28.8.21

Do fundo do baú (4)

 


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28.08.1963 – Luther King: «I have a dream»

 


Foi há 58 anos que Martin Luther King pronunciou o seu célebre discurso durante a «March on Washignton for Jobs and Freedom».



Mais informação e texto do discurso na íntegra AQUI.
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28.08.2011 – Marcelo, comentador na TVI



 

«Precisamos de uma oposição forte. Se não há oposição forte, para onde é que vai a insatisfação das pessoas? As pessoas começam a indignar-se e a revoltar-se. Se não têm como canalizar para os partidos políticos, canalizam para onde? Para os sindicatos e depois para a rua. Precisamos da oposição (…) para canalizar as insatisfações.»
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Paulo Portas: memórias, memórias

 


Povo Livre, 11.07.1979
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Trabalho digno e os jovens

 


«Na introdução à "Agenda do Trabalho Digno e Valorização dos Jovens no Mercado de Trabalho", o Governo explicita que "a pandemia reforçou a importância de aprofundar uma estratégia de política pública orientada para a promoção do trabalho digno, em particular para grupos como os jovens, desde logo para que o momento de recuperação económica possa ocorrer num quadro de maior sustentabilidade e qualidade do emprego".

Com efeito, a pandemia expôs a fragilidade de muitas relações e vínculos de trabalho, a violência das precariedades e as injustiças a elas associadas, que tanto sacrificam os jovens, e trouxe novos desafios à economia.

O "momento de recuperação económica" é tempo de articular a melhoria do perfil da economia com transformações qualitativas no emprego, na legislação do trabalho, no reforço da proteção social. O primeiro desafio devia ser o ataque ao círculo vicioso: baixos salários, vínculos precários, baixas qualificações. Todavia, a Agenda proposta pelo Governo passa-lhe ao lado, opta por um programa de medidas avulsas para mitigar alguns efeitos das precariedades e introduzir pequenos ajustes - nem todos positivos - em regimes de contratação e formas de prestação do trabalho que se foram enraizando no limite da lei ou à margem dela.

A organização empresarial e a organização do trabalho, nos setores privado e público, vão evoluindo, há trabalho sazonal e atividades temporais, mas não se pode deixar amadurecer "novas realidades organizacionais" assentes em marginalidades e em engenharias jurídicas do neoliberalismo dominante. O conceito de Trabalho Digno tem no respeito da lei e na valorização do Direito do Trabalho pressupostos fundamentais e, por isso, aponta para políticas de inclusão de todos os trabalhadores em regimes uniformes e coerentes e não para a pulverização de exceções que se tornam produtoras de discriminações.

A proliferação de regimes de exceção e de estatutos específicos - que tendem a aumentar com as plataformas e com processos de trabalho remoto - colocam o Direito do Trabalho a correr atrás de prejuízos e cada vez mais submetido a modelos organizacionais subversivos. O princípio da segurança no emprego jamais pode ser instrumentalizado em nome da liberdade de gestão. A segurança no emprego é pilar fundamental para a organização da vida das pessoas e das famílias.

Mais qualidade de emprego e melhores salários para os jovens serão pura ilusão se continuar o parasitismo associado a prestações de trabalho temporário, a processos diversos de outsourcing e aos esquemas de falso trabalho independente. Por que razão trabalhadores que executam o mesmo trabalho, no mesmo posto de trabalho, são remunerados de forma desigual, em função de vínculos de trabalho ou de processos de subcontratação que se vão inventando? Porque se permite que uma entidade, privada ou pública, que utiliza e beneficia de forma permanente do trabalho de um cidadão, possa engendrar esquemas que lhe possibilita furtar-se à condição de empregador? Uma empresa de comunicações que tem trabalhadores nos seus call centers, a executar atividades essenciais e permanentes para o seu objeto, pode estar desobrigada de garantir segurança a esses trabalhadores?

Encanar a perna à rã não resolve os problemas. Há que atacar as causas estruturais com empenho para evitar o envelhecimento acelerado, mais desigualdades e pobreza.»

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27.8.21

Do fundo do baú (3)

 


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Sondagens? Mais uma

 


(Fonte)
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Cesária Évora

 



Seriam 80, hoje.
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Uma frase terrível

 


… para mais tarde recordar:

«Não vamos esquecer nem vamos perdoar o que aconteceu. Vamos fazer-vos pagar
Joe Biden, 26.08.2021

Reforçada por uma outra que nem traduzo:
«We will hunt you down and make you pay»
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Trabalhadoras flexíveis e patrões inflexíveis

 


«Em janeiro, quando António Costa apresentou ao Parlamento Europeu as prioridades da presidência portuguesa do Conselho Europeu, Ursula von der Leyen agradeceu-lhe o destaque ao pilar europeu dos direitos sociais: “I want to thank António for his leadership and support on this issue”. Perguntei-me por estes dias onde está a liderança portuguesa que von der Leyen saudou, a propósito do recente caso das trabalhadoras processadas pelos empregadores por pedirem um horário de trabalho compatível com a assistência aos filhos – um direito que a lei portuguesa regulou em 2003. É que a conciliação entre o trabalho e a vida pessoal faz parte do dito pilar europeu.

