12.4.25

E são todos azuis

 


Frascos de perfume.
Thomas Webb.


Daqui.

Saudades destes tempos?

 


Sei lá, sei lá… Mas para pior já basta assim.

Montserrat Caballé

 


Monserrat Caballé faria hoje 92 anos e morreu com 85. Vale sempre a pena recordá-la:




E o que nunca será esquecido: em 1988, gravou com Freddie Mercury o álbum Barcelona. Quatro anos depois, na abertura dos jogos olímpicos naquela cidade, já sem a presença do cantor, que morrera em 1991, interpretou a mítica canção, num impressionante dueto virtual, que viria a ser repetido em 1999, antes da final da UEFA Champions League.



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Quadro de honra/Quadro da vergonha

 


«Há uma coisa em que nunca me enganei: quem é Donald Trump e ao que vinha. Embora nenhuma personagem-tipo da Commedia dell’Arte seja perfeita para caracterizar Trump, ele é um misto de Il Capitano, o mais célebre dos quais é Scaramuccia, com um dos Vecchi, Pantalone, e é neste sinistro Carnaval que estamos metidos.

Escrevi há algum tempo sobre as suas “vantagens” – hesitei e hesito em dizer qualidades –, mas isso não é muito relevante, e como elas revelam aspectos da erosão interior das democracias. Referi que tinha “carisma”, qualificação que só pode surpreender aqueles que estão habituados ao uso vulgar da palavra para designar pequeninos políticos nacionais com alguma fama mediática mais extravagante. “Carisma” é outra coisa e aplica-se inteiramente a Trump, e não é por estar todos os dias metade do tempo a fazer o seu show televisivo e três dias da semana a jogar golfe e, obviamente, a ganhar tudo. Ainda me lembro de quando se ironizava com Fidel Castro porque jogava com uma equipa de basquetebol constituída pelos seus seguranças e ganhava tudo.

Na verdade, Trump usou e usa em todo o seu esplendor as suas capacidades mediáticas, mostrando o que é, no limite, a completa subjugação do Logos e do Ethos ao Pathos característica do contínuo político-mediático actual. E ninguém como ele vai mais longe em tornar os tempos actuais “interessantes”, o que é, como se sabe, uma maldição. E caracterizei o que se estava a passar nos EUA sob a sua presidência como uma “revolução”, o que, de novo, só pode surpreender quem acha que a palavra só pode ser usada para casos como os da Rússia de 1917, ou da China, ou de Cuba.

Classifiquei-o de, com Putin, ser o par mais perigoso do nosso tempo, com todas as vantagens para Putin, que o domina pela exploração da sua motivação única, a vaidade. Disse que, em toda esta questão da guerra contra a Ucrânia, ele se está literalmente “marimbando para todos”, russos e ucranianos, e que quer apenas poder um dia, num tweet na sua rede social Truth Social, dizer que fez a “paz” pela sua força e pelo seu génio.

Acresce que eu penso mesmo que ele não é bom da cabeça, signifique isso o que significar, e que o seu narcisismo é patológico. Não é muito relevante esta minha convicção, a não ser para achar patética a tentativa de encontrar racionalidade no que ele faz, com as habituais justificações que a imaginação académica encontra, desde o “transaccionável”, à “art of the deal”, ao estertor do capitalismo americano. Uma coisa, no entanto, ele está a fazer: a transformar os EUA numa oligarquia autoritária, a caminho para um regime sem lei, de violência, perseguição, censura e exclusão, e isso basta-me para fazer, com os meus frágeis meios, resistência. Uma forma é esta: como o modo como se lida com ele, mesmo à distância portuguesa, é relevante, fica aqui uma dupla de dois quadros contrários para que se louve a coragem e a espinha direita, e se punam os covardes e os sicofantas que são a sua força. Será periodicamente renovado.




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11.4.25

Janelas muitas

 


Janelas Arte Nova de diversos formatos na Bélgica e em França. Cerca de 1900.

Daqui.

11.04.1964 – A cooperativa PRAGMA – Uma bela história

 


Se é totalmente incorrecto fazer coincidir o início da oposição dos católicos ao salazarismo com a década de 60, não há dúvida que foi nela que se deu a verdadeira explosão de actividades daquela oposição. Dois factores contribuíram decisivamente para que isto acontecesse: dentro da Igreja, as perspectivas de abertura criadas pelo Concílio Vaticano II e o conservantismo da Igreja portuguesa; na sociedade em geral, a ausência de liberdades elementares e a manutenção da guerra colonial, com todas as insuportáveis consequências que arrastou. Ao invocarem a sua condição de católicos em iniciativas cada vez mais radicais, aqueles que o fizeram atingiram um dos pilares ideológicos mais fortes do regime e este foi acusando o toque.

É certo que se tratou de uma oposição que manteve sempre uma certa informalidade organizativa. Concretizou-se em iniciativas e instituições, mais ou menos ligadas entre si através dos seus membros, mas, em parte propositadamente, sem uma estruturação sólida e definida. Daí derivaram fraquezas e forças e, definitivamente, características específicas.

