29.4.23

Prédios

 


Edifício Arte Nova, Antuérpia, Bélgica, 1905.
Arquitecto: Guillaume Van Oenen.


Daqui.
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29.04.1945 – As francesas votam pela primeira vez

 


Em França, foi só em 1945 que as mulheres exerceram pela primeira vez o direito de voto. Em eleições municipais, 87 anos depois dos homens.

Em Outubro do mesmo ano, foram 33 as eleitas para a Assembleia Constituinte, num total de 586 deputados. Isto no país que, em 1789, gritou: «Liberé, égalité, fraternité». Foi longo o caminho.

(Note-se que só em 1965 é que as francesas puderam abrir uma conta bancária, ou aceitar um emprego, sem autorização do marido.)




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Galamba

 


Não estava em casa quando o ministro fez a sua comunicação, mas ouvi tudo agora.

Confesso que estou estupefacta. Todo um drama, que até meteu uma bicicleta a partir vidros, agressões que motivaram a ida a um hospital e várias polícias, por causa de umas NOTAS tomadas por alguém numa das reuniões, já de si confusas há semanas.

Fico com três dúvidas e duas certezas:

As dúvidas: 1) Por que motivo apenas uma pessoa terá tomado apontamentos numa reunião, garantidamente importante, ou não haveria todo este drama? 2) Alguém ficou mais esclarecido sobre o tema depois de ouvido o ministro? 3) Costa já chegou ao destino para atender o telemóvel?

As certezas: 1) Isto não se inventa e mostra que já batemos num buraco abaixo do fundo. 2) O povo é sereno e uma maioria esmagadora dos portugueses está a aproveitar o Sol do penúltimo dia de Abril.
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Nuno Brederode Santos

 


Seis anos sem ele. O tempo passa, a saudade não.
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A justiça a fazer figura de recurso

 


«A notícia segundo a qual alguns dos crimes de que José Sócrates estava acusado já começam a prescrever enche-me de esperança. De acordo com o Expresso, o tribunal concedeu ao antigo primeiro-ministro três meses para arguir nulidades e irregularidades numa decisão judicial anterior e mais 120 dias para um eventual recurso. Somados todos esses prazos, quando finalmente estiverem reunidas condições para julgar os alegados crimes, eles já terão prescrito. É frequente ouvirmos a queixa de que já não há políticos que façam sonhar. Não é verdade. Parece-me que José Sócrates continua a ser uma inspiração para todos. Acusado de ilegalidades, Sócrates contrapõe com o escrupuloso cumprimento da legalidade. A sua obsessão com o rigor legal é de tal ordem que o sistema não consegue responder em tempo útil a todas as suas objecções. Às acusações de ilicitude, Sócrates responde com a defesa clássica “quem diz é quem é”, apontando aos seus acusadores os mais reles atropelamentos das regras. E é cada vez mais difícil acreditar que alguém com tamanho amor pela legalidade possa alguma vez ter infringido a lei. Ele apresenta recurso após recurso, evidenciando além do mais uma excelente ironia semântica: recorrer não é correr duas vezes; é andar ainda mais devagar.

Como é evidente, preocupa-me o tempo gasto nestes gigantescos processos que acabam inevitavelmente arquivados, mas creio que não faz sentido continuarmos a queixar-nos da morosidade da Justiça. Está na altura de aceitarmos que o sistema funciona assim: os processos arrastam-se durante décadas, o acusado acaba por não ser julgado, o processo é arquivado pelo neto do magistrado que o instaurou. Não vale a pena tentar mudar o procedimento, que será sempre este. Já percebemos. A única coisa a fazer é admitir que o desfecho é sempre o mesmo, e abreviar. Proponho que, a partir de agora, os arguidos sejam notificados da acusação e também do respectivo arquivamento, dentro de 25 anos. Mas o Ministério Público faz também um cálculo das despesas que o arguido terá com advogados e recursos, nessas duas décadas e meia, e cobra três quartos dessa verba, fazendo um desconto de 25% ao acusado. Toda a gente beneficia. O próprio Código Penal deve ser corrigido. O crime de branqueamento de capitais, por exemplo, passa a ter pena de 15 anos em recursos e adiamentos, remível em multa equivalente a 10 anos de honorários de advogados de grandes escritórios, mais custas judiciais. Em vez de um Código Penal, passamos a ter uma Ementa Penal, com a lista de crimes disponíveis e o preço respectivo. Esta semana, a falsificação de documentos está muito em conta. Vou aproveitar.»

