24.11.18

Imobiliário? Soma e segue



(40% das aquisições por portugueses.)

Expresso Economia, 24.11.2018
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Dica (830)




«Populism is sexy. Particularly since 2016 – the year of the Brexit referendum and the election of Donald Trump – it seems as if journalists just cannot get enough of it. (…)
The increasing popularity of the term is no coincidence. Populist parties have tripled their vote in Europe over the past 20 years. They are in government in 11 European countries. More than a quarter of Europeans voted populist in their last elections.»
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Touradas «tipo» politicamente correctas




Eu até acredito que isto seja o ovo de Colombo para satisfazer todos, de Manuel Alegre ao PAN. Mas não consigo deixar de rir: vamos todos acabar num mundo «SEM» tudo e mais alguma coisa: glúten, açúcar, gorduras e agora touros sem sangue (para eternizar as touradas…).
Morreremos velhinhos, cheios de saúde e polticamente correctíssimos. E talvez embrulhados em velcro.
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A entrada dos drones na vida política nacional



José Pacheco Pereira no Público:

«Está toda a gente indignada com o “falhanço do Estado” no caso da estrada que ruiu matando pelo menos cinco pessoas. E devem estar não tanto pelo “falhanço do Estado”, porque, para além de ser um falhanço, o falhanço é a regra. A excepção é as coisas funcionarem bem — ou seja, dito à bruta e sem rodriguinhos, Portugal é um dos países mais atrasados da Europa.

Repito: Portugal é um dos países mais atrasados da Europa, em que as infra-estruturas estão envelhecidas ou nunca foram modernizadas, não existem onde deviam existir, em que faltam serviços essenciais por todo o país, com mão-de-obra muito pouco qualificada, com patrões muito mal preparados, com baixa produtividade, com uma administração burocrática que não promove o mérito, e é corrupta e clientelar, com instituições de regulação que não regulam nada, com inspectores que não inspeccionam nada, com um território que não tem qualquer policiamento fora das cidades, com escassez de meios para tudo e abundância de desperdício por todo o lado. Podia encher o jornal todo e ainda dava para muita edição.

Comparem estatística a estatística e, de novo, salvo raras excepções, Portugal fica num mau lugar. Um país com tanto atraso estrutural gera inevitavelmente má governação a nível local e nacional, porque falta massa crítica para fazer melhor. E falta pressão para que tal aconteça. Por isso temos o Estado que temos e somos, por regra, tão mal governados. As desigualdades são talvez a melhor marca desse atraso.

Mudou muita coisa nos últimos 40 anos? Mudou, claro, e muita para melhor, mas o atraso era enorme e hoje continua grande. Como dizem os saudosistas do salazarismo, havia muito ouro no Banco de Portugal, mas o preço desse ouro entesourado era uma elevada mortalidade infantil e analfabetismo, a exploração dos mais pobres, uma guerra e uma ditadura. O 25 de Abril fez muito para retirar o país do seu atraso, através desse valor intangível da democracia, mas está longe de ter conseguido dar a volta a muito do atraso atávico do país. É como com as chuvas de 1967, que mataram em Loures, mas apenas molharam em Cascais.

PUB Mas não se iludam: a maioria dos portugueses pode protestar muito, nos cafés antigos, e nos cafés modernos que são as redes sociais, mas, com excepção dos seus imediatos interesses, não quer saber muito disto é até colabora participando na pequena corrupção, na fuga aos impostos, nos pequenos truques quotidianos com o ambiente, a qualidade dos alimentos, as obras na casa, etc., etc. Só se preocupa com a pátria pelo futebol e de resto manifesta uma indiferença cívica total.

Porque os portugueses são maus ou um caso perdido? Não, nada disso, são como todos os povos, só que pagam o preço do atraso do seu país, tornando-se, pelas suas atitudes, parte desse atraso. O que é que se espera de pessoas pobres, sem grande educação formal, vivendo uma vida dura, acantonadas num diálogo cívico miserável, que é o que se passa nas redes sociais, sem poder e com muitas dependências para exercer o pouco poder que tem, sem conhecer os seus direitos, numa sociedade e com uma política que faz tudo para os embrutecer?