A Pragma foi uma dessas instituições – com uma importância e projecção ainda relativamente desconhecidas. Foi fundada por um grupo de católicos, em 11 de Abril de 1964, como uma «Cooperativa de Difusão Cultural e Acção Comunitária». Porquê uma cooperativa? Porque foi a forma de tirar o partido possível de uma lacuna legislativa: as cooperativas não tinham sido abrangidas pelas limitações impostas ao direito de associação e, por essa razão, nem os seus estatutos eram sujeitos a aprovação legal, nem a eleição dos seus dirigentes a ratificação pelas entidades governamentais. Forçando uma porta entreaberta por um lapso do poder, os fundadores da Pragma puseram mais uma peça no puzzle da oposição ao regime – cuidadosa e imaginativamente.

Desde o seu núcleo inicial, a Pragma não se restringiu ao universo «intelectual» e incluiu também sócios provenientes do meio operário, nomeadamente dirigentes e militantes das organizações operárias da Acção Católica. Os horizontes abriram-se rapidamente e muitos dos seus futuros membros nem sequer seriam católicos. Aliás, a Pragma acabou por funcionar também como uma espécie de plataforma aglutinadora de elementos da esquerda não-PC que, por não estarem integrados em qualquer estrutura organizativa, nela identificaram um espaço de debate e de encontro (foi o caso, por exemplo, de muitos activistas das lutas estudantis de 1962).

Subjacente a este novo projecto estava, obviamente, um posicionamento de oposição ao regime como um todo, à falta de liberdades, à guerra de África. Pretendeu-se explorar mais uma janela legal de oportunidades, complementar outras iniciativas, criar possibilidades para acções concretas e úteis, aumentar a consciência política e social de um número cada vez maior de pessoas.

Mais detalhes aqui.
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Já cá chegaram

 


Notícia detalhada AQUI.

Um pouco mais de azul (28)

 




O “choque de Trump”

 


«O cálculo das tarifas de Trump não resulta das que são cobradas por outros países, mas da extensão do défice comercial dos EUA com esses parceiros comerciais. Por isso, Trump diz que a UE lhe cobra 39%, apesar de andar pelos 3%. O modelo faz tão pouco sentido que, diz Paul Krugman, parece tirado de uma resposta do ChatGPT. Um dos países mais protecionistas, o Brasil, fica com tarifas de 10%, e pequenos países produtores de café ou baunilha, que os EUA nunca irão produzir na quantidade que consomem, terão de pagar cerca de 50%. Esta discricionariedade, associada ao modo circense como foi apresentada, leva a que um debate complexo desça ao nível de Trump na sua simplificação moral e política.

As tarifas são um instrumento económico que pode estar certo ou errado, não são a antecâmara do fascismo. Biden teve políticas protecionistas. As tarifas europeias aos carros elétricos chineses só estão erradas porque estão associadas ao adiamento do fim do motor a combustão. É a diferença entre a proteção de uma indústria nascente, que precisa de tempo até ser exposta à concorrência global, e a proteção de uma indústria moribunda. E este debate nem é novo nos EUA. Esteve presente na sua fundação, em que venceram os defensores da indústria emergente com subsídios e tarifas. Só que passaram 250 anos. Agora, não se trata de promover a industria¬lização de uma economia em desenvolvimento, mas de proteger um dos países tecnologicamente mais desenvolvidos do mundo da concorrência emergente. Sim, os Estados Unidos têm um problema com o seu défice comercial crónico. Mas, além de ser um erro ignorar o investimento no exterior e a entrada de capital, isso é largamente compensando pelo “privilégio exorbitante” do dólar, como lhe chamou Giscard d’Estaing. Como já se adivinha, as tarifas de Trump terão péssimas repercussões imedia¬tas. A longo prazo, poderá haver (ou não) uma deslocalização da produção ou uma renegociação das relações comerciais. É uma incógnita. Mas o que tem falhado, alimentando o ressentimento do povo americano, são os mecanismos de redistribuição da riqueza criada pelo grande vencedor da globalização.

Quando atravessámos a pandemia e sempre que temos debates sobre a sustentabilidade do planeta chegámos à conclusão que era inevitável que as cadeias de produção e consumo viessem a ser encurtadas. Os efeitos da covid na economia global, com o mundo parado porque a sua fábrica tinha fechado, assim como as sucessivas crises financeiras, obrigaram-nos a concluir que é bom as economias estarem interligadas, mas indispensável haver espaço de recuo para que tudo não colapse com um sopro. Com a ameaça destas tarifas, mostrando como o mundo pode ficar refém de um homem, concluiremos o mesmo. Muitos a avisaram que haveria alguma desglobalização. Claro que a Europa e os EUA não regressarão aos seus tempos industriais, mas este era um caminho anunciado. Só que a inevitabilidade foi deixada a um palhaço. Assim, acontece de forma apalhaçada e provavelmente incompetente.

