no programa do Chega se defendia a redução das portagens. Mas desde o dia em que Ventura fez três votos diferentes na AR sobre o pagamento pelos contribuintes dos desmandos do BES, que creio que procurar coerência política nas votações do Chega é um exercício votado ao fracasso. Nas votações do Chega sobre as recentes propostas de IRS, a confusão impera. No programa, o Chega defendia a criação de apenas dois escalões, “à la” IL, numa lógica oposta às propostas da esquerda e, mesmo assim, viabilizou-as. É certo que propostas da esquerda permitem baixar as taxas efetivas. Mas as propostas do Governo também, e o Chega ameaçou chumbá-las. O Governo acreditou nessa ameaça e retirou-as da votação.

Aqui chegados, parece cristalino que o partido de Ventura não se atrapalha com princípios. Sabe que, ao contrário de todos os outros partidos, não vai ser escrutinado pela seriedade ou coerência nas votações. Tem apenas uma estratégia: mostrar que o Chega é indispensável à governação à direita, nem que para tal tenha de passar por cima do cadáver do governo da AD.

Mas essa estratégia pode ter de enfrentar o mesmo teste do Ministro das Finanças. Se Miranda Sarmento persistir com proposta de corte do IRC; e se a esquerda for capaz de demonstrar que ela é um “bodo aos ricos”, o Chega terá de escolher. Ou fica do lado do povo que se sente expropriado pelas elites dos negócios; ou responde à voz dos donos - os empresários de grandes empresas que desde 2019 têm financiado generosamente o Chega.

Esse é o teste decisivo para Ventura. Como se viu nas votações envolvendo o BES, não são os princípios que o vão salvar da angústia da dúvida. Se mantiver a estratégia de tomar o lugar do PSD na hegemonia à direita, a sua popularidade cresce se morder a mão de quem o alimentou até agora. Se, pelo contrário, obedecer disciplinadamente à agenda dos seus financiadores, o seu discurso contra as elites colapsa.

Seja como for, o teste do IRC é maior do isto. Se a direita viabilizar o “bodo” às grandes empresas enfrentando custos políticos e reputacionais, então fica quem são os verdadeiros poderes que mandam no país.»

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9.5.24

Pelo menos neste planeta

 

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Isto também parece gozar com quem trabalha

 


“Independentemente das outras razões, um exercício de previsão orçamental profissionalmente sério sobre apenas qualquer uma das propostas legislativas não cabe em 15 dias consecutivos de trabalho (fins-de-semana incluídos). A COFAP pede a avaliação de sete propostas em duas semanas.”

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O cartaz é falso, mas a afirmação é verdadeira

 

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Quando é que viste o mar pela primeira vez?

 


«A pergunta que titula esta crónica foi-me colocada recentemente depois de eu ter referido onde vivia. Não me aborreci com a questão, mas percebi que tinha havido uma leitura imediata ao jeito de: "Oh! Esta vem de lá de trás dos montes e montanhas..." A pessoa que me fez a pergunta estava igualmente surpresa por lhe ter dito que a praia mais próxima era a da Costa Nova e o quão dela gostava. Mas respondendo à sua curiosidade, mostrei-lhe fotografias minhas em bebé, na praia da Figueira da Foz, juntamente com as minhas irmãs e irmão.

Lembro-me dessas idas, já em criança, acontecerem bem de madrugada, para aproveitar o dia e regressar no mesmo. Muitas vezes a chegada à praia às primeiras horas era uma desilusão, só camuflada com os cobertores e os kispos que a minha mãe levava. Nos dias de sorte, já havia sol às dez da manhã, sem aquela neblina matinal própria da maioria das praias do centro e norte do país. Mas o dia passava rápido e as sandes de atum, elaboradas na hora pelo meu pai, eram a iguaria que eu mais desejava saborear, a par dos gelados prometidos no regresso.