Mas foram eles que permitiram a negligência criminosa daquela estrada? Não, não foram. É sempre em primeiro lugar o governo. Mas, a sua quota-parte de responsabilidades está na sistemática falta de protesto cívico, de punição pelo voto de autarcas e governantes que tão mal gerem os dinheiros públicos, e por muitas vezes fecharem os olhos ao facto de a gestão ser tão má que deixa cair pontes e estradas, como é má gestão fazer um pavilhão gimnodesportivo que custou milhões e depois deixam estar fechado a degradar-se, mas que queriam muito para a sua terra. Ou quando nem querem ouvir falar do encerramento de pedreiras ilegais ou fábricas pirotécnicas, porque dão emprego onde não existem alternativas. Por todo o país fora, até um dia em que as coisas correm mal.

E também não tenham ilusões: este caso só teve a cobertura mediática que teve porque os cenários eram espectaculares para a televisão, e os drones tornaram muito barata a filmagem aérea. Se as mesmas cinco pessoas morressem numa curva de uma estrada contra uma árvore, mesmo que a curva devesse estar há muito sinalizada e houvesse quem tivesse chamado a atenção para a incúria face ao perigo, as notícias não duravam um dia, nem havia debates, nem ia lá o Presidente, nada. Era um não-caso. Só que, aqui, aqueles gigantescos buracos eram magnífica e dramática televisão, e é por isso que temos um “caso”. Os drones entraram definitivamente na vida política portuguesa.»
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23.11.18

Sexta-feira negra - para o planeta


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Dica (829)



PART 1 - The Land That Failed to Fail. (Philip P. Pan) 

«The West was sure the Chinese approach would not work. It just had to wait. It’s still waiting.»
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Entretanto em França




Ouvi há pouco, na FR24, Nicolas Hulot, o primeiro ministro a bater com a porta a Macron. Afirma neste texto que tinha previsto há muito a bronca dos «coletes amarelos» e explica porquê.
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Estivadores: Shame



António Mariano, presidente do SEAL - Sindicato dos Estivadores e da Actividade Logística resumiu o dia de ontem.
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O inverno de Bolsonaro



«Uns 1100 anos antes de Cristo, reza a lenda, a Odisseia, a Ilíada e a Eneida, os troianos perderam a guerra ao permitir que um presente grego, em forma de cavalo cheio de soldados inimigos, entrasse na sua fortaleza.

Em 1812, reza a história, Napoleão fracassou, menos pela força do exército rival e mais pelos rigores do inverno, na ambiciosa invasão à gelada Rússia.

O tempo o dirá, mas o Cavalo de Troia ou o General Inverno de Jair Bolsonaro pode chamar-se "médicos cubanos".

Na semana passada, Havana resolveu abandonar a versão brasileira do Mais Médicos, um programa iniciado em 2013 pela então presidente Dilma Rousseff para abastecer cidades necessitadas de profissionais de saúde, por discordar dos termos propostos pelo presidente recém-eleito para manter o acordo.

Desde que, em campanha, o então candidato Bolsonaro atacara o regime do país caribenho que o fim da participação cubana no programa já era dado como provável, mas foram as condições impostas já depois da eleição que precipitaram o fim da relação.

"Condicionámos a continuação do programa Mais Médicos à aplicação de teste de capacidade, salário integral aos profissionais cubanos, hoje a maior parte destinada à ditadura e à liberdade para trazerem as suas famílias, infelizmente, Cuba não aceitou", disse Bolsonaro, pelo Twitter, a sua forma de comunicação preferida, tal como do seu presidente preferido.

Ora, os perto de nove mil médicos cubanos prestavam serviços em cerca de 1600 municípios atendendo um total estimado pelos especialistas em 28 milhões de brasileiros.

O caso preocupa essas populações - cerca de três vezes Portugal - mas também os prefeitos das cidades e os governadores dos estados, muito deles falidos, agora com mais um problema sério para resolver porque os médicos locais não se mostram entusiasmados com a hipótese de irem para os rincões isolados no Brasil profundo.

Na imprensa, brotam entretanto relatos de clínicos cubanos exemplares, adorados pelas suas comunidades, e de doentes crónicos que, ao perderem o atendimento regular, correm agora risco de vida.

Como em intervenção na Câmara dos Deputados em 2013, logo após o início do programa, Bolsonaro o chamou de "Maus Médicos" e criticou a possibilidade de os profissionais trazerem as suas famílias para o Brasil "infestando o país de agentes cubanos perigosos para a democracia", tomemos como falsos aqueles pretextos no tweet presidencial para provocar o cancelamento do acordo.

Nesse caso, o presidente eleito preferiu prejudicar 1600 municípios e 28 milhões de compatriotas em nome da sua aversão ao (indefensável) regime cubano. Depois de anos a criticar a política externa brasileira do PT, baseada, segundo o próprio, "em critérios ideológicos", Bolsonaro usa um critério ideológico para provocar o encerramento de um programa útil ao país.