Apesar de tudo o que é disparatado em Trump, não estamos a assistir a um mero disparate, mas a uma mudança sistémica que não começou nem acabará com Trump. Yanis Varoufakis compara este momento ao choque provocado por Richard Nixon, em 1971, com o cancelamento unilateral da conversibilidade internacional direta do dólar em ouro, abolindo, na prática, o sistema de Bretton Woods. Um “choque” com efeitos disruptivos que contribui¬riam para a vitória do neoliberalismo. O que Trump está a fazer parece caótico, mas o “choque de Nixon” também não parecia racional. Só nacionalismo económico. O que vivemos é a continuação de uma luta pela hegemonia, que pode correr bem ou mal aos EUA, como podia a de Nixon. Depende de como o mundo reagir.

A era que chega ao fim, que correspondeu à financeirização do capitalismo, a um brutal aumento da desigualdade e a uma extraordinária concentração de riqueza, não será de boa memória para os trabalhadores da Europa e dos EUA. A vitória de homens como Donald Trump é, aliás, prova disso. A que agora começa tem tudo para ser pior. Por isso, talvez fosse bom, no meio de tantas lágrimas pelo passado, termos alguma coisa a dizer sobre o futuro. Não sei se foi a venda em massa de títulos dos EUA, a pressão do secretário do Tesouro ou a irritação dos bilionários que determinou a pausa nas tarifas. Sei que, segundo o “Financial Times”, a Europa aceitaria comprar mais gás americano, aumentando a sua dependência e abrandando a transição energética, se Trump recuasse. Não lhe está a correr assim tão mal. Temo que as crónicas sobre Trump sejam semelhantes às que escrevemos sobre Putin: de derrota em derrota até à vitória final.»


10.4.25

Licores

 


Jarro Arte Nova para licor, em cerâmica com craquelê e bronze.
Designer não mencionado.

Daqui.

Os extremismos que nos querem esconder

 


«Está a causar algum clamor o facto de no Relatório Anual de Segurança Interna (RASI) ter sido censurado - porque é de censura que se trata - um capítulo dedicado à extrema-direita, uma análise atribuída à Polícia Judiciária (PJ), que aprofundava com alguma pertinência o impacto em Portugal da atividade de alguns destes grupos extremistas.

O Sistema de Segurança Interna (SSI) justificou que essa tinha sido “uma versão de trabalho”, sujeita a “discussão e reformulações” que levaram ao seu apagão da versão oficial publicamente divulgada.

Diga-se que a censura não foi apenas em relação à extrema-direita, mas igualmente à extrema-esquerda, cujo diagnóstico mereceu mais de uma página inteira do tal documento de trabalho e no texto final não mais de três parágrafos. (…)

E esta foi uma decisão política, uma vez que quem tem a responsabilidade máxima pelo texto final do RASI é a secretária-geral do SSI, uma procuradora da República, que está na dependência do gabinete do primeiro-ministro.»

Na íntegra AQUI.

Um pouco de humor

 


10.04.1924 – Sebastião da Gama

 


Seriam 101.

Fazer Portugal Grande Outra Vez

 


«O mundo que conhecemos e em que vivemos, de relativo progresso (mais para uns dos que para outros) e de paz relativa (os ucranianos e os palestinianos terão outra opinião) parece ter os dias contados. Os pilares que permitiam aos europeus (e aos portugueses), pelo menos sonhar com um futuro melhor para si e para os seus, estão a desmoronar-se. Seja o pilar da segurança e defesa, uma peça fundamental para garantir estabilidade a um continente ameaçado por potências militares agressivas e imprevisíveis (Rússia, China e EUA). Seja o pilar da economia, sustentada na capacidade de produzir e no comércio de bens serviços com outros mercados, que Trump ameaça demolir com a sua guerra comercial. Seja o pilar da democracia, que, para além de depender dos dois primeiros, está sob ameaça de forças da extrema-direita, cujo mentor não é outro senão Trump.

Tudo isto pode parecer distante. Em particular quando se vive em Portugal um período de campanha eleitoral em que é “proibido” dar más notícias aos eleitores e, ao contrário, se apostam todas as fichas em garantir que será possível dar alguma coisa a quase todos. É como se vivêssemos numa realidade política, social e económica paralela.

Na ausência de um discurso realista por parte dos dois maiores partidos (PSD e PS), ou seja, de quem vai assumir o próximo Governo, sobra-nos a caricatura caseira de Trump. Num dos debates com que nos vamos entretendo, o líder do Chega disse a quem o quis ouvir que é de mais tarifas que a Europa precisa, elogiando a guerra comercial destrutiva do seu ídolo e mentor. É dessa forma que André Ventura quer “Fazer Portugal Grande Outra Vez”. Como acrónimo FPGOV é bastante mais fraco do que o MAGA (Make America Great Again) de Trump, mas a ideia é a mesma: Ventura aposta tudo num regresso aos tempos do “orgulhosamente sós”.»


9.4.25

Túlipas

 


Vaso túlipa de pasta de vidro ("pâte de verre") ultravioleta, França, fim do século XX.
Daum.