A conciliação entre trabalho e vida pessoal serve, em primeiro lugar, para contribuir para o bem-estar de quem trabalha. Em segundo lugar, contribui de forma direta para o crescimento saudável e harmonioso dos filhos de quem trabalha, que os conduz a uma vida adulta mais funcional. É por isso que tantas vezes vemos este debate centrado nas trabalhadoras e trabalhadores com filhos. Em terceiro lugar, há alguns estudos que mostram que aumenta a fertilidade. Como aqui escrevi no mês de maio, a propósito do dia da mãe, segundo o Inquérito à Fecundidade do INE, de 2019, há 37% das mulheres com “fecundidade final esperada menor do que a desejada”. Independentemente de querermos promover nascimentos de crianças como um fim em si mesmo, podemos sempre querer ter uma sociedade em que as mulheres que querem ter filhos os possam ter.

Uma das formas de promover o tal equilíbrio é a flexibilidade de organização do trabalho, que pode consistir em tempo parcial ou em flexibilidade na escolha do local ou do horário de trabalho. Acontece que, em qualquer das três possibilidades de flexibilidade, Portugal está na cauda da União. E não na liderança.

A flexibilidade do local de trabalho é uma das partes mais interessantes da história. Acabámos de viver uma revolução à força, devido à pandemia, que obrigou muitas empresas a mudar a sua organização para incluir mais horas de trabalho em casa. Segundo dados do Eurofound, Portugal era, em 2015, um dos países da UE com menos trabalhadores em trabalho remoto: cerca de 10%, comparando com quase 15% na vizinha Espanha e longe dos quase 40% dinamarqueses, ou cerca de um terço suecos e holandeses. Estes dados sugerem que as empresas portuguesas estão menos bem preparadas – por razões ligadas à sua dimensão, cultura de gestão, ou setor de atividade – para aproveitar experiência radical da pandemia e implementar esquemas de trabalho mais amigos da vida pessoal. Convém não esquecer que o trabalho remoto está muito concentrado nas pessoas com maior nível de educação, que são quem tem profissões mais compatíveis com o dito. Já lhes chamei burguesia do teletrabalho. Um artigo recente na norte-americana The Atlantic vai mais longe e sugere que a fertilidade vai estar, no futuro, concentrada nas mulheres que conseguem trabalhar remotamente. Uma distopia que devemos evitar. Mas como?

O trabalho a tempo parcial, em Portugal, não pega. Segundo o Eurostat, em 2019 apenas 9% dos trabalhadores portugueses trabalhavam a tempo parcial, abaixo da média europeia de 22%. Há vários países com mais de um quinto dos trabalhadores a tempo parcial, como a Alemanha, a Áustria, a Bélgica. E há os Países Baixos, com 42%. O trabalho a tempo parcial pode ser uma má notícia, se é uma restrição, isto é, se os trabalhadores gostavam de trabalhar mais horas mas não conseguem. Em Portugal, quase metade dos trabalhadores a tempo parcial está nesta situação, mas nos Países Baixos são 7% e na Alemanha 10%. Quer isto dizer que há países onde muita gente trabalha a tempo parcial porque quer. E há outros onde poucas pessoas trabalham a tempo parcial e gostavam de trabalhar mais, mas não podem. Portugal está, infelizmente, no grupo da frente destes últimos, o que não é de espantar: num país de salários baixos, o tempo parcial é uma opção pouco atrativa para a maior parte das pessoas.

Resumindo: trabalho remoto é privilégio das pessoas mais educadas (esperando que as empresas portuguesas aproveitem esta onda) e tempo parcial não é para os salários portugueses. A flexibilidade de horário é, por isto tudo, fundamental no nosso país, porque permite conciliar a vida pessoal com a profissional sem sacrificar o rendimento. Segundo o Eurofound, em 2015, cerca de 87% dos trabalhadores portugueses tinham horários decididos pelo empregador, sem qualquer possibilidade de alteração. Quase 3% tinham possibilidade de escolha entre horários pré-determinados pelo empregador. Pouco mais de 10% tinham acesso a horários flexíveis ou a possibilidade de determinar o seu horário de trabalho de forma autónoma. Mais rígidos, só a Lituânia, o Chipre e a Bulgária. Na União Europeia, apenas três em cada cinco trabalhadores trabalham num horário decidido exclusivamente pelo empregador e em países como Suécia, Dinamarca, Finlândia e Países Baixos, não chega a metade dos trabalhadores.

