27.5.23

Prédios

 


Prédio de apartamentos, Tournai, Bélgica, 1903.
Arquitecto: Georges De Porre.


Daqui.
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Com Mariana Mortágua, vai ser assim

 




Fica também a intervenção de Catarina Martins, no início da Convenção:


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Estes não foram hoje à Feira do Livro

 

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Quod erat demonstrandum

 

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Desigualdades salariais excessivas são antidemocráticas

 


«Níveis excessivos de desigualdades salariais criam situações de injustiça relativa entre os cidadãos e são negativos para a coesão social, estando muitas vezes associados à emergência de movimentos populistas, para além de afetarem a sustentabilidade da nossa economia, comprometendo os níveis de consumo privado e reduzindo o dinamismo do mercado.”

Este parágrafo é retirado do programa do Governo e ganhou pertinência redobrada com os dados revelados por uma análise feita pelo Expresso que revelou que, nos últimos dez anos, o vencimento médio bruto anual dos trabalhadores recuou 0,7%. No entanto, os presidentes executivos das empresas cotadas no Índice PSI viram as suas remunerações aumentar 47%, num pay gap excessivo que o programa governamental, suportado em ampla e boa evidência, associa à erosão democrática.

A desigualdade económica afeta a qualidade dos regimes democráticos a vários níveis. Por um lado, cria ressentimento entre classes sociais, fomentando a desagregação social e contribuindo para a polarização tóxica, um fator decisivo do discurso antielites, próprio de líderes e regimes populistas. Por outro, como demonstram estudos feitos nos Estados Unidos, a falta de recursos económicos coloca em causa a própria participação democrática. Pessoas com mais recursos económicos tendem a ser mais ativas no campo político, inclusive eleitoralmente, sendo os números da abstenção significativamente mais altos nas classes com rendimentos baixos.

Este fenómeno distorce a representação democrática pois certos grupos alcançam uma representação política desproporcional à que seria expetável face à sua representatividade meramente quantitativa. É por isso que países como a Austrália instituíram o voto obrigatório, pretendendo com o mesmo combater o potencial oligárquico que a captura das democracias liberais por grupos economicamente mais poderosos representa.

Nas vésperas de comemorarmos os 50 anos do 25 de Abril, apresentando Portugal dos valores mais elevados da União Europeia em termos de abstenção eleitoral e desigualdade económica (índice de Gini), estes dados devem suscitar séria reflexão. Em 2019, o senador Bernie Sanders apresentou uma proposta para taxar os rendimentos excessivos de CEO (Tax Excessive CEO Pay Act). Esta iniciativa legislativa visa um incremento no imposto sobre as empresas, proporcional à disparidade salarial entre os administradores e os trabalhadores, calibrado em função de diversos fatores. Algumas cidades nos Estados Unidos já implementaram esquemas fiscais semelhantes.

Outras iniciativas passam por impor às empresas deveres de transparência sobre as remunerações dos administradores e dos trabalhadores, permitindo um escrutínio público facilitado sobre diferenças salariais e excessos remuneratórios. Estudos empíricos demonstram que esta informação pode ser bastante penalizadora para a reputação de empresas que operam em mercados altamente concorrenciais.

Uma proposta de alteração recente ao Código das Sociedades Comerciais da África do Sul visa precisamente aumentar a transparência sobre as remunerações praticadas nas grandes empresas. A África do Sul é o sétimo país do mundo com salários mais altos de CEO, apesar de ser um dos países com maiores níveis de desigualdade.

Por esse motivo, as remunerações excessivas constituem um motivo de grande preocupação, pretendendo o legislador introduzir a obrigação de divulgação de remuneração média e o rácio entre a remuneração total dos 5% de trabalhadores mais bem pagos e a remuneração total dos 5% de trabalhadores menos bem pagos da empresa, para além da divulgação de informações sobre a remuneração dos administradores.

Criar riqueza e concentrá-la nos percentis mais altos dos titulares de rendimentos, enquanto o resto da população empobrece, prejudica a democracia. A experiência comparada mostra-nos que os poderes públicos não têm de se limitar a uma atitude de resignação. Seja pela via fiscal, ou pela via da transparência remuneratória, há caminhos democráticos possíveis.»