Daqui.

09.04.1942 – Adriano Correia de Oliveira

 


Adriano Correia de Oliveira tinha apenas 40 anos quando morreu. Estudante de Direito em Coimbra, aderiu ao PCP na década de 60, foi activista na crise académica de 1962 e participou num elevado número de actividades culturais, sobretudo naquela cidade universitária.

«Trova do vento que passa», com poema de Manuel Alegre, viria a tornar-se uma espécie de hino da resistência dos estudantes à ditadura. 





Muitos outros temas se juntaram, de um dos nossos mais célebres cantores de intervenção, antes e depois do 25 de Abril.






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09.04.1974 – Pouco antes da democracia



Os principais alvos das organizações de luta armada, que surgiram em Portugal durante o marcelismo, enquadravam-se no protesto contra a guerra colonial. Com uma população desesperada e exausta por partir e ver partir os seus para uma terrível aventura sem fim à vista, tudo o que fosse atingir símbolos da política colonialista da ditadura tinha uma grande repercussão e era objecto de um significativo regozijo, mesmo que discreto e silencioso.

Foi o caso com a acção de sabotagem ao navio Niassa, no dia 9 de Abril, no Cais de Alcântara em Lisboa, no momento em que ia partir para Bissau com um contingente de soldados. Tratou-se de uma iniciativa das Brigadas Revolucionárias (BR) que avisaram a PSP do porto de Lisboa uma hora e quinze minutos antes, para que o navio fosse evacuado.

Há na net vários testemunhos de militares que se encontravam a bordo. Um exemplo:
«Para todos nós que íamos para um cenário de guerra, durante a nossa instrução já tínhamos assistido a rebentamentos de granadas, morteiros etc. mas sempre em situações controladas.
Este rebentamento para todos os presentes foi, surpresa seguida de um descontrole, mas para quem preparou a acção foi controlo completo.
O local onde foi colocado o engenho explosivo assim como a hora da sua detonação foi de tal forma feito a não permitir qualquer baixa, mas não evitou a perda, total ou parcial das bagagens dos companheiros que iam nesse porão.
A explosão verificou-se num dos porões mesmo junto da linha de água, fez um rombo de cerca 80cm nas duas chapas de ferro.
Depois do navio estar completamente evacuado, foi adernado por forma a evitar entrada de água no porão e entretanto começaram a reparação do rombo na parte exterior.
Até à meia noite tivemos de embarcar e na manhã seguinte quando acordamos estávamos no meio do Tejo junto à Ponte.
Neste dia tive oportunidade de me deslocar ao local da deflagração e verifiquei os estragos que provocou.
O rombo interior estava a ser reparado nesta altura.
Na manhã do dia 11 de Abril quando acordámos já navegávamos em alto mar.»

Outro testemunho aqui.

E os preparativos da acção, descritos por quem neles esteve envolvida: 
«A bomba foi dentro de um colete meu. Eu tinha um fato com um colete integrado. Nós cortámos o plástico em fatias e enchemos o forro desse colete, que por sua vez, foi dentro do blusão do militar que transportou a bomba para dentro do navio. Lembro-me de nos preocuparmos com o facto de ele ter de se abraçar à família antes de partir. A bomba não ia explodir, mas a carga plástica ia nesse colete que ele levava vestido e, ao ser abraçado, a família podia aperceber-se de algo anormal.» In Isabel Lindim, Mulheres de Armas, p. 215.
Laurinda Queirós, a «Branquinha», militante das BR, 23 anos em 1974, estudante de Medicina, hoje médica no Porto.
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No Bolhão à vontadinha

 


«Porque outros assuntos se interpuseram, demorei a chegar a um tema que, com a atual velocidade mediática, já parece fora de prazo. Ainda assim, não quero deixar passar como mero episódio de campanha o que aconteceu no Mercado do Bolhão, no Porto, na semana passada. Para que o “sempre se fez isto” não se torne evidente, banalizando o que é inaceitável.

Um governo que aproveita revelações embaraçosas sobre o primeiro-ministro para impor umas eleições num momento que lhe parece economicamente mais conveniente precisa de uma boa dose de descaramento. É de esperar, portanto, que toda a campanha de Montenegro seja a esticar a corda. O governo caiu há poucas semanas e já foram entregues sete queixas por utilização de meios do governo para campanha partidária, que a lei impede. A próxima deverá ser a inauguração de um equipamento de águas ao Algarve pela ministra do Ambiente, cabeça de lista da AD pelo distrito de Faro.

Com mais ou menos intensidade, tudo isto é habitual. Não é de hoje que os partidos no poder usam o governo para fazer campanha eleitoral. Que se multiplicam em inaugurações de novas e velhas obras. Nas últimas décadas, as coisas até melhoraram, porque a maturidade dos eleitores tornou este tipo de propaganda menos eficaz.

