22.5.21

Júlio Pomar

 


Três anos sem ele.
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Charles Aznavour - Seriam 97

 


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PSD? Um futuro promissor

 

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Por que razão há tanta indiferença face aos grandes devedores?



 

«“Onde está o teu tesouro, aí estará o teu coração também. Ninguém pode servir a dois senhores, porque ou há-de odiar um e amar o outro ou se dedicará a um e desprezará o outro. Não podeis servir a Deus e às riquezas.”
Evangelho de S. Mateus

Em primeiro lugar, porque, não sendo políticos, o populismo toca-lhes muito pouco. Não são jogadores de futebol, nem cantores, nem personagens do jet-set, nem nobreza ou realeza. Dito em bruto, é isso mesmo. E quando lhes toca é por que o rastro das suas actividades empresariais vai ter ao poder político de forma mais ou menos explícita.

Em segundo lugar, porque alguns deles têm outras protecções, a começar pelo mundo dos grandes clubes de futebol, como é o caso do presidente do Benfica que continua lá. Podem referir que deles se dizem cobras e lagartos, mas se formos a ver é a disputa futebolística e clubista que explica essa má-língua, não os casos em si. São os partidários dos candidatos que perderam, são os adeptos do clube A contra o clube B que clamam vigorosamente contra o homem do clube alheio e são muito silenciosos sobre os seus. É o colectivo das claques prolongado pelas redes sociais, e é também porque o mundo do futebol, cheio de ilegalidades, de contratos esquisitos com jogadores, de offshores, de despesas sumptuárias, de corrupção e de violência, não suscita no populismo muita condenação.

Em terceiro lugar, porque os partidos, a imprensa, os comentadores com proximidade com o mundo dos negócios “liberais” tendem a desvalorizar aquilo e aqueles sobre os quais fazem um cordão sanitário, dizendo que “eles” não são o retrato do capitalismo português, “eles” são a fruta podre de um cesto limpo e sadio. Tomá-los pelo todo é fazer a propaganda do BE e do PCP contra os empresários “criadores de riqueza”.

Sim, tomá-los pelo todo é injusto com alguns dos grandes e muitos dos pequenos, mas a sua ganância, a sua falta de escrúpulos com os dinheiros alheios, a sua promiscuidade com políticos corruptos, o seu insulto a gozar com os que não foram lá buscar centenas de milhões de euros, mas que os vão pagar, e, nalguns casos, os seus crimes, são a regra. Eu, aliás, ainda estou para ver a Iniciativa Liberal falar destes homens sem ser só sob o chapéu dos malefícios do Estado (que existem) e as confederações empresariais, ou a alta finança, que, pelos vistos, sabiam de tudo, mas não disseram nada.

Em quarto lugar, porque os grandes devedores não caíram do céu ou exclusivamente do regaço de rosas de Ricardo Salgado, conluiado com José Sócrates, mas comprometem gente altamente “reputada” e qualificada do mundo da banca, gestores “de topo” que circulam de administração para administração, que fazem parte do círculo de confiança que manda neste país e que fazem de conta que não tiveram nenhuma responsabilidade com o que se passou.

Em quinto lugar, por que muita da imprensa económica, e não só, reflecte este mesmo tipo de preocupações, chamemos-lhe “de classe” para irritar com um vocabulário marxista, e tem dependências muito pouco transparentes. Seria muito interessante, por exemplo, conhecer como actuam as agências de comunicação, pagas a peso de ouro pelas grandes empresas e empresários individuais, e como é que elas, sem indicação de publicidade paga, controlam quem aparece e quem não aparece nas páginas dos seus jornais e como aparecem.

