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17.11.18
Dica (827)
Brasil: amamos e não deixamos. (Alexandra Lucas Coelho)
Já há redes de voluntários em Portugal a defender o que está em perigo no Brasil. Mas é essencial que poderes e instituições em Portugal também se envolvam. Bolsas, fundos, parcerias, acolhimentos, todo o tipo de apoios.»
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Os que “amam” muito os touros e os torturam e matam
José Pacheco Pereira no Público de hoje:
«A ideia de que ser a favor ou contra as touradas é uma questão de liberdade de expressão é um absurdo. Ser a favor ou contra as touradas é uma questão de civilização e, por muito que a palavra esteja gasta, nós sabemos muito bem o que é. É o mundo frágil que nos faz viver melhor, mais tempo, com menos violência do que no passado. É completamente frágil e contraditório, muitas vezes anda para trás e poucas vezes anda para a frente, mas representa o melhor da vida possível, feito por um olhar humanista sobre as coisas, que inclui condenar, limitar, punir a violência.
É o mundo em que há direitos humanos, em que os homens e as mulheres são iguais, é o mundo em que as mulheres e as crianças são protegidas da violência doméstica, é o mundo em que o direito de viver de forma livre o sexo é garantido, é o mundo em que a tortura, a pena de morte, o genocídio são condenados, é o mundo em que há liberdade religiosa, de opinião, política, etc., etc. Sim, é verdade que é também o mundo em que tudo isto não existe, mas escolham. Pode não ser o mundo que temos, mas é o mundo que desejamos.
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Os animais não podem ter “direitos” equiparados aos direitos humanos, mas faz parte de uma sociedade humana que valorize a ética e combata todas as formas de violência olhar para os animais com um sentimento de especial proximidade que está para além da domesticidade. Os movimentos a favor dos animais, ou melhor, os movimentos contra a crueldade com os animais, fazem parte da tradição humanista dos séculos XIX e XX. A ideia central era que o modo como tratamos os animais era um sinal de como tratávamos os homens, a crueldade contra os animais era um sinal de uma violência institucionalizada que não se limitava aos animais, mas se estendia aos homens, mulheres e crianças.
Não me estou a referir a nenhuma das variantes radicais modernas dos direitos dos animais que fazem parte da moda dos nossos dias. Não é isso, não tem que ver com aviários, nem com matadouros, nem com as mil e uma formas de industrialização da produção de alimentos, algumas das quais ganhavam em ser menos cruéis. Nem com a caça. A caça tem um valor económico, e tem um papel no controlo das espécies, e é cada vez mais moldada pela lei de modo a que o seu carácter lúdico seja subordinado a estas necessidades.
Tem que ver com as touradas. Podem dar as voltas que quiserem, mas as touradas são a exibição pública da tortura de um animal, que é esfaqueado para enfraquecer e depois, no caso das touradas de morte — que todos os defensores das touradas desejavam poder ter sem limitações —, ser morto. As touradas vivem do sangue, da dilaceração da carne, do cansaço até ao limite e da morte. Podem ter todos os rituais possíveis, ter toda a “arte” de saracotear à volta de um bicho, mas as touradas não são uma arte, são a exibição circense de um combate desigual entre homens e animais, cuja essência é a sua tortura para gáudio colectivo.
Não é um combate de iguais. Na verdade, os combates de cães e de galos — proibidos não se sabe porquê à luz da permissão das touradas — são muito mais um combate entre iguais do que o homem de faca e o touro sem armas a não ser os chifres, que muitas vezes são embolados. Mas é o sangue e a morte que fazem o espectáculo e, ao serem um espectáculo, são um sinal de barbárie.
O argumento da tradição também não é argumento. Se há coisas que a tradição encobre é um vasto conjunto de práticas que felizmente hoje são consideradas inaceitáveis, desde a violência doméstica à discriminação dos homossexuais, à excisão feminina, à pena de morte, à legitimação da tortura. Se aceitamos que a “tradição” por si só legitima a violência e crueldade, então podemos voltar ao “cá em casa manda ela e quem manda nela sou eu” e toca de lhe bater.