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28.4.23

Prédios

 


Edifício Arte Nova, Saint Gilles, Bruxelas, 1904.
Arquitecto: Benjamin de Lestré de Fabribeckers.


Daqui.
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Vandana Siva

 

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Têm saudades?

 


Então celebrem porque o homem faria hoje 134 anos.

Mas não abusem da liberdade que ele não vos deu, já que se arriscam a não conseguir ficar mais civilizados.
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Feios, arruaceiros e maus

 


Miguel Sousa Tavares no Expresso (excerto):

«O problema secular das democracias é terem de tolerar e de viver com quem não é democrata mas apenas se aproveita das suas liberdades e, na primeira oportunidade, em podendo, trata logo de suprimir a democracia e a liberdade dos outros. Por isso é que só depois de muitos e muitos anos, de várias gerações educadas na cultura democrática, é que começamos a acreditar que ela está consolidada e é imune a crises, a populismos ou a modas. A nossa democracia, que “apenas” tem 50 anos, é um bom exemplo disso, continuando a ser uma democracia em processo de educação colectiva e individual. Portanto, quando todos os anos se pergunta aos portugueses se estão satisfeitos com o 25 de Abril, uma larga franja responde que não, porque confunde a democracia e a liberdade de que goza — a razão primeira do 25 de Abril — com a conjuntura económica ou com o seu bem-estar pessoal, coisas com as quais os portugueses jamais estarão satisfeitos ou acharão que lhes cabe alguma responsabilidade, mesmo após terem recebido 150 mil milhões de euros de ajudas europeias ao longo de 37 anos. Para o português comum, a culpa do nosso crónico atraso é sempre “deles”, enquanto o mérito de vivermos em liberdade é do povo, a quem, segundo Marcelo, pertence o 25 de Abril — muito embora não se consiga escamotear que, se no dia 1 de Maio de 1974 havia 8 milhões de portugueses antifascistas nas ruas, uma semana e todos os anos antes havia não mais do que umas dezenas de milhares de membros activos daquilo a que se chamava a “oposição” ao regime. Mas isso, já se sabe, é História, e a História é uma infatigável lavandaria.

Portanto, os nossos fascistas, de ideo¬logia ou de oportunidade, sempre estiveram aí, dissimulados e contendo o seu despeito em silêncio, até que o Dr. Ventura e as redes sociais, território de eleição dos cobardes, lhes deram o conforto de poderem emergir à luz do dia, sabendo que, afinal, não estavam de todo desamparados. Mas até nisso nós somos pequenos. Eu entrevistei o dirigente regional do VOX em Madrid, nas últimas legislativas espanholas, e assisti ao comício final da campanha do VOX, em que discursaram os principais dirigentes, terminando no líder, Santiago Abascal. E o que vi e ouvi meteu-me medo, coisa que o Chega não mete nenhum. O Chega mete dó e nojo, o VOX mete medo, porque tem um discurso estruturado, duro e impiedoso, assente na História, e um programa de Governo que poderia começar a executar amanhã. Mas do Chega, nem sequer os seus fiéis seguidores, acantonados nas caixas de comentários do “Observador”, são capazes de apontar uma só ideia do que quer que seja em termos programáticos: economia, saúde pública, educação, política externa, segurança social, agricultura, am¬biente. Nada. O Chega, além de estar de serviço permanente ao racismo e ao combate aos imigrantes pobres, não passa de um guarda-nocturno da política: recolhe a cada noite os despojos do dia, para então, vasculhando no caixote do lixo, desencantar qualquer pequeno escândalo ou qualquer causa populista, onde esgota toda a sua forma de estar e de “servir a pátria”.