Tomemos agora o tweet presidencial como verdadeiro, ou seja, assumamos que a sua preocupação com o salário e as famílias dos médicos cubanos é genuína. Nesse caso, em nome do bem-estar de nove mil cidadãos estrangeiros, Bolsonaro não se importa de pôr em risco a saúde de 28 milhões de compatriotas?

Ninguém está livre de cometer erros. Os troianos foram ingénuos, Napoleão temerário. Sucede que, segundo Homero e Virgílio, os primeiros governaram a Anatólia por séculos e só perderam a guerra com os gregos depois de dez anos de árduas batalhas. E o segundo, antes do desaire russo, conquistara meia Europa e colocara o seu nome na história universal.

O drama de Bolsonaro é que o seu inverno pode ter começado um mês e meio antes de tomar posse.»

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22.11.18

Dizem que é o Black Friday



Worten, Matosinhos, 22.11.2018.
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O Governo não sabe o que é o direito à greve?




«Os dois partidos da esquerda parlamentar enviaram já perguntas formais aos ministros do Mar e do Trabalho. Os comunistas querem saber qual foi o papel e que conhecimento teve o Governo, através destes dois Ministérios, nas "movimentações realizadas com vista à substituição dos estivadores em luta no porto de Setúbal". Querem, nomeadamente, saber se foram "utilizados meios do Estado" nessas operações e conhecer as medidas que o Executivo pretende adotar no combate à precaridade num setor de actividade em que a larga maioria dos trabalhadores (90%, no caso de Setúbal) não tem vínculo contratual.

Já o Bloco de Esquerda usou a possibilidade parlamentar de questionar o Governo para apurar em que "condições foi feita a contratação de trabalhadores substitutos". Pretendem ainda saber "qual a justificação para que dezenas de elementos da Unidade Especial de Polícia tenham dado cobertura a esta operação" e questionam o Executivo sobre a sua disponibilidade para, "de imediato, promover uma reunião de urgência entre as partes" com o objetivo de encontrar uma solução para o Porto de Setúbal "que passe pelo reconhecimento dos vinculos laborais dos trabalhadores".»
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O país do desenrasca



«Quando cai aos trambolhões do céu uma crise que todos esperavam, mas que ninguém julgava que pudesse acontecer durante o seu mandato, os políticos e os responsáveis utilizam várias tácticas ensinadas pelos irmãos Marx. Uns, como Chico, dedicam-se a jogar cartas e a tocar piano só com a mão direita (porque nunca aprenderam a fazê-lo com a esquerda). Outros fazem como Groucho: são quimicamente puros, pegando em charutos enquanto falam sem dizer nada; alguns são angelicais como Harpo, só movem os lábios e em vez de falar usam uma buzina para se exprimirem. Quem está na plateia habituou-se ao jogo das aparências: habituados à ética do cinema somos quase incapazes de imaginar heróis complexos. Queremos que os maus sejam maus e os bons trabalhem durante 24 horas sem tempo para descansar ao domingo. Por isso nem actores nem espectadores conseguem já suportar a realidade: os pecados repartem-se por todos, mas ninguém quer assumir os seus. Como a obesidade ou a celulite, a culpa é hoje um conceito relativo.

Em Portugal, como já muitos disseram, a culpa é uma solteirona, como se dizia antigamente. Não casa com ninguém. Olha-se para a estreita estrada municipal (outrora nacional), num equilíbrio instável entre pedreiras, e julga-se estar a assistir a uma imagem da Lua ou de Marte. Não é: fica ali, junto a Borba. A estrada era uma equilibrista: lutava para não cair, sem rede por baixo. Mas não estávamos num circo, ou julgávamos não estar. Como sempre acontece em Portugal ninguém viu, ninguém tomou decisões, ninguém fez vistorias, ninguém interditou. Todos sabiam e ninguém sabia. Agora que o desastre anunciado aconteceu, com mortos à mistura, prometem-se inquéritos rigorosos. O costume. É esta a fragilidade do nosso país: desenrascamo-nos. Fazemos isso com a dívida pública e privada, com o estacionamento, com os negócios, com os aeroportos, com as alas pediátricas. Esperteza saloia e desenrascanço. Até que batemos com a cabeça na parede e ficamos com um galo. Mas depois esquecemos. E tudo volta à velha fórmula.»

