26.5.23

Justiça para Vladimir Pliassov

 


«Era suposto que o corajoso artigo de Carmo Afonso que denunciava uma suposta “russofobia” em Portugal a propósito da expulsão de Vladimir Pliassov da Universidade de Coimbra suscitasse um coro geral de indignação. O país, entretido com os telefonemas de João Galamba ou as alegadas bofetadas de Frederico Pinheiro, preferiu passar ao lado de uma das mais bárbaras agressões aos direitos fundamentais em Portugal em muitos anos. É disso que se trata: ou o reitor de Coimbra nos oferece factos para justificar a demissão de Pliassov, ou a sua universidade renega a sua vocação humanista e converte-se num farol da justiça popular.

Já seria discutível que Pliassov, nascido na Rússia, cidadão português desde 2020, ligado a Coimbra durante 35 anos e a dar graciosamente aulas de língua e cultura russas, fosse expulso por delito de opinião. O problema é que esse presumível delito de fazer propaganda em favor de Putin não reúne qualquer tipo de provas. A “gravidade da situação” que levou o reitor Amílcar Falcão a despedi-lo inspira-se num artigo no Jornal de Proença assinado por dois “activistas” ucranianos.

Pliassov, ao contrário do que defendem a decência e o direito, não teve sequer direito de defesa. Bastou o artigo, um comentário de José Milhazes na televisão e a republicação no Observador para que uma universidade desse a sua investigação por concluída e passasse num ápice a acusar e a condenar liminarmente. Se Vladimir Pliassov fosse um português sem nome russo, seria sujeito a este processo sumário?

O caso torna-se ainda mais indigno depois de o PÚBLICO ter ouvido vários estudantes e todos terem confirmado que Pliassov não fez nada daquilo de que foi acusado. Ou depois de um artigo por ele assinado pedir para lhe ser concedido o elementar direito de defesa. Do lado da reitoria, fez-se silêncio. O silêncio com que se cobre a indignidade.

O que se passou é um ataque aos nossos valores, um insulto à democracia e ao estado de direito. Um crime, portanto, sustentado numa denúncia e baseado na distribuição de fitas ou na bibliografia de autores simpáticos a Putin – haverá censura por lá de Céline, de Nabokov, ou de Gorki, escritores dados a companhias pouco recomendáveis?

Está na hora de Coimbra assumir o que sempre foi na cultura portuguesa: um farol. Têm a palavra o reitor, os professores e também os alunos. Condenar para agradar à manada é o prelúdio dos totalitarismos. Ficar calado quando se suspeita de um crime contra um homem é cumplicidade e renúncia. Se, perante uma injustiça bárbara, a universidade se aninha, o país deve protestar. A agressão aos direitos de Vladimir Pliassov é um atentado contra todos. Não pode ficar incólume.»

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