Não deve haver outro país no mundo com tantos Manifestos e Petições por metro quadrado. Quem anda pelo Facebook que o diga.
Apercebi-me, ontem à noite, da existência de um texto em que se pede a «abolição da DISCIPLINA PARTIDÁRIA imposta aos Deputados à Assembleia da República portuguesa». (*) e que deu / está a dar alguma luta em várias frentes daquela rede social. Trago-a, em parte, para aqui.
Transcrevo o que os signatários «requerem» concretamente:
«A - A declaração de inconstitucionalidade e subsequente abolição, ou proibição absoluta, da regra (não escrita) da disciplina partidária imposta aos Deputados no exercício da respectiva função e, nomeadamente, para efeitos de votação de diplomas votados em Plenário ou na especialidade, nos termos do respectivo processo legislativo parlamentar.
B - A verificação, independente, e consequente abolição, de qualquer mecanismo de exercício do voto que, de algum modo, tacitamente ou expresso em regimento da Assembleia da República, possa, eventualmente, condicionar o livre exercício da acção de cada Deputado.»
Esta posição é errada e, sobretudo, perigosa.
Errada porque, goste-se ou não, vivemos numa democracia parlamentar com representação dos indivíduos por partidos organizados que se submetem a eleições, com base num programa e em listas de nomes por eles escolhidos e divulgados. Quem vota sabe ao que vai, quem é votado também. Pelo caminho, há acidentes de percurso? Certamente. E daí?
Entre os subscritores da Petição, há quem a defenda alegando que, sem liberdade total de voto, cinco deputados, um por cada partido, seriam suficientes. Pretender reduzir a actividade parlamentar a votações não faz qualquer espécie de sentido. Nem vale a pena explicar porquê, julgo.
Convém também recordar que há, e sempre houve, deputados que não respeitam a disciplina de voto e que os mesmos mantêm o direito ao lugar que ocupam na AR: o partido não pode retirar-lho. Se assim o entender, não o inclui nas listas da eleição seguinte. Cada partido lida com estas situações de modo diferente e aí, sim, é legítimo aferir o grau de democraticidade interna existente em cada um.
Por último, para ser coerente, esta Petição devia defender, acerrimamente, a criação de círculos uninominais – o que, estranhamente, não faz.
Mas o mais importante é que este texto é também perigoso. Quando se agita o papão da «partidocracia» e o fantasma da corrupção inevitável das clientelas partidárias como argumentos abre-se a porta a um populismo fácil que, como todos sabemos, tem tido consequências bem graves ao longo da História - e nós levámos com elas durante mais de quatro décadas.
Por outro lado, é sintomático que, em nome da liberdade, se utilizem termos que lhe são tão contrários como «proibição absoluta», «abolição», «declaração de inconstitucionalidade».
Ainda: no limite, parece pretender-se que a AR seja composta por um leque de pessoas com projectos individuais «fortes» e convicções inabaláveis, e não por equipas responsáveis, mas coesas, que põem o trabalho em grupo acima das afirmações de personalidade. Para tal, os partidos poderiam escolher, segundo gostos e paladares, uma mescla de membros do Compromisso Nacional dos 44+77, da Convergência Nacional, com alguns do Manifesto dos nascidos depois de 74 e uns promotores da Geração à Rasca para enfeitar. A comunicação social agradeceria…
(*)
Texto integral.
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