Mas, para muitas pessoas que vivem no interior do país, a ida à praia não acontece nem em bebé, nem em criança, nem muitas das vezes em adulto. A realidade era mais visível no passado, quando associações e coletividades promoviam a visita das crianças à praia, para ver o mar. Hoje, noto que esse tipo de iniciativas já não acontece com a mesma frequência, não significando, contudo, que seja dado adquirido para todas as crianças e jovens do interior terem acesso ao mar, num país à beira mar plantado. E isso, de alguma forma, entristece-me. Continuamos a ter um país com muitas desigualdades, e onde é uma utopia, afirmar-se que todos temos as mesmas oportunidades. Isto não quer dizer, que quem vive no interior, não tenha outras formas de entretenimento e lazer que permitam igual fruição. Mas, para muitos pais e mães, proporcionar umas férias longe da realidade que conhecem diariamente, é impossível, aliás continua a ser impossível.

Voltando à questão inicial e apesar de não me ter aborrecido com a pergunta "quando é que viste o mar pela primeira vez?", não posso deixar de ver algum preconceito das pessoas que vivem nos grandes centros, maioria no litoral, relativamente aos portugueses que vivem em zonas mais interiores. São as brincadeiras já pouco criativas com os sotaques, é um certo paternalismo e tom condescendente exagerado para com os "velhinhos" à soleira da porta, são as entrevistas de emprego, com a arrogância e o desprezo do esforço de uma viagem de comboio, de autocarro, para ouvir: "Onde fica essa terra?"

Quem está longe dos grandes centros, sabe que a luta por um lugar ao sol, seja estendido na praia marítima ou abraçando uma proeminente carreira profissional, está dependente de um esforço redobrado e será hipocrisia negar essa evidência. Aliás, a ascensão e protagonismo mediático de alguns jovens da nossa praça, a mais não se deve do que a uma evidente elite que gravita em torno da capital e onde a geografia ainda dita futuros e visibilidade.»

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8.5.24

Mundo melhor

 

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08-09.05.1945: O Dia da Vitória

 


Foi há 79 anos. Os Aliados tinham decidido que a vitória seria celebrada no dia 9 de Maio de 1945, mas os jornalistas anunciaram a rendição alemã mais cedo do que previsto e precipitaram o início das celebrações para o dia 8 (tendo a União Soviética mantido as mesmas para a data previamente combinada).

Como é sabido, também se festejou em Portugal. Multidões saíram à rua com bandeiras dos Estados Unidos, da Grã-Bretanha e… do Benfica, estas últimas como substitutas das da União Soviética, obviamente proibidas. Como alternativa, vê-se também, nas fotografias da época, paus sem bandeira.

Vídeos neste post do ano passado.
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Catarina Martins e a Europa



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Descobrir um novo país

 



«Portugal está a descobrir um novo país. Durante anos, habituamo-nos a ouvir que Portugal era um cantinho tranquilo da Europa, imune a movimentos radicais e a extremismos. Crescemos com uma herança, alimentada pelos tempos da ditadura, que nos dizia que éramos um povo pacífico, com alma aventureira, mas incapaz do pior que a Humanidade consegue por vezes ser capaz de fazer. Mesmo que lá no fundo dos livros de História, algumas linhas nos fossem esclarecendo que as incursões pelo Mundo não eram assim tão pacíficas como nos faziam acreditar.

Coincidência, ou talvez não, com o aproximar dos 50 anos do 25 de Abril começamos a conhecer-nos um pouco melhor. E descobrimos que somos capazes de extremos, de reações xenófobas e até percebemos que muitos de nós portugueses, afinal, não são assim tão defensores da democracia. Parece que há outros modelos melhores, admitem alguns dos nossos concidadãos…

E, de repente, damos de cara com milícias justiceiras que tentam fazer justiça pelas próprias mãos, mesmo que contra os destinatários errados. Encontramos quem, entre nós, defenda que o melhor modelo de governo é a ditadura. Descobrimos que são cada vez mais os portugueses que não têm vergonha de admitir publicamente que são racistas.