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26.5.23

Copos

 


Copo grande com pé em esmaltes transparentes, Museu d’Orsay, Paris, 1892.
André Fernand Thesmar.

Daqui.
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Francisco Louçã

 


Uma longa entrevista que merece leitura:

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Um país com este tipo de problemas tem a obrigação de se sentir feliz

 


«Uma das curiosas dúvidas que a administração fiscal sentiu necessidade de esclarecer tem que ver com a taxa a aplicar à meloa e à melancia. Nenhuma das frutas está na lista dos 46 tipos de bens abrangidos pela isenção, mas a verdade é que os supermercados e lojas podem aplicar o IVA de 0% à meloa mas não à melancia, que continua a ter de ser vendida com o IVA de 6%.

Mas se ambas não estão na lista, o que explica a existência de um tratamento fiscal distinto? A resposta está na lei e é simples.

Comecemos pela melancia: não está isenta simplesmente porque “não se encontra elencada na Lei n.º 17/2023, de 14 de Abril”.

Já a meloa beneficia da isenção porque o cabaz dos 46 tipos de bens abarca o melão. E a meloa, “sendo uma variedade de melão, caracterizada pela sua forma arredondada, beneficia” da mesma regra.»

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Justiça para Vladimir Pliassov

 


«Era suposto que o corajoso artigo de Carmo Afonso que denunciava uma suposta “russofobia” em Portugal a propósito da expulsão de Vladimir Pliassov da Universidade de Coimbra suscitasse um coro geral de indignação. O país, entretido com os telefonemas de João Galamba ou as alegadas bofetadas de Frederico Pinheiro, preferiu passar ao lado de uma das mais bárbaras agressões aos direitos fundamentais em Portugal em muitos anos. É disso que se trata: ou o reitor de Coimbra nos oferece factos para justificar a demissão de Pliassov, ou a sua universidade renega a sua vocação humanista e converte-se num farol da justiça popular.

Já seria discutível que Pliassov, nascido na Rússia, cidadão português desde 2020, ligado a Coimbra durante 35 anos e a dar graciosamente aulas de língua e cultura russas, fosse expulso por delito de opinião. O problema é que esse presumível delito de fazer propaganda em favor de Putin não reúne qualquer tipo de provas. A “gravidade da situação” que levou o reitor Amílcar Falcão a despedi-lo inspira-se num artigo no Jornal de Proença assinado por dois “activistas” ucranianos.

Pliassov, ao contrário do que defendem a decência e o direito, não teve sequer direito de defesa. Bastou o artigo, um comentário de José Milhazes na televisão e a republicação no Observador para que uma universidade desse a sua investigação por concluída e passasse num ápice a acusar e a condenar liminarmente. Se Vladimir Pliassov fosse um português sem nome russo, seria sujeito a este processo sumário?

O caso torna-se ainda mais indigno depois de o PÚBLICO ter ouvido vários estudantes e todos terem confirmado que Pliassov não fez nada daquilo de que foi acusado. Ou depois de um artigo por ele assinado pedir para lhe ser concedido o elementar direito de defesa. Do lado da reitoria, fez-se silêncio. O silêncio com que se cobre a indignidade.

O que se passou é um ataque aos nossos valores, um insulto à democracia e ao estado de direito. Um crime, portanto, sustentado numa denúncia e baseado na distribuição de fitas ou na bibliografia de autores simpáticos a Putin – haverá censura por lá de Céline, de Nabokov, ou de Gorki, escritores dados a companhias pouco recomendáveis?

Está na hora de Coimbra assumir o que sempre foi na cultura portuguesa: um farol. Têm a palavra o reitor, os professores e também os alunos. Condenar para agradar à manada é o prelúdio dos totalitarismos. Ficar calado quando se suspeita de um crime contra um homem é cumplicidade e renúncia. Se, perante uma injustiça bárbara, a universidade se aninha, o país deve protestar. A agressão aos direitos de Vladimir Pliassov é um atentado contra todos. Não pode ficar incólume.»