A estes abusos, mais habituais em autárquicas, a Comissão Nacional de Eleições foi sempre reagindo, até com excessos, proibindo cartazes meramente informativos que anunciam obras. Alguma coisa terá mudado, segundo acusação de Marcos Perestrello: os membros da CNE nomeados pelo governo, geralmente técnicos de serviços do Estado (houve exceções), passaram a ser chefes de gabinete e assessores, que votam sempre em bloco com o PSD. O que anula o papel essencial do regulador.

O facto de sempre ter havido confusão entre Estado e partido não torna tudo igual. O que aconteceu no Bolhão ultrapassa tudo o que conhecíamos até hoje. Não me recordo de um Conselho de Ministros (inútil e sem agenda) ter sido transformado numa arruada, para a qual foram mobilizados militantes, convocados por SMS pela estrutura partidária local. Mas bate certo com um governo que assina comunicados de imprensa sobre a vida empresarial de Luís Montenegro quando este nem sequer era primeiro-ministro.

Cereja em cima do bolo: o dia foi aproveitado para, em Lisboa, Hugo Soares anunciar a candidatura de Pedro Duarte à Câmara de Porto. Como Pedro Duarte estava no Conselho de Minist... perdão, na arruada, este também foi o momento para, na prática, ali se apresentar como Ministro dos Assunt... perdão, candidato a presidente da Câmara Municipal do Porto. Hugo Soares disse que foi uma “feliz coincidência”. O descaramento com que estes caciques locais, habituados aos pequenos esquemas do pequeno poder, mas agora projetados para o plano nacional, gozam com a inteligência dos cidadãos é mais revoltante do que os seus atos. Lembram-se de Montenegro a passear de barco pelo Douro à procura de um morto, para uma oportunidade de campanha?

Luís Montenegro desvalorizou, como desvaloriza toda a ética política. Disse que nenhum português vai votar na AD por causa daquele momento. O problema não é a eficácia da trafulhice, é a trafulhice. E a trafulhice de usar meios materiais, simbólicos e políticos do Estado para fazer campanha partidária.

A confusão entre Estado e partido é sinal de subdesenvolvimento democrático. Costuma acontecer quando um partido está há demasiado tempo no poder. São os próprios governantes que deixam de conseguir perceber o seu lugar. Na Madeira, governada pelos mesmos há 50 anos, a distinção é impossível e essa é uma das causas da degradação política na região, com altíssimos custos para o seu desenvolvimento e a sua democracia. Mas Montenegro só está no poder há um ano. A velocidade com que ganhou os piores hábitos, o “à vontadinha” com que se comporta, é um aviso para o futuro. Se é assim ao fim de um ano e com uma maioria frágil, imagine-se o que faria com a “estabilidade” que pede.»


Louçã e as Tarifas

 


8.4.25

Fiat lux

 


Candelabro de vidro favril e bronze com seis luzes. Cerca de 1905.
Tiffany Studios, NY.

Daqui.

Depois das eleições falamos disso, OK?

 


«Enquanto o Governo anda mais interessado em fazer campanha para as legislativas, o Mundo vai girando sem que o Executivo demonstre qualquer preocupação pelos sinais de recessão graças a Donald Trump, que, ao dar tiros no pé, também dispara para todos os lados. (…)

Aqui ao lado, em Espanha, o primeiro-ministro Pedro Sánchez anunciou mais de 14 mil milhões de euros em apoios para proteger o país das tarifas de Trump, principalmente as empresas e o emprego. (…)

nquanto Espanha coloca no terreno soluções, Luís Montenegro ainda nem falou sobre o assunto. A única resposta do Governo surgiu mediante um comunicado do Ministério da Economia a prometer reunir-se e a criar “um grupo de acompanhamento”. Ora, todos nós sabemos o que quer dizer quando um governo cria um grupo de acompanhamento ou uma comissão... Ou seja, depois das eleições falamos disso, OK?» 


Jacques Brel nasceu num 8 de Abril



 

Brel chegaria hoje aos 96. É um ritual a que regresso quase todos os anos: recordar que seria hoje um velho se não tivesse adormecido demasiado cedo: «Les vieux ne meurent pas, ils s’endorment un jour et dorment trop longtemps» – disse ele.



Um dos meus monstros sagrados, com um registo especial: tive a sorte de o ver e ouvir, em pessoa, era ele jovem e eu muito mais ainda. Em Lovaina, na Bélgica, num espectáculo extraordinário a que se seguiu, já na rua, uma cena de pancadaria entre valões e flamengos, com bastonadas da polícia e muitas montras partidas à pedrada. Tudo porque Brel, em terra de flamengos, insistiu em cantar um dos seus êxitos – Les Flamandes – onde uma parte das suas compatriotas não é muito bem tratada. Ele era assim.



Algumas das minhas preferidas:







E a inevitável:


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Por bem ou por tarifa

 


«Cem dias depois de regressar à Casa Branca, Donald Trump cumpriu a promessa. As tarifas estão de volta. Mas não vieram sozinhas. Vieram com uma ideia. Um plano. Um ultimato fiscal mascarado de patriotismo económico. Não é uma guerra comercial. É outra coisa. Não é para proteger a indústria. É para reestrurturar a dívida. E os destinatários da fatura não são os adversários. São os aliados.