Eu olhei para aqueles 12 alarves parlamentares, a quem a pátria, um por um, nada conhece de recomendável, entretidos a insultar o Presidente do Brasil, e só não me encolhi de vergonha porque, felizmente, Lula da Silva é bem mais inteligente do que qualquer um deles e percebeu bem que feios, arruaceiros e maus cada país tem os seus e cada democracia tem de tolerar os que tem.

Sendo, porém, inquestionável que, como diz Ventura, eles têm o mesmo direito de se sentar no Parlamento que quaisquer outros deputados eleitos, pergunta-se o que fazer com esta gente sem princípios democráticos nem hábitos de educação. Este é um tema inesgotável, e a solução não é fácil, mas, em princípio, parece-me que a saída não pode ser nem ignorá-los nem dar-lhes palco acriticamente. Por exemplo, quando Ventura cavalga o “escândalo” do perigo de prescrição de alguns dos crimes de que José Sócrates é acusado, como se a responsabilidade disso fosse do Governo ou das manobras dilatórias do acusado, é preciso contar a história toda. Começando por lembrar que Sócrates esteve preso 10 meses para que o Ministério Público investigasse à vontade. Na altura, a tese é que ele traria dinheiro da Suíça para Portugal, levando-o daqui para Paris, onde vivia, em notas acomodadas em caixas de sapatos transportadas de carro pelo seu motorista — uma tese tão anedótica que rapidamente foi esquecida. Depois passou a ser suspeito de corrompido pelas farmacêuticas, a seguir pelo Grupo Lena e pela Venezuela — teses também abandonadas. Veio então a suspeita de corrupção pela PT, activada por um simples depoimento de Paulo Azevedo, não esquecido da nega à OPA da Sonae à PT — mas essa suspeita era contrariada por todos os dados de facto da história e não havia como sustentá-la. E chegou-se enfim ao testemunho salvador de Helder Bataglia, a quem o MP suspendeu o mandado de captura internacional que tinha lançado contra ele por aventuras próprias em troca de ele vir a Lisboa implicar Sócrates como corrompido pelo Grupo BES. E nisto se gastaram cinco anos para deduzir uma acusação com dezenas de milhares de páginas, de caminho ainda cometendo o “deslize” de contrariar a regra do juiz natural para que o processo fosse parar às mãos de quem o MP queria — um “deslize” que Sócrates obviamente explorou, como era seu direito e até seu dever, recorrendo para a Relação, que não lhe deu razão mas não conseguiu demonstrar que ele não a tinha. E quando o processo chega enfim às mãos de outro juiz de instrução e este demora, salvo erro, mais um ano a conseguir digerir os milhares de páginas e todas as questões levantadas, já alguns dos crimes estavam prescritos, e o essencial do que restou Ivo Rosa estilhaçou. E o MP, tal como o arguido, obviamente, recorreu e espera. Mas tudo poderia ter sido diferente se o MP tem seguido as directivas de evitar os megaprocessos e tivesse resistido à tentação de fazer deste o “processo do regime”, metendo tudo lá dentro e passando anos a atirar o barro à parede a ver o que podia colar, em lugar de se concentrar naquilo que achava que tinha pernas para andar e avançar com isso. Não sei se Sócrates quer ou não ser julgado. Mas se acabar por não o ser é uma vergonha para a Justiça, e o responsável é o MP. É função da imprensa contar a verdadeira história e nisto, como no resto, desarmar as falsidades e o populismo fácil do Chega e dos seus seguidores.»
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27.4.23

Portas

 


Portas em Ixelles, Bruxelas, 1898.
Arquitecto: Ernest Blerot.


Daqui.
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26-27.04.1974 – A libertação dos presos de Caxias

 


Seis vídeos, com a libertação dos presos, AQUI. Que a memória se mantenha.
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Saber muito para aprender

 


«O gosto de dividir tudo em dois é bom de mais para deixar aos simplificadores. Dizia Robert Benchley no ano em que nasceu a Amália: “Existem neste mundo duas classes de pessoas: aquelas que estão constantemente a dividir as pessoas em duas classes, e aquelas que não fazem isso”.

Há dois tempos nesta vida: o tempo em que aprendemos com os mais velhos e o tempo em que aprendemos com os mais novos.