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25.5.23

Tina Turner

 

Grande imagem!
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José Mário Branco

 


Seriam 81 e nunca o esqueceremos.
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Benfica vs Feira do Livro

 


Reina a indignação porque, no sábado, a FdoL vai fechar umas horas mais cedo por causa da esperada multidão de benfiquistas que festejará a vitória do clube, como habitualmente, nas imediações do recinto da Feira.

Não sei se algum leitor, ávido de comprar cultura, deixará de o fazer nas centenas de horas que terá à disposição. Não creio. Só posso portanto imaginar que se esperasse que um simples pedido no Estádio levasse muitos, muitos milhares de pessoas a regressarem a casa, ao nonagésimo minutos de jogo mais descontos, ou que a polícia de choque vedasse dois terços da cidade para que apenas um acesso à Feira fosse possível.

Em que país julgam viver? Num paraíso de intelectuais? Ou na Coreia do Norte?
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A sobrevida dos condes de Ferreira & C.ª

 


«No quadro da exposição Vento (A)mar, os artistas Dori Nigro e Paulo Pinto apresentaram a instalação Adoçar a Alma para o Inferno III que discute o passado escravocrata do conde de Ferreira e que, por isso mesmo, viram a sua exposição censurada pelo Centro Hospitalar do Conde de Ferreira, tutelado pela Santa Casa da Misericórdia do Porto (SCMP). Foi através do dinheiro sujo do tráfico esclavagista, à custa da vida de cerca de 10 mil pessoas negras, que se construiu o Hospital do Conde de Ferreira, 120 escolas primárias e que foram apoiadas inúmeras obras sociais, como as Misericórdias. Não tendo demonstrado em vida ser um homem de “causas sociais”, Joaquim Ferreira dos Santos ter-se-á dedicado às mesmas, postumamente, com o objetivo de limpar o seu nome que, com a abolição, ficara publicamente manchado, como muitos dos que enriqueceram com o tráfico. Nada que trabalhos como Conde de Ferreira & C.ª, de José Capela, já não nos tivessem mostrado há vários anos ou que projetos recentes como Joaquim – O Conde de Ferreira e Seu Legado, de Nuno Coelho, não discutam.

Ora, no que aos dias de hoje diz respeito, é grave que o conde de Ferreira continue a ser apresentado como um benfeitor, glorificado na estatuária, na toponímia e noutros meios de memorialização. É inadmissível que hoje se beneficie desses equipamentos e serviços e se continue a fazer de conta que não se sabe das origens escravocratas da sua “caridade”. E o que é mais grave ainda é que instituições como o referido centro hospitalar se sintam à vontade para censurar trabalhos artísticos que colocam essas continuidades coloniais a nu. Esperemos que a instituição recue e se demarque rapidamente da decisão do seu administrador e do seu diretor clínico – Ângelo Duarte e Nuno Trovão –, peça publicamente desculpa e se posicione do lado certo da história, reabra o acesso à instalação e inscreva de uma vez por todas na sua “memorália” o envolvimento escravocrata do seu patrono. Esperemos também que a Câmara Municipal do Porto, a Direção-Geral das Artes e outras instituições com responsabilidades não fiquem em silêncio. Ou será pedir muito ao país da vocação para o diálogo entre os povos?

Este caso remete-nos para a necessidade de olhar o racismo não só como algo que violenta pessoas racializadas, mas também enquanto relação que beneficia pessoas brancas, no passado e no presente, isto é, enquanto “privilégio branco”. São poucos aqueles que vão rompendo este silêncio. Alguns, corajosamente, expuseram as origens escravocratas da fortuna das suas famílias, como é o caso de Francisco Sousa, que se considera um “afro-beneficiário”, ou de Catarina Demony, jornalista que realizou recentemente o documentário Debaixo do Tapete. Há também quem, como o meu colega e amigo Pedro Varela, investigue as origens escravocratas e coloniais das fortunas de grupos poderosos, como a família Ulrich ou o empresário, apoiante do partido Chega, João Maria Bravo. Aline de Biase Albuquerque, por sua vez, tem estudado o caso de Ângelo Francisco Carneiro, que, de traficante de pessoas escravizadas, passou a visconde de Loures. O seu palacete em Loures é hoje a morada do Grémio Literário.