Em sexto lugar, a economia das indignações é dúplice em vários escalões. Atinge muito mais os que vêm de baixo do que a gente fina, que é de facto “outra coisa”. E aqui entramos por um processo mais vasto do que os protagonistas actuais visto que remete para as enormes diferenciações sociais em Portugal e o modo como elas se incrustam inconscientemente no populismo. Os “que sobem na vida” quando caem fazem-no com muito mais fragor, porque a inveja social é muito horizontal e eles são da mesma extracção e mundo dos escrevinhadores das redes sociais. Os de cima estão sempre mais protegidos. É um remake de uma tese que foi propagandeada por esse pai do populismo nacional que foi o Independente, que execrava os novos-ricos das “meias brancas” e não dizia uma linha sobre os grandes lobistas que estavam sossegadamente nos seus tempos livres na Assembleia da República e que sabiam comer à mesa com os talheres todos. E o Chega é muito selectivo nas suas indignações porque tem lá gente desta, como se sabe.

Podia continuar até ao infinito, “enésimo lugar” por cada milhão de euros e não acabava. Claro que estes homens são os que hoje são atirados às feras, que periodicamente precisam de ser alimentadas com os “maus” para não irem comer os “bons”. Desde aparecerem como atrasados mentais, ou esquecidos profissionais, até à arrogância ingénua de Berardo e a arrogância insuportável do homem da Ongoing, confortável no seu exílio brasileiro, depois de ter comprado deputados que “não sabiam o que era a Ongoing” e depois ficaram a saber muito bem, tivemos de tudo. Para onde foram as centenas e centenas de milhões de euros, eles que não têm bens e que, os que têm, a banca acha que é melhor “não serem executados”? A essa pergunta sei responder; para o seu bolso e dos seus cúmplices. E, retiradas as despesas de “contexto”, ainda lá estão.

Até breve. Até que os especialistas da “resiliência” ou, se quiserem, de disparar bazucas, não comecem a vir engrossar a lista dos grandes devedores e tudo se repita.»

21.5.21

O futebol que nos desgraça

 



«Matemático Óscar Felgueiras diz que assimetrias entre Lisboa e o resto do país só podem ser justificadas “por uma diferença no comportamento da população”. Já Manuel Carmo Gomes afirma que números mostram um “salto” na incidência entre os jovens adultos da região, a única com um R(t) superior a 1. (…)

O epidemiologista Manuel Carmo Gomes diz que “existe uma forte plausibilidade” de uma relação entre os festejos leoninos e o aumento de infecções.»
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João Bénard da Costa

 


12 anos sem ele. O tempo passa depressa.
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Os «grandes devedores» como nunca os imaginou

 


Se ainda não viu este vídeo, não perca. Mas há que seguir até ao fim.

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Não nos distraiamos da pobreza

 


«O país distrai-se facilmente do que é importante e, sobretudo, do que não é perfumado e agradável. Vezes demais perguntamo-nos “como pôde isto acontecer?”. Fizemo-lo nos incêndios de 2017, fizemo-lo na morte de Ihor Homeniuk às mãos do Estado que o devia proteger, fizemo-lo diante do trabalho escravo e das condições de habitação inenarráveis dos imigrantes de Odemira. E, no entanto, tudo isto estava à vista, houve alertas convincentes, só não houve foi sentido de responsabilidade para lhes dar sequência.

Sobre a realidade da pobreza em Portugal também sabemos a sua dimensão e as suas causas principais. Também sobre ela há alertas sérios de quem conhece o dia a dia do mundo pobre em Portugal. Sucede que a pobreza não tem glamour e pô-la no centro tira brilho ao retrato tão apetecido de um país moderno, cheio de start ups e de 5G, etc. etc.

O algodão não engana: somos um país com mais de dois milhões de pobres. E seriam o dobro se não fosse a operação de prestações sociais que minoram esse alcance. Somos um país em que a principal causa de pobreza são os baixos salários. Sim, parte muito significativa daqueles dois milhões de pobres são gente empregada, mas cujo salário não chega para o sustento mínimo de si e da sua família, envolvendo somente os ingredientes básicos da vida como a alimentação, a saúde e a habitação. Somos um país em que pobreza e velhice vão de mãos dadas e em que, portanto, as baixíssimas pensões são a paga dada a uma vida inteira de trabalho e em que prestações como o Complemento Solidário para Idosos tem um alcance curto.