Claro que, quando somos crianças, também aprendemos muito com as outras crianças, mas aquilo que se aprende — aquilo que os adultos não nos querem ensinar, como a arte de fazer fisgas — não tende a sobreviver para além da meninice.

Há um nítido período de transição — aí aos 14 anos — em que deixamos de aprender exclusivamente com os mais velhos e começamos a aprender com as pessoas mais ou menos da nossa idade. Ora, isto é muito mais agradável.

Lembro-me do horrível que é aprender com os mais velhos: só porque sabem tudo, têm a mania que sabem tudo.

Ensinam com aquele cansaço de sabichão, fartos de repetir sempre as mesmas cantilenas, e sabendo de antemão que poucos vão reter — e tresler — aquilo que disseram.

A progressão natural é simples: dos mais velhos aos da mesma idade, e dos da mesma idade aos mais novos.

Ainda é mais desagradável aprender com os mais novos, porque também têm a mania que sabem tudo — só que nós, sendo mais velhos e tendo mais experiência, temos a certeza absoluta que não sabem.

Muitos velhos recusam-se a aprender com os jovens porque eles sabem necessariamente pouco. Não interessa. O que interessa é que o pouco que sabem é bom e, mais importante ainda, o pouco que sabem é precisamente aquilo que não sabemos.

Nem temos outra maneira de saber. É que para saber o que os jovens sabem é preciso ser jovem (ter o espírito aberto, estar à procura de coisas novas e boas): ou seja, é preciso saber pouco.

Já para aprender com os jovens é preciso ser velho — e saber muito.

É muito triste não aproveitar.»

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Não fecham os microfones…

 



… e depois dá nisto. 
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26.4.23

Programa de Estabilidade? (Hoje na AR)

 


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Se não sabem portar-se decentemente cá dentro, o que não fariam lá fora

 


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Que papelinho!

 


«Parte da comunicação social brasileira dedicou bastante atenção ao facto de a mulher de Lula da Silva ter ido comprar uma gravata ao seu marido numa loja cara da Avenida da Liberdade. Não é só em Portugal que o jornalismo abandonou a função de hierarquizar informação e se dedicou ao entretenimento.

Como país, devíamos, no entanto, concentrar-nos no que foi relevante na vinda de Lula de Silva: o regresso do Brasil às relações diplomáticas com Portugal e com o mundo. E se nós queremos estar presentes ou nos entretemos com números domésticos. E é por aí que começo.

Sem contar com cimeiras e o funeral da Rainha Isabel II, para fazer um comício de campanha da varanda da embaixada, Jair Bolsonaro veio duas vezes à Europa, em deslocações oficiais: para visitar Vladimir Putin e Viktor Orban. As suas visitas foram ideológicas, à procura de aliados para a sua fação política. Lula da Silva faz visitas de Estado, procurando devolver ao Brasil, uma potência regional, o poder que naturalmente lhe é devido. Tem, como se percebeu em tudo o que foi dizendo sobre a guerra na Ucrânia, uma política externa autónoma.

Esclareceu a sua posição fora e dentro do parlamento. Não é, como alguns tentaram dizer, aliado da Rússia. A canhestra comparação de Lula com Salvini, feita pelo deputado Rui Rocha, é desonesta. É verdade que não tem a mesma posição de Portugal. Não é a primeira vez. Poucos meses depois de tomar posse, realizava-se a Cimeira das Lajes. As posições dos dois países foram opostas. Na altura, era o Brasil que tinha razão. Hoje, é Portugal. Em nenhum dos casos isso perturbou as relações dos dois países.

Augusto Santos Silva fez bem em mostrar que, no que toca aos valores democráticos em cada um dos nossos países, os dois governos estão do mesmo lado. São esses os valores que ontem celebrámos. E que alegria foi ver Chico Buarque a receber o prémio Camões, que Bolsonaro se recusara a entregar, porque os seus inimigos eram inimigos do Brasil, o que fazia de quase todas as grandes figuras da cultura brasileira personae non gratae no seu próprio país. Um momento que torna tão evidente o absurdo dos paralelos entre um Presidente obscurantista e autoritário e outro, que se move segundo códigos em que os democratas se entendem.