O que há alguns anos nos surgia como uma ínfima parte da nossa sociedade, que podíamos ignorar e quase esquecer que existia, de repente transformou-se em algo bem mais sério. Afinal, não somos um povo assim tão pacífico e avesso a extremismos. E esta descoberta de nós próprios é demasiado assustadora para lhe conseguirmos fazer frente.»

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Exactamente

 

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7.5.24

Dentistas

 


Unidade dentária, década de 30.
Rathbone.


Daqui.
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07.05.1974 – A absolvição das três Marias

 



Não tivessem os capitães acabado com a ditadura duas semanas antes e Maria Velho da Costa, Maria Isabel Barreno e Maria Teresa Horta teriam vivido um desfecho bem diferente do julgamento que decorria no Tribunal da Boa-Hora, em que eram rés e que terminou em 7 de Maio de 1974 com a absolvição das três. 

A primeira edição de «Novas Cartas Portuguesas», em 1972, foi recolhida e destruída três dias depois de ser lançada (mas eu tenho o meu exemplar, bem velhinho...), foi instaurado a seguir um processo judicial por o conteúdo ser considerado «insanavelmente pornográfico e atentatório da moral pública», com acusação por «pornografia, obscenidade, atentado à moral pública», a que se seguiu o julgamento que teve início em 25 de Outubro de 1973. 

Informação mais detalhada neste post de 2022.
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07.05.1925 - Luiz Pacheco

 


Faria hoje 99 anos e, se ainda por cá andasse, Luiz Pacheco seria certamente tão irreverente como sempre foi. Alguma dúvida?

Para compreender melhor a sua pessoa e a sua obra, a leitura de «Puta que os pariu! – A biografia de Luiz Pacheco», de João Pedro George, é absolutamente obrigatória.


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Ataques racistas e "whataboutismo” (*)

 


«O racismo crescente tem múltiplos autores e responsáveis. Não tenho dúvidas em afirmar que sempre houve muito racismo em Portugal, que se evidencia não apenas nos comentários entredentes mas sobretudo nas marcas do que é estrutural, ou seja, na ligação entre pobreza e ascendência, entre etnia e acesso à universidade e ao emprego, entre tantos outros sintomas inequívocos. Também não hesito em afirmar que esse racismo tem hoje uma legitimação política, que o alimenta.

Partidos como o Chega e o Ergue-te também são autores dos ataques do Porto e das inúmeras violações da dignidade de pessoas racializadas, elencadas no comunicado recente da SOS Racismo. Ao fomentarem o discurso dos “portugueses de bem”, ao tentarem associar criminalidade a etnia, ao tentarem iludir com números falsos a balança entre o enorme contributo dos imigrantes para a Segurança Social e a despesa em apoios, ao desprezarem o multiculturalismo como ingrediente principal para a integração desejável, ao replicarem a absurda teoria da substituição, ao atacarem as comunidades ciganas, ao distinguirem os refugiados da Síria dos da Ucrânia, ao criticarem os subsídios a Organizações Não Governamentais que trabalham pelos direitos humanos, estão a dar a cobertura política aos ataques violentos contra imigrantes. Obviamente que não têm uma responsabilidade direta sobre os crimes, mas têm a consciência de que os relativizam na forma como são encarados por quem os observa e na crescente ausência de questionamento por quem os comete.