O arquiteto desta engenharia chama-se Stephen Miran. É o atual presidente do Conselho de Assessores Económicos de Trump. Mas, antes disso, desenhou um manual de instruções com um título inocente — A User’s Guide to Restructuring the Global Trading System — que, na prática, funciona como um roteiro de coerção económica em três tempos. Washington leu. E começou a aplicar.

A tese de Miran é simples, e brutal: os Estados Unidos já não conseguem sustentar o sistema que criaram. O défice é estrutural. A dívida roça os 123% do PIB. O dólar, sobrevalorizado, tornou-se um símbolo de estatuto — e de decadência. Desvalorizá-lo diretamente seria suicídio financeiro. Cortar despesa é tóxico. Subir impostos, impossível. Resta apenas uma saída: transferir o custo da hegemonia para os aliados.

A proposta não é subtil. Nem pretende ser.

Miran sugere que os EUA usem tarifas, câmbio e segurança militar como alavancas de coerção para forçar os seus parceiros a contribuir para a estabilidade do sistema. Não por caridade — por dever. Afinal, são eles os maiores beneficiários da ordem americana: segurança, moeda de reserva, acesso ao mercado. Está na hora, diz Miran, de começarem a pagar a conta.

E a conta já começou a chegar.

As tarifas que Trump impôs nos últimos cem dias não são medidas defensivas. São instrumentos de pressão. Aplicadas com precisão sobre quem mais dívida americana detém: Japão, União Europeia, China, Canadá. Rússia e Bielorrússia, quase irrelevantes no mercado de Treasuries, escapam incólumes. O critério não é quem ameaça os EUA. É quem os financia.

O segundo eixo do plano é mais ambicioso: emitir “perpetual bonds” — obrigações do Tesouro sem data de reembolso. Uma forma sofisticada de reestruturar a dívida sem provocar pânico nos mercados. A dívida não desaparece. Mas também nunca é paga. Fica suspensa, eterna. E os aliados que a seguram tornam-se parte estrutural da solvência americana. Mais do que proteger os EUA, o plano de Miran pretende consolidar um império por outros meios. O mais inquietante, no entanto, não é a teoria. É a sua aplicação metódica — e a ausência de resistência.

Trump não está a castigar adversários. Está a disciplinar aliados. O guarda-chuva de segurança, que durante décadas cobriu a Europa e o Pacífico, agora vem com um preço. Ou aceitam as novas regras; ou veem-se à chuva.

A Europa hesita. Paris pede reciprocidade. Bruxelas ameaça com medidas proporcionais. Von der Leyen oferece esquemas de “zero-por-zero” em bens industriais — uma cenoura fácil, visto que as tarifas transatlânticas são, historicamente, baixas. O Parlamento Europeu, como sempre, acorda tarde.

Mas a armadilha está montada. Trump não quer renegociar o comércio. Quer redesenhar o mapa. Cada resposta simétrica só valida o jogo. O erro, desta vez, não será diplomático. Será estratégico.

Porque a resposta certa não é indignação, retração, retaliação. É abertura. Acelerar o acordo com o Mercosul. Discutir, sem complexos, a entrada na CPTPP (à qual o Reino Unido já aderiu). Reforçar laços com quem ainda acredita que comércio não é sinónimo de chantagem — Canadá, Japão, Coreia do Sul. Quem se fecha por instinto, cede por reflexo.

E Trump quer precisamente isso: reações automáticas, previsíveis, bilaterais. Onde cada grito europeu só serve para justificar a próxima tarifa. Trump quer transformar aliados em credores cativos. A Europa, se quiser ter margem, terá de transformar pressão em autonomia. E fazer algo que há muito adia: assumir que o multilateralismo não se salva com declarações. Salva-se com acordos. Sem ilusões. Sem moralismos.

E sem medo de reconhecer que o que está em causa não é o regresso do protecionismo — é a normalização da chantagem como arquitetura de poder.

A questão agora não é se a Europa responde. É se percebe que a nova linguagem do poder deixou de ser diplomática — e passou a ser contabilística. E que as faturas, desta vez, não se discutem. Pagam-se. Ou enfrentam-se.»


No Bolhão...

 


7.4.25

Luz nocturna

 


«Luz Nocturna Dois Pavões», 1920.
Designer: René Lalique.


Daqui.

Trump a chegar ao Bolhão

 



07.04.1893 - Almada Negreiros

 


Almada Negreiros nasceu em S. Tomé e Príncipe há 132 anos. Visitei e almocei na casa onde nasceu, na Roça Saudade, a 1.500 metros de altitude, da qual o pai era administrador. Com dois anos, Almada Negreiros veio para Cascais e passou a viver com a família da mãe que ficou em S. Tomé e morreu pouco depois.

Ficam aqui imagens, duas delas com algumas das muitas citações de Almada, pintadas na casa hoje transformada em restaurante-museu e um vídeo com um excerto da entrevista que Almada Negreiros concedeu ao programa Zip-Zip, em 1969 (ano anterior ao da sua morte).