Santos Silva também fez bem em não fugir da questão ucraniana, sendo exato na definição da posição brasileira (de condenação da ocupação russa), suficientemente claro naquilo em que há divergência e sublinhando a posição portuguesa. Sem os silêncios em que a nossa política externa é tão pródiga (mas que gostamos de criticar nos outros), manteve intactas as pontes com um país amigo que está tão distante desta guerra como nós estamos da do Sudão. Quem queira acelerar a criação de novos blocos incomunicáveis defenderá outro caminho. Pelo contrário, nunca foi tão necessário ter com quem falar nos BRICs.

Lula visitou os países com quem tem relações económicas mais intensas, como a China. E, nesta matéria, quem entregou todo o seu sistema elétrico ao regime de Pequim ou manteve um silêncio cúmplice em relação á ditadura angolana, por dependência económica, dificilmente pode dar lições a alguém. E visitou os dois países que são a porta de entrada na relação da América Latina com a Europa: Portugal e Espanha. Especialmente relevantes para tentar reanimar a negociação do acordo entre a União Europeia e o Mercosul. Portugal pode decidir ter um papel importante ou deixá-lo para Espanha, com mais poder do que nós na relação com os restantes países do continente.

Tentando aproveitar a existência de uma comunidade de cerca de 400 mil brasileiros em Portugal, André Ventura apelou a que a minoria bolsonarista aqui residente (assim indicam as últimas eleições) engrossasse o que anunciou como “a maior manifestação de sempre contra um dirigente estrangeiro”. Apesar de presenças notáveis, como a de Mário Machado, esteve bem longe dos “milhares” prometidos. Foi um flop.

Falhando fora do Parlamento, tentou lá dentro. Não teve a companhia da IL, que fez de PCP com Zelensky, mostrando que não tem maturidade para estar num governo quando recusa estar presente na receção ao líder de um dos países mais relevantes para Portugal. Mas longe vão os tempos em que não aplaudir um chefe de Estado, como infantilmente fez o Bloco de Esquerda com o rei de Espanha, dava polémica. Desta vez é Luís Montenegro, que quer ser primeiro-ministro, que, sozinho entre os convidados, se manteve sentado e não aplaudiu o fim da intervenção do Presidente do Brasil. No passado, estas posturas, legitimas e educadas, foram polémicas. Hoje não. Nem tema foi. Sinal dos tempos em que o Chega vai puxando as fronteiras para muito mais longe...

Quanto ao Chega, todos viram o espetáculo. Nem sequer foram os cartazes com insultos a um convidado. Foram as pateadas e os bater na bancada, coisa que duvido que alguma vez tenha sido vista num parlamento perante um chefe de Estado, ainda mais de uma democracia, ainda mais de um país com quem temos relações tão próximas. Tenho sido crítico de Augusto Santos Silva (que fez, com Rui Tavares e Marcelo Rebelo de Sousa, a melhor intervenção da sessão do 25 de abril) por alimentar as polémicas com o Chega, numa tática de “macronização” da política nacional. Mas a sua admoestação era o mínimo dos mínimos perante a selvajaria a que assistimos.

Os deputados do Chega não envergonham o País porque não têm estatuto para isso. Naquele dia de festa não envergonha Portugal quem quer. São a versão circense dos que, com mais de aprumo, foram derrotados há 49 anos. Estes reiterados gestos, que num tempo com mínimos de exigência chegariam para levar um partido à insignificância, pretendem degradar a democracia de que são inimigos e que adorariam derrubar como tentaram no Brasil e nos Estados Unidos. Foram a notícia do dia. Nada mais do que isso.

Marcelo tentou explicar a pertinência do convite a Lula da Silva, tendo em conta o bicentenário e a importância da descolonização. Uma boa oportunidade para retirar as celebrações oficiais do sarcófago entediante em que têm estado encerradas. Independentemente do debate sobre o acerto desta sessão, que poderia ter nascido de forma menos atabalhoada, não é a alarvidade de alguns deputados que prova o desacerto. Se o provasse, estaríamos a dar ao Chega o poder de veto a qualquer convidado, cedendo à chantagem da sua falta de urbanidade.