A evidência desta responsabilidade no relativismo está no whataboutismo a que assistimos na sequência dos crimes do Porto. Começou com a notícia falsa – e muito grave - de que os agressores eram eles próprios imigrantes, que apesar de desmentida foi amplamente replicada nas redes sociais. Continua na tentativa de transformar um crime num debate sobre as políticas de imigração. Este é talvez o mais grave enviesamento na condenação destes crimes. No fundo, está-se a culpabilizar a vítima, como se o facto de ainda não se garantir a sua mais plena integração justificasse que alguém entre pelas suas casas sobrelotadas, as vandalizasse e atacasse os seus habitantes. São cidadãos a quem não estamos a conseguir responder com dignidade. Eles estão vulneráveis e atribuímos à sua vulnerabilidade as razões para os ataques de quem os odeia? O whataboutismo ainda tem outras expressões. Houve quem, nas redes sociais, tentasse dizer que as vítimas já tinham cometido delitos. E se fosse verdade? Relativizam-se milícias populares racistas como forma de punição? É esse o estado democrático que defendem? Um deputado do Chega, Pedro Frazão, escreve, na rede social X, que alegados crimes de imigrantes argelinos são “as maravilhas do multiculturalismo”. Está a justificar os ataques, está a legitimar e está a sugerir que o multiculturalismo, que não é mais do que a sã convivência entre culturas e povos e a valorização da diferença e do respeito, está na base da violência. Na verdade, é a recusa do conhecimento do outro que gera dificuldades de integração e cria grupos e o sectarismo que geram ódio e comportamentos violentos.

Há autoridade moral nestes crimes e é preciso denunciar e combater esta legitimação que inunda a Europa pela mão dos partidos de extrema-direita populista.

No Centro Cultural de Belém, a Aida Tavares e a sua equipa inundaram-nos de esperança. Somos um país com a capacidade de rejeitar o racismo, que responde ao ódio com a complexidade da arte. Mas a esperança não basta. É preciso denunciar, agir e sobretudo combater a normalização do populismo que alimenta a violência racista.»

(* Excerto)

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6.5.24

06.05.1968 – Barricadas em Paris

 


Na segunda-feira, 6 de Maio, começou a semana das barricadas. A partir das 15:00 horas, registaram-se muitos e graves confrontos entre estudantes e polícia. Neste vídeo, o resumo do que se passou durante os dias que se seguiram, até à reabertura da Sorbonne.


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Bernard Pivot

 


Morreu, com 89 anos, este grande jornalista, e escritor também, criador de «Apostrophes» que ouvi religiosamente durante muitos anos – o programa durou 15.

A falta que sinto de gente como Pivot num dos muitos canais das nossas TVs… (E, sim, ainda estou traumatizada pelas dezenas de horas de futebol que me invadiriam a casa se não as calasse desde ontem.)
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Lendo os programas, o aliado natural da AD para o OE é o Chega

 


«Depois de se ter estreado com uma medida simbólica que respondeu a uma polémica criada pelo Chega (a mudança do logótipo está a obrigar milhares de serviços públicos a gastar dinheiro para reimprimir tudo de novo, meses depois da última alteração); de abrir ao Chega as negociações sobre mudanças legislativas relativas à corrupção (ignorando o cordão sanitário onde ele é realmente importante); de ter garantido a maioria nos Açores através da viabilização do voto do Chega; e de abrir a possibilidade de um acordo com o Chega na Madeira (passando a vergonha de ouvir Ventura dizer que Albuquerque está para lá da sua linha vermelha), só acredita que o “não é não” de Montenegro é mais do que retórica tática para entalar o PS quem gosta de ser enganado.

O debate do programa de Governo não ficou apenas marcado pelo embuste do corte do IRS que, como a pescada, antes de o ser já o era. Tão ou mais marcante para os meses até á votação do próximo Orçamento de Estado, foi a ideia peregrina que “não rejeitar o programa do Governo” é “dar ao Governo as condições para o executar”. Foi nestes termos que Luís Montenegro interpelou a bancada do Partido Socialistas, pedindo um cheque em branco para aplicar um programa que “rejeita a resignação com a carga fiscal máxima e a recusa [do PS] em baixar impostos”.

Montenegro não quer dialogar ou negociar, quer pressionar os outros partidos a capitular perante um programa que foi sufragado por menos de 30% dos eleitores. Escuda-se num suposto cordão sanitário com o Chega para tentar encurralar o PS, responsabilizando-o pela eventual queda do governo.

