(Originalmente publicado em Caminhos da Memória)
No ano em que se celebra o 40º aniversário da encíclica
Humanae Vitae, de triste memória e ainda mais triste vigência, Miguel Oliveira da Silva dá-nos um importante contributo para a compreensão da temática em questão.
Médico obstreta-ginecologista, professor de Ética Médica e Bioética na Faculdade de Medicina de Lisboa e licenciado em Filosofia, o autor pergunta se a Igreja não deve reconhecer os seus erros, «se não há uma outra ética da sexualidade compatível com a fé» e «porque se calam nesta matéria tantos dos bioeticistas, crentes e não crentes».
Começa por recordar a «oportunidade perdida» que o Concílio Vaticano II foi em temas relacionados com a sexualidade e o significado dramático da publicação da
Humanae Vitae e das reacções que provocou, para depois abordar a problemática do ponto de vista da Bioética.
Regressa por fim à discussão das posições da Igreja e, num capítulo deliciosamente intitulado
Quem influencia o Espírito Santo?, refere-se a
Yves Congar que se perguntava «por que estranha razão o Espírito Santo influencia apenas ou sobretudo o Papa e não a Igreja no seu conjunto».
O livro tem um excelente prefácio do padre Anselmo Borges, retomado em parte num
artigo de opinião publicado pelo mesmo no
Diário de Notícias. O seguinte excerto resume bem uma interpretação possível das raízes do que está de facto em causa:
«O que envenenou a relação da Igreja com a sexualidade foi o choque entre o poder e o prazer, porque o prazer pode abalar o poder.
Concretamente, há a doutrina do pecado original, entendido não como o primeiro de todos os pecados - todos pecam -, mas como um pecado herdado de Adão e transmitido por geração, portanto, no acto sexual.»
Para além de todas as leituras, uma coisa parece certa: mesmo os mais cépticos dificilmente acreditariam, em 1968, dois meses depois do Maio francês, que quarenta anos mais tarde o Vaticano teria ainda o mesmo posicionamento relativamente ao controle da natalidade e ao uso de meios contraceptivos. Mas a realidade aí está para provar o contrário e para justificar o carácter oportuno do livro que Miguel Oliveira da Silva agora publicou.
Miguel Oliveira da Silva, A Sexualidade, a Igreja e a Bioéica. 40 anos de Humanae Vitae, Caminho, Lisboa, 174 p.