O Chega fez o seu pequeno número e a sua pequena concentração, minúscula ao pé do mar de gente que encheu a Avenida da Liberdade. Não foi, como disse Lula, um papelão. Foi um papelinho tão pequeno e oportunista como as folhas A4 com a bandeira da Ucrânia que exibiram e que, imagino, não levarão para o comício que farão com Matteo Salvini, um putinista de todos os costados. Só a nossa excitação fará dele mais do que isso.» 

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24.4.23

Portas

 


Porta de entrada no prédio 3, praça Rapp, Paris, 1900.
Arquitecto: Jules Lavirotte.

[Informação sobre a porta pelo arquitecto, aqui.]


Daqui.
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Onde estive eu no 25 de Abril?

 


[Retomo um texto, ligeiramente modificado, que já divulguei mais de uma vez. Não perdeu oportunidade.]

Noite cerrada, o telefone a tocar pouco depois das quatro da manhã, alguém que me diz que a tropa está na rua, uns minutos de espera, de ouvido colado a um velho aparelho de rádio, a voz inconfundível de Joaquim Furtado: «Aqui posto de comando do Movimento das Forças Armadas. As Forças Armadas portuguesas apelam a todos os habitantes da cidade de Lisboa no sentido de se recolherem a suas casas, nas quais se devem conservar com a máxima calma.»

No primeiro acto de desobediência a novas autoridades, que ainda nem o eram, saí imediatamente e só regressei a casa na madrugada do dia seguinte. Fui ter com amigos, reunimos máquinas fotográficas, deambulámos de carro e a pé pela cidade – horas e horas primeiro pelas ruas da baixa, depois no Carmo até à rendição de Marcelo.

Pelas 11 da manhã, quando absolutamente nada estava ainda decidido, alguém me tirou esta fotografia, no Largo do Corpo Santo, em Lisboa – guardo-a como a mais preciosa de toda uma vida. Tinha acabado de perguntar àquele soldado, empoleirado no tanque, o que se passaria a seguir. Que não sabia, mas que estava com Salgueiro Maia e que tudo ia correr bem. E eu também não duvidei, nem por um minuto, que sim, que ia acabar o pesadelo em que vivera desde que tinha nascido. Sem me passar pela cabeça temer o que quer que fosse.

Já no Largo do Carmo, a espera, as dúvidas, os boatos, o megafone de Francisco Sousa Tavares – e também os cravos, a Grândola. Pelo meio algumas corridas, evacuação obrigatória do local quando se pensou que o quartel não se renderia a bem, almoço tardio com últimos feijões do fundo de uma panela numa tasca do Largo da Misericórdia, pelo mais total dos acasos na companhia de José Cardoso Pires; um carro estacionado mesmo em frente, com as quatro portas abertas para o que desse e viesse. Regresso ao Carmo, o desenrolar de tudo o que se sabe, o poder que Marcelo Caetano não quis deixar cair na rua antes de sair de chaimite, os gritos sem fim de vitória, que se cravaram na memória e ainda hoje fazem arrepiar. A liberdade, enfim, que nunca se imaginara poder ser tão grande.

Passaram 49 anos. Portugal é hoje, sem qualquer espécie de dúvida, um país melhor do que era naquela quinta-feira de Abril. Mas não é aquilo que sonhámos, não foi por isto que tantos lutaram durante décadas de ditadura, que alguns morreram, não é o que podia e o que devia ser hoje. Falhámos uma oportunidade única, nós que tivemos na mão uma das mais belas revoluções dos tempos modernos.

O mundo está agora mais perigoso, muitos regimes não democráticos estão a tomar as rédeas do poder. Sem sabermos exactamente como, nem muitas vezes com que instrumentos, resta-nos continuar a lutar pelo futuro, com a mesma força com que festejámos a chegada da democracia há quarenta e nove anos.
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Sondagem

 


Ler notícia detalhada AQUI.
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Todos a Belém: estamos prontos

 