Este é um debate melindroso para famílias e grupos com responsabilidade no tráfico transatlântico de pessoas escravizadas, não só pela nódoa simbólica, mas por poder vir a “despertar” maior contundência nas reivindicações por reparações materiais. Se há quem se sinta incomodado e critique um suposto desvio “subjetivo” da luta antirracista, eis que tem aqui a oportunidade de mergulhar na “objetividade” das continuidades coloniais em Portugal. Não é?»

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24.5.23

Casas

 


Casa Berenguer (ou Casa Casimir Clapés), Barcelona, 1907-1908.
Arquitectos: Bonaventura Bassegoda e Joaquim Bassegoda i Amigo.


Daqui.
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Georges Moustaki

 


Nasceu em Alexandria, de pais judeus gregos, e morreu em Nice, com 79 anos, em 23 de Maio de 2013.

Em 1951 foi para Paris, trabalhou primeiro como jornalista, mas foi como barman que entrou no mundo da música, onde personalidades como Georges Brassens o influenciaram. Para Édith Piaf escreveu Milord e com ela viveu um curto romance. «Brassens était mon maître, Piaf était ma maîtresse» - terá um dia sintetizado.

Alguns vídeos AQUI.
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Vasco Pulido Valente, Público, 24.05.2013

 


Exactamente há 10 anos. VPV, tão apreciado por alguns fãs actuais de Cavaco:

«Sozinho, completamente sozinho, o dr. Cavaco Silva conseguiu arruinar a Presidência da República. A Presidência da República não tem hoje autoridade, influência ou prestígio.»
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A Europa e os seus Morgados capados

 


«O ano era 1982 e a protagonista Natália Correia. Na Assembleia da República, debatia-se a despenalização do aborto – oito anos depois da Revolução de Abril e uns estonteantes 25 anos antes de a lei vir a tomar forma. João Morgado, então deputado pelo CDS, defendia que “o ato sexual é para ter filhos”. Ora, à data, João Morgado tinha apenas um filho... O resto é poema.

Os últimos meses têm vindo a evidenciar as falhas profundas na aplicação da lei de acesso à Interrupção Voluntária da Gravidez em Portugal, notícias que muito pouco surpreendem as organizações de mulheres. As barreiras são por demais conhecidas, para quem as quiser ver: desde logo, o período de reflexão obrigatório, moralizante e infantilizante, cujos efeitos práticos são frequentemente catastróficos quando potenciados pela incapacidade de resposta de um Serviço Nacional de Saúde constantemente minado pelo negócio privado, estrangulado pelos interesses corporativos e cronicamente subfinanciado.

Só entre 2009 e 2023, sete hospitais deixaram de realizar o procedimento, totalizando 13 num universo de 44 estabelecimentos oficialmente reconhecidos para a realização da IVG. Sobre isto, nem o Governo nem a Direção-Geral da Saúde parecem ter grandes respostas ou avaliações, mas o consenso informal coloca as responsabilidades no apelo à objeção de consciência por parte de médicos e enfermeiros. A tudo isto acresce o encerramento ou condicionamento dos blocos e urgências de ginecologia-obstetrícia, pois é prática hospitalar que os cuidados de saúde primários encaminhem uma mulher que deseje aceder à IVG para estes serviços. Um caldeirão borbulhante de condicionalismos, obstáculos e violências: ao dia de hoje, um em cada três hospitais do SNS não realiza o procedimento. Que direito é esse, afinal, que só funciona em dois terços dos casos? Itália foi condenada por menos.

Portugal não é caso único, ainda que o limite das dez semanas portuguesas se mantenha até hoje como um dos mais curtos e restritivos períodos de acesso ao aborto, nos países em que este é despenalizado. Aliás, o que verificamos ao nível europeu, mais do que uma estagnação, é uma ofensiva coordenada e premeditada contra a saúde e os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres e das raparigas.