Os argumentos dos defensores das touradas são a versão portuguesa dos argumentos da National Rifle Association nos EUA, que também se identifica como uma “associação de direitos civis” e usa o argumento da tradição para justificar uma sociedade banhada de armas e em que a violência dos massacres é sempre culpa de outra coisa que não sejam as armas.
As histórias ridículas de como os defensores das touradas “amam os touros” (sic), de como prezam a valentia dos animais, de como o “touro bravo” enobrece os campos do Ribatejo, para depois ser trazido à arena de tortura e morte como se esse fosse o seu destino teleológico, a cultura machista da “coragem” perante os mais fracos (o touro é o mais fraco dentro da praça), devem pouco a pouco envelhecer no passado. É isso mesmo que chamamos civilização. O mundo em que vivemos é duro, desigual, injusto, violento. Quem saiba história sabe que não há maneira de o tornar limpinho, higiénico, pacífico, nem em séculos, quanto mais numa geração. Mas acabar com as touradas, com a tortura dos touros para satisfação sádica das massas, é um passo no bom sentido. Porque senão vivemos na pior das hipocrisias em que matar ou tratar mal um cão e um gato pode levar à prisão — e bem —, mas em que no meio de cidades e vilas de uma parte do país podemos aplaudir a tortura, o sangue e a morte.»
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16.11.18
Pobre Brasil…
«Brazil’s president-elect Jair Bolsonaro has chosen a new foreign minister who believes climate change is part of a plot by “cultural Marxists” to stifle western economies and promote the growth of China.»
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Dica (826)
Electoral Authoritarianism, Elective Dictatorship (Javier López)
«Jair Bolsonaro will be President of Brazil. A homophobic soldier with authoritarian excesses, who has scorned democratic mechanisms and threatened his political rivals, will lead the greatest regional power in Latin America that is now a global giant. In fact, his profile, a caricature of a third-rate dictator, would be comical if it weren’t for the fact that he amassed more than 50m votes. His election, with incalculable consequences, is the latest in a long line highlighting the battered fragility of democracy. What is happening to our societies when voters decide to put their destiny in the hands of eccentric authoritarians, while the influence of the far-right multiplies election after election all over the planet?»
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As nossas democracias vão acabar?
«Ditaduras houve que delapidaram as riquezas do país, outras que construíram em poucos anos um poder económico difícil de obter quando se respeitam as regras e os direitos humanos.
É uma possibilidade real. Este movimento civilizacional de vertigens totalitárias pode, para alguns, parecer uma coisa extraordinária numa parte do mundo que se reconhece como a mais evoluída, a herdeira dos grandes avanços do conhecimento da humanidade, em contraponto com o que se passa nas outras partes mais atrasadas. No entanto, de um ponto de vista estritamente histórico, não há nada de extraordinário. Alterações radicais e revoluções já aconteceram muitas vezes e continuarão a acontecer sempre que a raiva e o descontentamento acumulado nas populações encontram condições para pôr à prova o poder estabelecido. É que as revoluções não acontecem sempre contra regimes autoritários, mas também contra os regimes estabelecidos que deixam de ter condições para exercer o seu domínio. As ditaduras e as democracias são duas formas distintas de exercício do poder, mas são ambas formas de exercício do poder de uma minoria sobre a maioria. Se a revolução francesa é um modelo de revolução de um povo faminto contra um poder absoluto, a revolução nazi dos anos 30 na Alemanha é o exemplo de como uma democracia liberal, assente na mais sofisticada civilização, berço de filósofos, escritores e músicos, cede perante uma vaga de fundo de ódio, de irracionalidade e de selvajaria.
Porque estão hoje as democracias em crise?