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Brexit? É isto


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Estivadores e vergonha numa manhã de nevoeiro




Se este país se encher algum dia de coletes amarelos, como em França, tentem arrastá-los um a um, como fizeram hoje aos cor de laranja, e verão o trambolhão que apanham.

(E Marcelo? Já foi a Setúbal confortar os estivadores?)
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21.11.18

Magritte, 21.11.1898


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O grande réveillon de Brasília




«Para o segmento hoteleiro de Brasília, o réveillon é uma época de vacas magras. Na virada do ano, os estabelecimentos do setor registram, historicamente, uma média de 25% de ocupação dos leitos. Mas a posse do presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL), deve aquecer a economia da capital federal e lotar os hotéis da cidade. Os empresários esperam uma ocupação de até 80% dos quartos no ano-novo, graças à chegada de milhares de cidadãos, autoridades e chefes de Estado estrangeiros para a celebração do início da gestão Bolsonaro. Caravanas partirão de várias partes do Brasil, com simpatizantes do capitão da reserva e futuro presidente.»
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21.11.1975 – O juramento no Ralis



Há quem não tenha idade para o recordar ao vivo e a cores, há os que ainda se lembram com terror do que sentiram com aquilo que o juramento no Ralis podia prenunciar e há aqueles a quem nunca será roubada a utopia de um acto que pertence a uma herança que ainda hoje os mantém de pé no presente e perante o futuro.

A quatro dias do 25 de Novembro, o juramento de bandeira dos cento e setenta novos recrutas do RALIS ficou para a História – queira-se ou não.



Imagens e palavras quase surrealistas quando vistas e ouvidas hoje, mas que funcionam para muitos como uma espécie de relíquia de «um sonho lindo que acabou». Um caminho que ficou para trás mas que não se apaga – nunca.

A notícia no Diário de Lisboa do dia:


O populismo entre nós



«O sucesso eleitoral de movimentos e líderes populistas conservadores um pouco por todo o mundo (EUA, Brasil, Filipinas, Turquia, Itália, França, Alemanha, etc.) suscita apreensão nos países que ainda não foram contagiados pelo vírus. Em Portugal vários grupúsculos e pequenos líderes tentam aproveitar o ar dos tempos, aspirando a tornar-se os Trumps, Bolsonaros ou Salvinis lusitanos. Até prova em contrário, estas imitações de baixa qualidade parecem condenadas ao fracasso. Isso não significa, porém, que o país esteja livre de populismos da mesma espécie. Os riscos, porém, vêm de outras paragens, a mais óbvia das quais já é antiga, mas perdura por boas e más razões - o populismo territorial.

Não faltam em Portugal sinais de propensão ao populismo de base territorial às mais variadas escalas. É o norte contra o sul. É o interior contra o litoral. São os arquipélagos contra o continente. É o Porto contra Lisboa. São as cidades médias contra as metrópoles de Lisboa e Porto. É Guimarães contra Braga, Viseu contra Coimbra e várias outras cidades médias contra outras urbes de dimensão semelhante. São os subúrbios contra o centro das cidades. São as zonas rurais contra as zonas urbanas nos municípios do interior. São, enfim, grande parte dos municípios contra os outros, ou os bairros e as freguesias contra os vizinhos do lado.

Os porta-vozes do populismo territorial não vêm geralmente de fora do sistema político-partidário existente, ainda que procurem distinguir-se dele. Alberto João Jardim, o caso mais destacado, foi durante décadas eleito como cabeça-de-lista, líder regional e dirigente nacional de um dos maiores partidos portugueses. Os inúmeros presidentes de câmara, presidentes de juntas de freguesia, presidentes de regiões autónomas ou comissões de desenvolvimento regional e deputados que produziram discursos mais ou menos populistas baseados na defesa dos interesses ou da identidade dos "seus" territórios - Daniel Campelo, conhecido como o "deputado limiano", foi outro caso marcante - vieram quase sempre do seio dos principais partidos e, em geral, neles se mantiveram. De fora do sistema político nenhum exemplo se aproxima de Pinto da Costa, que porém nunca concretizou a ameaça velada de se envolver directamente na vida política.