As alianças formais estabelecidas em diversas ocasiões entre as diferentes correntes religiosas ao longo dos anos 2000 consolidam a frente anti-escolha, agora reclamada pela extrema-direita, grupos masculinistas e movimentos populistas. No continente, o acesso ao aborto é totalmente ilegal em Malta, Andorra e no Liechtenstein. Em Malta, no verão do ano passado, a turista americana Andrea Prudente sofreu um aborto espontâneo incompleto, durante as férias que desfrutava no país. Os médicos que receberam Andrea no hospital informaram-na de que não havia qualquer hipótese de salvar o bebé e de que a sua vida corria perigo. Ainda assim, como o aborto é proibido em qualquer circunstância e o coração do feto ainda batia, a equipa médica recusou-se a tratá-la. Andrea foi transportada para Espanha e sobreviveu, ao contrário de Mariem, jovem marroquina de 14 anos. Escondida e sozinha na casa do homem que a explorava sexualmente, Mariem perdeu a vida às mãos de um aborto clandestino em Marrocos – outro país onde o acesso ao procedimento é ilegal em quase todas as circunstâncias.

Na Polónia e na Hungria, a influente retórica da Igreja Católica efetivamente barrou o acesso ao procedimento – afinal, não esquecemos que a primeira Via Sacra do Papa Francisco foi dedicada a denunciar o aborto como prática criminosa e assassina. Um pouco por toda a Europa o cenário repete-se, os direitos recuam e as mulheres resistem.

Os obstáculos à autonomia sexual e reprodutiva das mulheres e das raparigas são uma expressão atroz da discriminação com base no sexo, estrutural e institucionalizada, que edifica nações e da qual depende o sistema que nos subjuga. O aborto, tal como a pílula e os demais métodos contracetivos são ameaças titânicas para a sobrevivência da ordem vigente, pois é na autonomia sobre os nossos corpos e as nossas vidas que reside o âmago da nossa emancipação. Assim, permanecemos vigilantes.

A ofensiva está aí, na forma de Morgados capados. A história os recordará como recorda o seu homónimo: uma nota de rodapé nos anais do movimento histórico das mulheres.»

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23.5.23

Jarras

 


Jarra Sophora em vidro âmbar moldado prensado, fosco e brilhante, 1926.
René Lalique.


Daqui.
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23.05.1934 - Bonnie & Clyde

 


Bonnie Parker e Clyde Barrow morreram há 89 anos. Ela tinha apenas 23 anos, ele 25, mas, apesar de curtas, as suas vidas foram atribuladíssimas, recheadas de assaltos e assassinatos, até que eles próprios foram abatidos numa emboscada, numa estrada deserta, algures no estado da Louisiana – cravados de balas, cerca de cinquenta para cada um, segundo consta. 



Ficaram imortalizados no imaginário da história do crime norte-americano como Bonnie & Clyde e foram trazidos para o nosso por um magnífico filme de Arthur Penn (1967), com «som» de Serge Gainsbourg, e, também, por uma inesquecível balada cantada por Giorgie Fame. 




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Eduarda Dionísio

 


Tudo sobre esta mulher fora de série está a ser dito por muitos.

Eu guardei para sempre a imagem da Eduarda, era ela talvez mais jovem do que nesta fotografia, no «Anfitrião» de António José da Silva, interpretado pelo Grupo de Teatro da Faculdade de Letras no Teatro da Feira Popular – em 1969, se a memória não me trai. Com Luís Miguel Cintra, Jorge Silva Melo e alguns outros, foi uma verdadeira pedrada no charco. Gente grande, gente boa – como o futuro veio a confirmar.
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A economia das pessoas

 


«Paolo Gentiloni, comissário europeu da Economia, veio a Lisboa, na última sexta-feira, e disse que há margem para aumentar os salários em Portugal. A afirmação não deixa de ser surpreendente e quase passou despercebida. Muitos terão pensado que foi um lapso.