Não subscrevo as teorias de que foram a emigração e as plataformas sociais que deram lugar a esta revolta que vai tomando proporções globais. Parece-me óbvio que esta vaga foi espoletada, no imediato, pelos efeitos da crise financeira global e da recessão que se seguiu, no fecho de um longo processo de desindustrialização e de deslocalização de actividades dos chamados países desenvolvidos para as emergentes economias asiáticas. Acresce que estes últimos 30 anos foram também um período de alargamento das desigualdades, em contraponto com o que vinha acontecendo desde a II Guerra Mundial. Este movimento tectónico foi com certeza um processo complexo, mas que teve como resultado um avivar de frustrações que os poderes instituídos não souberam antecipar e gerir. E quando o povo acha, com razão ou sem ela, que está a ser enganado, acontecem destas coisas.
As ditaduras são boas ou más para as economias?
Há exemplos para todos os gostos. Ditaduras houve que delapidaram as riquezas do país, outras que construíram em poucos anos um poder económico difícil de obter quando se respeitam as regras e os direitos humanos. Temos, como exemplo, a industrialização da União Soviética com Estaline, que, num curto espaço de tempo, transforma um país agrícola e medieval numa potência industrial, ou o restabelecimento do poderio industrial na Alemanha nazi, que em poucos anos lhe vai permitir assumir o domínio militar de praticamente toda a Europa. Só que nenhum destes modelos é aconselhável ou sequer bom para a saúde. As indescritíveis e vergonhosas páginas escritas na União Soviética e no império nazi, de utilização de trabalho escravo e total indiferença perante a dignidade do género humano, são exemplos do que nunca deveria ter acontecido. Mas convém também ter presente que as democracias não são más para o desenvolvimento económico. Foi em democracia que o império britânico se construiu e em democracia que os Estados Unidos ganharam hegemonia global. Os resultados não dependem pois do modelo, muito menos das mitologias ideológicas.
E em Portugal? Vamos também para uma ditadura?
Se países que são modelos históricos de democracia, como o Reino Unido ou os Estados Unidos, vacilam hoje perante o respeito de regras de convivência que aceitamos como expressão superior do desenvolvimento humano, deixando-se levar em ondas de ódio e aceitando a mentira como ingrediente da vida, o que dizer de países como o nosso onde o ADN democrático tem falhas e nem sempre produziu boas memórias. Não devemos ter ilusões de que em Portugal não estamos imunes ao aparecimento de um messias. Mas convém ter bem presente qual o resultado, em democracia, de um processo de abdicação voluntária de direitos. Porque se Hitler chegou ao poder pela via eleitoral, ainda que sem maioria, isso foi só no início pois o verdadeiro poder foi conquistado quando, pelo medo, as pessoas sucumbiram à violência das suas organizações paramilitares. Um ditador pode chegar ao poder pelo voto, mas não se perpetua pelo voto, perpetua-se pela força que consegue exercer sobre as pessoas, a quem, sucessivamente, vai retirando os direitos.
Será que é isso que queremos?
Já agora, para os lusos nacionalistas que já se entusiasmam com o que se está a passar, seria útil que tivessem consciência de que personagens como Trump, Putin, Orbán, Erdogan, Bolsonaro e outras, além do fascínio que podem provocar, têm pelo menos uma coisa em comum: nada do que fazem, nem do que gostariam de fazer, tem como objectivo proteger Portugal.
Será que não sabemos?»
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15.11.18
Brasil: «absoluta ingovernabilidade»
É um texto longo de um filósofo marxista, que merece ser liso na íntegra.
«O prisma para se entender o que ocorreu agora é o renascimento da política. Nós não imaginávamos. Quando eu digo nós, eu estou falando, sobretudo, da esquerda. Nós estávamos completamente anestesiados com um tipo de esquerda que se consagrou com a abertura [pós ditadura] em diante, dos anos 1990 em diante, que é uma esquerda que pensa em governo e não se imagina fora do governo. Uma esquerda para governar. Essa é a grande novidade do petismo e, portanto, gestionária.
De tal maneira nós estávamos impregnados por essa ideia que nós, de certa maneira, tínhamos abandonado a ideia clássica de política como conflito social canalizado em torno de algumas grandes expectativas – e nos aferramos à ideia de gestão, governo e administração. E eu acho que estava subentendido que não haveria mais política. No fundo, era isso: a política tinha se resumido na disputa dos fundos públicos e políticas orçamentárias alternativas.»