Sabemos disto tudo há muito tempo. Não nos é lícito distrairmo-nos desta fragilidade do país e desta injustiça instalada para com tanta da nossa gente. Distraímo-nos se continuarmos a achar que o combate à pobreza é um suplemento das políticas e não o centro de todas as políticas. Distraímo-nos se continuarmos a achar que o combate à pobreza é algo que se faz nas políticas sociais como um departamento à parte e não algo que se faz na política de saúde, na política de habitação, na política de transportes, na política de justiça, em todas as políticas. E que se faz avaliando previamente o impacto de cada lei e de cada decisão política sobre a produção, manutenção, agravamento ou diminuição da pobreza.

Distraímo-nos se acharmos que o anunciado pilar social da União Europeia, tão enaltecido na recente cimeira do Porto, trará enfim a pobreza para o centro das políticas europeias. Lembrem-se os distraídos que o tal pilar estava instituído desde 2017 e que foi necessária a pandemia para, 4 anos passados, ser finalmente ativado. Lembrem-se os distraídos que o Fundo Social Europeu, agora findo, tinha como desígnio oficial reduzir a pobreza na Europa em 20% e que, em vez disso, tivemos políticas de austeridade que, em nome da saúde das finanças públicas, a perpetuaram.

Um país distraído da sua pobreza e dos seus pobres é um país injusto e profundamente imaturo. Agora que a torneira dos milhões da Europa se vai de novo abrir, não nos distraiamos do essencial: o combate á pobreza tem de estar no centro da nossa vida coletiva.»

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20.5.21

Sinto-me excluída

 

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Aventureiros já sem aventura

 

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O “incidente de Ceuta” e a vulnerabilidade da Europa

 


«A massa dos 8000 migrantes que atravessaram a fronteira espanhola de Ceuta é uma manobra de pressão sobre a Espanha e a Europa, pondo a nu a vulnerabilidade da sua política de fronteiras. Abre, disse o presidente do governo espanhol, Pedro Sánchez, uma “grave crise para a Espanha e para a Europa”. A ameaça migratória encobre neste caso uma manobra estratégica de Rabat.

A UE acordou com Marrocos uma política análoga à que estabeleceu com a Turquia há cinco anos: Ancara recebe avultados fundos em troca de servir de tampão aos milhões de refugiados no seu território e regiões vizinhas. Também Marrocos é um indispensável parceiro da Europa, e em especial da Espanha, no controlo dos fluxos migratórios e no âmbito da luta antiterrorismo.

O episódio de Ceuta surpreendeu Madrid e Bruxelas, porque confiavam na eficácia do dinheiro. Rabat recebe uma generosa assistência financeira para assegurar o fecho das fronteiras. Por que pôr em causa o vantajoso entendimento existente? Porque Rabat sabe que os europeus continuarão a precisar do tampão marroquino. O “incidente de Ceuta” revela outra coisa: os acordos deste tipo podem tornar-se numa perigosa arma de pressão política. Se os europeus contrariam os seus desígnios estratégicos, Marrocos ameaçará “abrir as comportas”. A mesma arma de pressão, ou chantagem, tem sido habilmente usada pela Turquia.

A questão do Sara

A manobra marroquina tem como pano de fundo o conflito do Sara Ocidental. O chefe da Frente Polisário, Brahim Gali, está hospitalizado em Espanha a ser tratado da covid-19. Foi uma decisão do governo espanhol: Madrid não apoia a Frente Polisário mas também não subscreve a política marroquina.

Em fins de Abril, Rabat suspendeu subitamente as patrulhas policiais e milhares de pessoas começaram a concentrar-se perto da linha fronteiriça perante a passividade das autoridades. Era um convite aberto ao “salto da fronteira”. A embaixadora de Marrocos em Madrid foi chamada a consultas em Rabat, deixando um sibilino aviso a propósito do caso Gali: “Há actos políticos que têm consequências que se devem assumir.”