Os números relativos ao PIB, ao défice e à dívida pública estão excelentes. Infelizmente, a vida das pessoas está bem pior. Desçamos ao país real. Imaginemos uma dona de um pequeno restaurante no interior do país. A história é real. No espaço de poucos meses, o cabaz de compras para confecionar os pratos que estão no menu encareceu mil euros. "Até durmo mal a pensar que vou à falência. Eu não posso duplicar os preços, se não fico sem clientes". Apliquemos este caso aos quase 37 mil restaurantes e cafés (muitos servem refeições) espalhados pelo país. O rendimento destas famílias terá caído a pique. Não dependem do Estado ou do patrão (eles é que são os donos) para que os seus proventos aumentem e, logo, possam fazer face à inflação.

Atentemos então nos milhões de clientes destes negócios da restauração. Se são trabalhadores independentes, estarão também a enfrentar agravamentos de custos. Se quem se senta à mesa é um trabalhador por conta de outrem (Estado ou privados), o problema é igualmente sério. Segundo o INE, a remuneração bruta média por trabalhador cresceu 3,6% no ano passado, em comparação com o ano anterior, tendo atingido 1411 euros. No entanto, devido aos quase 8% da inflação, o salário encolheu cerca de 4%.

De quem é a culpa de todo este espartilho? Do Estado e dos próprios empresários, por esta ordem de importância. Porquê? Se a carga fiscal baixasse - Portugal é dos países que mais penalizam o trabalho -, o empregado teria mais dinheiro disponível. Quanto ao empresário, quando a ganância é grande ou a crise eleva os seus custos, o capital humano é a vítima mais fácil no conjunto dos múltiplos fatores de produção.»

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22.5.23

Candeeiros

 


Candeeiro meia lua, cerca de 1930.

Daqui.
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Júlio Pomar

 


Deixou-nos ele, há cinco anos, mas não as suas pegadas inesquecíveis.
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Charles Aznavour

 



Seriam 99.
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- Está lá, dr. Cavaco?

 


- É só para dizer que escusa de estar preocupado, a gente amanha-se. E calce as pantufas que as noites estão frescotas.
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Marcelo e Costa: engulam o orgulho e cumpram as vossas funções

 


«Marcelo Rebelo de Sousa convocou os jornalistas para o que não era uma conferência de imprensa, desconvocou-os por não ter agenda, e, a essa mesma hora, passeou à frente do Palácio de Belém para lhes dizer que nada tinha para dizer que não tivesse dito antes. Se não nos tivéssemos habituado a situações caricatas este episódio seria motivo de galhofa durante dias. A falta de aprumo institucional tornou-se corriqueira. E, ao pé do que aconteceu no Ministério das Infraestruturas, até parece normal.

Claro que António Costa tem direito à sua vida privada e familiar. Mas é impossível não lhe ter ocorrido que, num momento em que o confronto semiótico entre o Presidente e o primeiro-ministro está ao rubro, dançar ao som dos Coldplay enquanto o ministro mais periclitante – que pode fazer cair um governo – era grelhado numa Comissão Parlamentar de Inquérito podia passar uma imagem de displicência, não de serenidade.

Neste momento, as duas principais figuras políticas nacionais estão a jogar poker aberto. E nenhum deles tem grande jogo. Não há qualquer pessoa no país que não perceba o que estão a fazer e, num momento em que o povo vive sérias dificuldades, essa perceção degrada ainda mais a confiança na política e nas instituições. É urgente que primeiro-ministro e Presidente da República esqueçam todas as jogadas anteriores e as que já tenham pensado para a frente. Que esqueçam as humilhações e os truques. Que se voltem a concentrar nas suas verdadeiras funções.

Seria excelente que Marcelo desarmasse a armadilha da dissolução. Se a tiver de usar, ela continua disponível. Mas mantê-la a pairar enfraquece-o mais a ele do que ao governo. Enviar recados, vindo de si ou de quem abusivamente fala em seu nome, de que fará cair Costa se este recuar e demitir João Galamba apenas serve para apodrecer ainda mais o ambiente político. Demitido agora ou mais tarde, este é um poder que é mesmo exclusivo do primeiro-ministro. Assumir isto implica o Presidente da República aceitar a derrota simbólica que infligiu a si mesmo quando abusou da ameaça dissolução para manter um governo sob tutela.