Como escrevi acima, existem bons motivos para o surgimento de vozes que reivindicam mais e melhor para os diferentes territórios. Em qualquer país os responsáveis políticos tendem a dar mais atenção às cidades onde se localizam os centros de poder do que às regiões mais distantes. Qualquer que seja a zona do mundo ou a escala geográfica, o poder nunca está homogeneamente distribuído pelo território e quem está mais longe dos centros de decisão quase tem menos influência na distribuição de recursos. A representação dos interesses e das aspirações de base territorial é por isso necessária à construção de uma democracia inclusiva, tal como o são as representações dos interesses de classe, de grupo profissional, de etnia, de género, etc. Ainda é mais assim em Portugal, um dos países com maior nível de centralização de poderes entre as economias mais avançadas.

Se existem bons motivos para as reivindicações de base territorial, não faltam casos em que a suposta defesa das populações locais ou regionais é usada como instrumento por quem prossegue interesses essencialmente particulares. Muitas vezes os representantes do populismo territorial, falando em nome de todos os conterrâneos e evocando uma identidade colectiva distintiva, acusam os poderes centrais de se apoderarem dos recursos que são de todos, quando eles próprios concentram recursos que estão muito mal distribuídos nas suas regiões. Muitas vezes, a reivindicação da descentralização de poderes tem menos que ver com o reforço da coesão social e da democracia inclusiva - que em muitos casos poderia sair prejudicada caso as reivindicações fossem satisfeitas - do que com a pretensão de grupos locais de verem o seu poder aumentado para benefício próprio.

Não julguemos que este risco é menor em Portugal por ser uma nação antiga e relativamente homogénea. Oitocentos anos de história implicam que o país teve muito tempo para se organizar como mercado unificado. Quando há forte integração económica há especialização produtiva entre regiões. Quando as regiões produzem bens e serviços distintos, as suas economias evoluem a ritmos diferentes. Diferentes ritmos de crescimento económico e de criação de emprego entre regiões criam parte das condições sobre as quais o populismo territorial assenta.

Os argumentos do populismo territorial chegam a ser caricatos: se a economia da "nossa" terra está a crescer relativamente pouco é porque as outras não têm solidariedade; se está a crescer acima da média é porque os outros "nos" estão a puxar para trás. De uma forma ou de outra, os "outros" são sempre acusados de extrair recursos que são "nossos". Os argumentos podem ser risíveis e a lógica subjacente é frequentemente perversa, mas hoje sabemos que isso não impede o sucesso deste tipo de populismo.

Num momento em que se discute - e ainda bem - a descentralização de competências para as autarquias e se volta a falar de regionalização em Portugal, é conveniente não minimizar os riscos associados ao populismo de base territorial. Os maiores perigos para a preservação de uma sociedade decente vêm frequentemente de onde não estamos a ver.»

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20.11.18

França: a situação é mais grave do que parece




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Dica (828)



¿Hacia dónde va Europa? (Jürgen Habermas) 

«En definitiva, si me preguntan, no como ciudadano sino como observador académico, cuál es mi valoración general, reconozco que no veo muchas señales que permitan ser optimistas. Por supuesto, los intereses económicos son tan evidentes y tan poderosos —a pesar del Brexit— que parece poco probable que la eurozona se venga abajo. Y ahí está implícita la respuesta a mi segunda pregunta: por qué se mantiene la eurozona. Incluso para los defensores de un euro del norte, los peligros que entrañaría la separación del sur son incalculables. Y en cuanto a la posibilidad de separación de un Estado del sur, acabamos de ver el caso del Gobierno italiano actual, que, pese a sus ruidosas e inequívocas declaraciones durante la campaña electoral, se ha apresurado a ceder, porque una de las consecuencias visibles de marcharse sería encontrarse con una deuda insostenible. Claro que eso tampoco es muy alentador. Asumámoslo: si persiste la aparente relación entre el distanciamiento económico de los miembros de la eurozona y el fortalecimiento del populismo de extrema derecha, nos encontraremos en una trampa que podrá erosionar todavía más las condiciones sociales y culturales necesarias para la existencia de una democracia vital y segura. Esta no es más que una hipótesis pesimista, desde luego. Pero la experiencia y el sentido común nos dicen que el proceso de integración europea está en una deriva peligrosa. El punto en el que no hay vuelta atrás no se ve hasta que es demasiado tarde.»
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Mr. Centeno, I presume




«Eu devo confessar-lhe que, por isso mesmo, foi para mim tão desconcertante vê-lo gravar um vídeo em que celebrou a devastação económica que foi imposta à Grécia, uma devastação, aliás, que a maioria parlamentar que o apoia recusou. E é por isso também que para mim é desconcertante vê-lo encabeçar as ameaças a um Governo, que por muito pouco que gostemos dele, foi eleito pelos italianos. E que, com essas ameaças, como estamos a ver, só vai saindo cada vez mais reforçado.»
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A discussão inexistente