Para lá da Espanha, Rabat quer pressionar a Europa. Em breve o Tribunal de Justiça da UE se deverá pronunciar sobre os recursos interpostos pelos advogados da Frente Polisário contra os acordos de pesca de 2019 entre Marrocos e a Comissão Europeia. A Frente pede a sua anulação por incluírem extensões da costa do Sara Ocidental. Uma sentença do mesmo tribunal, de 2016, considerou que Marrocos e o Sara Ocidental são entidades distintas.

O significado do “incidente de Ceuta” é puramente político. Não significa uma ameaça económica ou demográfica para a Espanha. De resto, os migrantes adultos (não os menores) estão a ser devolvidos a Marrocos, ao abrigo dos acordos entre os dois países.

“A entrada irregular em Ceuta de mais de 8000 pessoas, em poucas horas, não é uma crise migratória, mas um inaceitável desafio estratégico que Marrocos lança à Espanha”, escreve El País em editorial. Acrescenta no Politico.eu o jornalista Sam Edwards: “Agora, que a mensagem foi enviada, as tensões entre Rabat e Madrid deverão baixar, mas o incidente revela a fragilidade da dependência da Europa perante Marrocos.”

A atenção da Europa está centrada na pandemia. Mas a questão migratória vai reacender-se. A Itália já sente os primeiros sintomas. A UE continuará a depender de acordos com os países mediterrânicos e acaba de descobrir que são uma arma de dois gumes.»

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19.5.21

Memorial aos Presos e Perseguidos Políticos



 

EXCERTO DA PROPOSTA aprovada hoje, 19.05.2021, por unanimidade, em reunião da Câmara Municipal de Lisboa, no seguimento de uma iniciativa do seguinte grupo de cidadãos: Alfredo Caldeira / Artur Pinto / Diana Andringa / Helena Pato / Joana Lopes / João Esteves / Luís Farinha / Margarida Tengarrinha / Pedro Adão e Silva / Rita Veloso / Sara Amâncio (os mesmos que já tinham promovido a instalação do Memorial temporário aos presos e perseguidos políticos, na estação de Metro da Baixa-Chiado, em 2019)

«A Câmara Municipal de Lisboa entende prestar justo tributo a quantos se bateram pela liberdade e sofreram a repressão que submeteu o nosso país durante quase meio século. Dando seguimento a uma proposta apresentada por um grupo de cidadãos, pretende se erigir um grupo escultórico que constitua um Memorial aos Presos e Perseguidos Políticos, a instalar no Largo da Boa-Hora, local onde funcionaram os chamados “Tribunais Plenários” de Lisboa, que se distinguiram, a partir de 1945, na repressão de todas as manifestações consideradas “subversivas” pelo regime deposto em 25 de abril de 1974. A criação desse Memorial pretende constituir também uma homenagem às famílias dos presos e perseguidos, permitindo transmitir às novas gerações informações e melhor conhecimento sobre esse período da nossa História, sem esquecer a violência repressiva usada nas então colónias portuguesas. Neste âmbito, pretende a Câmara Municipal de Lisboa intervencionar o referido Largo, aí implantando uma peça escultórica de dimensão que cumpra o propósito definido. Para o efeito, deverá ser aberto concurso público que, em prazo a determinar, permita a apresentação de propostas de arranjo do Largo da Boa-Hora e de conceção e implantação de um Memorial aos Presos e Perseguidos Políticos.

Deverá o referido Memorial conter, de forma bem visível, a inscrição “Memorial aos Presos e Perseguidos Políticos (1926-1974)”».

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Marcelo na Guiné-Bissau

 


Hipocondríaco como é, quando aterrou em Lisboa, Marcelo deve ter ido directamente para um laboratório fazer três testes PCR.
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Catarina – 19.05.1954

 


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Cimeira Social da UE e a miopia política

 


«A Cimeira Social do Porto foi considerada o momento mais importante da Presidência Portuguesa da União Europeia (UE) tendo sido definida a agenda social da Europa para a próxima década.