Quem são, em Portugal, as pessoas que queriam ter flexibilidade e não têm? Numa tese de mestrado defendida recentemente na minha faculdade, orientada por mim e pela minha amiga Marta C. Lopes (professora na madrilena Universidade Carlos III) a jovem economista Catarina Pintassilgo analisou com cuidado 612 pareceres da Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego (quase dez mil páginas!). Como uma empresa só pode recusar um pedido de horário flexível ou tempo parcial com parecer favorável desta comissão, estes pareceres são uma fonte de informação importante. Os pedidos confirmam que os trabalhadores portugueses querem flexibilidade, não tempo parcial: 93% dos pareceres analisados analisam pedidos de horário flexível. Ou melhor: as trabalhadoras. Mais de 80% dos pareceres dizem respeito a mulheres. A maioria trabalha nos setores de saúde, apoio social e retalho (lembram-se do centro comercial?) Nos casos analisados pela Catarina, a CITE deu razão às trabalhadoras em 76% dos casos e quase todas as recusas foram devidas a razões processuais (por exemplo, falta de informação). A CITE também fez recentemente saber que, dos 1270 pareceres emitidos em 2019, 80% foram favoráveis ao trabalhador. Ou seja: na esmagadora maioria dos casos, segundo a CITE, os empregadores não tinham razões atendíveis para recusar os pedidos das trabalhadoras.

Eu percebo que isto é um desafio. Portugal é um país de micro e pequenas empresas, com equipas pequenas, sem grande margem de manobra financeira. Admito que a CITE não acerte sempre e que esteja a forçar algumas empresas a fazer o impossível. Mas, se dá razão a quatro em cada cinco trabalhadoras, é porque há má vontade da parte das empresas. Com que direito pedem às trabalhadoras que se adaptem a tudo, se não estão disponíveis para se adaptar a nada?»

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26.8.21

Do fundo do baú (2)

 


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Cântico Negro

 

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Portugal e colaboradores afegãos não monogâmicos

 


Não sei se isto será «o caso do dia», mas arrisca-se a fazer correr mais tinta do que a epístola de S. Paulo.

O governo conta trazer um grupo de 116 pessoas, que inclui os afegãos que trabalharam com os portugueses em Cabul e respectivas famílias. Claro que é possível que nem todos os afegãos pratiquem a monogamia. Mas… só poderão trazer uma das mulheres.

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Sustentabilidade e greenwashing: entre o bem e o mal

 


«Galvanizados pelo impacto inolvidável das alterações climáticas que se sentem em qualquer recanto do globo, aumenta a nossa perceção sobre a necessidade de acelerar a passada, com vista, desde logo, à sua urgente mitigação.

Compromissos com os valores intrínsecos da sustentabilidade existem há alguns anos, porém, a morosidade na sua concretização impeliu um conjunto de iniciativas recentemente desenvolvidas, nomeadamente pela União Europeia e destinadas ao tecido empresarial e, em especial, às instituições financeiras. O enquadramento surge a partir do movimento ESG (Environment-Social-Governance), em português, Ambiente-Direitos Humanos-Governação, que evoca a necessidade dos investimentos serem canalizados para empresas mais sustentáveis e com preocupações, traduzidas nos seus objetivos e documentos de gestão, sociais e com os direitos humanos.

Foi este contexto que inspirou no seio da União Europeia dois Pactos (entre outros): o Ecológico Europeu (Green Deal), que sucedeu ao Protocolo de Quioto e ao Acordo de Paris e o de Ação para a Economia Circular, o qual tem vindo a ser concretizado através de atos legislativos dispersos, alguns já transpostos para o direito nacional.