«Há uma história antiga que tem muito que ver com a situação portuguesa actual. Quando George Bernard Shaw, dramaturgo e prémio Nobel da Literatura, falava de arte a um empresário teatral este falava-lhe de dinheiro, e quando Shaw falava de dinheiro aquele falava-lhe de arte. A dúvida metódica portuguesa actual confunde-se com dívida. Quando António Costa fala de touradas fala de dinheiro e quando Manuel Alegre fala de corridas de touros esquece-se do dinheiro. No fundo, o alarido nacional à volta de o IVA das touradas ser de 6% ou 13% não tem que ver com a discussão séria que poderia haver: devem, ou não, existir touradas? Mas, como sempre, em Portugal mistura-se tudo para que, depois, não se tome uma decisão sobre nada. Dela vai sobrar apenas Manuel Alegre, a "voz moral" que sempre conviveu com o "status quo" partidário quando lhe convinha. Nada mais. Discute-se touradas como se fosse uma questão de "civilização" ou de "liberdade", mas evita-se fazer a definitiva pega de cernelha: que política de cultura se quer para Portugal? Que estratégia deve ser seguida? E como é que ela pode e deve ser paga?

Não há, como se sabe, uma ideia de política cultural para o país. Exceptuando alguns "árbitros do gosto" que por aí cirandaram, a evocação da cultura serviu apenas, durante décadas, para a classe política pendurar na lapela nomes que lhes davam "credibilidade" antes das eleições. Nunca a cultura foi considerada como um pilar estratégico da nação. Pensa-se nos monumentos em momentos de turismo sedento, mas fora dessas eras de excitação, ficam a apodrecer (basta ir ao Palácio da Ajuda, sede do Ministério da Cultura, para ver como o património é tratado no país). Fala-se de estratégia audiovisual, mas é tudo para inglês ver. A sorte é haver criadores e artistas que são uma espécie de aldeias de Astérix num país que despreza a cultura, a sua história e a sua memória. Não se discute cultura: grita-se por causa das touradas e, brevemente, do tiro aos pombos. Enquanto isso o país torna-se analfabeto. E fica feliz com isso.»

Fernando Sobral
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19.11.18

Levante o braço quem nunca recorreu ao dr. Google


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É ouro, senhores



«Chegar à União Europeia não é igual para toda a gente, já se sabe. Em vários países da União Europeia - treze mais em concreto - ter dinheiro é condição de porta aberta. Já se o assunto for fugir à morte ou procurar trabalho, a conversa é bem diferente. O caso a que me refiro é o dos vistos gold. Portugal integra a lista de países com práticas mais questionáveis a este respeito. Não sou eu quem o diz, os dados vêm do Consórcio Global Anticorrupção e da Transparency International.

Corrupção, lavagem de dinheiro e crime organizado são apenas algumas das práticas que se vinculam a estes esquemas, que em Portugal foram introduzidos em 2012 a pretexto da necessidade de investimento estrangeiro e da criação de emprego. Não é preciso saber de onde vem o dinheiro, basta que ele chegue. Da mesma maneira, não é preciso criar muito emprego, basta fingir.

Nesta semana voltámos a ter novidades sobre estes esquemas e a fotografia não melhorou. No caso de Portugal basta um investimento a partir de 350 mil euros e residir no país durante uma semana no primeiro ano e duas semanas nos anos subsequentes para se ter acesso direto ao direito de residência e, assim, circular livremente em todo o espaço Schengen. É imoral e facilita todo o tipo de corrupção.

Desde 2012 e até janeiro de 2018 tinham sido emitidas 5717 autorizações de residência em Portugal, aos quais se juntaram 9559 ao abrigo da reunificação familiar. Estas autorizações são renovadas a cada dois anos. Se o investimento é necessário - e sobre isso não há dúvidas -, o esquema definido para obtê-lo é altamente questionável. Sem transparência - até agora nunca foi publicada a lista de beneficiários -, sem controlo da origem do dinheiro e com elevadas suspeitas de corrupção, estamos longe de poder dizer que o investimento compensa o mal que faz. Há algum tempo, numa entrevista, a minha colega deputada Ana Gomes respondia assim a uma pergunta: "Se tudo for justificado pelo benefício económico, então entremos diretamente no negócio das drogas." Ana Gomes tem razão. Não há nada que nos garanta que este esquema não esteja a promover lavagem de dinheiro e evasão fiscal em grande escala. Não será por acaso que vivem em Portugal, através deste esquema, alguns dos principais suspeitos na Operação Labirinto, que trata precisamente de corrupção e do tráfico de influência ligados aos vistos gold.