  




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Mesmo assim, mais vale cantar

 


A ética da conveniência impõe-se e o poder está na rua

 


«Ao tempo das sondagens sucede-se o tempo dos debates, que dará lugar ao tempo da campanha, que vai trazer novas sondagens, onde as intenções de voto em cada partido já permitirão fazer uma aposta firme nos vencedores. O resultado eleitoral nem é o mais importante. Tendo de fazer uma opção, sendo intrinsecamente democratas, temos de conviver bem com um resultado que seja o oposto do que desejamos. Na vitória e na derrota, o que se espera dos políticos é que cuidem da saúde da democracia. Aliás, a não ser que exista um cataclismo político, os inquiridos dão já como certa a vitória da AD, mesmo responsabilizando os partidos do governo pela crise política e apontando ao primeiro-ministro falta de transparência.

Por agora, o que há de mais interessante para ler nos estudos de opinião não são os números das intenções de voto dos partidos, nem sequer a avaliação que os portugueses fazem das competências dos candidatos a primeiro-ministro, é a pouca importância que atribuem a comportamentos que há bem pouco tempo tinham castigo garantido nas urnas. Todas as sondagens dizem que o primeiro-ministro deve explicações ao país, mas acrescentam igualmente que, mesmo não sendo um exemplo de transparência, Luís Montenegro deve continuar a governar.

Olhando à minha volta, num ecossistema que não é apenas de jornalistas e políticos, é altamente desconfortável perceber que a ética da conveniência se impôs e tudo passou a ser possível. Estabeleceu-se o direito de cada um de nós poder decidir o que é ou não é verdade. Deixou de ser um conceito objetivo e o simples aviso de que uma qualquer percepção não corresponde à realidade passou a ser visto como uma ofensa. Nesta evolução do homo sapiens, o que devia ser objectivo passou a ser passível de interpretação e o que é por natureza subjetivo deixou de ser discutível, porque a primeira consequência deste relativismo é o aumento da agressividade e a diminuição da capacidade de diálogo. Endeusamos os outros se a opinião deles confirmar a nossa e execramos quem diverge de nós.

A ética passa a ser de conveniência, quando o que é reprovável neles passa a ser justificável em nós, à luz dos princípios que criticamos nos outros. É o momento em que inundamos o espaço público com acusações aos adversários daquilo que somos e fazemos. Se todos são e se todos fazem, gera-se uma indiferença na opinião pública. Quem determina o que é bom ou mau, aceitável ou inaceitável, é quem tem o poder e a força do seu lado, seja a força militar e económica, seja a força dos votos ou dos algoritmos que ajudam a arregimentar esses votos.

O wokismo, com os seus exageros, condicionou a esquerda que colocou em segundo plano as questões económicas e o bem-estar social e, dessa forma, alimentou a extrema-direita que contaminou a direita tradicional. Hoje é a direita que é dominante e usa o poder para impor um relativismo moral em que a ética passou de moda, mas a esquerda tem de reconhecer que o wokismo, ao relativizar valores culturais em nome da tolerância absoluta e da identidade subjetiva, espoletou a reacção que vemos hoje. Parece pouco, mas um conjunto de valores comuns é tudo o que precisamos. A Democracia é muito mais que o poder do voto e vamos demorar anos, ou mesmo décadas, a perceber aquilo de que estamos a abdicar.

Todo este contexto importa para entender a importância do que se passou no Mercado do Bolhão na quarta-feira. Sou jornalista há quase 40 anos, fiz dezenas de campanhas e estive muitas vezes no Bolhão. Fico pasmado ao ouvir outros jornalistas dizer que o que aconteceu a semana passada é normal, porque todos os governos fazem campanha. É verdade, mas o que se passou no dia 2 de abril foi muito para lá de uma campanha eleitoral. Transformar um Conselho de Ministros numa arruada para decidir sobre nada, fazendo do ministro-candidato autárquico a vedeta dessa jornada, convidando militantes para abrilhantar a festa (quanto terá custado aos contribuintes?), é transformar o Estado numa agência do partido. É levar o poder para a rua, não por vontade do povo para influenciar mudanças políticas, mas por vontade dos políticos para endrominar o povo. Quem semeia ventos colhe tempestades.»


EUA e pena de morte

 


6.4.25

Vem aí o Verão

 


Leque de seda pintado com amores-perfeitos e paus de madrepérola esculpidos. Victoria & Albert Museum, 1880-1900.
Ronot-Tutin.

Daqui.

90 metros de perigo

 


«São 90 os metros que todos os dias percorremos distraidamente nos feeds das redes sociais. O número é surpreendente e passa despercebido face à sedução que entretém o nosso cérebro.

Esses 90 metros equivalem à altura da Estátua da Liberdade. (…)

É cada vez mais fácil ser-se enganado. Nesses 90 metros diários de scroll, o que escolhemos acreditar pode ter um impacto muito maior do que imaginamos, sobretudo em tempos das verdades alternativas trazidas pelas campanhas eleitorais.»