Na agenda regulatória europeia, destacamos a Diretiva de Informação Não Financeira, que obriga as grandes empresas de interesse público a “prestar informação anual sobre questões ambientais, sociais e relativas aos trabalhadores, à igualdade entre mulheres e homens, à não discriminação, ao respeito dos direitos humanos, ao combate à corrupção e às tentativas de suborno”, em vigor em Portugal desde 2017. Em março deste ano, foi aprovada pelo Parlamento Europeu, uma Resolução sobre o dever de diligência e responsabilidade societária, dos administradores para com matéria relacionada com a sustentabilidade – direitos humanos, ambiente e governação, que prevê a instituição de um quadro de controlo e sancionatório. A que acrescem a Nova Diretiva de Governação Corporativa Sustentável, alinhada com a Agenda 2030 (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, em especial o Objetivo 12.6), ou a elaboração da nova Taxonomia Social que permitirá definir as bases dos ativos financeiros elegíveis do ponto de vista do investimento com finalidades sociais. A panóplia legislativa em curso tende, desde logo, a evitar um fenómeno recente conhecido como greenwashing. Este termo surgiu nos finais dos anos 80 do século passado e consiste na apresentação ao consumidor final de distorções informativas – informação exagerada, não objetiva e até fraudulenta – sobre as características “verdes” dos produtos comercializados pelas empresas, com o intuito de obter mais lucro. Comportamentos empresariais, eticamente reprováveis, desta ordem, também conhecidos por ecobranqueamento, podem inclusive constituir um retrocesso para a legislação já produzida no âmbito do direito do ambiente. O esforço atual da iniciativa política bem como da produção legislativa é real, pese embora muito caminho haja a percorrer.

Os resultados divulgados recentemente, de uma investigação realizada pela Consumer Protection Cooperation Network da Comissão Europeia, em colaboração com as autoridades nacionais de proteção dos consumidores, identificaram 344 casos de alegações de sustentabilidade. Deste universo, 59% não apresentavam qualquer tipo de provas e, em 37% dos casos, tratava-se de descrições vagas como sendo "amigos do ambiente".

Ao contrário do que sucedeu já em Itália ou no Reino Unido, países onde foram aplicadas sanções administrativas a empresas que divulgaram mensagens publicitárias suscetíveis de criar no consumidor médio a ideia de um benefício absoluto para o ambiente, por associação da ideia de redução de emissões de CO2 ao uso do produto publicitado, em Portugal não existe notícia da aplicação de qualquer sanção.

Somos nós, consumidores, que devemos, em primeira linha estar atentos a estes abusos, numa era que se quer “verde”, mas devidamente regulada.

Porque melhor definição de sustentabilidade não existe, do que esta, dada por uma criança da Costa do Marfim, país que vacila demasiado no respeito pelos direitos humanos, a um alto quadro de uma empresa internacional: “A sustentabilidade é como abraçar um imbondeiro. Não o conseguimos fazer sozinhos.”»

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25.8.21

Do fundo do baú (1)

 


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1944 – A libertação de Paris

 



Entre 19 e 25 de Agosto de 1944, a libertação de Paris pôs fim a quatro anos de ocupação. Desde 22 de Junho de 1940, a cidade era administrada pela Alemanha.

Charles de Gaulle, chefe do Governo Provisório, fez um discurso à população, que ficou célebre e imortalizado em algumas frases: «Paris outragé! Paris brisé! Paris martyrisé! Mais Paris libéré!».






E há também canções «eternas»:


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25.08.1988 – Quando o Chiado ardeu

 


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Sei onde estiveste no inverno de há vinte anos



 

«O tempo pode ser cruel quando a memória nos serve: há vinte anos, um jornal de referência titulava a duas páginas “Guerra ao Islão”, os vigilantes admoestavam severamente quem se atrevesse a duvidar da ordem de Bush, “não há mas”, só a obediência total era permitida. Mário Soares e Maria de Lurdes Pintasilgo, entre quem criticou a ideia selvagem da guerra para impor um regime, foram apontados como capituladores e comparados a Chamberlin perante Hitler. No parlamento, Assis admoestava Soares e comparava-se a si próprio a Churchill em nome do “partido da guerra”, para Cabul todos e em força, enquanto os partidos de direita lamentavam que Portugal não tivesse a força operacional para ajudar a ocupar outros países. Foi-nos garantido que o Bem triunfaria sobre o Mal na senda das bombas que iriam civilizar o Afeganistão.

Vinte anos depois, esta narrativa tropeça na realidade, mas ainda é enunciada nos recônditos da ideologia. Um dos bilhetistas do Correio da Manhã reduz o caso ao anedótico: “As tropas americanas deviam e podem ser uma força para o Bem. E é por isso que a saída atrabiliária de Cabul dói: aos afegãos na carne, pelo abandono; ao mundo, por ver o Bem recuar”, depois de “duas décadas de belíssima liberdade das mulheres afegãs”. Ora, a “belíssima liberdade” foi um raro privilégio para as poucas mulheres que puderam estudar e, para a maioria das adolescentes, a continuação do analfabetismo e do casamento forçado; a “força para o bem” foi a generosa corrupção que permitiu triplicar a área dedicada à produção do ópio. E, se o Bem tanto fazia pela civilização, porque negociou com o Mal e lhe cedeu o país? E logo o campeão do Bem, Donald Trump, e o seu sucessor, Joseph Biden, irmanados na entrega do poder ao Mal?

