18.11.18

A caravana



«Uma enorme massa humana começa a chegar à fronteira entre o México e os EUA. Vão juntos para se protegerem de traficantes e gangues. Deviam acordar consciências, mas Trump prefere o medo à inteligência coletiva. Entre os louros da situação económica e o perigo da invasão dos esfaimados, preferiu escolher o ódio para caçar votos. E resultou. Mas vale a pena ir ao começo desta caravana. Eram apenas mil em fuga do desemprego e do crime. Partiram de San Pedro Sula, uma das cidades mais perigosas do país, com mais homicídios por cem mil habitantes no mundo. A notícia espalhou-se e muito mais hondurenhos (85% dos cinco mil) e migrantes de outros países juntaram-se à caravana rumo aos EUA. Que culpa têm os norte-americanos da desgraça alheia? Não vou falar de décadas de colonialismo económico, promoção de golpes militares e apoio a ditaduras. Teria de recuar a 1957, quando Jacobo Arbenz foi destituído por ter posto em causa o monopólio da United Fruit Company na Guatemala. Este espaço não chegaria para a lista de crimes cometidos pelo “farol da democracia” na América Central. Tiremos-lhe dos ombros o pesado fardo da culpa. É passado. Será?

Em 2009, as Honduras tinham como presidente Manuel Zelaya. Vindo da direita, estava bem longe de ser um revolucionário quando chegou à presidência. Era um patriota que queria os mínimos de decência e igualdade na sua miserável pátria. No curto período em que teve o direito de governar, fez grandes investimentos na saúde e na educação e aumentou o salário mínimo. Até que a tentativa de referendar uma alteração da Constituição deu a desculpa para os que compram presidentes e mantêm os hondurenhos na miséria o fazerem cair. Os militares capturaram Zelaya, enfiaram-no num avião e largaram-no, de pijama, num aeroporto da Costa Rica. Ao parlamento, entregaram uma carta de renúncia falsa. Tínhamos voltado aos velhos golpes militares da América Latina. O mundo condenou. Até Obama. Só que os EUA souberam e apoiaram o golpe. E garantiram que Zelaya não voltava. Em “Decisões Difíceis”, Hillary Clinton esclarece como impediu o regresso do presidente eleito, contrariando a Organização de Estados Americanos (OEA) e a ONU: “Nos dias que se seguiram ao golpe, falei com os meus homólogos de todo o hemisfério, inclusive a secretária Patrícia Espinosa, do México, com o objetivo de ‘rapidamente’ organizar eleições que resultariam na irrelevância da questão Zelaya.” Depois disso, a taxa de homicídios aumentou 50%, a repressão política e social é brutal, as instituições colapsaram e a situação do país é calamitosa.

Daniel Oliveira
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