«Um esclarecimento prévio aos leitores para que não interpretem mal o título. Não venho, de forma alguma, defender a dissolução do Parlamento, nem acompanhar a claque de Pedro Santana Lopes e muito menos gerar um movimento que lhe faça concorrência. Apenas partilhar reflexão sobre o contexto, os objetivos e possíveis desenvolvimentos políticos associados à romaria que a Direita, incluindo a sua extrema, vem fazendo ao palácio de Belém, gritando "estamos prontos". Este grito significa apenas ânsia desesperada de aceder ao poder. Aos desesperados da Direita não importa se o PSD chega como suporte de uma alternativa, ou se tem de levar consigo o lixo político que nega o regime democrático e renega a Constituição da República. Sobre esta matéria as declarações de Montenegro são meros exercícios de retórica para esconder aquela certeza. Entretanto, o chefe do chiqueiro político, à saída de Belém, assegura: "o presidente da República não será obstáculo a qualquer tipo de participação governamental por parte do Chega". As máquinas da lavagem do personagem vão trabalhando a todo o vapor, com o objetivo de o tornar pessoa respeitável e acomodável numa hipotética maioria de Direita.

Percorrendo as propostas políticas da Direita não se descobre uma, que seja coerente e sustentada, para se criar um perfil da economia que acrescente mais valor no que produzirmos. Todos os dias pregam que tudo pode continuar na mesma, bastando haver "mais crescimento económico". Todavia, sem essa mudança o desenvolvimento é uma miragem. Agarraram-se aos disparates e à prepotência do Governo na gestão da TAP, mas escondem o criminoso processo de privatização que fizeram. E onde se situa a Direita quando se discutem melhorias da qualidade do emprego e de salários? Situa-se no campo oposto a esta demanda, o que significa perpetuar a pobreza e a falta de profissionais qualificados no setor público e em subsetores do privado.

O país tem um Governo com maioria absoluta, o que lhe daria - com um programa consistente e um Governo competente - margem para secundarizar os estados de alma do presidente da República. Mas, o Partido Socialista não conseguiu tratar a ressaca da maioria absoluta e o seu Governo tem fraca qualidade e plena ausência de brilho. Isso tem facilitado condições de manobra a Marcelo Rebelo de Sousa, que conseguiu fazer com que o primeiro-ministro pareça um aluno carente, em permanente estado de necessidade da confirmação do seu talento por parte do professor. Para alimentar essa carência, o professor ora o aplaude, ora lhe dá reprimendas.

Refém nesse enredo, António Costa é mais um ministro a "dizer coisas", dia após dia, muitas vezes sem aprofundamento, e até com pouco rigor. Daí resultam parcas respostas aos problemas com que as pessoas se debatem e quase nada para as transformações de que o país precisa.

O primeiro-ministro não pode andar a mudar de agulha de um dia para o outro manipulando fundamentações. Isso corrói a sua credibilidade e impede-o de valorizar decisões com significado para as pessoas, como o recente aumento das pensões. A viragem necessária exige muito mais que a distribuição de uns trocos vindos das folgas orçamentais. Os problemas dos portugueses não se resolvem com decisões políticas de ocasião ditadas por marketing eleitoral, mas sim com políticas estruturadas e objetivos estratégicos.»

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23.4.23

CES: um depoimento

 


«Em 1980, tinha eu ainda 25 anos, juntei-me aos que tinham criado a Revista Crítica de Ciências Sociais e estavam a preparar o seu 4.º número (o último, publicado em Dezembro passado, é o 129.º). O Centro de Estudos Sociais era apenas a entidade legal titular da revista. Formávamos um grupo pequeno, diverso, frontal e coeso, na larga maioria assistentes que estavam a iniciar as suas investigações. Sim, é verdade, muitas instituições deste país partiram de gente nova e de fortes relações intergeracionais. Foi a partir daí que se desenvolveu o centro em que o CES se tornou, diretamente relacionado com a Universidade de Coimbra, com os objetivos da política pública de ciência e com a finalidade de superar a incipiente capacidade de organização da investigação então existente.