Como não há nenhum dos chefes do “partido da guerra” que agora venha dizer que continuará a ocupação, soa a falso toda a sua prosápia recente (quem foi que disse Chamberlin?). Diz Merkel que foram cometidos “muitos erros” e que a “comunidade internacional se enganou por completo na avaliação da situação”. A comunidade internacional, aqui, é a Nato, ou seja, ela própria e os seus aliados. O que ela não nos diz é se a derrota militar e política podia ser evitada, se é possível criar um regime a partir de uma ocupação estrangeira, ou o que queria fazer depois de criado o problema desde esses dias sinistros em que os EUA e o Paquistão financiaram e apoiaram o que hoje chamamos talibãs, naquele tempo em que a “belíssima liberdade” das mulheres não interessava. Os talibãs são filhos do império e do obscurantismo, quando os meios não olhavam para os fins.

Por isso, dizendo ou não dizendo o que querem fazer agora com os “muitos erros”, o que não nos podem pedir é que esqueçamos como andaram nas últimas décadas a destruir aquele país. Chamem-lhe o Bem e o Mal, mas volta-se a descobrir que entre os que se consideram mais civilizados estão os mais selvagens, que usam a guerra como um brinquedo.»

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24.8.21

20 anos depois

 

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24.08.1916 – Léo Ferré

 


Léo Ferré nasceu no Mónaco, o pai trabalhava no Casino, a mãe era costureira e Léo, com 7 anos, já cantava no coro da catedral.

Deixou-nos preciosidades que resistem a todas as décadas, com letras suas ou de Aragon, Rimbaud e mais uns tantos. Três entre muitas outras:






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Afegãs – «Esperança? O que é esperança?»

 


«Sajida tinha 22 anos quando esta fotografia foi tirada (em 2016, por Lalage Snow).

"Nunca fui à escola porque sempre houve combates na zona onde vivia e depois os Taliban chegaram. O meu pai é deficiente (um produto da guerra), o meu irmão mais velho morreu. Não me casaram porque sou eu que mantenho a família. Bebemos chá e comemos pão. Tudo o que ganho é para pagar as propinas das minhas irmãs, para que possam estudar, ser professoras e ter uma vida melhor que a minha."

Agora regressaram os Taliban. Que esperança?»

Helena Ferro Gouveia no Facebook
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Liberdade e censura

 


«Em muitos aspetos, Portugal sofre as consequências da sua história. E isso é evidente no que diz respeito ao jornalismo que se pratica. E nas relações que os cidadãos reclamam ter com os jornais e que estes procuram manter com eles.

Comparados com os de boa parte dos países da Europa ocidental, o aparecimento e o desenvolvimento da imprensa em Portugal são tardios. Que se trate da instalação do primeiro prelo, como dos lançamentos do primeiro semanário ou do primeiro diário. Até porque em termos de geografia física como de geopolítica, Portugal viveu longe da Europa onde se operavam as grandes iniciativas na matéria. Mas também porque a Igreja Católica tudo fez, aqui como noutros países de influência católica, para manter “o povo de Deus” no analfabetismo (ao contrário do protestantismo que quis que ele pudesse ter diretamente acesso à Bíblia e demais “textos sagrados”).

Consequência deste vasto analfabetismo, quando a imprensa dita popular surge, os grandes títulos como o Diário de Notícias (em 1865) e O Século (em 1881) nunca atingem tiragens de diários de países europeus com demografias comparáveis. A instabilidade política e social da Primeira República, e a repressão permanente do Estado Novo em nada contribuíram para a afirmação de uma imprensa e de um jornalismo fortes. E Portugal chega ao 25 de Abril com uma taxa de analfabetismo elevada e sendo um dos raríssimos países da Europa ocidental a não dispor de uma formação académica em jornalismo. Até mesmo os comparsas fascista, nazi e franquista do salazarismo tinham criado escolas nesta área profissional.

Quando Portugal pode enfim viver em liberdade e democracia, condições indispensáveis a uma prática jornalística no sentido forte do termo, o país encontra-se com uma “classe” desprovida de sólida formação profissional e geralmente mesmo de formação superior em qualquer outra área. “Classe” que se manterá aterrada pela dolorosa lembrança da Censura e da autocensura. Enquanto jornalistas e leitores, à imagem da eclosão social a que o 25 Abril abriu portas, passam a adotar uma conceção desabrida da liberdade, marcada pelo ferrete do individualismo. O que leva jornais e jornalistas a práticas insustentáveis e de certo modo suicidárias.