No relatório recentemente apresentado no Parlamento Europeu há um apelo ao fim dos vistos gold no espaço europeu. A própria Comissão Europeia já alertou para os problemas de segurança que estes esquemas podem trazer para o espaço Schengen. Às autoridades nacionais exige-se que publiquem todos os dados e que tomem a iniciativa de pôr fim aos vistos gold.

Há muitas áreas em que se vê a política de dois pesos duas medidas no espaço europeu, mas esta é uma das mais gritantes e imorais. A quem tem dinheiro tudo é permitido. A quem procura salvar-se tudo é negado. A complacência com os vistos gold contrasta com a desumanidade face a migrantes e refugiados. Não é tarde para lidar nem com uma nem com outra.»

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Nova sondagem





Boas notícias: PS bem longe da maioria absoluta, a direita pelas ruas da amargura.

«A intenção de voto no PS caiu este mês para 37,8%, uma baixa de um ponto percentual face a outubro, revela o barómetro da Aximage. Os socialistas mantêm-se, ainda assim, à frente da sondagem, seguidos pelo PSD, que é a escolha de 26,4% dos inquiridos (mais 2,4 pontos do que há um mês). O Bloco de Esquerda mantém-se estável nos 9,1%, enquanto que CDS e CDU caem, respetivamente, para 7,7% e 6,2%.»

«Entre os líderes partidários, é Catarina Martins - Bloco de Esquerda - que está agora na frente com 11,1 pontos. Jerónimo de Sousa, secretário-geral do PCP, surge com 10,4 pontos, logo atrás de Costa, enquanto que a presidente do CDS, Assunção Cristas, recebe uma nota de 8,5.»

Ler mais AQUI.
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No, Minister!



«A Grã-Bretanha sempre desconfiou da Europa e esta nunca confiou em Londres. Está tudo exemplarmente descrito num velho episódio de "Sim, Sr. Ministro".

Nele, o secretário permanente Sir Humphrey diz: "Ministro, a Grã-Bretanha tem a mesma política externa há pelo menos 500 anos: criar uma Europa desunida. Por isso lutámos com os holandeses contra os espanhóis, com os alemães contra os franceses, com os franceses e italianos contra os alemães e com os franceses contra os alemães e os italianos. Dividir e reinar. Porque é que iríamos mudar agora, se correu tão bem?" Jim Hacker fica perturbado e Humphrey continua: "Tínhamos de destruir essa coisa, a CEE, e por isso tivemos de entrar nela. Tentámos quebrá-la do exterior, mas isso não funcionou."

Mesmo não entrando para o euro e, com isso, impedindo que, com a força do petróleo do mar do Norte, a moeda europeia fosse uma alternativa global ao dólar, a Grã-Bretanha não conseguiu quebrar o sonho hegemónico europeu de Paris e Berlim. Agora depara-se com a mais temível consequência da sua estratégia: a Europa uniu-se para humilhar o Reino Unido e este entrou em clima de guerra civil. Todos estão contra todos: tories contra tories, trabalhistas contra tories, escoceses contra ingleses, londrinos contra quem não é da capital. Para dividir ainda mais as hostes, a fronteira irlandesa é uma enxaqueca sem fim.

Este já não é um dilema de Hamlet, entre ser ou não ser. É entre ser sem o parecer. As tropas do Brexit, com Jacob Rees-Mogg à frente, parecem a carga da brigada ligeira: conduzem um país essencial à Europa para o suicídio. A Europa, extasiada e incapaz de perceber as consequências catastróficas da humilhação de Londres, prepara a espada para o haraquíri. O Reino Unido era fundamental para equilibrar as tentações de liderança de Berlim e os arrufos de Paris. Agora, se Theresa May cair, é expectável o caos no Reino Unido: não há um líder alternativo para unir, apenas grupos para desintegrar o que ainda existe. Sir Humphrey há-de regressar um dia para explicar que estratégia há para a política interna britânica.»

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18.11.18

Manuel António Pina, ainda


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18.11.1943 - Manuel António Pina, 75



Sim, faria, faz hoje 75 anos porque continua bem vivo connosco. Mas todos gostaríamos de continuar a saber o que pensaria da espuma dos dias que correm, a ler novos poemas, a saber como se comportavam os seus gatos.