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Brasil: agora o novo ministro das Relações Exteriores
As opiniões polémicas do novo chanceler sobre raça, fake news e 8 temas.
Um simples exemplo, mas há que ler o texto todo:
«Sou Ernesto Araújo. Tenho 28 anos de serviço público e sou também escritor. Quero ajudar o Brasil e o mundo a se libertarem da ideologia globalista. Globalismo é a globalização econômica que passou a ser pilotada pelo marxismo cultural. Essencialmente é um sistema anti-humano e anti-cristão. A fé em Cristo significa, hoje, lutar contra o globalismo, cujo objetivo último é romper a conexão entre Deus e o homem, tornado o homem escravo e Deus irrelevante. O projeto metapolítico significa, essencialmente, abrir-se para a presença de Deus na política e na história.»
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O PS nunca desilude
Igual a si próprio há 45 anos. E a ministra da Cultura? Que se lixe, engula sapos.
Porque é que a democracia está a vacilar?
«Jair Bolsonaro, vencedor das presidenciais do Brasil, é um hiper-nacionalista da extrema-direita, apaixonado por armas e um fraco adepto da comunicação social. O facto de ele não estar desenquadrado no meio dos líderes globais de hoje - incluindo os líderes de algumas das maiores democracias do mundo - deve preocupar-nos a todos. E isso leva-nos à seguinte questão: porque é que a democracia está a vacilar?
Estamos num ponto de viragem histórico. O rápido progresso tecnológico, particularmente o surgimento da tecnologia digital e da inteligência artificial, está a transformar a forma como as nossas economias e sociedades funcionam. Ainda que essas tecnologias tenham trazido benefícios importantes, também levantaram sérios desafios - e deixaram muitos segmentos da população a sentir-se vulneráveis, ansiosos e zangados.
Uma consequência do recente progresso tecnológico tem sido um declínio na proporção relativa dos salários no PIB. Como um número relativamente pequeno de pessoas reivindicou uma fatia crescente do bolo, na forma de rendas e lucros, a crescente desigualdade de riqueza e rendimentos alimentou a frustração generalizada com os arranjos económicos e políticos existentes.
Já lá vai o tempo em que se podia contar com um emprego fixo nas fábricas para pagar as contas indefinidamente. Com as máquinas a assumirem uma parte importante dos empregos na produção industrial, as empresas estão a procurar cada vez mais trabalhadores com elevada qualificação em áreas que vão da ciência às artes. Essa mudança na procura de competências está a alimentar a frustração. Imagine que, depois uma vida inteira de musculação, lhe dizem que as regras mudaram e que a medalha de ouro não será atribuída ao wrestling, mas sim ao xadrez. Isso será enfurecedor e injusto. O problema é que ninguém faz isso deliberadamente; mudanças deste tipo são o resultado da evolução natural da tecnologia. A natureza é muitas vezes injusta. O ónus de corrigir a injustiça está do nosso lado.
Estes desenvolvimentos contribuíram para as crescentes disparidades ao nível da educação e das oportunidades. Há muito que um contexto de maior riqueza aumenta as oportunidades de uma pessoa receber uma educação superior e, assim, conseguir empregos com salários mais altos. À medida que o valor das habilidades mecânicas no mercado de trabalho diminui e a desigualdade de rendimentos aumenta, essa diferença deverá tornar-se cada vez mais pronunciada. A menos que transformemos os sistemas de educação para garantir um acesso mais equitativo à formação de qualidade, a desigualdade tornar-se-á cada vez mais enraizada.
O crescente sentimento de injustiça que acompanha estes desenvolvimentos penalizou a "legitimidade democrática", como Paulo Tucker discute no seu livro Unelected Power. Na nossa economia globalizada profundamente interconectada, as políticas de um país - como barreiras comerciais, taxas de juro ou expansão monetária - podem ter efeitos colaterais de longo alcance. Os mexicanos, por exemplo, não precisam de se preocupar apenas com quem elegem para presidente; também precisam de se preocupar com quem chega ao poder nos Estados Unidos - um resultado sobre o qual não têm voz. Neste sentido, a globalização leva naturalmente à erosão da democracia.