No entanto, o cumprimento dos objectivos assumidos – que são meritórios - depende mais dos governos nacionais do que da UE. A União está a alimentar expectativas nos cidadãos que não dependem de si satisfazer sendo possível inferir que muito pouco mudará para o cidadão europeu, porque é preciso transformar declarações proclamatórias em acções concretas.

A “Declaração do Porto” é uma declaração de intensões com uma lista de generalidades e um somatório de desejos que todos podem subscrever. Não foi decidida nenhuma medida concreta porque a Comissão Europeia não tem competência para agir nessa área, mas foram definidas metas que os governos dos Estado-membros (EM) têm de atingir até 2030. Porém, o comissário europeu Nicolas Schmit disse, sem rodeios, que “integrar os direitos sociais nos tratados será muito difícil”.

Existem ainda dois aspectos que me levam a não ser muito optimista. Por um lado, a experiência do passado diz que ao serem definidos objectivos muito ambiciosos como os da Estratégia de Lisboa – a Europa iria ser a economia mais competitiva e dinâmica do mundo até 2010 -, acabaram por não se concretizar; e, por outro, existe uma repartição de poder entre as instituições europeias e os EM que detém as competências sociais.

A estagnação e crescente divergência económica e social têm colocado em causa a forma tradicional de legitimação da integração europeia. A “Declaração do Porto” é apenas o último exemplo dum ciclo vicioso, que compensa a sua aparente ineficácia com promessas de um futuro glorioso. E o excesso de promessas contribui para a desacreditação das instituições.


18.5.21

A raspadinha da Cultura

 

Sei que o artigo é só para assinantes do Expresso, mas isto é o suficiente para se perceber. Não posso estar mais de acordo com Francisco Assis.

«Apesar dos alertas lançados, em março, pelo presidente do Conselho Económico e Social (CES) sobre os perigos de incentivar as lotarias instantâneas, o Governo avançou hoje com a raspadinha da Cultura, como forma de aumentar os incentivos financeiros ao setor. "Não estava à espera de ser ouvido", diz Francisco Assis ao Expresso. Mas o recado fica dado: "Emiti a minha opinião e cumpro o meu papel, assumindo as minhas responsabilidades. O Governo assumirá as dele".

O incremento do consumo das 'raspadinhas' em Portugal é já "um problema grave", porque "cria dependência numa fatia significativa da população" e, sobretudo, porque atinge "as camadas mais frágeis da população, tanto em termos socio-economicos, como a nível etário". O alerta feito pelo presidente do CES surgiu na sequência de um estudo, divulgado pelo psiquiatra e professor da Faculdade de Medicina da Universidade do Minho, Pedro Morgado, que apontava o crescente aumento de casos de compulsão para o jogo causados pela também crescente oferta das chamadas lotarias instantâneas.»
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Qual o mal de chamar "preta", afinal?

 


«Que o caso do take da Lusa sirva para que de uma vez se perceba que a linguagem é o princípio e o fim de tudo, o campo de batalha onde se travam todas as guerras. E que não pode haver "imparcialidade" ou sequer ingenuidade no jornalismo em termos de direitos humanos.»

«O que está aqui em causa não é pois só Hugo Godinho e o seu "preta". É o que raio se pensa que é o jornalismo. O que raio se pensa que é o racismo. O que raio se pensa que é a linguagem. Tudo, portanto.»