Porque um jornal é uma entidade com personalidade própria, necessariamente dotada de sensibilidade, de coluna vertebral, em conformidade com um projeto societal inicial. Condições essenciais para tornar possível a proximidade e a identificação com o seu público. Pelo que não pode ser uma manta de retalhos de conteúdos heteroclíticos em termos de démarche intelectual e de prática profissional. Muito menos uma espécie de painel de afixação onde qualquer colaborador exterior ou simples leitor pode publicar aquilo que lhe dá na real gana, à revelia dos princípios editoriais que norteiam o jornal.

A paisagem jornalística escrita portuguesa é terrivelmente pobre em termos de diversidade: os pretensos diários “nacionais” generalistas impressos não são mais de cinco, a que vem juntar-se um digital mais ideológico do que informativo. O que explica que os editores (no sentido original da palavra) façam estranhos cálculos de base: o jornal não deve tomar posição nos grandes debates de sociedade e tem que ser aberto às posições mais contrastadas e até contraditórias, em nome de um extravagante pluralismo. Pensam assim ser capazes de acolher toda a espécie de públicos, quando de facto fazem afastar muitos dos que foram fiéis leitores.

Perante a seleção de “peças” que correspondem ao projeto editorial, à qualidade de escrita e de argumentação do jornal, os autores (internos e externos) cujas produção é excluída rotulam isso de “censura”. Quando se trata quase sempre de simples aplicação de critérios editoriais previamente definidos e consignados por vezes num “livro de estilo” cuja preocupação prioritária é a qualidade do conteúdo proposto aos leitores. Uma séria aplicação destes critérios e uma exigente produção jornalística supõe, porém, uma equipa de redação qualificada numerosa. Como implica uma formação teórica e prática prévia que não parece ser o que propõem as escolas de (ciências da) comunicação bem pouco jornalísticas que proliferam pelo país fora…»

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23.8.21

23.08.1927 – Sacco & Vanzetti

 


Nicola Sacco e Bartolomeo Vanzetti foram acusados do homicídio de duas pessoas, nos Estados Unidos, e acabaram por ser condenados à pena de morte e electrocutados em 23 de Agosto de 1927, apesar de, cerca de dois anos antes, uma outra pessoa ter confessado ser autora dos crimes.

Na sessão do tribunal em que a sentença da condenação foi lida, Vanzetti incluiu o seguinte nas suas longas declarações finais:

«I would not wish to a dog or to a snake, to the most low and misfortunate creature of the earth. I would not wish to any of them what I have had to suffer for things that I am not guilty of. But my conviction is that I have suffered for things that I am guilty of. I am suffering because I am a radical and indeed I am a radical; I have suffered because I am an Italian and indeed I am an Italian...if you could execute me two times, and if I could be reborn two other times, I would live again to do what I have done already.»

Nunca pararam as reacções e os protestos contra um caso que, com toda a sua trama, passou a funcionar como um símbolo de desrespeito flagrante pelos princípios da justiça na América.

Deu origem a um filme, inspirou escritores, pintores, músicos como Woody Guthrie. Joan Baez viria a consagrar uma das canções mais divulgadas, até Dulce Pontes interpretou «The Ballad of Sacco e Vanzetti», etc., etc.







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Balanço de um almoço com menos confinamento

 


Entrou hoje em vigor a regra que permite aos restaurantes sentarem mais clientes à mesa, no interior e nas esplanadas. Tudo bem. Qual é a consequência? O espaço foi reorganizado juntando mesas para mais pessoas e foram quase eliminadas as que só podem albergar uma ou duas. Resultado? Quem almoça sozinho, ou só com um parceiro, tem de ir muito antes das 13h ou depois das 14 e tal. Sim, porque está tudo bem mais cheio de grupos do que antes da pandemia (e sem um único turista). E hoje é segunda-feira. Mistérios…
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A questão não é em quem não se vota. É não votar

 


«Meio século de voto feminino sem restrições, sistemas de quotas e leis de paridade para confirmar que também há mulheres nos boletins de voto não chegaram para garantir que os portugueses votam nelas. Uma primeira-ministra, 39 ministras e 69 presidentes de câmara eleitas é o saldo de quase 50 anos de democracia em Portugal. Não por falta de escolha ou de medidas que forcem o equilíbrio nas listas. Simplesmente os portugueses que votam - mulheres incluídas - preferem votar em homens.