14.11.18
Estivadores: mais trabalho para mais pessoas
«O impasse entre os estivadores e as empresas não tem solução à vista. A Operestiva terá proposto contratar 30 estivadores do grupo de 90. Um terá assinado, mas a maioria recusa.
Jorge Brito é há sete anos estivador em Setúbal. Frequentemente, é recrutado duas vezes por dia, uma por cada turno de oito horas que faz no porto. É um dos trabalhadores eventuais a quem terá sido oferecido vínculo a prazo e explica que a oferta não responde às reivindicações. Os estivadores assumem que nem todos podem ser contratados, mas querem um contrato coletivo de trabalho que estipule também garantias para os que permanecerão precários. A exigência é que uma parte do grupo - mais dos que os 30 propostos - seja contratada, mas possa prescindir do direito de realizar turnos adicionais a favor dos eventuais que ficarem.
"Basicamente, o que queremos é prescindir do direito às horas extraordinárias em prol de mais trabalho para mais pessoas. E é isso que eles não querem - mesmo essas pessoas continuando trabalhadores precários. A única diferença é que ganhavam o direito a fazerem um turno antes de os efetivos fazerem um turno extraordinário", explica o estivador.»
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Fake news: sites portugueses com mais de dois milhões de seguidores
O Paulo Pena passou para o Diário de Notícias e já se dá por isso. Este é um texto de leitura obrigatória! E o «boneco» ajuda (falta na lista «Bombeiros 24»):
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A atrocidade, o mundo e Portugal
«Ainda estamos longe de um pedido de desculpas ao mais alto nível, que um dia acontecerá. Até lá, devemos perceber melhor o tráfico de escravos do Atlântico e como Portugal e os portugueses se envolveram. Um caminho que nos ajudará a melhor perceber o mundo global de hoje e reconhecer o quanto foi feito à custa da repressão dos mais fracos. Um passado que nos põe de sobreaviso sobre a necessidade de se resolverem problemas actuais, à escala global. O mundo pode e deve ser diferente.
Os dados são claros. Entre 1500 e 1875, foram embarcadas nas costas de África cerca de 12,5 milhões de pessoas escravizadas, tendo chegado ao seu destino, na sua esmagadora maioria às costas das Américas, cerca de 10,7 milhões. No mesmo período, foram embarcadas 5,5 milhões de escravos para o Brasil, onde chegaram 4,9 milhões. Na última década do século XVIII, o pico desse tráfico, foram traficadas cerca de 80 mil pessoas por ano, morrendo 8.500 na viagem. A participação de Portugal e do Brasil, enquanto colónia, nesta gigantesca operação tem de ser entendida.
A descoberta do Atlântico deu lugar a um império que pôs Portugal entre as nações mais abertas ao comércio transoceânico. Um bom indicador desse relevo é o valor do comércio por habitante. Desde 1600, Portugal encontrava-se à frente da Espanha, com ou sem o comércio de prata e ouro e, a partir de 1700, ombreava com a Inglaterra e a Holanda, só sendo significativamente ultrapassada por estas nações em finais do século XVIII.
O tráfico de escravos por navios portugueses de Portugal ou do Brasil era todavia proporcionalmente maior do que o comércio de ouro e de mercadorias. O que explica esse maior envolvimento de Portugal? O facto de ser o colonizador de uma parte significativa da costa ocidental de África e do Brasil é uma explicação necessária mas não suficiente, pois quem colonizava, como a história o demonstra, não estava escrito na pedra.
Para responder cabalmente àquela pergunta, é preciso compreender que o tráfico de escravos se inseria numa complexa rede de comércio que envolvia várias partes do mundo. Não se tratava simplesmente de navios que saiam de Lisboa, aportavam nas costas africanas, viajando depois para o Brasil carregados de escravos, para depois regressarem a Lisboa com açúcar ou ouro. Era mais do que isso e são várias as ideias sobre o assunto.