Fernanda Câncio no DN.
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Monocultura do turismo – nada se aprendeu

 

«Ontem, pela primeira vez no último ano e meio, provei realmente o sabor do dito regresso à normalidade. Num curto espaço de tempo Portugal passou de pior país na sua relação com a pandemia, para um dos melhores, naquele tipo de avaliações que parecem feitas para agradar a crianças em idade pré-escolar. Na zona onde (ainda) habito grupos de turistas estão de regresso em força, movendo-se em grupo, procurando o entretenimento instantâneo, para compreensível entusiasmo dos espaços preparados para os receber, e para os empregos que do turismo dependem. Mas há uma atmosfera estranha no ar. Não diria que é hostilidade dos restantes habitantes ou transeuntes do bairro, é apenas uma espécie de melancolia, uma resignação por se perceber que o reavaliar do modelo económico, ou como durante anos se chamava, de ‘desenvolvimento’, é apenas uma miragem. A cidade vai fragmentar-se ainda mais entre os que vão sendo expulsos dela, das mais diversas formas, e quem a pode desfrutar. No meio, os que encolhem os ombros, vivendo na ilusão da monocultura do turismo, dependentes das oscilações globais, até à próxima pandemia, ou outro acontecimento qualquer.»

Vitor Belanciano no Facebook
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Ser o oásis turístico da Europa é um perigo

 


«No dia em que milhares de turistas britânicos aterravam no aeroporto de Faro, o director da Região de Turismo do Algarve deixava no ar uma constatação que tanto serve de regozijo, como assusta. “Toda a Europa está a falar na vantagem de Portugal”, dizia João Fernandes. Depois de longos meses de isolamento que levaram o sector do turismo ao limite e causaram danos irreparáveis na economia, verificar que a Europa olha para o controlo da pandemia como uma “vantagem” para as suas férias é animador. Depois de nove meses de estados de emergência e de situações de calamidade até que o esforço dos cidadãos foi capaz de vergar o número de infecções para uma dimensão invejável à escala europeia, o assalto de estrangeiros a praias, hotéis ou restaurantes é uma preocupação.

É caso para se recordar que não podemos ter o sol na eira e a chuva no nabal, como é caso para dizer que Portugal está a beneficiar do seu sucesso e pode tornar-se vítima dele. Ser o primeiro país da Europa do Sul com a pandemia controlada torna o país um oásis; estar nessa condição torna-o um refúgio.

Não se trata de ser pessimista ou de recusar a oportunidade de recuperar a um sector crucial da economia. Trata-se apenas de perguntar se o desconfinamento não está a ser rápido de mais. Se o Governo não está a confundir a calmaria, que existe, com o fim da tempestade, que não aconteceu; se depois da desobediência patrocinada pelo laxismo dos poderes públicos na festa do Sporting não haverá uma tendência geral para o facilitismo; se a abertura de portas a turistas da forma descontrolada (deixando de fora na Europa apenas dois países importantes, a Holanda e a Suécia) não será um daqueles casos em que a ânsia se sobrepõe à prudência e a necessidade económica à protecção dos cidadãos.

Ter a situação controlada exigiu um preço elevadíssimo. É esse preço que justifica a discussão sobre se abrir as fronteiras sem outras exigências senão um teste a turistas vindos de países ainda em sobressalto, onde as taxas de vacinação continuam baixas e nos quais a disseminação de variantes como a indiana gera ainda aflição foi ou não uma boa escolha. Estamos, obviamente, a insistir numa discussão especulativa por incapacidade de prever o que vai acontecer. Há bons argumentos para defender a escolha feita. O que não podemos negar na realidade actual é que, com esta abertura escancarada de fronteiras, o nível de risco da pandemia no país aumentou. Oxalá em Julho, no auge da temporada turística, haja razões para dizer que a “vantagem” de hoje foi bem aproveitada.»

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17.5.21

Ao serviço se sua majestade o Turismo

 


Alguém acredita que as multidões de beefs que estão a aterrar no Algarve se vão comportar como manda este Governo de aquém Mancha, bem «mascarados» até estenderem a toalha na praia e a não beberem cerveja depois das 22h30 (julgo que esta a hora de fecho dos restaurantes e que não há bares para ninguém)? Parvos somos, sim, mas não exagerem.