Esta estatística é reveladora de um problema bem mais grave do que o da paridade - mas que também a condiciona: desde 1979, a abstenção nas eleições tem subido sustentadamente, sendo cada vez menos aqueles que elegem os supostos representantes de todos os portugueses. Seja para as autárquicas (45% em 2017), para a Assembleia da República (51,4% em 2019) ou para a presidência (60,8% em janeiro deste ano), a abstenção é que verdadeiramente ganha eleições neste país. E nem sequer entremos pelas europeias, que definem a nossa voz nos centros de decisão europeus e há 30 anos que não merecem a atenção de mais de um terço dos cidadãos deste triângulo periférico e cada vez mais atrasado relativamente aos seus parceiros de continente.

Os portugueses deixaram de votar. Não veem utilidade em fazê-lo, não se reveem nos partidos, nas suas propostas ou naqueles que lhes dão voz, não encontram ideias de valor nos programas eleitorais ou simplesmente não entendem que demitir-se de participar na escolha é abrir espaço a que decidam por eles - quantas vezes contra eles. E com essa falta de ação não só viabilizam e precipitam o enfraquecimento da democracia como a pobreza intelectual daqueles que se disponibilizam para a representar.

O que é mais grave, porém, nem é o comportamento dessa metade dos portugueses que não vai às urnas. É que quem está em posições de liderança pública não veja nesse afastamento da participação política e cívica sinais de alarme, caminhando alegremente em direção ao abismo - por distração, por ignorância ou por preferir empenhar as possibilidades que o país teria se contasse com todos os seus a troco de manter um status quo podre que alimenta a clientela estabelecida.

Ter apenas metade dos eleitores a escolher os destinos do país e quem decide sobre o futuro de todos é pior que mau. Sobretudo quando grande parte desses que se abstêm são os mais jovens, aqueles que vão herdar os efeitos das decisões tomadas, que não querem viver de esmolas mas não conseguem emprego com salários que lhes permitam sair de casa dos pais antes dos 35 anos, que acabam por preferir emigrar porque este país é cada vez menos para eles.

Esses que não votam - cujo intervalo se alargou para a faixa dos 18 aos 44 anos - já têm os objetivos de sustentabilidade (económica, ambiental, social) gravados no ADN. Esses que não se reveem neste sistema político são nativos digitais e movem-se pelo sentido de pertença a algo maior do que eles, não pela garantia de empregos para a vida. Esses que não participam não precisariam de quotas para eleger mais mulheres. Mas para eles ninguém fala. E não há quem verdadeiramente se preocupe com isso.»

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22.8.21

Autárquicas 2021 – A Palma de Ouro vai para…

 


… estes dois outdoors do PSD. Como alguém comentou, isto tem ares de Auschwitz 2.0.
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Aquecimento Global

 


É mesmo a sério.
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O pesadelo de Biden

 


«O grande acontecimento era a retirada americana do Afeganistão. Mas o colapso do exército e do governo afegãos, aliados à incompetência americana, criaram um explosivo foco de crise, que pode passar de Cabul para Washington. “Os próximos dias serão decisivos”, avisa Ian Bremmer, analista de estratégia.

Todas as opções do Presidente Biden eram más. A pior seria denunciar o acordo de Fevereiro de 2020, celebrado entre a Administração Trump e os taliban, prevendo uma retirada militar em Maio deste ano. Significaria reacender uma guerra perdida e o risco de escalada militar.

A retirada é benéfica para a posição internacional dos Estados Unidos. Entretanto, surgiu a catástrofe: uma estranha acumulação de erros ameaça anular os efeitos da retirada, transformando-a em humilhação e abrindo uma crise na própria América. Lá iremos.

A guerra do Afeganistão estava perdida desde o tempo de George W. Bush, quando os Estados Unidos invadiram o Iraque. É inútil repetir factos e argumentos. Quando uma guerra está perdida, resta pôr-lhe fim. Este debate dividiu a elite dirigente americana desde 2009, quando Barack Obama se resignou a aceitar um reforço das tropas para o Afeganistão numa estratégia de contra-insurreição.

A retirada não significa o declínio internacional dos Estados Unidos. Houve um raro “momento unipolar” em que os EUA se imaginaram como hiperpotência planetária. Esse “momento unipolar” acabou com a derrapagem da guerra no Iraque e com a crise financeira de 2007. O fim da “arrogância imperial” não impediu que os EUA continuem a ser a primeira superpotência. Antes significa que não têm força e legitimidade para fazer o que lhe apetece. Hoje, travam uma longa batalha com a China sobre a hegemonia mundial. Hegemonias improváveis num mundo decididamente multipolar.

É muito arriscado fazer comparações históricas. Podemos, no entanto, usá-las a título de ironia. As imagens de Cabul fizeram lembrar as de Saigão em 1975. E o Afeganistão foi apontado como o “Vietname de 2021”. A comparação é imperfeita, porque os americanos já tinham retirado as suas tropas quando o Vietname do Norte lançou a ofensiva geral no Sul.