O primeiro problema é que, como vimos no episódio da eleição do Presidente da Assembleia da República ou na disponibilidade para falar com todos, não há cordão sanitário algum. O segundo é que o PSD espera contar com o voto do PS para governar com um programa que, nas matérias centrais de governação económica, está mais próximo do Chega do que do PS. Montenegro tinha razão quando disse, à saída de uma audiência com o Presidente da República, que tinha condições de governabilidade. Só nos quer enganar quanto ao lugar do hemiciclo onde essas condições existem.

Não há propiamente três blocos no Parlamento. Nas questões de regime, há uma ampla maioria constitucional com o PS e restantes partidos, fora o Chega. Infelizmente, mesmo nessas, onde seguramente se incluem grande parte das propostas que se podem fazer para combater a corrupção, o PSD inclui o Chega no diálogo.

Nas matérias económicas, fiscais e até sociais o PSD tem uma maioria de apoio parlamentar com o Chega e a Iniciativa Liberal. Há uma larga maioria constitucional em defesa do Estado de Direito Democrático, que não precisa do Chega para a nada. E há uma larga maioria parlamentar de direita para a aplicação do programa da AD, que não precisa do PS para nada.

Olhemos para o programa do Governo e para o do Chega, comparando apenas questões já elencadas por Montenegro como prioritárias.

Onde o Governo quer revogar as “medidas erradas” do Mais Habitação, acabando com a limitação a novas licenças a caducidade das anteriores à legislação aprovada pelo anterior Governo, o Chega quer “reverter a possibilidade de arrendamento forçado de habitações devolutas; a revogação dos vistos gold e as limitações ao alojamento local, aprovados no Programa Mais Habitação”. Tudo medidas constantes no programa de Governo. De resto, o centro das propostas do Chega e da AD para a habitação resumem-se, quase exclusivamente, à descida da carga fiscal.

Quando cidades como Paris, Londres ou Viena colocam milhares de milhões de euros na construção de habitação, reconhecendo a falha de mercado existente, e que sem oferta pública não se consegue condicionar o mercado e garantir o direito à Habitação nos grandes centros urbanos, ignoram o papel do Estado. De vez em quando lá falam de construção, mas sempre na lógica de parcerias público privadas, ou onde as autarquias concedam terrenos a privados para construir. O papel do Estado, nesta visão, é garantir negócio e não casas para os jovens e famílias classe média.

Na Saúde, a visão programática é quase decalcada a papel químico, com o Chega a querer “alterar o paradigma para o Sistema Nacional de Saúde, assegurando uma resposta integrada ao cidadão através da articulação dos serviços de saúde públicos, privados e sociais”. É basicamente este o programa de emergência anunciado por Montenegro.

Em matéria fiscal, é linha e bingo. Até na ideia de “isentar de IRS o designado ‘15.º salário’, sem quaisquer condicionantes”, estão de acordo. A diminuição cega da taxa de IRC é um dado adquirido nos dois programas, assim como uma diminuição do IRS nos escalões mais elevados, ao contrário do PS, que a foi limitando aos primeiros cinco dos nove escalões de rendimentos. É verdade que o Chega mudou, como é seu costume, de posição, e agora defende baixar mais nos escalões mais baixos. Mas isso é o oposto do que andou a defender na campanha. E deve ser confrontado com isso.

Podíamos continuar, mas nos pontos chave da governação económica, que é o que se procura no Orçamento do Estado, a convergência é quase total. Há muito menores diferenças nestas matérias do que existiam entre o PS, Bloco e PCP durante o governo da “geringonça”.

Percebe-se que Montenegro, sabendo os elevados índices de rejeição que ainda tem o partido de Ventura, não queira assumir que é este o seu parceiro natural em questões orçamentais. Mas é a tática política, mais do que a dificuldade em chegar a acordo, que empurra o Governo contra o PS.