(A imagem é do Público de hoje, tirada algures num pub inglês.)
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O fim da ilusão de Israel

 

É muito importante conhecer algumas situações em detalhe, concorde-se ou não com as perspectivas, como é o caso com ESTE TEXTO de Shlomo Ben-Ami.
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O conflito israelo-palestiniano e nós



 

«Como começou o atual conflito israelo-palestiniano? Foi quando palestinianos de Jerusalém oriental protestaram contra o despejo de famílias árabes do bairro de Sheikh Jarrah, onde há disputas imobiliárias entre judeus e muçulmanos? Terá sido quando colonos israelistas e moradores do bairro predominantemente palestiniano, mutuamente acirrados por essa disputa, se agrediram? Ou quando o governo israelita enviou milhares de polícias para a Mesquita de Al Aqsa no último dia do Ramadão? Ou quando os islamistas do Hamas, que governam em Gaza, lançaram mísseis sobre Jerusalém em retaliação contra essa ocupação? Ou quando o exército israelita respondeu com ataques de artilharia pesada e a destruição de edifícios, incluindo sedes de organizações de media? Ou quando, e se, e por aí além, até ao infinito?

Na verdade, há muito que já passou a ser mais esclarecedor considerar o conflito israelo-palestiniano como uma crise latente permanente que pode passar do lume brando ao lume alto dependendo da conjuntura política. Deslocando a grelha de leituras das causas próximas para a conjuntura política, as coisas passam a ser mais legíveis, porque passamos a ter uma ideia mais clara de a quem interessa cada agudizar da crise. Ora, o que estava a acontecer quando a atual ronda de conflitos começou é que Benjamin Netanyahu, acossado por inúmeras acusações e processos de corrupção, e agarrado ao poder nestes últimos tempos por uma série de estratagemas cada vez mais rebuscados, estava a pontos de ter de ceder o cargo de primeiro-ministro. E o que aconteceu a seguir é que o recrudescimento do conflito tornou clara a impossiblidade de formar uma coligação alternativa para tirar Netanyahu do poder, tal era a heterogeneidade de pontos de vista entre a oposição assim que o centro do debate deixou de ser a corrupção de Netanyahu para ser a questão de como reagir perante o conflito.

Do outro lado da barricada, o Hamas é inimigo de Netanyahu mas, na prática, o seu aliado objetivo. Pois a ambos interessa ter agora o conflito em lume alto de forma a tornar impossível o aparecimento daquilo que mais temem: a emergência de uma maioria israelo-palestiniana cansada da violência e disposta a dar base social de apoio a uma solução de paz. O conflito sem-início-nem-fim é o que mais serve àqueles que fundam o seu poder numa obsessão absolutista de uma terra do mar-ao-rio desprovida de judeus, ou de árabes, conforme o lado.

Está a funcionar, no sentido em que por este caminho todas as outras soluções acabarão por se tornar inviáveis. Neste momento, a “solução de dois Estados” está inviabilizada pela existência de mais de duzentos colonatos israelitas, entre oficiais e não-oficiais — mas todos ilegais do ponto de vista do direito internacional — em território palestiniano. Por outro lado, a solução de apenas um estado, mas com direitos democráticos iguais para todos os seus habitantes, independentes de etnia ou religião, torna-se inviável pelo acirrar da violência comunitária em momentos como os que estamos a viver.

Se a solução de dois Estados se torna inviável, e a solução de um Estado democrático nunca chega a tornar-se viável, quem ganha são os irredentistas e quem perdem são as vítimas de ambos os lados — mas muito desproporcionadamente palestinianas — que são meros peões da estratégia de poder dos líderes autoritários de um lado e do outro. A verdade é que a Palestina, ainda antes de ser um Estado de pleno direito, já tem um enclave teocrático na Faixa de Gaza dominada pelo Hamas. E Israel cada vez menos pode brandir as suas credenciais de democracia liberal quando Netanyahu tão claramente se inspira no exercício de poder de outros autoritários “iliberais” e cristaliza na prática a ideia de Israel como um estado confessional e, por consequência, de apartheid.

De dentro, em suma, não vem solução — porque as partes interessadas mais extremistas não deixam. Isso não é novidade em zonas de conflito intra-comunitário; assim foi durante largas décadas na Irlanda do Norte.