Costa deve aceitar que se o ministro das Infraestruturas não tem condições políticas para desempenhar as suas funções e deve ser demitido pelo menos fim da CPI, momento em que tiraria todas as conclusões, segundo disse. Independentemente daquilo em que cada um acredite, quem foi incapaz de gerir uma crise num gabinete e, tendo a iniciativa de despejar tudo na praça pública, a transformou numa crise política não pode gerir um ministério com esta sensibilidade. Ainda mais depois de ter envolvido o SIS e, com ele, meio governo. Isto implica o primeiro-ministro aceitar que o Presidente tinha, no que a este caso diz respeito, toda a razão. E que dar-lhe razão nisto não é dar-lhe o poder de demitir ministros.

O problema de Marcelo parece ser a pressão dos setores mais excitados da direita, regularmente representados pelos discursos ressentidos de Cavaco Silva – até falou da falta de respeito pela oposição, assunto em que a sua autoridade é menos do que nula. Se o ex-presidente quis pressionar e menorizar o seu sucessor, que conseguiu uma reeleição bem mais folgada do que a sua e níveis popularidade e abrangência com que Cavaco Silva nunca sonhou em Belém, o resultado foi outro: fazer parecer Luís Montenegro, para quem até guardou elogios, um líder fraco. As aparições do líder do PSD não são semestrais. E ninguém pode liderar a oposição pedindo diariamente uma demissão do governo. Ainda mais quando sabe que ela não irá acontecer. Cavaco foi a um encontro de autarcas sublinhar o que boa parte da direita vê como tibieza. E, de caminho, teve o efeito que tem sempre que abre a boca: deu alguma coesão a uma esquerda desmoralizada.

Voltando aos atores relevantes, e Cavaco Silva não o é há muitos anos, não sabemos o que acontecerá no futuro próximo porque eles próprios não o sabem. António Costa não sabe se ida a de Pedro Nuno Santos à CPI fará esquecer episódio de João Galamba e se o atual ministro, a que se agrilhoou, lhe reserva mais surpresas. Marcelo Rebelo de Sousa não sabe se a recuperação económica será suficiente para cobrir as perdas da inflação e do aumento das taxas de juro, a ponto disso se traduzir em alguma recuperação de votos para o PS. Saberá apenas que, chegados às eleições europeias, com uma abstenção enorme, corre o risco de ter o Chega com uma percentagem assustadora e, a partir daí, não poderá dissolver o parlamento.

Por mim, só sei uma coisa: enquanto debatem estes episódios e não o estado do SNS, a crise habitação ou a recuperação salarial, o PSD não ganha um voto. Se tivesse alguma coisa diferente para propor sobre estes temas ganharia em fazer deles assunto. É o que afeta a vidas concretas que levam as pessoas a querer mudar de governo. Assim como são eles que fazem os partidos à esquerda do PS roubar votos aos socialistas. Com a estas novelas, só ganha o Chega. A degradação das instituições faz Ventura parecer um político comum.

Cavaco Silva pode gritar o seu ressentimento tantas vezes como as que lhe ponham um microfone à frente. O fim desta crise artificial, divorciada da verdadeira crise que afeta os portugueses, está nas mãos dos dois principais atores políticos. O que temos de lhes explicar é que, neste tempo difícil, não precisamos de dois jogadores orgulhosos. Precisamos de dois homens de Estado.

O primeiro-ministro deve assumir que um ministro que perdeu as condições para o ser não as passa a ter só porque demiti-lo parece uma cedência ao Presidente. O Presidente deve assumir que a estabilidade política que nos prometeu não deixa de ser um objetivo só porque parte da direita a considera sinal de fraqueza. Pode fazer oposição, como fez Eanes a Soares, Soares a Cavaco e Cavaco a Costa. Não deve fazer do poder de dissolução o alfa e o ómega da política nacional. Se os dois fecharem esta novela com as decisões sensatas que já deviam ter tomado, os discursos invariavelmente raivosos de Cavaco valerão o que sempre valeram desde que saiu de Belém.»