Foi o próprio Hugo Soares a reconhecê-lo, quando disse, no “Expresso da Meia Noite”, que tinha havido acordo com o Chega sobre o IRS e as SCUTs que o partido de André Ventura furou. Curiosamente, demorou dias a denunciá-lo, porque deseja entalar PS e Chega, em simultâneo. O que significa dar todo o espaço para o Chega fazer este jogo duplo. No caso do IRS, Ventura passou a defender, para se colar à proposta do PS, o oposto d que está em todos os seus programas eleitorais, em que, à semelhança da IL, propunha duas taxas, reduzindo a progressividade que agora passou a defender.

É a vontade da AD impedir que o PS lidere a oposição que está a deixar o Chega à solta, não sendo confrontado com as suas incoerências. O PSD quer colar o PS ao Chega e, por isso, não denuncia as mudanças permanentes de posição do partido de Ventura. De tanto querer tramar os dois, Montenegro não trama nenhum.

Tudo é visto e revisto no grupo político de Montenegro à luz do que pode garantir capital de queixa para o governo. O objetivo não é apenas estar preparado para a eventualidade de termos eleições em outubro, com o chumbo do Orçamento de Estado, mas ir criando as condições para responsabilizar o PS, e não o Chega, por esse chumbo. Porque a alternativa viável é, por agora, o PS.»

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Grande verdade

 

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5.5.24

Fogões

 


Fogão de ferro fundido esmaltado, Charleville, França, cerca de 1900.
Fabricado por Deville & Cie.

Daqui.
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Tenha esperança, Sebastião Bugalho

 


Pode ser que chegue a presidente da República daqui a uns 40 anos.
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Dia da Mãe?

 


A minha, anos 20, praia da Parede.
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Somos assim

 

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Sim, o racismo existe mesmo

 


«Imagine que está tranquilo na cama durante a madrugada, quando lhe entra em casa um grupo de encapuzados que começa a agredi-lo e a partir objetos e mobílias. O cenário não é de filme, nem de um bairro agitado numa capital com índices de criminalidade elevados algures no Mundo. Aconteceu no centro do Porto, com o grupo de agressores a visar cidadãos estrangeiros (sobretudo magrebinos) a quem aconselhou a voltarem ao seu país. A Polícia regista diversos ataques do género e fala num grupo organizado.

Haverá quem alegue que a zona do Campo 24 de Agosto tem sido varrida por assaltos e as próprias autoridades apontam a insegurança como eventual rastilho para reações mais violentas. O JN esteve precisamente há uma semana no local a fazer reportagem sobre o tema. Ainda que a narrativa que promove a ligação entre imigração e criminalidade seja conhecida, em momento nenhum pode ser usada para justificar comportamentos criminosos e xenófobos. E muito menos para ignorar as evidências de um discurso de ódio contra estrangeiros que exige respostas firmes.

Temos problemas de acolhimento e integração de imigrantes e importa discuti-los. A começar, claro, pela trapalhada na reforma do SEF e na criação da Agência para a Integração, Migrações e Asilo. Têm sido insistentes os alertas sobre a falta de resposta dos serviços públicos aos fluxos migratórios, tal como é da responsabilidade da Assembleia da República a ativação da Comissão para a Igualdade e contra a Discriminação Racial, parada há meio ano. Há muito trabalho a fazer e as consequências refletem-se no trabalho, nas escolas e nas ruas.

O que não pode é usar-se a nossa ineficácia a tantos níveis na integração para criar discursos de ódio e para tentar esconder debaixo do tapete os comportamentos racistas que persistem. Não pode haver uso deturpado e descontextualizado de dados sobre criminalidade para instigar a violência. Não pode haver aproveitamento político do medo, como tem acontecido. E não podemos fingir que os extremismos não são uma ameaça. Ou queremos que acontecimentos surpreendentes como os da madrugada de sexta-feira se tornem normais?»

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