Ao tornar-se grande, o CES acolheu muita coisa: boas e más dinâmicas e iniciativas, uma forte diversidade e pluralidade; fez-se um lugar onde se usa a voz, o confronto e a controvérsia e onde, como em qualquer instituição, se formam culturas dominantes e dominadoras e se geram lealdades e dissonâncias (estou a citar Albert Hirschman, o grande economista que teorizou as noções de exit, voice and loyalty). Há circunstâncias, e o CES representa-as, em que não se opta apenas por uma destas ações, porque elas têm de se usar em conjunto e em simultâneo. Não me interessa saber quem só usou uma ou as usou todas. É o momento de afirmar que as três existiram, através de quem ocupava tempos e posições muito distintas, fossem quais fossem as prevalecentes, entre dissonância, voz ou lealdade. E é o momento de fazer um convite.

Não recuso e defendo desde há muito que as relações assimétricas de poder foram demasiadas e que, alimentada de muitas formas (não só de uma), uma cultura institucional se tornou dominante, gerando proximidades e afastamentos, institucionalidades e não institucionalidades. Este é um ponto incontornável. Mas dominante é uma coisa, única ou mesmo maioritária é outra. Convido todos os que querem opinar sobre o CES enquanto centro de investigação que analisem as culturas teóricas, epistemológicas, políticas e estéticas que ali encontram. Vejam quantas são, somem-nas e apurem maiorias ou minorias.

Convido especialmente os que usam a sua ignorância ciclópica, em vez de um conhecimento que não procuraram, para opinar grosseiramente. Vejam o que fazem os que são especialistas de arquitetura e urbanismo, de relações internacionais, de economia política, de diferentes ramos da sociologia, de estudos literários, de antropologia e de psicologia, porque tudo isto existe no CES. Vejam quantos júris internacionais aprovaram projetos, em grandes concursos europeus e nacionais e quem avaliou o centro. Vejam e vejam o que está muito para lá dos esquemas apressados que alguns usam. Esquemas onde parece que só há gente pequena, submissa; seguidores e acéfalos. E dominadores e vítimas. A linearidade com que se olha para trás não é igual à complexidade de cada momento. Verão que, ao contrário do que aqui escreveu Filipe Carreira da Silva, num artigo sério, mas não necessariamente certeiro, não é uma pirâmide, uma única pirâmide, que lá encontram. Como é próprio dos ambientes científicos, é um arquipélago, ilhas com diferentes relevos, onde umas vezes ocorrem ligações e noutras se acentuam distâncias. Houve sempre uma “conflitualidade interna” nas ciências sociais, escreveu há décadas Adérito Sedas Nunes. Quem quer opinar, tenha a humildade de se informar.

O lugar de Boaventura de Sousa Santos no CES, na academia e na história que agora está a decorrer sob os nossos olhos é o que ele próprio criou. Pelo bem ou pelo mal. Pelo que demonstrou e pelo que, espera-se, demonstrará, ao falar. Há questões e processos que o transcenderão porque estão na praça pública como ele próprio sempre esteve. São dificilmente sindicáveis. Deixarão o seu rasto. Mas há outros, que constituem acusações, que são também incontornáveis e que são sindicáveis. Há factos que se apurarão e que valerão pelo resultado que um apuramento rigoroso alcançar, seja ele qual for. Nada poderá converter-se em pó. Não serão adaptáveis ao que uns desejem ou ao que outros queiram. Sou amigo de Boaventura de Sousa Santos há quase 50 anos, desde que em 1973 fui seu aluno nas primeiras aulas para os primeiros alunos da Faculdade de Economia. Não renego as amizades porque isso seria renegar a vida. Tal como os sérios episódios que hoje se discutem, a vida toma-se inteira. É essa a prioridade e a urgência.

Tenho a convicção profunda de que o CES é uma instituição capaz de encarar de modo frontal a grave situação que vive, reconhecer e corrigir erros, promover a investigação correta dos factos, honrar as vítimas, punir quem tenha falhado e prevenir solidamente más práticas; dirigir-se e organizar-se de forma capaz e irrepreensivelmente saudável; demonstrar a sua condição de instituição sólida, plural e dotada de espírito crítico. Há cinzas e destroços que não podem deixar de entrar na nova vida, mas é sobre as várias paredes sólidas que sempre formaram o CES que essa vida se reformula.

Este texto podia ter sido escrito há dias. Mas há momentos traumáticos que, causando choque, dor e paralisia, redefinem as prioridades. Escrevo-o hoje e creio que vai a tempo.»

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