A solução poderia estar na pressão de fora, dos Estados Unidos, da União Europeia, da Liga Árabe, do Conselho de Segurança da ONU. Reconhecer o estado da Palestina seria a maneira de forçar a solução de dois Estados e confrontar o Hamas com a impossibilidade do seu delírio de Estado teocrático do Jordão ao Mediterrâneo. Parar de legitimar a farsa com que Netanyahu se agarra ao poder seria a forma de obrigar Israel a escolher entre a democracia e o apartheid e, quem sabe, abrir assim a possibilidade de um Estado de direitos iguais para todos os seus cidadãos.

Numa saída ou na outra há-de estar a solução, e nós deveríamos fazer parte dela ao pressionar os nossos governos. O que não se pode é aceitar esta situação em que são vítimas de corruptos e autoritários as gentes comuns e as possibilidades de alguma paz naquela terra.»

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16.5.21

Israel – Gaza

 


Apenas sou capaz de escrever uma palavra: IMPOTÊNCIA.
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Dinis de Almeida

 


Morreu coronel Dinis de Almeida, vítima de covid-19

Símbolo e realidade de tantas vivências, mais um que recolhe ao baú da Memória.
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Lonjuras

 


Eu sofro é de falta de lonjuras!
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O que só existe entre os pobres, não existe

 


«Talvez pela primeira vez desde que começou esta pandemia, o diretor-geral da Organização Mundial de Saúde (OMS) acertou no que disse - e em tempo útil. Numa altura em que a covid se espalha na Índia como fogo na palha, com 400 mil casos diários, Tedros Ghebreyesus veio apelar às nações mais desenvolvidas para que deem prioridade à vacinação entre os países mais pobres e vulneráveis, para que doem as suas vacinas em vez de as usarem para avançar com a imunização de crianças e jovens - entre os quais a incidência do vírus é maioritariamente leve e inconsequente.

Enquanto não se atacar a covid nessas regiões do mundo, ninguém poderá descansar, vincou o líder da OMS, numa constatação que tem tanto de verdadeiro quanto é surpreendente que em 2021 continue a ser preciso chamar a atenção para as necessidades daqueles que vivem pior do que nós.

A triste realidade é que continuamos a viver pacificamente com o conhecimento de que nos países menos desenvolvidos ainda se morre de doenças há muito erradicadas da Europa. O sarampo e a rubéola, por exemplo, mataram quase um milhão de crianças nos últimos cinco anos, com particular incidência em países africanos, mas também no Brasil. Só em 2020, a malária fez perto de meio milhão de vítimas em África, sobretudo bebés. E se deste lado do mundo o HIV/sida é quase uma doença crónica, esse vírus matou 700 mil pessoas só em 2019, com a média de novas infeções a ascender a 4500 por semana só entre as adolescentes africanas no ano passado.

Os números chocantes da base de dados da ONU explicam-se pela disparidade de condições entre regiões e pelas dificuldades de diagnóstico, prevenção (incluindo vacinas) e tratamento nas zonas mais pobres. Áreas que não têm a capacidade financeira, política ou sequer logística para assegurar os mínimos para os povos que nelas habitam. Se aqueles que têm essa capacidade não ajudarem, a prazo, este coronavírus - adaptado para conseguir atacar hospedeiros habituados a combater vírus agressivos com que os europeus já não têm de lidar - será mais uma causa de devastação nas regiões que já tão pouco têm. E será uma questão de tempo até que essas variantes encontrem forma de voltar a circular no resto do mundo.

Em pleno século XXI, já não devia ser preciso lembrar que há quem tenha menos sorte do que nós. Já não deviam ser precisos alertas para a solidariedade acontecer. Infelizmente, a bolha em que vivemos está cada vez mais opaca e envenenada de umbiguismo. Pois, se não é pelos demais, então que se ajude por mero egoísmo: ou o mundo se une contra a covid ou nunca se livrará verdadeiramente dela.»

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