Crónica de Diana Andringa, hoje, na Antena1:
Embora os mais visíveis entre eles – quase sempre do universo televisivo – ascendam, a meu gosto vezes demais, àquela espécie de glória que é ser capa de revistas cor de rosa, não creio que a maioria dos jornalistas portugueses escape à cruel frase de Weber, de que o jornalista “pertence a uma espécie de casta de párias, que é sempre vista pela sociedade em termos dos seus representantes eticamente mais baixos.” “Disparar sobre o jornalista”, antes de ser palavra de ordem de grupos armados, é fácil desporto de café ou autocarro, esquecendo, quase sempre, os severos críticos que aqueles que criticam trabalham muitas vezes – como o mesmo Weber lhes faz a justiça de reconhecer – “em condições tais que põem à prova a segurança interior como, porventura, nenhuma outra situação”.
De quando em vez, no entanto, surge um problema que, obrigando à reflexão dos jornalistas, acaba por ser tema de debate dos restantes cidadãos. Um caso típico, até por se relacionar com o futebol, foi o caso dito do off-the-record. Na altura membro da direcção do Sindicato, era interpelada em táxis, lojas, restaurantes, sobre esse termo da gíria profissional que se tornara propriedade do cidadão comum.
Desta vez o debate trava-se em torno de mostrar, ou não, as imagens da decapitação dos jornalistas James Foley e Steven Sotloff. De um e outro lado há argumentos válidos, mas em quase todos os textos que li, defendendo a exibição dos vídeos, se admite evitar o momento da decapitação – ao mesmo tempo que se discute se a desagradabilidade das imagens é condição suficiente para as ocultar – ou se, pelo contrário, essa desagradabilidade é uma forma de denunciar a atrocidade.
As circunstâncias são novas, mas, para os jornalistas, não é um debate novo. Nem por isso penso que haja, a esse respeito, uma resposta definitiva . Para mim, a palavra basta: sim, é preciso que se saiba que estes homens vão ser, ou foram, decapitados. Mas mostrá-los, de joelhos, ameaçados pelo executor, com o uniforme laranja que os iguala aos presos de Guantanamo ou Abu Grahib, mas identificáveis pela imagem, identificados pelo nome, dizendo palavras que não são livres, mostrá-los parece-me somar ao assassínio a humilhação. Há também, claro, o efeito do terror, procurado pelos seus captores. Mas penso, sobretudo, que as vítimas merecem que proteja a intimidade dos seus últimos momentos. Que me recuse a testemunhar o seu medo.
Não sei se tenho razão, se erro profundamente. Mas sei que nestes momentos em que um acontecimento numa terra longinqua se torna um debate ético para cada um de nós, o jornalismo se cumpre. Na dúvida, na incerteza, no erro, mas na responsabilidade.
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