A reler: uma entrevista que Anabela Mota Ribeiro fez quando MAP tinha 65 anos.

A rever: o trailer de um excelente filme de Ricardo Espírito Santo.





A recordar: a última crónica que publicou no JN:

Coisas sólidas e verdadeiras (01.08.2012)

«O leitor que, à semelhança do de O'Neill, me pede a crónica que já traz engatilhada perdoar-me-á que, por uma vez, me deite no divã: estou farto de política! Eu sei que tudo é política, que, como diz Szymborska, "mesmo caminhando contra o vento/ dás passos políticos/ sobre solo político". Mas estou farto de Passos Coelho, de Seguro, de Portas, de todos eles, da 'troika', do défice, da crise, de editoriais, de analistas!

Por isso, decidi hoje falar de algo realmente importante: nasceram três melros na trepadeira do muro do meu quintal. Já suspeitávamos que alguma coisa estivesse para acontecer pois os gatos ficavam horas na marquise olhando lá para fora, atentos à inusitada actividade junto do muro e fugindo em correria para o interior da casa sempre que o melro macho, sentindo as crias ameaçadas, descia sobre eles em voo picado.

Agora os nossos novos vizinhos já voam. Fico a vê-los ir e vir, procurando laboriosamente comida, os olhos negros e brilhantes pesquisando o vasto mundo do quintal ou, se calha de sentirem que os observamos, fitando-nos com curiosidade, a cabeça ligeiramente de lado, como se se perguntassem: "E estes, quem serão?" Em breve nos abandonarão e procurarão outro território para a sua jovem e vibrante existência. E eu tenho uma certeza: não, nem tudo é política; a política é só uma ínfima parte, a menos sólida e menos veemente, daquilo a que chamamos impropriamente vida.»
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Vamos a caminho


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A caravana



«Uma enorme massa humana começa a chegar à fronteira entre o México e os EUA. Vão juntos para se protegerem de traficantes e gangues. Deviam acordar consciências, mas Trump prefere o medo à inteligência coletiva. Entre os louros da situação económica e o perigo da invasão dos esfaimados, preferiu escolher o ódio para caçar votos. E resultou. Mas vale a pena ir ao começo desta caravana. Eram apenas mil em fuga do desemprego e do crime. Partiram de San Pedro Sula, uma das cidades mais perigosas do país, com mais homicídios por cem mil habitantes no mundo. A notícia espalhou-se e muito mais hondurenhos (85% dos cinco mil) e migrantes de outros países juntaram-se à caravana rumo aos EUA. Que culpa têm os norte-americanos da desgraça alheia? Não vou falar de décadas de colonialismo económico, promoção de golpes militares e apoio a ditaduras. Teria de recuar a 1957, quando Jacobo Arbenz foi destituído por ter posto em causa o monopólio da United Fruit Company na Guatemala. Este espaço não chegaria para a lista de crimes cometidos pelo “farol da democracia” na América Central. Tiremos-lhe dos ombros o pesado fardo da culpa. É passado. Será?

Em 2009, as Honduras tinham como presidente Manuel Zelaya. Vindo da direita, estava bem longe de ser um revolucionário quando chegou à presidência. Era um patriota que queria os mínimos de decência e igualdade na sua miserável pátria. No curto período em que teve o direito de governar, fez grandes investimentos na saúde e na educação e aumentou o salário mínimo. Até que a tentativa de referendar uma alteração da Constituição deu a desculpa para os que compram presidentes e mantêm os hondurenhos na miséria o fazerem cair. Os militares capturaram Zelaya, enfiaram-no num avião e largaram-no, de pijama, num aeroporto da Costa Rica. Ao parlamento, entregaram uma carta de renúncia falsa. Tínhamos voltado aos velhos golpes militares da América Latina. O mundo condenou. Até Obama. Só que os EUA souberam e apoiaram o golpe. E garantiram que Zelaya não voltava. Em “Decisões Difíceis”, Hillary Clinton esclarece como impediu o regresso do presidente eleito, contrariando a Organização de Estados Americanos (OEA) e a ONU: “Nos dias que se seguiram ao golpe, falei com os meus homólogos de todo o hemisfério, inclusive a secretária Patrícia Espinosa, do México, com o objetivo de ‘rapidamente’ organizar eleições que resultariam na irrelevância da questão Zelaya.” Depois disso, a taxa de homicídios aumentou 50%, a repressão política e social é brutal, as instituições colapsaram e a situação do país é calamitosa.

Daniel Oliveira
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