Na época, a União Soviética terá interpretado a retirada americana como sinal de inexorável declínio estratégico americano. Invadiu o Afeganistão e implantou-se em África. Qual foi o desfecho? Quinze anos depois da queda de Saigão, os Estados Unidos assumiam a hegemonia mundial enquanto a União Soviética se desintegrava.

O ponto de vista da Ásia

É útil interrogar a repercussão da retirada do Afeganistão entre os aliados asiáticos dos EUA. Eles atribuíram o fracasso da “viragem para Ásia” da Administração Obama à persistência do seu atolamento no Médio Oriente. Explica Hiroyuki Akita, analista do Nikkei, o grande diário económico japonês: “Agora, os países asiáticos estão a procurar saber atentamente se o fim do envolvimento militar no Afeganistão afectará a política do Presidente Biden para a região do Indo-Pacífico. Os governos, de Tóquio a Taipé, não acreditam que a agitação no Afeganistão tenha repercussões negativas para o Indo-Pacífico, e não só pela importância geo-estratégica da região. Pelo contrário, saúdam a retirada do Afeganistão na medida em que permite a Washington envolver-se mais profundamente no Indo-Pacífico.”

É evidente que a Rússia e a China procurarão preencher o vazio deixado pela retirada americana. Pequim é um sério candidato, esperando retirar grandes vantagens económicas. Mas a região do Indo-Pacífico substituiu o “grande Médio Oriente” como palco principal da política internacional.

Os países da região querem manter um equilíbrio perante a ascensão da China mas recusam uma ordem regional dominada por Pequim. Há acordos económicos a refazer depois da desastrada retirada americana da Parceria Trans-Pacífico, por Donald Trump.

Acrescenta Akita: “Do ponto de vista da segurança, aliados como o Japão querem desempenhar um papel muito maior. É muito claro. O que falta são medidas concretas dos Estados Unidos e dos seus aliados para estabelecer uma nova divisão das responsabilidades na manutenção da estabilidade no Indo-Pacífico.”

Dirigindo-se sobretudo à Europa, o analista britânico Robin Niblett, director do think tank Chatham House, escreve pragmaticamente: “Os aliados dos Estados Unidos sabem que Washington precisa deles mais do que nunca”.

Por outro lado, tal como o falhanço no Vietname não travou o domínio económico e geopolítico, “também o caótico êxodo do Afeganistão não anuncia um declínio global no século XXI”. Conclui Niblett: “O poderio nas relações internacionais é sempre relativo. E, em termos relativos, os Estados Unidos irão muito mais longe, estrutural e socialmente, do que os dois principais rivais geopolíticos, em especial se trabalharem intimamente com os seus aliados.”»

Do lado da América

“A desastrosa retirada americana do Afeganistão representa a primeira verdadeira crise da Administração Biden em política externa”, escreve Bremmer. “A culpa não pode ser atribuída à declaração de retirada: foi um erro de aplicação, não um erro estratégico.” Aquela que era um a decisão difícil e justa deu lugar a uma catástrofe.

Comentando o desastre, Francis Fukuyama chama a atenção para outro plano: “A verdade é que o fim da era americana começou muito antes. E as fontes a longo prazo da fraqueza e do declínio americanos são mais domésticas do que internacionais.” Após o pico da sua hegemonia, entre 1989 e 2007, “o auge da hubris americana foi a invasão do Iraque, em 2003, quando concebia refazer não só o Afeganistão (invadido antes), mas todo o Médio Oriente.”

Sublinha: “O maior desafio ao estatuto internacional da América é doméstico. A sociedade americana está profundamente polarizada e tem dificuldade em encontrar consensos seja sobre o que for. (…) A polarização já prejudicou a influência global da América.”

O Afeganistão tem sido um tema secundário para a opinião pública americana, focada na covid-19 ou na economia. A retirada das tropas é bem vista num país cansado de “guerras eternas”. No entanto, a situação pode inesperadamente mudar e voltar-se contra Biden.

“O pior ainda está para vir”, avisam correspondentes. Ontem, em Cabul, havia cerca de 10.000 civis americanos a repatriar e talvez 80.000 afegãos com dupla nacionalidade, com a green card ou com um visto. E muitos cidadãos americanos ou binacionais terão de atravessar um território controlado pelos taliban.

O risco de incidentes é altíssimo. Se um americano for feito prisioneiro ou refém, a situação torna-se explosiva, não só em Cabul, mas também na até agora indiferente opinião pública americana. É o pesadelo de Biden, dos seus aliados e, provavelmente, dos adversários. A crise mudaria subitamente de natureza.»

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