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21.5.23

Casas

 


Casa Gazzoni, Milão, 1904-1905.
Arquitecto: Giovanni Battista Bossi.
Trabalho de ferro forjado de Alessandro Mazzucotelli.


Daqui.
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João Bénard da Costa

 


O João morreu há catorze anos. Foi anteontem.
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E porque hoje é domingo

 


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O estado a que o Estado chegou

 


«No meio da algazarra instalada e que nos é servida, em palpitantes fascículos, por cada sessão da comissão parlamentar relativa à TAP, torna-se difícil fixar a atenção nos verdadeiros assuntos de Estado. A atenção disponível tende a ser monopolizada pelos episódios mais suculentos, que revelam, sobretudo, o estado a que o Estado chegou. O grotesco usa ser atraente.

O envolvimento de personagens reais, vulgo respeitáveis políticos e seus gabinetes, adjuntos proscritos e ministros contactados de urgência noite dentro, mais um sortido inabitual de polícias e secretas mobilizadas a partir do topo das suas hierarquias, são condimentos que tornam a coisa muito picante e, por essa via, verdadeiramente irresistível. Mas estes segmentos mais divertidos e o impacto lúdico que geram não retiram a enorme gravidade de muito do que vai vindo à tona e que não é apenas periférico.

Há assuntos seriíssimos em cima da mesa, que merecem um tratamento à altura da sua importância. O que vale uma oportuna advertência: mesmo quando rir se afigura ser o melhor remédio para lidar com tanto despautério, devemos fazê-lo sob a égide desta quadra de Aleixo: “Julgando um dever cumprir,/ sem descer no meu critério,/ digo verdades a rir,/ aos que me mentem a sério.”

No meio da turbulência instalada, é fundamental não deixarmos que os epifenómenos nos vedem o acesso aos fenómenos. Fenómenos entendidos como o naipe de questões fundamentais, suscitadas na turbulenta comissão de inquérito. É muito importante que a cidadania ativa separe o trigo do joio e não deixe ficar sem resposta algumas perguntas capitais.

Permitam-me dar alguns exemplos, começando por matéria já algo esquecida, dado o desvio de rota operado na comissão: por que motivo foi paga uma indemnização à eng.ª Alexandra Reis, quando ela própria, pouco tempo antes do famigerado acordo, se dispusera a sair da comissão executiva da TAP sem reclamar qualquer pagamento, tal como é hoje público e foi reconhecido pela própria? Com base em que critérios e/ou pareceres os responsáveis políticos da altura anuíram ao pagamento feito? Em que medida tinham estes responsáveis conhecimento da disponibilidade da eng.ª Alexandra Reis para deixar a comissão executiva sem qualquer contrapartida?

Noutro plano: é ou não é verdade que o celebérrimo plano de reestruturação da TAP estava guardado no computador do dr. Frederico Pinheiro? É ou não verdade que só estaria nesse computador? Quem determinou essa opção? Como se compatibiliza ela com a preservação do que agora se diz ser informação classificada? Tem o Estado meios para preservar informação classificada em casos de quebra de confiança, ou terá de continuar a utilizar primitivos métodos musculados de ação direta? Como se justifica a intervenção, que tenho por ilegal, do SIS? Quem assume a responsabilidade por essa intervenção (o que se distingue de saber quem o terá chamado a intervir)? Para quem acha essa intervenção legalmente justificada, em que normas legais se baseia? Não vale ensaiar explicações do tipo “o SIS tinha de intervir por ter havido crime”, para depois, com a mesma candura, dizer que o SIS pôde intervir porque não houve crime”!

Muitas outras questões relevantes carecerão de resposta. Mas estes esclarecimentos ajudarão a levantar o véu sobre quatro pontos cardeais que envolvem opções tomadas e os seus protagonistas: como se administra; como se gere o dinheiro público; como se age e como se reage. A bem da democracia, do Estado de direito e do estado dos direitos.»

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