Uma delas [narrativas] , baseada na investigação sobre negócios efectuados, navios embarcados ou histórias concretas de negociantes, introduz um circuito mais complexo. Fala-nos de navios, saídos de Lisboa, carregados de panos vindos da Índia, usados para pagamento dos escravos na costa africana, depois traficados para o Brasil, onde os negociantes locais os pagavam com prata, adquirida a troco de ouro no Rio da Prata, na actual Argentina, prata essa que era depois remetida para Lisboa, usada para pagar os panos comprados na Índia e assim fechar o círculo. Os capitais deste comércio podiam ser portugueses, brasileiros, indianos, espanhóis, ingleses ou holandeses, seguindo os fluxos financeiros de então, cada vez mais globais. Deve aqui acrescentar-se, para melhor compreensão dessa rede, que a Índia tinha a prata como principal meio monetário.
Nesta história, entram os comerciantes e traficantes de Lisboa e do Brasil, os traficantes africanos, os colonos espanhóis do Rio da Prata, os comerciantes indianos, e os capitalistas de várias origens. Toda uma rede global em que os africanos escravizados se viram envolvidos, enquanto elo mais fraco. Esta visão alargada do tráfico de escravos mostra a complexidade da operação e a multiplicidade das responsabilidades. Mostra também que a globalização, deixada ao mercado livre, com responsabilidades mútuas e repartidas, sem peias, sem política, pode levar e levou a resultados assim. Essa é sem dúvida uma lição da História.
O tráfico de escravos terminou, em meados do século XIX, quando era ainda negócio rentável e por deliberada acção política, guiada pelo iluminismo e pela incipiente opinião pública de então.
Portugal, um dia que decida tomar a sua responsabilidade nesta história, estará em boas condições para recordar que a boa globalização é aquela que é bem supervisionada. E que, hoje como dantes, os dias são sempre de acção e não de contemplação.»
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13.11.18
Regresso
O Rio de Janeiro continua lindo, mas eu não estou lá, já pousei em Lisboa há umas horas.
Dei uma pequena volta por notícias de cá, não estranhei que um senhor de nome Bruno quase tudo domine e que as touradas continuem a gastar teclados. Só não percebo se o dossier Tancos está encerrado, pois já ninguém fala do tema, e parece-me que os afectos e as selfies de Marcelo já tiveram tempos mais espampanantes.
La nave va.
.12.11.18
Rio de Janeiro (2)
Há cidades lindíssimas por esse mundo fora. Com a beleza que a «implantação» do Rio de Janeiro tem, não conheço nenhuma e duvido mesmo que exista. Já tinha subido ao Corcovado e ao Pão de Açúcar, e recordava-me bem da maravilha que entra pelos olhos dentro, mas, ao regressar lá agora, volto a pensar que Deus é mesmo brasileiro e que renunciou ao descanso do sétimo dia para criar esta cidade.
Percorri também muitos bairros por onde nunca tinha passado, mundos variados com vivências e vitalidade próprias. Regresso amanhã à noite a Portugal com a certeza de que os Bolsonaros venceram uma batalha, talvez várias, mas que não ganharão uma guerra que destrua esta gente e este país. Há muita força por aqui e um povo que quer futuro.
11.11.18
Rio de Janeiro
Quando ontem cheguei ao Rio, fui logo almoçar uma bela feijoada no magnífico Café Colombo – uma espécie de Majestic do Porto ou Tortoni de Buenos Aires, em muitíssimo maior. Lindíssimo!
À saída, para ter mesmo consciência da cidade em que estava, assisti a um assalto de esticão. Em certas zonas da cidade, e também aqui em Copacabana, dizem-nos que andemos, se possível, sem nada nas mãos… Mas o ambiente é aparentemente calmíssimo, e festivo como sempre, sobretudo num Sábado sem chuva, que fez os cariocas respirarem de alívio e andarem pelas praias até às tantas da noite.
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