06.04.2011 – Memórias amargas

 


Contra Trump e Musk

 


«Na onda de manifestações massivas contra o presidente Donald Trump e o multimilionário Elon Musk, seu conselheiro próximo, mais de 1.200 cidades americanas acolheram a maior demonstração de oposição popular desde a reeleição de Trump.» (DN, 06.04.2025)





E se for o fim de uma era?

 


«Além da Solverde, as relações entre Montenegro, Câmara de Espinho e empresas com que a autarquia e ele próprio foram fazendo negócios continuarão a aparecer, a conta-gotas, na imprensa. Talvez a casa de Montenegro, tema que a comunicação social tinha fechado com a simples exibição de um dossier, seja o link mais fácil. Como a ética republicana não começa e acaba na lei, não preciso de saber se cometeu ilegalidades. Disso trata a justiça. Com Sócrates, bastou-me que dissesse que era sustentado por um amigo com interesses no Estado para saber que não podia ter ocupado o cargo que ocupou. Com Montenegro, basta-me saber que recebia uma avença de casinos enquanto era primeiro-ministro e tropeçar nas sucessivas meias-verdades, omissões e coincidências entre os seus negócios privados, relações partidárias e funções técnicas para confirmar, a cada notícia que sai, que elegemos um videirinho.

Não fomos para eleições porque o Orçamento do Estado tenha sido chumbado, uma moção de censura tenha sido aprovada ou o programa do Governo não pudesse ser aplicado. As condições de governabilidade até eram excessivas para uma coligação com 29% que não mostrou interesse em construir entendimentos parlamentares com quem quer que fosse. Também é cedo para fazer um balanço. Um ano de anúncios diz-nos pouco, apesar de ser óbvio que o que corre bem já corria bem e o que corre mal pio¬rou mais um pouco. Vamos a votos porque Montenegro apresentou uma moção de confiança que sabia chumbada, recorrendo ao sufrágio popular para atestar a sua própria honestidade. Mesmo que não deva ser essa a estratégia de Pedro Nuno Santos, porque nenhum candidato a primeiro-ministro se credibiliza a falar dos pecadilhos do opositor, é impossível que esta campanha não seja sobre a razão pela qual vamos a votos: as condições éticas para Montenegro ocupar o cargo que ocupa.

Ainda só começámos a puxar o fio à meada e já se percebeu que Montenegro será um poço de casos nos próximos anos. Não há vitória eleitoral que apague a sua biografia que, por responsabilidade da comunicação social e graças a uma impressionante e eficaz gestão de silêncios, ficou por escrutinar desde que chegou a líder do PSD. E não foi por falta de sinais, com uma carreira feita de ajustes diretos com autarquias do PSD. Apesar de ser interessante assinalar a diferença de comportamento da PGR perante a investigação que envolvia Costa e a que envolve Montenegro, as eleições não sufragam o cumprimento da lei. Só tribunais o podem fazer. Sufragam, a pedido do próprio e já com bastos indícios, a avaliação ética que os eleitores fazem do primeiro-ministro. Isso implica uma campanha feia? Claro que sim. Foi escolha de quem achou, muito provavelmente com razão, que o mau momento reputacional seria compensado pelo bom momento económico e orçamental.

Acontece que a questão não é meramente ética. Com um ano de balanço e programas praticamente iguais, imagino que restarão dois temas nesta campanha: os casos de Montenegro e a governabilidade. E parece haver a tentação de separar os dois. Só que eles estão ligados. Primeiro, porque se a revelação de factos comprometedores sobre Montenegro resultar num reforço eleitoral do PSD, o “à vontade” que sentimos neste ano passará para um perigoso “à vontadinha” e a atração para o abismo será rapidíssima. Depois, porque nada disto acabará a 18 de maio. As histórias continuarão lá todas. Assim como as ligações ainda não exploradas e as investigações que agora se fazem a correr, para corresponder ao apelo de plebiscito à ética de Montenegro. E a Comissão Parlamentar de Inquérito até pode vir a ter um âmbito ainda mais alargado. Montenegro será um primeiro-ministro vulnerável. Uma vulnerabilidade ditada por muitas suspeitas e algumas certezas.

Como escrevi na semana passada, a extrema-direita não cresce pela revolta ética. Os eleitores do Chega não são, como vemos pelos seus deputados, os mais exigentes entre nós. A extrema-direita cresce com a degenerescência da democracia. Ela não representa a indignação. Representa o cinismo e a acomodação. A reeleição de um primeiro-ministro tão vulnerável, e até o seu reforço como prémio de uma estratégia que viu a sua própria fragilidade ética como uma oportunidade eleitoral, corresponderão à degradação do poder político. Estas eleições podem parecer um intervalo entre ciclos curtos ou o início de um ciclo longo. Mas, tendo em conta as forças antidemocráticas prontas a abocanhar um poder apodrecido, a reeleição e reforço de um primeiro-ministro com este perfil ético pode corresponder ao derradeiro episódio de uma era.»